Para prof. Adelia Miglievich no momento de novos vôos
Há pouco mais de um ano e seis meses defendi minha dissertação de mestrado em Políticas Sociais na UENF (disponível aqui). Particularmente comigo ocorreu o momento de saturação ante o rebento. Não é algo tão exótico...é quase prática consagrada na pós-graduação. Isto faz com que inconscientemente (ou não) criador e criatura afastem-se para um importante exílio existencial. Em verdade os dois testam-se mutuamente para observar se há alguma longevidade naquele discurso, não poucas vezes produzido em condições de tensão, onde o maior desafio ex post facto é testar a capacidade heurística de tudo aquilo após um determinado tempo. Chegando em janeiro de 2009 acredito que momentaneamente temos algum fôlego. Eu e a dissertação.
Averiguando o material escrito na busca por liquidar compromissos profissionais já assumidos e invariavelmente postergados vi que existem questões interessantes, teóricas e empíricas, que merecem ser resgatadas e amadurecidas. Mas além destas questões estritamente “formais”, do “homem de reflexão”, há um elemento que paira sobre todo o texto em suas conseqüências: os problemas do “homem de vontade”. E é sobre isto este pequeno ensaio.
Max Weber em seu ainda incrivelmente profícuo debate sobre a objetividade do conhecimento nas ciências sociais, em artigo publicado em 1904, discute sobre as particularidades do métier sociológico no delicado momento de sua institucionalização - como o é em toda ciência. Ora, o que demarcaria o campo de trabalho dos cientistas sociais? E, sobretudo, como deve ser sua prática científica específica na medida em que este profissional exatamente encontra-se constrangido pela divisão social (aqui intelectual) do trabalho? Dentre as muitas problemáticas epistemológicas notadamente profundas neste tocante me restringirei à pedagógica imagem proposta pelo autor da diferenciação entre o “homem da reflexão” e o “homem da vontade”. Certamente esta imagem se não resolve em pormenores os problemas decorrentes desta reflexão ao menos nos serve para pensar...
Ora, Max Weber, acusado por Michel Löwy de “positivista” (mais um rótulo estéril em que entram de Augusto Comte até Niklas Luhmann), discute justamente a impossibilidade prática de geração de conhecimento “neutro” na medida em que o olhar, o recorte temático, o que estudar, enfim, os primeiros passos de toda e qualquer pesquisa, são derivados de elementos da subjetividade do cientista. Há a VONTADE que irá, muitas das vezes, definir, o objeto. Desnecessário dizer que as nossas convicções constituem este complexo. Portanto nossos posicionamentos mais íntimos diante da política, da cultura, da sociedade, enfim, irão direcionar nosso olhar. E certamente não haveria de ser diferente. Eis onde está em cena “o homem de vontade” onde se constrói o PROBLEMA de pesquisa. Afora questões práticas metodológicas, obviamente, o homem de vontade é o que faz a política, é o que atua na esfera pública onde defronta-se contra ou a favor da correlação de forças existente.
O “homem reflexivo” (ou de reflexão) encontra-se no momento onde há a aplicação sistemática e exaustiva de métodos ante elementos construídos pela subjetividade do homem de vontade, onde são constituídas as prioridades da conjuntura seja pela comunidade científica ou pela sociedade onde situa-se o cientista. Certamente faz todo o sentido a frase “Cabe-nos fazer frente às exigências do dia”, dita pelo próprio Weber. E é onde o “homem de vontade” situa-se em saia justa.... Dado que hipóteses são negadas justamente neste momento de confronto com dados, relatos, documentos...
Claro que em Weber há a carência de uma teoria hermenêutica que explique como a intersubjetividade torna de fato questão “a” uma prioridade em detrimento de “b”. Seja para a comunidade de cientistas ou para a sociedade.. Mas este não é meu ponto aqui neste texto.
Invariavelmente os “tipos ideais” do “homem de vontade” e do “homem de reflexão” - o tipo ideal é um recurso explicativo redutor da complexidade inerente ao real portanto na realidade os dois ESTÃO MISTURADOS e meu uso aqui é didático/cômico para reforçar o argumento - geram todos os constrangimentos e surpreendem o cientista social na sua práxis cotidiana. E são estes princípios de “vigilância epistemológica” que constroem os fatos. Os fatos não estão ali isentos, pairando em qualquer éter...“O fato é conquistado ante a ilusão do saber imediato”, como apontaria Pierre Bourdieu, onde as continuidades são inegáveis com as questões que estou discutindo aqui.
