sexta-feira, 30 de maio de 2008

Sobre o aprofundamento da crise da legitimação da classe política campista

Jürgen Habermas na década de 1970 produziu o seu clássico estudo sobre as profundas modificações ocorridas no mundo na esteira da grande crise de petróleo de 1973/1974. Analistas contemporâneos, virtualmente ou não vinculados ao que concebemos como “teoria crítica”, asseveram que as conseqüências desta crise perduram até o nosso ainda neófito século XXI.

Retornando a Habermas este elabora em amplo espectro os determinantes da crise da década de 1970, sob uma análise fortemente sistêmica e complexa, onde são dissecados os elementos econômicos, administrativos e até ambientais da crise em suas múltiplas reverberações. E os impactos dessa crise geram fortes e inequívocos abalos em uma parte sensível da sociedade, a sua esfera pública, onde são produzidos intricados e delicados processos de legitimação e/ou deslegitimação de projetos e demandas provenientes dos diferentes estratos onde, discursivamente, estes são vocalizados. Como um dos reflexos desta crise podemos ver, nitidamente, os processos de destituição da legitimidade do Estado de Bem Estar Social na Europa, muito bem descritos por Pierre Rosavallon para o caso específico francês, que até a década de 1970 era visto como um aparato inabalável. Afinal, fora as críticas de autores frankfurtianos e o neoliberalismo de F. Von Hayek, ninguém em sã consciência imaginaria a redução do Estado Social Democrata tal como acompanhamos nos últimos 30 anos.

Prosseguido, processos de destituição de legitimidade podem ter, como teorizado por Habermas e descrito por Rosanvallon, repercussões na própria ossatura social das diferentes formas de constituição da modernidade. Afinal, os processos de legitimação são fundamentais em sociedades secularizadas, não mais dependentes de autocompreensões transcendentais.

Neste sentido estamos no epicentro de um enorme processo de deslegitimação do que o pensador elitista Gaetano Mosca do século XIX chamava de classe política (agrupamento social especializado em manter-se no poder) em Campos. Não é meu objetivo aqui discutir os limites deste corpus teórico, apenas me utilizarei desta nomenclatura em um sentido de reconhecimento da complexidade da sociedade contemporânea e do decorrente processo de constituição de diferentes especializações funcionais de atuação e, partindo do princípio de que a política não esteja além desta sociedade, também nesta possamos encontrar um agrupamento social especializado em fazer da política especificamente um meio de vida. Então, para Campos dos Goytacazes, defendo que esta noção de “classe política” possa ser aplicada dadas as características desta em que encontra-se um descomunal vácuo programático, com baixa alternância de poder em sua história recente (o mesmo grupo há 20 anos no poder) e, evidentemente, onde estruturam-se enormes redes clientelistas e anti-republicanas expressas, por exemplo, nos precários vínculos de trabalho no poder local onde exerce-se no cotidiano uma gramática anti-meritocrática. Isto nos faz interpretar que majoritariamente a classe política local, mormente fisiológica e justamente por conta disto, tenha o espaço “político” como meio de vida. E não muito mais do que isso.

A desligitimação desta classe política decorre das imputações morais provenientes da ventilação, em mídia aberta hegemônica ou alternativa, das investigações e acusações sobre o legislativo e o executivo local. Já é de conhecimento geral agora de que TODOS os vereadores de Campos dos Goytacazes serão indiciados pelo Ministério Público. No executivo, mesmo com permanência do prefeito Alexandre Mocaiber este sofre mais uma ação pelo Ministério Público Estadual acerca de possível fraude em licitações públicas, além da acusação de formação de quadrilha. O ex-governador do estado do Rio de Janeiro, e notável quadro egresso da política campista, encontra-se também em processo de investigação pela Polícia Federal sendo acusado de ser o mentor político de pesado esquema de ilicitudes inúmeras praticadas com a insígnia da Polícia Civil do estado. Todas estas acusações/investigações encontram-se sob farta divulgação da mídia local e nacional. A despeito da polarização destas a sociedade civil debate os rumos dos acontecimentos na combalida, e pouco reflexiva, esfera pública local.

Ainda, em diferentes círculos sociais, como o do agrupamento de empresários da construção civil local, os reveses deste processo são sentidos em seus próprios bolsos. Compras de apartamentos efetuadas por indivíduos sobre suspeição não foram consolidadas causando prejuízos. Mesmo o comércio local deve estar amargando a retração decorrente dos pés de barro de uma economia alicerçada sobre critérios imprevisíveis de ação do poder local. A capacidade de atração de investimentos, no médio prazo, diante de uma classe política praticante de espoliação do patrimônio público pode trazer problemas ainda mais graves. Mesmo o crédito pode tornar-se caro, afinal, já sabemos que há muito diz-se que “a campista nem fiado nem a vista” gerando um déficit profundo de confiança no mercado local que atinge os municípios vizinhos multiplicando entre si que a moeda campista possa ser moeda podre em uma sociedade de baixa confiabilidade. Eis os resultados do chamado “custo corrupção” que grassam pela planície.

