Na seção de hoje da “Entrevista do Outros Campos” trazemos a contribuição para a reflexão do professor associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense (LESCE/CCH), Dr. Hamilton Garcia de Lima. O prof. Hamilton, doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense, detém farta experiência na observação/análise da política brasileira tanto com trabalhos publicados na área quanto intervenções em jornais de circulação nacional como “O Globo” e “Gazeta Mercantil”. Nesta entrevista, realizada em dezembro último, o prof. Hamilton foi convidado a compartilhar algumas impressões sobre a política local, resvalando também na conjuntura nacional.
1 – Como o senhor avalia o fórum sobre eleições ocorrido na Universidade Estadual do Norte Fluminense onde o senhor mesmo foi um dos idealizadores?
O fórum foi um sucesso de crítica e um relativo fracasso de público. Relativo pois atraiu menos de uma centena de pessoas, mas reuniu setores importantes da sociedade local.
A escassez de público tem várias causas, mas talvez a principal seja o esvaziamento da esfera pública local, fruto de mais de uma década de hegemonia do clientelismo selvagem.
O importante, nesse caso, é que se conseguiu, apesar de todas as pressões em contrário, reunir uma massa crítica mínima para pensar os destinos da cidade. Acho que devemos dar continuidade a essa iniciativa, sobretudo no seio das universidades.
2 – O filósofo Roberto Mangabeira Unger disse certa vez que o político brasileiro tem “medo das idéias”. Isto explicaria o afastamento entre parte substantiva da “classe política” de Campos dos Goytacazes e os intelectuais?
A classe política brasileira, fazendo pequenas concessões, encontrou seu momento de glória com Lula no poder e seu escudo mágico chamado ibope. Popularidade é algo que se desmancha no ar, em meio a uma crise grave, como já vimos em dois episódios dramáticos do populismo brasileiro (1954 e 1964), todavia é irresistível no curto-prazo, sobretudo diante de partidos tão esvaziados como os que temos.
Enquanto durar essa lua de mel, que depende, no mais das vezes, da proximidade com um tipo específico de intelectual – voltado para servir ao poder –, a classe política não tem porque se arriscar na relação com os intelectuais que dão vida ao mundo da disputa pública dos interesses.
Aqui em Campos, as coisas podem degringolar mais rapidamente pois o pacto populista se alicerça, basicamente, no poder de cooptação da municipalidade, e sem ele o poder pode sentir a necessidade de reabrir seu diálogo com os intelectuais – não obstante a confusão reinante, no seio dos novos dirigentes, entre intelectuais e intelectualismo.
3 – O senhor poderia fazer um balanço do que foi o “muda Campos”?
Até onde sei, foi um movimento de jovens de classe média que conseguiram, graças à divisão nas oligarquias locais e ao carisma popular de um candidato (Garotinho), ganhar as eleições e renovar a classe dirigente local, mesmo tendo fracassado no intento de revolucionar o modus operandi da gestão pública.
O fracasso, em parte, se explica pela idiossincrasia da nova liderança eleitoral: preso a uma visão tradicional do poder, como glória pessoal, promoveu figuras anódinas de seu entorno na tentativa de minimizar disputas internas pelo poder. A tática saiu pela culatra pois, diante da poderosa máquina financeira em que se transformou a municipalidade, estes personagens demonstraram-se os mais aptos para o jogo da cooptação rude, sem carisma.
O hábito da renovação das pessoas no poder sem mudança profunda nos procedimentos é uma característica forte da cultura brasileira, que concebe qualquer mudança provocada pela razão humana como artificial, sendo preferida a via tradicional da longa seleção natural.
4 – Suas pesquisas tem enfocado enormemente a cidade de Campos dos Goytacazes e sua classe política. Há algo que lhe causa maior espanto? Se sim, o que?
Na verdade, não tem muito tempo que passei a me interessar pela política local, mas nesse curto período me chamou atenção o modo selvagem como a cooptação estatal operou por aqui nos últimos anos: as secretarias viraram governos paralelos, aparentemente inviabilizando uma direção centralizada, de forma a satisfazer o apetite dos grupos aliados no poder, mas também de justificar a sangria descontrolada dos recursos públicos com o esfarrapadíssimo "eu não sabia" – que, ao cabo, funcionou tanto no plano local como nacional.
Essa situação, sustentada por eleições livres, fez uma liderança comunitária da cidade produzir a seguinte pérola: “O voto corrompe, tanto o político como também o eleitor”.
5 – Como o senhor avalia a esquerda local? E particularmente, como o senhor interpreta os rachas dentro do Partido dos Trabalhadores local? Os “móveis” da ação estão no campo da disputa pura e simplesmente do poder ou por conta da ausência de uma identidade discursivamente elabora, clara e discernível?