Antes de prosseguir, sabendo que não há “objetividade” pronta dada pelas coisas “nelas mesmas”, desconsiderando qualquer premissa de neutralidade, vemos o quanto há de pouco crível na acusação de Löwy de “positivismo weberiano...” que se ateve em seu argumento unicamente na apropriação unilateral da chamada “neutralidade axiológica” fora do contexto original.
Retomando, acompanho com preocupação como analistas de esquerda e direita parecem ainda compreender pouco ou quase nada do funcionamento prático dos dois grandes Fóruns que leremos e ouviremos exaustivamente nos próximos dias neste final do mês de janeiro de 2009. Falo aqui do Fórum Social Mundial e do Fórum Econômico Mundial. Excesso de homem de vontade e carência quase absoluta do homem de reflexão.
Voltemos ao “homem de vontade” em meu caso. Até o presente momento sou ainda tão cético quanto impaciente com a chamada “democracia representativa liberal” e seus desafios. Se ela inegavelmente traria avanços comparativamente aos momentos de ditadura de esquerda ou de direita na História, algo indiscutível em praticamente todos os quesitos, isto não nos deve fazer com que tenhamos necessariamente que aderir a um dogma construído no “pós-terceira onda” de democratização.... Ainda há pontos de estrangulamento para a participação política popular seja pelo “filtro” do voto ou mesmo pelas especificidades terminológicas do léxico da tecnocracia onde qualquer aspiração progressista torna-se piada. De toda forma em sociedades estruturalmente desiguais a chamada “igualdade civil”, sempre relativa, encontra-se desconfortável. E é sob a premissa da igualdade civil que assenta-se normativamente a legitimidade da democracia representativa liberal (meu voto valeria tanto quanto o de Antonio Ermírio de Moraes...).
Evidente que teoricamente parte de minhas preocupações enquanto sociólogo são concentradas para pensar saídas políticas em um cenário onde as “energias utópicas” encontram-se tão esmaecidas quanto desacreditadas. Mais um ponto do “homem de vontade” em que parto da premissa normativa que a sociedade que temos necessariamente precisa melhorar substantivamente e, para tanto, é necessário discutirmos com rigor suas premissas de funcionamento. Eis a adesão à teoria crítica (mais um rótulo escorregadio).
Claro que pensando em um misto de sociologia política e filosofia política eu aderi de forma quase entusiástica ao que se discute como “democracia cosmopolita”. Seria enfim uma via para construirmos uma paz mundial que não fosse somente a dos cemitérios? Ora, teríamos mecanismos sistêmicos para tal, tecnologia, etc.. Teríamos uma demanda igualmente global, dado que questões do capitalismo financeiro ou mesmo impactos sócio-ambientais ignoram solenemente as fronteiras dos Estados-Nacionais. Poderíamos pensar, como apontaria o filósofo Peter Singer, em uma ética global.. Porque não?
Já disse o sociólogo belga Fréderic Vandenberghe que o cosmopolitismo seria uma resposta radicalmente humanista para a globalização (conceito difícil onde concentra-se uma miríade de fenômenos). Certamente desta posição partilhariam David Held (o papa da democracia cosmopolita), Anthony Giddens, Jürgen Habermas, Ulrich Beck, para ficarmos nos mais cotados. Diante do tédio institucional em que a democracia representativa liberal nos colocou... oras.. porque não pensarmos em uma democracia fora dos limites carcomidos dos Estados-Nacionais? Uma solução radical para problemas radicais.
Sem pestanejar, por indicação de minha orientadora, prof.ª Adelia Miglievich, pensei os dois Fóruns transnacionais. Tínhamos um problema teórico substantivo. Tínhamos problemas normativos igualmente relevantes. E tínhamos um objeto pujante.
Neste momento o homem de vontade teve que passear, com parte de suas radicais convicções humanistas, e fica o homem de reflexão. Se os Fóruns poderiam, cada qual a sua maneira, projetar “um outro mundo possível”, eles deveriam partilhar de um punhado de premissas que poderiam ser atestadas na prática. Ou não.
E não foram até onde pude acompanhar.
Os adeptos da “democracia cosmopolita” defendem que pensarmos em um cenário político transnacional poderia ser uma via interessante para o enfrentamento de assimetrias, para o incentivo da auto-vigilância (auto-contenção decorrente), da transparência, etc.. Na medida em que compreende-se que a coerção transnacional poderia ser tão ou mais qualificada quanto a interna. Mas, para que este novo contrato social funcione em uma escala pós-nacional teríamos que pensar em agentes onde o pacto se desenvolvesse em um ambiente de equidade, onde houvesse a preocupação explícita com o enfrentamento das assimetrias, onde fosse viável algum tipo de ambiência dialógica fértil. E nenhum dos fóruns oferece isso.