A estrutura clientelista em que parte da população encontra-se enredada, como na situação dos contratos, desfaz-se como um castelo de areia neste turbilhão de instabilidade institucional. A dança de cadeiras dos milhares de cargos comissionados geram a fúria, justificada ou não, de apadrinhados contra seus padrinhos o que nos permite vislumbrar que os custos têm se tornado altos demais para a permanência destes DAS visto que estes cargos em si são, usualmente, moeda política apenas. Os fiéis apadrinhados talvez não o sejam mais tão fiéis em muitos casos. As peças do jogo podem ser repostas, reposicionadas e descartadas de acordo com a vontade do jogador que as manipula. Eis o ponto de fragilidade desta perversa relação em que é praxe o abandono sistemático de critérios técnicos. Como na dialética do senhor e do escravo, padrinhos e apadrinhados saem deste jogo com um triste resultado de soma negativa.

Na Campos de hoje vemos falarem, a despeito do agrupamento social, em uma necessidade de “limpeza”, termo de fortes conatações simbólicas, quando se fala sobre a política e os políticos locais. Eis o sintoma da crise de legitimação que reforça a particularidade do momento histórico em que vivemos. O ônus para a política local é, em minha perspectiva, incomensurável. Afinal, epítetos como “ladrão”, “pilantrinha”, “corrupto”, “safado” são repetidos ad nauseam pelos egressos do “Muda Campos”, a despeito do lado que ocupem neste momento, o que pode gerar a tragicômica interpretação do “homem comum” que possivelmente todos estejam corretos e que a política local seja caso de polícia somente. Notável que estes epítetos são reproduzidos e incentivados por parcela da imprensa local o que só ilustra a estreiteza do debate.

É lamentável que agrupamentos que poderiam apresentar-se como alternativa, em que poderiam lutar pela herança de processos de “boa política’ ainda encontrem-se com os olhos voltados para formas de se fazer política que neste momento encontram-se condenadas pela judicialização e policialização da política local como nos lembra Vitor Peixoto. Deveriam neste momento é discutir e convencer que sua proposta e seu ethos difere substantivamente dos que até então ocupavam/ocupam o poder. Que representam o outro lado de uma classe política. Caso contrário ao homem comum restará meramente continuar no aprofundamento deste processo de deslegitimação que pode não ter retorno.

George Gomes Coutinho

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Da Judicialização à Policização da Política: fortalecimento das instituições

Há alguns anos um dos maiores intelectuais das ciências sociais brasileiras, Luiz Werneck Vianna, vem investindo numa chave interpretativa da sociedade que ficou conhecida como “judicialização da política”. Não é exagero afirmar que dezenas de teses de doutorado foram produzidas sob esse guarda-chuva conceitual.

Não é meu objetivo discutir o conceito em si, ou no seu aspecto normativo. Mas vale lembrar que, quando foi utilizado por Vallinder e Tate, se referia à expansão dos tribunais para as áreas antes dominadas pela política.

No Brasil, o conceito demonstrou-se bastante profícuo. O aumento vertiginoso das querelas jurídicas, os controles das revisões constitucionais, garantia dos direitos das minorias políticas (oposição) etc. são citados como exemplos incontestes da judicialização da política brasileira. Com conseqüências positivas e negativas.

O que estamos a presenciar, principalmente, na última década, é uma antecipação destas querelas jurídicas. Se já tínhamos a judicialização, passamos a ter a policização da política.

Longe de possuir as mesmas explicações, pode-se dizer que são fenômenos até contraditórios. Mesmo que a seqüência lógica da policização seja a judicialização (pois após as operações policiais está a formação do processo), as explicações podem ser bastante distintas. Se como causa da judicialização apontaram enfraquecimento das instituições políticas, talvez as causas e os efeitos da policização sejam exatamente o inverso, ou seja, o fortalecimento das instituições políticas.

Os paradigmas da “terra sem lei” talvez estejam sendo colocados em xeque sem que percebamos suas reais causas. A impressão do “fim do mundo” que temos diante dessas operações pode ser somente uma mostra do início de um novo mundo. Um mundo onde as instituições de controle e contra-pesos começam a funcionar.

O paradoxo talvez seja que antes de tomar o espaço da política, a policização está a fazer é a devolução das questões puramente políticas à política! Afinal, as administrações de conflito de interesses e idéias não podem ser exercidas com armas nas mãos, muito menos com quadrilhas armadas.

terça-feira, 27 de maio de 2008

A pobreza não é mais um “privilégio” dos trópicos


Para o espanto de muita gente, a foto ao lado não é de alguma grande cidade brasileira. Esta foto retrata a capital de uma das maiores economias do planeta, e também de um país reconhecido por sua ampla igualdade social. Esta cena em que jovens limpam os vidros dos carros no sinal, e depois pedem algum trocado, se passa em Berlim, Alemanha, e de forma idêntica como ocorre no Brasil. E para maior espanto, ressalto que não é uma cena tão rara assim, há pedintes por todo lado na cidade, além de um terço da população da cidade receber alguma ajuda do Estado para se manter. O aumento de concentração de renda tem sido um fenômeno mundial, o abismo entre ricos e pobres cresce no mundo todo, o que tem feito alguns estudiosos chamarem essa tendência de “brasilização” do mundo. O que a nós só envergonha. . .