Uma parte importante da esquerda local, inspirada no sucesso de Lula, foi cooptada pelo sistema – só que antes de chegar à chefia do governo – o que acabou por inviabilizar sua competitividade eleitoral. O grosso dessa disputa crucial se deu no PT e a parte mais esclarecida do partido, sabiamente, insistiu na política de resistência e, com isso, pode permitir ao partido, no futuro, tentar recuperar sua credibilidade política.
Mas, é preciso entender que a identidade discursiva da ala "lulista" era clara e discernível e seu móvel estava no sucesso – mal compreendido – da própria trajetória do líder: Lula foi o apologista da mudança radical num país que ama o gradualismo e sua abdicação oportunística, desapercebida pela massa, se deu em prol de uma política de resultados que coincidiu com a bolha consumista global. No caso de Campos, ao contrário, o adesismo precoce coincidiu com o início da crise da farra creditícia e com o desgaste agudo das forças no poder – momento propício para a transmutação da resistência em alternativa, como fez o PT em 2002, e não o contrário, como se fez com a entrada no Governo Mocaiber.
6 - Como avalia o percentual significativo de eleitores que votou em Makhoul e em Odete nas duas últimas eleições, respectivamente? O senhor acha que existe alguma coerência ideológica neste eleitorado na recusa às candidaturas bancadas por Arnaldo e Garotinho?
Com Makhoul era o momento da resistência, com Odete a resistência teve que ser reiterada em função do desastroso adesismo da maioria petista.
7 – Neste momento, na esfera pública campista, há um movimento pendular oscilando entre o mais puro fatalismo, de um lado, e algum tipo de esperança messiânica por outro. Quais são as perspectivas do senhor, enquanto analista social, sobre o futuro próximo de Campos?
O quadro é de um otimismo moderado pois, ao contrário do que ocorre com o carisma no plano nacional, aqui o carisma está dissociado da esquerda e até assume um certo ar neoconservador no seu arranjo partidário, o que permite aos críticos retomarem seu protagonismo oposicionista de praxe – restando apenas saber qual o nível de controle efetivo que os desmoralizados "lulistas" locais ainda terão sobre o partido. Se o PT local voltar ao seu leito "autêntico" a polarização política pode melhorar de qualidade, deslocando o clientelismo selvagem da oposição principal aos carismáticos no poder, o que fará bem à cidade.
Independente disso, todavia, os carismáticos têm um compromisso firmado com a racionalização das políticas públicas locais – o que serão obrigados a fazer até por conta da diminuição das transferências petrolíferas. Sendo assim, a sociedade civil pode recuperar o terreno perdido na interlocução com o Estado se souber se organizar para tal, sem partis pris.
1 – Como o senhor avalia o fórum sobre eleições ocorrido na Universidade Estadual do Norte Fluminense onde o senhor mesmo foi um dos idealizadores?
O fórum foi um sucesso de crítica e um relativo fracasso de público. Relativo pois atraiu menos de uma centena de pessoas, mas reuniu setores importantes da sociedade local.
A escassez de público tem várias causas, mas talvez a principal seja o esvaziamento da esfera pública local, fruto de mais de uma década de hegemonia do clientelismo selvagem.
O importante, nesse caso, é que se conseguiu, apesar de todas as pressões em contrário, reunir uma massa crítica mínima para pensar os destinos da cidade. Acho que devemos dar continuidade a essa iniciativa, sobretudo no seio das universidades.
2 – O filósofo Roberto Mangabeira Unger disse certa vez que o político brasileiro tem “medo das idéias”. Isto explicaria o afastamento entre parte substantiva da “classe política” de Campos dos Goytacazes e os intelectuais?
A classe política brasileira, fazendo pequenas concessões, encontrou seu momento de glória com Lula no poder e seu escudo mágico chamado ibope. Popularidade é algo que se desmancha no ar, em meio a uma crise grave, como já vimos em dois episódios dramáticos do populismo brasileiro (1954 e 1964), todavia é irresistível no curto-prazo, sobretudo diante de partidos tão esvaziados como os que temos.
Enquanto durar essa lua de mel, que depende, no mais das vezes, da proximidade com um tipo específico de intelectual – voltado para servir ao poder –, a classe política não tem porque se arriscar na relação com os intelectuais que dão vida ao mundo da disputa pública dos interesses.
Aqui em Campos, as coisas podem degringolar mais rapidamente pois o pacto populista se alicerça, basicamente, no poder de cooptação da municipalidade, e sem ele o poder pode sentir a necessidade de reabrir seu diálogo com os intelectuais – não obstante a confusão reinante, no seio dos novos dirigentes, entre intelectuais e intelectualismo.
3 – O senhor poderia fazer um balanço do que foi o “muda Campos”?