Em verdade onde há um discurso previamente formatado e protocolar em um, em Davos, ou na doce polifonia libertária de outro, no FSM, há predominâncias de atores “a” sobre “b”... Pesa a desigualdade de distribuição de recursos simbólicos, tal como em qualquer setor da sociedade. Qualquer movimento. Qualquer partido. E no caso específico do FSM há agrupamentos mais organizados do que outros o que oculta, no mercado político, demandas reprimidas que nesta condição continuam. Com FSM ou sem FSM. No FEM de Davos, aquela luxuosa estação de esqui, “ortodoxias” religiosas, políticas e culturais fazem com que seja simplesmente risível acreditar que Bono Vox tenha tanto peso quanto Bill Gates faticamente. Mas, na espetacularização, que oblitera a reflexividade, Vox e Gates são agentes do mesmo cenário global, conversando alegremente sobre a fome mundial. Illusio!
Sobre os fóruns transnacionais onde congregam-se mercado, sociedade civil e Estado, há o forte peso da promessa de “reinvenção da política”. Minha preocupação é que exige-se discursivamente muito mais do que estes fóruns podem realmente oferecer. Mesmo intelectuais, minha crítica é além da mídia, ao participarem da mitificação dos Fóruns abortam qualquer possibilidade de mudança progressista ao verem apenas o que querem ver (Ou conseguem ver). Não conseguem compreender que os fóruns, longe de qualquer premissa messiânica, podem ser no máximo interessantes laboratórios em que o experimentalismo seja parte inegável de sua constituição para práticas políticas cosmopolitas enquanto não estamos preparados para algo assim in totum.
Retomando pela última vez Max Weber, as ciências sociais são ciências empíricas. Devem se dedicar a pensar não tanto a realidade social como “deve ser”. A tarefa é pensar o mais próximo possível do que ela é. Assim o homem reflexivo presta grande serviço ao homem de vontade. Em suma, certamente se quisermos ajudar a pensar os fóruns, que inclusive este ano contam com uma reunião inspirada nestes interessantes eventos até mesmo na praia de Atafona (norte fluminense – município de São João da Barra – RJ), podemos começar discutindo suas dificuldades inúmeras que se aproximam muitíssimo da política “realmente existente”. Desta maneira, quem sabe, vislumbraremos um projeto cosmopolita sólido, interessante e não delirante. Rotinizemos o carisma dos fóruns para seu próprio bem.
Averiguando o material escrito na busca por liquidar compromissos profissionais já assumidos e invariavelmente postergados vi que existem questões interessantes, teóricas e empíricas, que merecem ser resgatadas e amadurecidas. Mas além destas questões estritamente “formais”, do “homem de reflexão”, há um elemento que paira sobre todo o texto em suas conseqüências: os problemas do “homem de vontade”. E é sobre isto este pequeno ensaio.
Max Weber em seu ainda incrivelmente profícuo debate sobre a objetividade do conhecimento nas ciências sociais, em artigo publicado em 1904, discute sobre as particularidades do métier sociológico no delicado momento de sua institucionalização - como o é em toda ciência. Ora, o que demarcaria o campo de trabalho dos cientistas sociais? E, sobretudo, como deve ser sua prática científica específica na medida em que este profissional exatamente encontra-se constrangido pela divisão social (aqui intelectual) do trabalho? Dentre as muitas problemáticas epistemológicas notadamente profundas neste tocante me restringirei à pedagógica imagem proposta pelo autor da diferenciação entre o “homem da reflexão” e o “homem da vontade”. Certamente esta imagem se não resolve em pormenores os problemas decorrentes desta reflexão ao menos nos serve para pensar...
Ora, Max Weber, acusado por Michel Löwy de “positivista” (mais um rótulo estéril em que entram de Augusto Comte até Niklas Luhmann), discute justamente a impossibilidade prática de geração de conhecimento “neutro” na medida em que o olhar, o recorte temático, o que estudar, enfim, os primeiros passos de toda e qualquer pesquisa, são derivados de elementos da subjetividade do cientista. Há a VONTADE que irá, muitas das vezes, definir, o objeto. Desnecessário dizer que as nossas convicções constituem este complexo. Portanto nossos posicionamentos mais íntimos diante da política, da cultura, da sociedade, enfim, irão direcionar nosso olhar. E certamente não haveria de ser diferente. Eis onde está em cena “o homem de vontade” onde se constrói o PROBLEMA de pesquisa. Afora questões práticas metodológicas, obviamente, o homem de vontade é o que faz a política, é o que atua na esfera pública onde defronta-se contra ou a favor da correlação de forças existente.