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Pirataria de quinta-feira na fifth avenue


A “Fifth Avenue” é uma das mais conhecidas de New York. Lá as madames brasileiras fazem suas compras alegremente. Lojas de butiques famosas estão por quase toda a avenida, lado a lado. Mas está enganado quem imagina que estas sejam a principal atração da high society. A cidade cantada por Frank Sinatra também possui o seu “mercado informal”, conhecido por pirataria quando se referem ao Brasil (aos brasileiros pobres, diga-se de passagem). Vendem de tudo um pouco, "jóias", óculos, bolsas, etc.


Assim como as madames se acotovelam para conseguir a falsificação mais perfeita, a elite partidária campista parece que está se engalfinhando para ver quem consegue se falsificar como um novo modelo de uma marca. Estão a tentar transfomar bijouterias em jóias. Acreditam no ditado popular que diz "tem trouxa pra tudo!".

Que não se esqueçam de um detalhe: o consumidor-eleitor não é uma simples madame. Sabem muito bem o que querem quando realizam suas escolhas. Quando a mercadoria é de baixa qualidade usam e jogam fora.

Pelo jeito que a coisa vai, assim como em New York, Campos dos Goytacazes também terá muito trabalho para se desfazer dos restos.



quinta-feira, 22 de maio de 2008

Debatendo os caminhos de nossa política

Hoje, um de nossos leitores fez-nos uma salutar provocação, convoca-nos a debatermos a entrevista dada ao jornal Folha da Manha pela Professora e petista Odisséia Carvalho. Acatando a sugestão e provocação que nosso leitor anônimo deixou nos comentários da entrevista do Sérgio Diniz, trazemos o debate para o centro do blog, e contamos com a participação de nossos leitores.
O leitor anônimo inicia o seu comentário assim: Transcrevo, abaixo, na integra a entrevista dada a Folha da Manhã, hoje (22/5), pela professora Odisséia de Carvalho. Em que deixa bem claro que para o seu grupo o importante é a boquinha, não importa como e nem com quem. Não vou fazer mais comentários, deixo para os blogueiros, em especial os petistas, lerem e refletirem. . .

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Entrevista com Sérgio Diniz





O blog “Outros Campos” segue hoje sua série de entrevistas conversando com o professor universitário e sociólogo, Sérgio Diniz Nogueira. Sérgio Diniz já deixou fortes marcas na vida pública de Campos. Foi diretor da Universidade Cândido Mendes, deputado estadual e também vereador. No seu último mandato como vereador (PSDB), destacou-se por ser um solitário e bravo foco de resistência ao governo Arnaldo Vianna, tendo alguns companheiros na oposição somente a partir do terceiro ano de governo. Sérgio Diniz também mantém um blog, onde discute com seus leitores problemas do Brasil e de Campos.


1. Blog “Outros Campos”: Como o Sr vê a possibilidade de uma coligação entre o PT e o PSDB para as próximas eleições municipais em Campos? E como analisa que uma candidatura própria do PSDB à prefeitura tenderia a fortalecer o partido em Campos?
Sérgio Diniz: Vejo-a como necessária e indispensável às urgentes e válidas transformações ao perfil político, administrativo e moral de Campos. Ambos possuem bons quadros, capazes de atender, plenamente, às demandas do perfil acima identificado. No entanto, no momento, não se deveria falar em nomes e sim, em propostas no que tange tanto ao campo do Poder Executivo, como e, sobretudo, ao do Poder Legislativo. Aliás, sem falarmos qualquer novidade, este é o mais significativo, política e constitucionalmente, dos três poderes. Para tanto, a coligação PSDB- PT teria que se dar, óbvio, na majoritária e na proporcional e estes dois partidos se preocupando em formar a melhor nominata possível para a Câmara Municipal. Quanto à escolha do nome para a chapa majoritária, far-se-iam de quatro a cinco pesquisas dentre aqueles que se dispusessem a essa disputa. Claro, o maior detentor de intenção de votos seria o escolhido e estes partidos se comprometeriam a apoiar e a trabalhar a favor desse candidato. A escolha do vice, contudo, no meu entender, ficaria à exclusiva opção do candidato a prefeito, não só pra não haver futuras e comprometedoras divergências entre eles, porém, e, principalmente, muito positivo que o vice-prefeito fosse, também, um elemento de proa na administração municipal, consciente e motivadamente ombro a ombro com o prefeito.


2. Blog “Outros Campos”: Qual a avaliação do Sr acerca da participação de seu partido, no governo Mocaiber?
Sérgio Diniz: Sempre me posicionei contrário a esse apoio, pois, Mocaiber, pouco tempo depois de assumir o governo, revelou-se (o que era esperado, ainda que não o desejado) o perfeito DNA do governo (?) Arnaldo, ao qual fui oposição isolada nos dois primeiros anos do meu mandato e, posteriormente, acompanhado de alguns colegas. Governos (?) de desmandos, sustentados por excessivo fisiologismo (tão comum neste Brasil), fronteira inevitável com a corrupção. Para sermos objetivos, politicamente falando, Garotinho, Arnaldo e Mocaiber são vinagre da mesma pipa. (Só pensarmos que, etimologicamente, vinagre significa vinho azedo.) O resultado desta aproximação com Mocaiber foi e é um PSDB desunido, preocupado com ações e interesses que não devem ser prioritários na vida pública.