Até onde sei, foi um movimento de jovens de classe média que conseguiram, graças à divisão nas oligarquias locais e ao carisma popular de um candidato (Garotinho), ganhar as eleições e renovar a classe dirigente local, mesmo tendo fracassado no intento de revolucionar o modus operandi da gestão pública.
O fracasso, em parte, se explica pela idiossincrasia da nova liderança eleitoral: preso a uma visão tradicional do poder, como glória pessoal, promoveu figuras anódinas de seu entorno na tentativa de minimizar disputas internas pelo poder. A tática saiu pela culatra pois, diante da poderosa máquina financeira em que se transformou a municipalidade, estes personagens demonstraram-se os mais aptos para o jogo da cooptação rude, sem carisma.
O hábito da renovação das pessoas no poder sem mudança profunda nos procedimentos é uma característica forte da cultura brasileira, que concebe qualquer mudança provocada pela razão humana como artificial, sendo preferida a via tradicional da longa seleção natural.
4 – Suas pesquisas tem enfocado enormemente a cidade de Campos dos Goytacazes e sua classe política. Há algo que lhe causa maior espanto? Se sim, o que?
Na verdade, não tem muito tempo que passei a me interessar pela política local, mas nesse curto período me chamou atenção o modo selvagem como a cooptação estatal operou por aqui nos últimos anos: as secretarias viraram governos paralelos, aparentemente inviabilizando uma direção centralizada, de forma a satisfazer o apetite dos grupos aliados no poder, mas também de justificar a sangria descontrolada dos recursos públicos com o esfarrapadíssimo "eu não sabia" – que, ao cabo, funcionou tanto no plano local como nacional.
Essa situação, sustentada por eleições livres, fez uma liderança comunitária da cidade produzir a seguinte pérola: “O voto corrompe, tanto o político como também o eleitor”.
5 – Como o senhor avalia a esquerda local? E particularmente, como o senhor interpreta os rachas dentro do Partido dos Trabalhadores local? Os “móveis” da ação estão no campo da disputa pura e simplesmente do poder ou por conta da ausência de uma identidade discursivamente elabora, clara e discernível?
Uma parte importante da esquerda local, inspirada no sucesso de Lula, foi cooptada pelo sistema – só que antes de chegar à chefia do governo – o que acabou por inviabilizar sua competitividade eleitoral. O grosso dessa disputa crucial se deu no PT e a parte mais esclarecida do partido, sabiamente, insistiu na política de resistência e, com isso, pode permitir ao partido, no futuro, tentar recuperar sua credibilidade política.
Mas, é preciso entender que a identidade discursiva da ala "lulista" era clara e discernível e seu móvel estava no sucesso – mal compreendido – da própria trajetória do líder: Lula foi o apologista da mudança radical num país que ama o gradualismo e sua abdicação oportunística, desapercebida pela massa, se deu em prol de uma política de resultados que coincidiu com a bolha consumista global. No caso de Campos, ao contrário, o adesismo precoce coincidiu com o início da crise da farra creditícia e com o desgaste agudo das forças no poder – momento propício para a transmutação da resistência em alternativa, como fez o PT em 2002, e não o contrário, como se fez com a entrada no Governo Mocaiber.
6 - Como avalia o percentual significativo de eleitores que votou em Makhoul e em Odete nas duas últimas eleições, respectivamente? O senhor acha que existe alguma coerência ideológica neste eleitorado na recusa às candidaturas bancadas por Arnaldo e Garotinho?
Com Makhoul era o momento da resistência, com Odete a resistência teve que ser reiterada em função do desastroso adesismo da maioria petista.
7 – Neste momento, na esfera pública campista, há um movimento pendular oscilando entre o mais puro fatalismo, de um lado, e algum tipo de esperança messiânica por outro. Quais são as perspectivas do senhor, enquanto analista social, sobre o futuro próximo de Campos?
O quadro é de um otimismo moderado pois, ao contrário do que ocorre com o carisma no plano nacional, aqui o carisma está dissociado da esquerda e até assume um certo ar neoconservador no seu arranjo partidário, o que permite aos críticos retomarem seu protagonismo oposicionista de praxe – restando apenas saber qual o nível de controle efetivo que os desmoralizados "lulistas" locais ainda terão sobre o partido. Se o PT local voltar ao seu leito "autêntico" a polarização política pode melhorar de qualidade, deslocando o clientelismo selvagem da oposição principal aos carismáticos no poder, o que fará bem à cidade.
Independente disso, todavia, os carismáticos têm um compromisso firmado com a racionalização das políticas públicas locais – o que serão obrigados a fazer até por conta da diminuição das transferências petrolíferas. Sendo assim, a sociedade civil pode recuperar o terreno perdido na interlocução com o Estado se souber se organizar para tal, sem partis pris.