O “homem reflexivo” (ou de reflexão) encontra-se no momento onde há a aplicação sistemática e exaustiva de métodos ante elementos construídos pela subjetividade do homem de vontade, onde são constituídas as prioridades da conjuntura seja pela comunidade científica ou pela sociedade onde situa-se o cientista. Certamente faz todo o sentido a frase “Cabe-nos fazer frente às exigências do dia”, dita pelo próprio Weber. E é onde o “homem de vontade” situa-se em saia justa.... Dado que hipóteses são negadas justamente neste momento de confronto com dados, relatos, documentos...
Claro que em Weber há a carência de uma teoria hermenêutica que explique como a intersubjetividade torna de fato questão “a” uma prioridade em detrimento de “b”. Seja para a comunidade de cientistas ou para a sociedade.. Mas este não é meu ponto aqui neste texto.
Invariavelmente os “tipos ideais” do “homem de vontade” e do “homem de reflexão” - o tipo ideal é um recurso explicativo redutor da complexidade inerente ao real portanto na realidade os dois ESTÃO MISTURADOS e meu uso aqui é didático/cômico para reforçar o argumento - geram todos os constrangimentos e surpreendem o cientista social na sua práxis cotidiana. E são estes princípios de “vigilância epistemológica” que constroem os fatos. Os fatos não estão ali isentos, pairando em qualquer éter...“O fato é conquistado ante a ilusão do saber imediato”, como apontaria Pierre Bourdieu, onde as continuidades são inegáveis com as questões que estou discutindo aqui.
Antes de prosseguir, sabendo que não há “objetividade” pronta dada pelas coisas “nelas mesmas”, desconsiderando qualquer premissa de neutralidade, vemos o quanto há de pouco crível na acusação de Löwy de “positivismo weberiano...” que se ateve em seu argumento unicamente na apropriação unilateral da chamada “neutralidade axiológica” fora do contexto original.
Retomando, acompanho com preocupação como analistas de esquerda e direita parecem ainda compreender pouco ou quase nada do funcionamento prático dos dois grandes Fóruns que leremos e ouviremos exaustivamente nos próximos dias neste final do mês de janeiro de 2009. Falo aqui do Fórum Social Mundial e do Fórum Econômico Mundial. Excesso de homem de vontade e carência quase absoluta do homem de reflexão.
Voltemos ao “homem de vontade” em meu caso. Até o presente momento sou ainda tão cético quanto impaciente com a chamada “democracia representativa liberal” e seus desafios. Se ela inegavelmente traria avanços comparativamente aos momentos de ditadura de esquerda ou de direita na História, algo indiscutível em praticamente todos os quesitos, isto não nos deve fazer com que tenhamos necessariamente que aderir a um dogma construído no “pós-terceira onda” de democratização.... Ainda há pontos de estrangulamento para a participação política popular seja pelo “filtro” do voto ou mesmo pelas especificidades terminológicas do léxico da tecnocracia onde qualquer aspiração progressista torna-se piada. De toda forma em sociedades estruturalmente desiguais a chamada “igualdade civil”, sempre relativa, encontra-se desconfortável. E é sob a premissa da igualdade civil que assenta-se normativamente a legitimidade da democracia representativa liberal (meu voto valeria tanto quanto o de Antonio Ermírio de Moraes...).
Evidente que teoricamente parte de minhas preocupações enquanto sociólogo são concentradas para pensar saídas políticas em um cenário onde as “energias utópicas” encontram-se tão esmaecidas quanto desacreditadas. Mais um ponto do “homem de vontade” em que parto da premissa normativa que a sociedade que temos necessariamente precisa melhorar substantivamente e, para tanto, é necessário discutirmos com rigor suas premissas de funcionamento. Eis a adesão à teoria crítica (mais um rótulo escorregadio).
Claro que pensando em um misto de sociologia política e filosofia política eu aderi de forma quase entusiástica ao que se discute como “democracia cosmopolita”. Seria enfim uma via para construirmos uma paz mundial que não fosse somente a dos cemitérios? Ora, teríamos mecanismos sistêmicos para tal, tecnologia, etc.. Teríamos uma demanda igualmente global, dado que questões do capitalismo financeiro ou mesmo impactos sócio-ambientais ignoram solenemente as fronteiras dos Estados-Nacionais. Poderíamos pensar, como apontaria o filósofo Peter Singer, em uma ética global.. Porque não?