3. Blog “Outros Campos”: O PSDB nacional surgiu a partir de uma base intelectual paulista, quais seriam as bases de sustentação do PSDB campista?
Sérgio Diniz: Acredito que o PSDB tenha realmente surgido de uma costela do PMDB, face a algumas figuras, neste partido, que não demonstravam o essencial compromisso com os valores públicos indispensáveis ao bem estar de uma coletividade. Digo isto, pensando, principalmente, em Franco Montoro, Mario Covas e Artur da Távola, infelizmente já falecidos. Portanto, o `` pulsar das ruas `` , tão reverenciado no ninho tucano, está órfão, até surgirem nomes ( acho que eles existem) que alcancem o patamar dos três ícones acima mencionados. Afinal, quando, hoje, o PSDB faz acordo, por exemplo, com Orestes Quércia, a suas propostas nascituras perdem sentido. Mais ainda, o que se esperava de Fernando Henrique, como presidente, decepcionou-me, por retirar do Estado brasileiro alguns dos seus elementos políticos e administrativos indispensáveis, privatizando-o, sobretudo, como instituição e, como inevitável conseqüência, não priorizar e implementar políticas públicas essenciais à estrutura de cidadania, ainda tão ausente em nossa sociedade. Pior, sem dúvida, sobre todos os aspectos, a atuação do PT. Infelizmente, ambos os partidos se diminuíram politicamente. Trocaram o programático pelo absurdamente pragmático. No Brasil, há 508 anos encobertos, repetindo, aqui, a lógica observação de Raymundo Faoro, o Estado brasileiro surgiu antes da sua sociedade e acrescento eu, privatizou-se contra ela. Desta forma, o sistema que o manipula, inescrupulosamente, comprometeu-se, óbvio, somente como o conjuntural, não com o estrutural. Por isto, a nossa democracia é mais formal que substancial. O “republicano” tão marqueteiramente propagado pelo PT é, na realidade, comprometido com a `` Res Privata `` e, claro, não com a “Res Publica ”, o que deveria ser , tanto pelo respeito ao povo brasileiro, como pela imposição do seu discurso e do seu Estatuto. E o PSDB , quando governo federal, implementou, igualmente, esta mesma perversidade política. Em O Globo de ontem (17/ 05 / 08), o deputado federal Arnaldo Madeira(PSDB-SP), ex-líder do governo FHC, fez a seguinte declaração: “ O PSDB está fazendo água”. Aqui em Campos, o nosso partido já fez água e está afundando, com muita tristeza.

4. Blog “Outros Campos”: Em sua opinião, qual será o principal desafio que a próxima prefeitura de Campos terá que enfrentar?
Sérgio Diniz: Seria fundamental que primeiramente, o futuro prefeito não se submetesse a pressões e interesses maléficos à administração do município e a visse sob a ótica fidedigna de um “munus publicus” e, também, que tal visão fosse a dos segmentos líderes da nossa comunidade, pois não podemos nos esquecer de que o Estado resulta (bem ou mal) da sua sociedade, porquanto povo, nação são fatores indispensáveis e inerentes a ele. O principal desafio seria unificarmos, sobretudo em atitudes, ética, moral e desenvolvimento, já que Campos possui um excelente potencial natural e, há alguns anos, financeiro invejável. Para sermos intencionalmente repetitivos, algumas capitais e cidades bem desenvolvidas do Brasil não dispõem do orçamento à nossa disposição, anualmente.

5. Blog “Outros Campos”: Em seu Blog, e em seus discursos, o Sr fala muito do potencial universitário do nosso Município, com também já falou uma vez da necessidade de nosso município ter um instituto de pesquisa próprio. Como o Sr vê este potencial? De que maneira este suposto potencial poderia ser usado em prol de Campos?

Sérgio Diniz: A sua pergunta é oportuna, porém, enseja muitas e complexas respostas. Pinço uma delas, no meu entender, a base das demais: em um mundo globalizado e globalizante, o conhecimento (educação) se faz primordial, pois é ele a sua grande riqueza, priorizando o ter que, assim desejamos, possa se comprometer com o ser. Por conseguinte, indispensável e já tardio, que o poder público municipal, em nossa Campos, envolva suas Universidades em projetos de pequeno, médio e longo alcance. Não mais se pode lhes dar o dinheiro do nosso povo sem esta prévia e comprometedora condição, na qual deveriam estar engajados seus alunos, como estagiários. Só a título de exemplo, seria importante que a UENF se acoplasse a muitos desses projetos, mormente na área compreendida pela Secretaria de Agricultura. Aliás, também, todo o “corpus operandi” da prefeitura, criteriosamente atrelado a esses cursos superiores, sob as suas mais variadas facetas. Tudo, absolutamente tudo disponibilizado na internet, para conhecimento e avaliações da comunidade campista e das muitas e valiosas sugestões que, motivadamente, viriam e nos enriqueceriam.