34 comentários:
Caro Professor,
Se estivesse o PT funcionado dentro dos seus objetivos iniciais, apartado estaria agora de qualquer identificação com as correntes, anterior e atual, que se firmaram na política local.
Seria, no meu entendimento, a grande alternativa para afastarmos de vez as ações de clientelismo dominante.
Quadros, não tão abundantes, não lhe faltam, mas, talvez, excesso de fisiologismo de alguns adesistas/oportunistas esteja sobrando.
Parabéns pela oportuna matéria.
Um dos pontos altos da entrevista é que ela expõe o histórico desastroso do PT em Campos, acumulando estratégias erradas recheadas de mediocridade, incompatíveis com a trajetória nacional do partido. Como disse o anônimo, se o PT tivesse buscado na última década construir uma opção para Campos, criando uma oposição sólida, talvez houvesse mais esperanças pra Campos e pro Partido Tb.
No meu tempo de criança, quando alguém era muito magro se dizia: -- Lá vem o Tarzan. . . depois da gripe! Quanto ao pensamento pragmático estratégico da atual liderança petista em Campos podemos dizer: -- Lá vem a racionalidade de Mike Corleone. . . depois do Alzheimer!
Vale lembrar que, assim como o PT de Campos tem uma dívida com a cidade, a UENF também vem acumulando esta dívida, em especial o Centro de Ciências Humanas que conta com poucos trabalhos de peso sobre a cidade. Hamilton com sua pesquisa começa a pagar esta dívida.
Abraço Hamilton.
Concordo que fazer pesquisas sobre temas fundamentais é obrigacao da Uenf. A cidade com maior peso relativo da "heranca escravocrata" precisa saber a quantas anda a atualizacao desta heranca. Também concordo com voce Brand que a análise sobre o PT na dinámica política local é interessante, mas acho que ela ainda fica presa a alguns termos vagos, metáforas atraentes, que nao apontam exatamente o que desejam demarcar na realidade. O termos como "lulismo" e cultura brasileira sao usados como se fizessem parte do mesmo fenomeno sócio-político, no qual se poderia resumir, como o Hamilton faz ao dizer que a classe política brasileia está no seu berco de conforto com o Lula, a política do governo à nossa suposta cultura política específica. No fundo, até pelo que conhece de outras análises do Hamilton, ele está preso aos velhos cliches da tese do patrimonialismo. Ao defender que o "Lulismo" é um elemento de atraso e de desmobilizacao da sociedade civil, em alianca com nossa "classe política", ele nao pode senao nos levar a crer que a contradicao mais importante deste país é entre "sociedade civil" e "Estado". Enquanto este teria sido corrompido pela "clientelismo selvagem" da classe política a sociedade civil teria guardaria por definicao o anti-clientelismo.
"Lula foi o apologista da mudança radical num país que ama o gradualismo e sua abdicação oportunística, desapercebida pela massa, se deu em prol de uma política de resultados que coincidiu com a bolha consumista global"
Uma população com demanda reprimida há séculos, sem contar a parte cuja demanda era 3 refeições diárias, jamais considerará Lula um oportunista. De fato, a visão é de um político de resultados... São 20 milhões que deixaram a classe D e E.
Na veia Bill! Oportunismo é outro conceito moralista, que em si nao diz nada em termos do valor de uma política. O oportunismo de Lula é tao interessante que, se aproximando do fim do governo, com o "escudo mágico" do Ibope no teto, ele aposta no debate ideológico. Oportunismo em usar a popularidade para criticar a mídia duramente, como ele fez esta semana, para incentivar a criacao de um ambiente de debate sobre um projeto de desenvolvimento nacional. Será que é o lulismo o culpado pelo silenciio da "sociedade civil" e os intelectuais nos quais o Hamilton aposta potencial de crítica, ou eles já nao tem o que dizer a muito tempo?
Não dá pra falar contra politicas compensatórias, são um mal necessário numa sociedade que demorará a mudar pelo caminho das idéias. O fato de serem usadas por motivos eleitoreiros se explica por nossa deficiência de esfera publica e aprendizado moral, enão por que os miseráveis sejam vagabundos.
Fabrício, por que política compensatória é um mal-necessário? A idéia de compensatória alude ao fato de que a sociedade tem uma dívida com uma classe social e, através do Estado, ela compensa a dívida ela nao pode pagar. Isso nao pode ser considerado um mau-necessário. Isso significa aderir ao discurso da decadencia liberal, segundo o qual toda forma de dependencia para com o Estado deve ser vista como ruim. Cara, o campo de disputa simbólica mais importante é exatamente este. Desconstruir o sentido negativo atribuído à "política de compensar" e à condicao de ser dependente.