Já disse o sociólogo belga Fréderic Vandenberghe que o cosmopolitismo seria uma resposta radicalmente humanista para a globalização (conceito difícil onde concentra-se uma miríade de fenômenos). Certamente desta posição partilhariam David Held (o papa da democracia cosmopolita), Anthony Giddens, Jürgen Habermas, Ulrich Beck, para ficarmos nos mais cotados. Diante do tédio institucional em que a democracia representativa liberal nos colocou... oras.. porque não pensarmos em uma democracia fora dos limites carcomidos dos Estados-Nacionais? Uma solução radical para problemas radicais.
Sem pestanejar, por indicação de minha orientadora, prof.ª Adelia Miglievich, pensei os dois Fóruns transnacionais. Tínhamos um problema teórico substantivo. Tínhamos problemas normativos igualmente relevantes. E tínhamos um objeto pujante.
Neste momento o homem de vontade teve que passear, com parte de suas radicais convicções humanistas, e fica o homem de reflexão. Se os Fóruns poderiam, cada qual a sua maneira, projetar “um outro mundo possível”, eles deveriam partilhar de um punhado de premissas que poderiam ser atestadas na prática. Ou não.
E não foram até onde pude acompanhar.
Os adeptos da “democracia cosmopolita” defendem que pensarmos em um cenário político transnacional poderia ser uma via interessante para o enfrentamento de assimetrias, para o incentivo da auto-vigilância (auto-contenção decorrente), da transparência, etc.. Na medida em que compreende-se que a coerção transnacional poderia ser tão ou mais qualificada quanto a interna. Mas, para que este novo contrato social funcione em uma escala pós-nacional teríamos que pensar em agentes onde o pacto se desenvolvesse em um ambiente de equidade, onde houvesse a preocupação explícita com o enfrentamento das assimetrias, onde fosse viável algum tipo de ambiência dialógica fértil. E nenhum dos fóruns oferece isso.
Em verdade onde há um discurso previamente formatado e protocolar em um, em Davos, ou na doce polifonia libertária de outro, no FSM, há predominâncias de atores “a” sobre “b”... Pesa a desigualdade de distribuição de recursos simbólicos, tal como em qualquer setor da sociedade. Qualquer movimento. Qualquer partido. E no caso específico do FSM há agrupamentos mais organizados do que outros o que oculta, no mercado político, demandas reprimidas que nesta condição continuam. Com FSM ou sem FSM. No FEM de Davos, aquela luxuosa estação de esqui, “ortodoxias” religiosas, políticas e culturais fazem com que seja simplesmente risível acreditar que Bono Vox tenha tanto peso quanto Bill Gates faticamente. Mas, na espetacularização, que oblitera a reflexividade, Vox e Gates são agentes do mesmo cenário global, conversando alegremente sobre a fome mundial. Illusio!
Sobre os fóruns transnacionais onde congregam-se mercado, sociedade civil e Estado, há o forte peso da promessa de “reinvenção da política”. Minha preocupação é que exige-se discursivamente muito mais do que estes fóruns podem realmente oferecer. Mesmo intelectuais, minha crítica é além da mídia, ao participarem da mitificação dos Fóruns abortam qualquer possibilidade de mudança progressista ao verem apenas o que querem ver (Ou conseguem ver). Não conseguem compreender que os fóruns, longe de qualquer premissa messiânica, podem ser no máximo interessantes laboratórios em que o experimentalismo seja parte inegável de sua constituição para práticas políticas cosmopolitas enquanto não estamos preparados para algo assim in totum.
Retomando pela última vez Max Weber, as ciências sociais são ciências empíricas. Devem se dedicar a pensar não tanto a realidade social como “deve ser”. A tarefa é pensar o mais próximo possível do que ela é. Assim o homem reflexivo presta grande serviço ao homem de vontade. Em suma, certamente se quisermos ajudar a pensar os fóruns, que inclusive este ano contam com uma reunião inspirada nestes interessantes eventos até mesmo na praia de Atafona (norte fluminense – município de São João da Barra – RJ), podemos começar discutindo suas dificuldades inúmeras que se aproximam muitíssimo da política “realmente existente”. Desta maneira, quem sabe, vislumbraremos um projeto cosmopolita sólido, interessante e não delirante. Rotinizemos o carisma dos fóruns para seu próprio bem.