Entrevista com Roberto Moraes



O primeiro entrevistado de nossa série é o professor e engenheiro Roberto Moraes Pessanha. Roberto Moraes dispensa apresentações mais alongadas para o público campista, ele acumula longos anos de militância política, já foi diretor do CEFET-Campos, é membro do partido dos trabalhadores PT, pelo qual concorreu ao cargo de deputado estadual obtendo um expressivo número de votos. O seu blog é hoje um dos mais visitados em Campos, através do qual tem se construído redes de alternativa política para o município.
1. Blog “Outros Campos”: O PT e o PSDB de Campos têm hoje marcantes divergências internas, em especial no que se refere aos grupos que apoiaram o governo Mocaiber e os que foram contrários a essa postura. Certamente essas divergências tomam corpo nas propostas que cada segmento interno desses partidos apresenta para Campos. Como o Sr avalia essa situação?
Roberto Moraes: Inicialmente é bom registrar, que a situação não é só na base dos partidos em Campos. Porém, parece que por aqui, a coisa é mais forte, no sentido de que os partidos quando se reúnem, o fazem apenas, para discutir táticas eleitorais ou acordos e alianças. Não há discussões sobre programas de governo, de análises das gestões e dos problemas municipais e regionais e muito menos de formação de quadros para dar conta da responsabilidade destes partidos assumirem a gestão da cidade. Este debate, fora dos partidos, se restringe às raras audiências públicas, às escassas reuniões dos conselhos em funcionamento na cidade, nos ambientes acadêmicos e na mídia tradicional ou alternativa, como tem acontecido mais recentemente nos blogs. Após esta preliminar, não é difícil imaginar que onde reina apenas o debate sobre táticas e acordos, a conversa quase que obrigatoriamente se restringe, quase que exclusivamente, à disputa de poder. Dentro e fora do partido. Há que se registrar que há diferenças nas formas destes dois partidos se conduzirem no dia-a-dia. Os problemas internos que atualmente ambos vivem são de natureza relativamente distinta, mas os motivos que podem validar uma estratégia comum são dados pelo fato de que a grande maioria dos seus quadros em Campos não guarda vícios do modelo de gestão que se pretende mudar. A idéia de, depois de 20 anos, efetivamente mudar o “Muda Campos”, permite pensar uma estratégia de gestão mais transparente, eficiente e responsável no que diz respeito, por exemplo, e especialmente, ao uso dos recursos dos royalties. De mais a mais, para desmanchar esta estrutura de poder poderosa e rica, tanto para vencer as eleições, quanto para governar, é preciso ter parceiros com quem se é menos distante. Será preciso exercitar o trabalho de frente que caracteriza as demandas em épocas de crise. Só uma frente de pessoas, instituições e partidos que tenha em comum, o desejo de mudanças e de reformas na política municipal, poderá operar transformações com programa mínimo de consenso. Neste caso, uma frente só terá sucesso se for comandada, por liderança natural, fruto de consenso e não de imposições de quem quer que seja.

2. Blog “Outros Campos”: O tema do gerenciamento dos recursos dos royalties tem ganhado destaque no seu blog. Em sua opinião, qual seria a melhor maneira de empregá-lo?
Roberto Moraes: Felizmente, parece que conseguimos passar para a sociedade o fato de que os royalties são finitos por natureza, assim como o petróleo. Alguns podem julgar isto um fato sem importância, mas, a consciência cidadã foi sendo criada a partir da divulgação dos números do orçamento, desde que provocamos em 2001, o Ministério Público a determinar a obrigatoriedade da realização do debate sobre o orçamento de nosso município com a divulgação da idéia de que os recursos públicos são de todos e não de ninguém. Em grande parte, muito do que hoje se formula sobre os questionamentos do uso deste bilionário orçamento, saiu do aumento e da pressão da sociedade. Não há na história da nossa República nenhum município que tenha tido um crescimento de receita, na proporção que tivemos, em tão curto espaço de tempo. Somados estes dois fatores, há que se ter a humildade de reconhecer que é muito mais fácil dizer, onde não se deve usar este dinheiro, do que onde eles, prioritariamente, deveriam ser utilizados. O fato do petróleo, ser um bem inter-geracional, leva alguns países a determinarem o uso paulatino, só do rendimento de suas aplicações na solução dos problemas da geração atual. Em nosso país e na nossa região isto seria impensável. Já imaginou você dizer ao cidadão necessitado de habitação, saneamento e outras demandas mais urgentes de saúde, que o dinheiro dos royalties está guardado e só se pode usar, no presente, os juros de sua aplicação? Nesta linha, as prioridades seriam os investimentos em infra-estrutura básica e no desenvolvimento social através de uma educação de qualidade. Atendidas, as necessidades básicas seria necessário se pensar em investimentos que garantissem um retorno futuro, em termos do aumento das receitas próprias do município, atualmente inferiores a 5% da receita total. Junto disto, considerando o fato de que, mesmo que se faça um ótimo investimento deste dinheiro, ele no futuro nunca seria igual em proporção ao que é hoje, os investimentos deveriam ocorrer em serviços públicos, cuja instalação seria muito mais dispendiosa que no seu custeio, no futuro. Por exemplo, a questão ambiental, a implantação das áreas de proteção ambiental, a estrutura pra preservação dos recursos hídricos com demarcação de lagoas, das matas ciliares, etc. e ainda, por exemplo, infra-estrutura de transporte coletivo de massa, nos principais eixos corredores da área urbana. Neste aspecto, o transporte ferroviário, o metrô de superfície deveria ser pensado, como algo concreto e viável. Corredores de ciclovias na cidade das bicicletas seria uma incitação ao combate ao caos do trânsito, e estimularia a idéia de qualidade de vida que poderia também ser realçada com um parque da cidade, em área próxima à nossa Beira-valão ou, junto ao Parque Rodoviário. Se com os recursos atuais não fizermos isso, no futuro, com menos recursos eles serão inviáveis. Por fim, mas não por último, a implantação de uma política de Ciência & Tecnologia a ser estruturada a partir de uma secretaria específica que lançaria editais com prioridades para o estudo de problemas locais e regionais, junto com a ampliação da Tec-Campos, a incubadora de empresas criada e implantada pela Uenf e pelo Cefet com apoio de diversas entidades locais. Uma escola de empreendedores ligada à Tec-Campos poderia estimular ainda mais, à criação de novos negócios e ajudaria a dar musculatura e mercado a alguns dos negócios já existentes no município, além de usar de maneira mais racional e transparente o dinheiro hoje aplicado pelo Fundecam.