Vitor e Renato já argumentaram aqui, e bem, sobre que tipo de política é o bolsa família. Acho que este tipo de política social que recria o pacto Estado-sociedade (na medida em que a finalidade é a independência do indivíduo beneficiado através das contrapartidas como educação) está dentro daquilo a que o Roberto faz menção acima e que o Prof. Hamilton desconhece no texto. Por outro lado, qualquer política que beneficie este ou aquele grupamento social, terá como consequência dos resultados, resultados eleitorais óbvios. Ultimamente para tudo se usa o nome do Lula como grande mal, reproduz em outros termos o discurso facista que relaciona todo o bem ao Ducci. Esta simplificação da complexidade facilita a análise, com o inevitável comprometimento da mesma com a parcialidade. O problema do PT de campos vai além de Lula, e acho que, se analisado profundamente, revelaria problemas históricos na formação local do partido, ao mesmo tempo em que uma caracterização bem feita da sociedade campista revelaria o quão relacionado a sua identidade está o partido.
Abraço.
Fabrício,
Então quando se dirige ao pobre é um mal necessário, uma "política compensatória"...
Quando se destina a elite e degraus mais altos é política de Estado...como a alterção da tabela do IRPF, ou o auxílio a empresas e bancos...
Toda e qualquer concessão ou atendimento dos governos as demandas que lhes são apresentadas são compensatórias...seja o PROER, seja o bolsa-família...
Os rótulos é que mudam, de acordo com o viés de quem as observa...
Políticas compensatórias.....
Não é melhor, mais barato, investir na base ? Investir na educação de base,saúde ? Só que os resultados para isso demorariam mais e isso não é interessante, pois alguns milhares de votos se escoariam para outros ninhos.
O que o pobre necessita de emprego, de educação pública gratuita e de qualidade e de saúde decente. Como medida paleativa é até aceitável, mas se não investir na base, essas políticas só servem para deixar os explorados reféns do governo.
Em concordância total com o comentário de Roberto Torres, considero a leitura da política compensatória/assistencialista como "mal-necessário" uma das faces do liberalismo político. Para os liberais, tudo que se refere a política social é visto como forma parasitismo social e gerador de dependência, esta, algo encarado como de menor valor. Sobre isso, segundo demonstra Richard Sennett, o discurso negativo acerca da dependência social tem origem em nomes consagrados da filosofia liberal tais como Locke, Adam Smith e Kant, que enxergavam qualquer forma de dependência humana como indigna e traço de infantilidade primitiva. Em certa medida esse discurso ao longo do séc. XIX se difundiu por todas sociedades liberais (inclusive) assumindo a forma de uma doxa ou crença coletiva. Infelizmente hoje, tanto a esquerda como a direita compartilha desse discurso mantendo, assim, inquestionável a sua dimensão histórica (é bom lembrar, conforme os belíssimos estudos históricos de Marc Bloch sobre mediavelismo, que na idade média as sociedades se relacionavam de maneira completamente "inversa" com a dependência social, existia uma positividade social em torno dela). A grande violência na naturalização de leitura negativa da dependência é não perceber que esse discurso preconceituoso é gerador de grande sofrimento psíquico e social nas pessoas (principalmente entre a ralé de desempregados), visto que nos dias hoje ninguém gosta de ser tachado como um inútil ou parasita. Essa é uma face cruel da ideologia do desempenho que a teoria crítica vem mantendo intocada. Pense sobre isso! Abraços!!!
Caro Matheus,
Estas "políticas compensatórias" estabelecidas nos últimos 12 anos, não são imediatas. Estima-se que necessite de gerações para se ter os resultados esperados, já que elas estão vinculadas a educação e trabalho, que são processos sociais de longo prazo.
E por favor, sem apelar para o sofisma tosco de que "é mais importante ensinar a pescar do que dar o peixe". Esse é o típico argumento quase-lógico sem base factual que não combina em nada com uma reflexão crítico-cientifica.
Matheus, nao acho que exista este cáuculo tao claro por parte do governo, como se quisessem deixar os pobres a vida toda refém de algum governo. Mas o grande problema de sua crítica nem é esse, e sim considerar que edudacao e saúde de qualidade seriam políticas capazes de romper o ciclo da pobreza. Os pobres nao sao a classe trabalhadora idealizada pelo marxismo tradicional. Eles nao possuem as mesmas disposicoes e capacidades para agir no mundo que os indivíduos de classe média, pois sua condicao social os priva, através de privacao incorporada na socializacao, de habilidades que algém de classe média acha óbvio um ser humano possuir. Por exemplo, a capacidade de concentracao e de visar os próprios interesses num horizonte de longo prazo, sem a qual nao adianta escola de qualidade, é muito comprometida nas experiencias de vida que os pobres tem desde cedo. Nao quero dizer com isso que nao haja pobres que consigam furar a barreira e galgar posicoes altíssimas na sociedade, o que o senso comum normalmente toma como se fosse produto apenas de esforco indivídual. Quero dizer que as políticas compensatórias sao legítimas e necessárias para todo o sempre desde quando perdure a reproducao desta classe de miseráveis onde se criam indivíduos mutilados e incapazes de se erguerem a partir da educacao. A educacao de qualidade é uma política que pressupoe um trabalhado de socializacao realizado pela família, o qual é precário e alguns casos ausente na ralé. O estado de bem estar social nao foi concebido para a ralé, mas para uma classe trabalhadora que nao existe no Brasil. O estado de bem estar só pode funcionar na premissa de que ele nao tenha que lidar com a ralé
Nesse sentido, a principal contribuição do governo Lula (algo que perece não ser levado em consideração pelo nobre prof. Hamilton Garcia) ocorreu na esfera moral, isto é, a reintrodução do social na agenda do Estado. Ou melhor, a sensibilidade diante da fome, da pobreza e do sofrimento produzido por elas. Essa característica tão importante da nossa cultura moral do sentimento de indignação diante do sofrimento alheio estava se perdendo em meio a tantos discursos naturalizantes da pobreza e da miséria. Lembro-me bem de ouvir o então presidente Fernando Henrique Cardoso dizer que o desemprego e a pobreza era um fenômeno irreversível no capitalismo flexível; e de ouvir Antônio Ermírio de Moraes defender o afastamento político do Brasil em relação a África, que segundo ele, tratava-se de um continente perdido e sem futuro. É esse niilismo intelectual que as políticas sociais como bolsa família combatem e põe em questão.Veja agora o mundo inteiro aderindo ao bolsa família. Trata-se de uma verdadeira mudança de atitude moral para com a pobreza.
Claro Kadu! Ganho de sensibilidiade moral, inclusive além do marxismo tradicional que, no fundo, também trata a questao da fome como uma questao menor. Lula consegui colocar o sofrimento de uma classe como uma pauta possível para a sociedade. A esquerda que nao ve isso é reacionária.
Caros colegas, eu jamais discordaria das políticas que chamei de mal necessário. Vejam bem, digo isso pensando que o ideal de justiça social em uma sociedade é que não seja pela via da dependencia desses segmentos, que é de fato humilhante. Para os interesses de uma teoria social normativa, como em Honneth, que buscar articular os sentimentos de humilhação inerentes ao cotidiano dos trabalhadores, cabe uma crítica ao assistencialismo, no sentido de que tipo de relação social ele estabelece. Que tipo de dignidade diferenciada entre integrados e desintegrados ele ajuda a naturalizar. Por isso um mal necessário, tem efeitos práticos remediadores óbvios aos quais sempre fui sensível, mas também tem efeitos conservadores no imaginário social. SE o liberalismo se apropria do termo para bater em Lula, é uma pena e muita má fe, por isso deixo claro em que sentido estou usando e até deixarei de usar para evitar tais ambiguidades e a associação com esta corrente de conservadores que sempre odiei. Quando falo de ideal de sociedade, vejam bem, estou dizendo que me parece ainda moralmente melhor que pessoas nao dependam do Estado para sua dignidade e que haja uma capacidade de integração social e distribuição de riquezas mais igualitária, no sentido de que a maioria dos indivíduos tenha seu valor social reconhecido na divisão do trabalho, o que é sempre pior nas sociedades periféricas.
Coincidentemente estava pensando em escrever um texto batendo exatamente em um cara metendo o pau em lula na Veja reproduzindo toda a alusao á meritocracia, ao invés de criticá-la. A crítica ao assistencialismo não deve ser a redução liberal canalha. A leitura do por que de tais políticas deve associa-la a construção social de nossa subcidadania, ou seja, elas ´so existem por que historicamente esta sociedade foi incapaz de gerar mecanismos de integração social e caminhos para a dignidade onde a maioria da população pudesse comprovar seu valor. Isso é uma sociedae meritocrática periférica. a ralé é humilhada por que é considerada um peso.