3. Blog “Outros Campos”: Se o Sr. pudesse resumir em pontos básicos, qual seria sua proposta inicial para um governo da próxima prefeitura de Campos?
Roberto Moraes: Algumas das idéias já acabaram aparecendo na resposta acima, porém, antes de tudo, é necessária, uma reforma administrativa com o enxugamento dos cargos de gestão. A duplicidade de funções e atribuições entre secretarias, gerências e fundações ajudam a tumultuar e a dividir responsabilidades pela atual ineficiência da máquina pública. Além disso, tornar o orçamento participativo e sua execução mais transparente. Definir metas e indicadores a serem perseguidos no cumprimento da execução orçamentária. Acabar com a farra dos superfaturamentos nas compras de equipamentos e materiais com a implantação do pregão eletrônico com o uso da internet. Também fazer a revisão de critérios e métodos que fazem as obras e as contratações de serviços em Campos, serem uma das mais caras de nosso país. Controle absoluto com a exposição de planilhas que facilitem o controle social do dinheiro público gerido pelos representantes eleitos da população. Revisão de todos os convênios de concessão de subsídios e bolsas hoje desenvolvidos pela municipalidade com a identificação da possibilidade de serem assumidas como atividades públicas diretas ou com o controle social, especialmente nas áreas onde os Conselhos já sejam regulamentados, tornando-os atuantes e qualificados para a fiscalização dos atos do executivo. A idéia é a da implantação de uma gestão eficiente, transparente e participativa, onde a crítica será sempre bem vinda, assim como as sugestões que teriam lugar no governo eletrônico, que mais que um espaço de divulgação das ações de governo, seria efetivamente, um espaço de facilitação e desburocratização, a favor do munícipe que demanda agilidade na emissão de certidões negativas de tributos e outros serviços. A cidade precisa ser cuidada como se fosse a nossa casa, para isso é preciso reunir uma equipe que trabalhe integrada e que tenha amor e dedicação na verdadeira acepção, de que o serviço público é para servir e não se servir do público.

4. Blog “Outros Campos”: Um governo que busque ser uma ruptura com o quadro que temos hoje, certamente terá que enfrentar fortes grupos de interesse que se beneficiam de certas relações com o poder público. Como enfrentar esse problema? Com quais novas bases sociais pode-se contar para sustentar este enfrentamento?
Roberto Moraes: Está aí um dos maiores desafios de um governante que seja eleito de forma independente em Campos. Especialmente, nesta segunda metade do período de 20 anos da chegada ao poder do movimento “Muda Campos”, uma casta de privilegiados se acercou e cercou o poder. Nela está incluída quase toda a mídia local que passou a agir, cada vez menos como órgão de informação e quase que como um partido político a favor de um governante e um líder a quem cobra caro pela fatura. Não será uma tarefa simples. Alternativas terão que ser elaboradas, e a principal delas seria o fortalecimento de bases sociais hoje cooptadas, como das associações moradores, sindicatos e outros órgãos da sociedade civil. O debate do orçamento pode ajudar a formar um novo caldo de cultura cidadã, onde os representantes do povo poderão conviver com seus representados num debate mais próximo. As ferramentas de internet numa expansão de uma “cidade digital” poderia também aproximar cada vez mais o representado do representante, se lhe forem oferecidos ferramentas para isso. Será preciso criatividade, trabalho e disposição para pensar e agir na direção de uma nova forma de relacionar com a sociedade, de forma a aceitar seus questionamentos legítimos e, ao mesmo tempo, impedir que os detratores oriundos do rompimento das benesses e maracutaias tenham espaço para manter privilégios inaceitáveis com o financiamento do dinheiro público.

5. Blog “Outros Campos”: Mesmo que uma terceira via não ocorra para o executivo, a aposta da ocupação do legislativo pode ser estrategicamente desejável pensando em um outro cenário no longo prazo?
Roberto Moraes: Esta é uma boa questão. Este seria o passo natural. O grande problema que vejo é que pelo tempo em que o tumor da corrupção foi estourado e a forma como os partidos, com os quais se conta para esta construção da Frente, estavam formando suas nominatas, percebe-se, cada vez mais claramente que, sem uma 3ª Via fortalecida na majoritária, os candidatos às cadeiras de vereadores destas bases ficarão também muito enfraquecidos. Pela forma que foram estruturadas, até com inscrição de gente da base do atual governo em seus quadros, é quase que impossível imaginar que estes partidos se coliguem entre si para a disputa de vereadores. Particularmente, começo inclusive, a temer, que pela indefinição do quadro político, que ainda está a aguardar julgamentos, novas operações policiais e definição de candidaturas e coligações para prefeitos, que os que mais sairão ganhando de todo este processo serão os vereadores com mandato. Não duvidem se tivermos, apesar da quase unanimidade de opinião, sobre a baixa qualidade política desta legislatura, um dos mais baixos percentuais de renovação das cadeiras do legislativo campista. Tudo isso, complica ainda mais, a possibilidade animar pessoas filiadas neste grupo, a disporem de tempo e trabalho, na consolidação de uma chapa forte para a vereança. Por isso, insisto só com uma majoritária de 3ª Via forte que empolgue a população poderá criar, o fato novo que as eleições deste ano parecem apontar no município. Enfim, sigamos o trabalho, porque Campos merece mais!

Blog "Outros Campos" entrevista

O blog “Outros Campos” inicia hoje uma série de entrevistas que visam ampliar as discussões sobre Campos dos Goytacazes, como também debater as alternativas para as próximas eleições municipais. Buscaremos trazer para os nossos leitores horizontes mais amplos do que aqueles que têm sido até agora apresentados pela imprensa tradicional. Entrevistaremos nomes de nossa política que poderiam, em nosso ver, representar forças genuinamente alternativas ao quadro político que temos hoje, tendo em vista que estes não mantiveram relações diretas com aquilo que chamamos de o “grande” “Muda Campos”. Esperamos que essas entrevistas sejam um incentivo para debates mais alongados sobre os problemas e possíveis alternativas de nosso município.

sábado, 17 de maio de 2008

Que nos sirva de lição e advertência!

O carlismo é um adjetivo pejorativo utilizado largamente quando se fala na política baiana. Mas nem todo mundo se preza a utilizá-lo apenas para ataques aos adversários, existem pessoas que preferem analisá-lo, compreende-lo para além das aparências. Destarte, segue o link do texto “´SURF´ NAS ONDAS DO TEMPO:do carlismo histórico ao carlismo pós-carlista” do Professor da UFBA e Doutor pelo IUPERJ, Paulo Fábio.

Autor premiado pela ANPOCS em 2006 como melhor tese de Ciência Política, Paulo Fábio é um mestre na arte de utilizar conceitos sociológicos para compreender a realidade. Com muito estilo no texto e com notas de rodapés que são verdadeiras aulas de sociologia.

Leitura interessante para aqueles que pretendem analisar a política campista. Nada melhor do que uma comparação seja pelas diferenças seja pelas similaridades.


http://www.cadernocrh.ufba.br/viewarticle.php?id=172&layout=abstract

Segue o Resumo

“O carlismo é uma política baiano-nacional nascida de aspirações modernizantes de uma elite regional, nos marcos da chamada revolução passiva brasileira e na perspectiva de um autoritarismo instrumental. Adota, como diretriz, simultânea atuação na política institucional, na estrutura da administração pública e na interface destas com o mercado e, como estratégia, a sustentação regional da ordem social competitiva, ligando-se, pragmaticamente, ao campo político liberal. Com o declínio do poder pessoal do senador ACM, nota-se alterações na política e no estilo de atuação do grupo. Pode-se dizer, por isso, que a Bahia ingressou no “pós-carlismo”? A política carlista declina com o seu chefe? As mudanças em curso descaracterizam- na ou são inflexões para preservá-la? O presente artigo discute estas e outras questões, através de sintética remissão às origens do carlismo, da análise do processo de construção, ampliação e erosão de sua hegemonia regional e de sua influência na política nacional, procurando indicar como a aceleração do processo erosivo enseja a estratégia transformista de um “carlismo pós-carlista” e discutir condições de êxito dessa estratégia.”



E que nos sirva de lição e advertência!

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Serviço de utilidade pública

O blog “Outros Campos” procura um velho amigo, o qual já foi um importante quadro da política de Campos, e que faz muita falta numa hora como essa. Alguém sabe por onde anda Erik Schunk?