Fabrício, que efeito conservador pode sair do Bolsa Família? O de ajudar a naturalizar a desigualdade? O que ajuda a naturalizar a desigualdade é nao compreender porque essas pessoas que precisam do Bolsa Família também nao conseguem incorporar as disposicoes para caminharem por conta própria. Mas o programa em si nao significa a necessidade de nao tematizar isso. Muito pelo contrário. Ao politizar um aspécto da vida que outras políticas nao fazem, acho que o programa abre caminho para desnaturalizar, como estamos fazendo aqui ao discutir o programa e como tem sido debatido em outros contextos também. A nocao de assistencialismo reduz a visao do programa. Se há algo imprenscindível para uma "sonhável" política que resgate a ralé é, como diz o Fábio Wanderley Reis, transformar o clientelismo em política de Estado. O Estado tem que dar mesmo. Fazer circular, por um novo mecanismo, uma outra dádiva social capaz de gerar um círculo virtuoso de solidariedade intra e transclassita na medida em que a luta política avance no sentido de legitimar o novo mecanismo de doacao. É isso que Bourdieu tem em mente quando defende sociológiga e filosoficamente o Estado de Bem Estar, ainda que toda a lógica da dádiva seja outra entre trabalhadores qualificados porque sua qualificacao é exatamente o que lhes capacita a retribuir o que recebem do Estado. Mas é exatamente neste espaco, onde se busca ampliar os "lances inagurais" de doacao, que entra a política.
Fabrício,
Acho que todos entenderam o que vc estava pontuando. O problema foi o uso equivocado da expressão "mal necessário" para designar a política compensatória. Em realidade, o mal designa, como acredito vc gostaria de ter escrito, a necessidade da política compensatória. E não a política em si.
Aliás, o próprio significado de compensatório já se refere a algum dano provocado por um motivo (logicamente) anterior. Essas políticas compensatórias são um subconjunto do que se denomina "políticas redistributivas". Essas muito mais amplas do que aquelas, pois abarcam também outras formas de transferências de recursos que não somente as que compensam. Podem até mesmo concentrar renda em estratos que nunca sofreram qualquer dano.
Os royalties são um exemplo ilustrativo das diferenças entre políticas compensatórias e redistributivas. Pensado primeiramente como política compensatória,os royalties tinham suas motivações em compensar os danos provocados por uma determinada atividade econômica. Entretanto, tornou-se uma política meramente redistributiva, pois a sua distribuição é absolutamente negligente com os danos proporcionados pela atividade econômica em cada município.
O que quero afirmar é que uma política pode ser redistributiva e não necessariamente compensatória. Porém, o inverso não é verdadeiro.
Enfim, sua objeções se referiam à necessidade das políticas, e não às políticas. A grita geral acabou se apegando a um descuido, que julgo menos, na utilização do termo.
Grande abraço,
ps: Uma provocação direcionada às reflexões do Hamilton. Como poderíamos explicar o porquê de Quissamã, que também tem uma herança tão ou mais escravocrata do que Campos, está demonstrando seguir caminhos diferentes.
E em outra direção, será que Campos apenas tem os mesmos problemas de outros municípios brasileiros, porém exacerbados pelos volumes de recursos? Ou seja, será que o que observamos em Campos não é mais igual do que diferente?
Caro Roberto
Talvez vc nao tenha entendido o que eu quis dizer, ou talvez eu nao tenha conseguido passar o que penso.
Quis dizer que o pobre também necessita de educação e saúde de qualidade, necessita de emprego e não pode ficar somente na dependencia do governo em lhe dar o Bolsa-família.
Que a dignidade dos explorados não dependa apenas dessa política do governo.
Claro que foi só um descuido. Mas, como o Fabrício já sabe bem sobre mim, eu sou um chato com relacao aos termos, o que nao significa que eu mesmo nao seja impreciso tantas vezes. Acho que em devemos ter muita auto-crítica com os termos espontaneos, como os que o Hamilton usou e abusou na entrevista.
Nunca fui a quissama..O que aconteceu com os herdeiros da escravidao lá?
Roberto,
Eu também não conheço muito Quissamã, mas me parece que está implementando políticas públicas com mais seriedade do que Campos. Os indicadores sociais parecem (não sei com certeza, mas me lembro de ter lido em algum lugar) que já estão acusando melhora - ou como diria Brandin, estão "dispiorando". Mas não sei até que ponto também. Por isso coloquei em forma de pergunta.
Abraços,
ps: Eu sabia que puxariam a orelha do Fabrício, e merecia. Mas eu acho que puxaram demais, rs,rs... Acabou que puxaram mais a dele do de quem deveria.
Caro Matheus, eu entendi sim que voce queria defender políticas educacionais e de saúde de qualidade para os pobres. Mas o problema nao é o que vc defende, e sim a concepcao que voce tem dos pobres. O problema é que voce fala do explorado da Bolsa Família como se a ele bastasse oferecer um emprego ou uma oportunidade educacional de qualidade para que ele alcanace sua dignidade. A falta de dignididade destes pobres comeca na família(que claro é um produto de relacoes de poder mais amplas), quando se tornam "sub-gente", pessoas com um valor objetivo menor do que nós que podemos trabalhar nossa visao de futuro e preparar nossas armas para lutar por ele. Esse pobres, por definicao, nao possuem dignidade. Claro que educacao e saúde sao fundamentais para que se possa lutar contra esse fato social objetivo deles nao terem dignidade, tanto porque fazem o que fazem como porque sao o que sao. Mas o que precisa ser tematizado junto é a questao política da família, onde bens e recursos escassos decisivos comecam a ser doados aos bens nascidos da classe média e negados aos pobres. Gosto muito do bolsa família porque vejo nele uma agenda capaz de nos permitir politizar a família, a necessidade do Estado intervir e fabricar famílias onde elas nao existem.
Clao Vitor, ai possivelmente entra a diferenca de políticas públicas. O debate acabou indo para um ponto da entrevista só, o tal do "lulismo". Mas seria legal que o Hamtilton viesse debater com a gente e ouvir as outras críticas.
Só um lembrete:
Bolsa-Família faz parte de um programa bem mais amplo do que somente a transferência de recursos.
Alguém se referiu ao programa como se excluíssem os investimentos em educação e saúde. Isso não procede. Existem uma série de condicionalidades para a manutenção do benefício, duas delas são exatamente frequência na escola e pre-natal. Isso para não lembrar que o benefício é utilizado principalmente na alimentção, ao que me consta, algo "um pouco" relacionado com saúde.
Certa vez Renato Lessa em uma conferência para Ministério da Cultura, cujo tema era a política, chamou atenção para o caráter auto-explicativo de categorias como "populismo" e "assistencialismo". Essas categorias pseudo-científicas, segundo o mesmo, seriam "demofóbicas", pois são usadas sempre ( pelos liberais) que o Estado adota uma política social. Ora, diz ele, de que vale a política, senão, atender à demandas socialmente legitimas?!
É impressionante como temos hoje uma verdadeira aversão a qualquer forma de dependência social. Depender de alguém (seja este, um individuo ou o Estado) é considerado uma praga. Os efeitos dessa postura em sociedades individualistas são muito perversos, como bem observou Norbert Elias acerca de como lidamos com os doentes e velhos em nossa cultura (esses são isolados socialmente, porque podem fazer lembrar que o corpo é frágil). Além disso, perdemos qualquer possibilidade de estabelecer um "senso de comunidade", caracterizado pelo compromisso mútuo, lealdade e confiança. Para Sennett, essas qualidades de caráter demandam tempo e laços sociais fortes, algo impossibilitado numa cultura meritocrática e individualista radical. Ao contrário, o que vem se observando é a disseminação de um "conservadorismo cultura" (desprezo pelos os que são vistos como parasitas sociais, tais como os negros, analfabetos, velhos, imigrantes, pobres, etc.)
Roberto, eu to concordando com tudo isso, sou a favor do programa. Só que a existencia dele por si mesma, quando não acompanhada pelas análises que voce ressalta, me parece ter efeitos conservadores sim. POis sem analise, o que impera é o senso comum. E o senso comum a respeito do apoio aos pobres é liberal, é que sao um bando de vagabundos e etc. Se nao enfrentamos imediatamente este efeito imediato, ele prevalece e também é apropriado pelas teorias conservadoras já bastante debatidas aqui. No geral a discussão tomou um excelente rumo, pois está tematizando a ausência de culpa de quem se beneficia dos programas, e isso é o fundamental para enfrentar o subjetivismo liberal e do senso comum que os culpa por malandragem.
A que PT voces se referem ?
Do Genoino? Palocci? Mercadante? Ze Dirceu? Delubio? Paulinho da Forca? Vicentinho?
A nao ser que voces realmente achem que o Lula nao sabia de nada...
Penso que no Brasil nao ha partidos nem linhas de pensamento politico, mas sim um bando de oportunistas.
Vejam ai a primeira dama pedindo cidadania italiana, o Lulinha se esbaldando na moleza.
O fato eh que o PT desde que entrou no poder esta fazendo campanha, assim como fez o PSDB.
Diante de tal cenario, nao ha esperanca...
Anonimo a discussao aqui nao é sobre o PT em si, mas sobre a política do Bolsa Família, a quem ele se destina e o que ele significa. Claro que isso tem tuido a ver com PT, com Lula etc. Mas no sentido do debate ideológico que, alias, nao deveria ser restrito a partidos. Sobre o fato de nao ter esperanca. Acho que, para os assistidos do Bolsa Família, nunca houve tanta motivo para ter esperanca como agora.
Ah, e sobre esse negócio de mensalao. Até a oposicao já viu que isso é bobagem. Dirceuzinho foi até absolvido.. E se aconteceu mesmo, foi um acidente, um estratégia corrupta em nada diferente de todas as que houveram antes nos governos da direita.
O Lula sabia, mas eu não sei o nome do anônimo... Não entendo o medo de assumir o nome em um comentário que não tem nada mais que um amontoado de frases de senso comum.
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