quinta-feira, 15 de maio de 2008

PT e PSDB (parte II): o velho sonho vai ganhando ares de pesadelo

Como o Xacal já demonstrou no seu blog (A Trolha), o jornal “A Folha da Manha” parece querer dar o tom de uma possível “alternativa” aos velhos quadros políticos do município. Busca a sua maneira se apropriar do que seria a chamada “Terceira Via”, desse modo enfraquecendo a possibilidade de uma real alternativa, mostrando uma cara que esta proposta não tem em sua origem. Farei aqui alguns comentários a respeito deste quadro.
O primeiro deles é que mesmo a passos lentos o debate entorno de nossa política parece estar “despiorando” (melhorando seria uma palavra muito forte), e certamente os blogs tem seu papel nesse processo. Uma velha regra tem funcionado, quando algo genuinamente novo chega, todas as coisas velhas são obrigadas a se mexer de alguma maneira. As entrevistas que tem sido feitas na “Folha” demonstram isso, não pela qualidade das respostas dos entrevistados, mas pelo espaço maior dado a um debate político. Esse espaço, e o tom das entrevistas, parece ser uma clara resposta ao que vem surgindo dos blogs.
Por outro lado, essas entrevistas têm revelado uma tendência do fortalecimento de um dos pólos existentes na ambigüidade que esta possível coligação nos apresenta, como mostramos no primeiro post referente a este tema. Falamos que esta coligação se apresentava com duas fortes possibilidades: 1. ser apenas um rearranjo entre algumas forças periféricas do governo Mocaiber, que enxergam agora a possibilidade de ocupar o centro do poder; ou 2. ser um alternativa pela união de forças que nos últimos anos foram núcleos isolados de oposição, que poderiam representar tendências realmente alternativas, ou seja, poderiam operar algumas rupturas.
No quadro que temos visto a primeira possibilidade é a que tem se mostrado com maior pujança. Setores destes partidos, que se não fosse a intervenção do ministério público e da polícia federal, tudo indica que estariam no governo até hoje, buscam unir forcas para ocupar um espaço que jamais tiveram no nosso município, a saber, a centralidade do poder. Na longa história do “Muda Campos”, muitos destes (mesmo que os que não estiveram de corpo presente) representam os grupos que de uma forma ou de outra, fazem parte do “Muda Campos”. Fazem parte como aqueles coadjuvantes sem muita notoriedade, mas que são necessários para o filme acontecer. Muitos foram eventuais e convenientes aliados das várias facetas do “Muda Campos”.
Se como já falamos aqui em outro post, que Garotinho não era uma oposição real ao poder tradicional dos usineiros e proprietários de terra, como muitos pensavam, ele era tão somente a versão modernizada dessa forma de poder, os moldes que a alternativa política do PT e PSDB vem tomando, é também apenas uma versão do “Muda Campos” com um verniz de modernidade. Mesmo que existam diferenças entre o velho “Muda Campos” e as forças majoritárias dentro do PT e do PSDB elas são pequenas, caso contrário não conseguiriam viver juntos por tanto tempo como conviveram. E assim, o velho sonho vai ganhando ares de pesadelo. . .

segunda-feira, 12 de maio de 2008

O que é arcaico e o que é moderno

Já durante as eleições municipais de 2004, os crimes eleitorais cometidos de parte a parte (e de início sem punição) faziam supor que Campos se enquadrasse naquela categoria que os jornalistas e analistas políticos costumam chamar de “os rincões”. Sem muita precisão conceitual, muitos terão dito ou pensado que esta é uma terra de “coronéis” onde a disputa eleitoral é empreendida na base do vale-tudo. É verdade que a dissertação de mestrado do Renato Barreto de Souza, concluída por aquela época (“Clientelismo e voto em Campos dos Goytacazes”), já mostrava um cenário ultra-competitivo onde não caberia a idéia dos “currais eleitorais”, ou seja, dos votos perpetuamente cativos deste ou daquele político. Mas para o senso comum o que chamava a atenção era o poder das máquinas e, portanto, de quem as controlava naquele momento.

Pois esta — a referência aos coronéis — é a maneira que encontro para fazer um link entre o assunto que nos mobiliza a todos em Campos e o tema da pesquisa que desenvolvi durante o mestrado em Políticas Sociais na Uenf e que, por sugestão do George Gomes Coutinho, compartilho neste espaço. Meu orientador foi o professor Marcelo Gantos, do CCH/Uenf. O problema sociológico abordado dizia respeito à súbita introdução em Campos, no início da década de 1990, de uma massa de professores doutores vindos de todas as regiões do Brasil e de vários países, por ocasião da implantação da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), e a sua problemática convivência com os segmentos “nativos” da sociedade ou estabelecidos em Campos de longa data[1]. Como seria de se esperar, deu-se um estranhamento recíproco, e as representações sociais que estes dois pólos de sociabilidade construíram mutuamente podem ser resumidas no título de um artigo recentemente publicado pela revista Agenda Social: “O principado dos professores doutores na província dos coronéis”. (Disponível aqui).

O que ocorreu naquele contexto foi o encontro de dois mundos: um, o dos professores doutores, notoriamente cosmopolita; outro, o da massa da população campista, eminentemente local; um, identificado com a modernidade e quem sabe com sua versão “alta”, “tardia” ou “pós”; outro, marcado por traços de uma sociabilidade tradicional. Neste encontro, pareceu a princípio que ambas as instâncias pouco interagissem ou se “misturassem”, como água e óleo. Enquanto os informadores de Campos, ouvidos pela pesquisa, representavam a Uenf como “fechada”, estranha e distante, os professores doutores geralmente representavam a cidade através da mediação de variados símbolos do “atraso” socioeconômico, entre os quais a monocultura canavieira, a força das oligarquias e a herança colonial e escravocrata. Em outras palavras, Campos era representada como um lugar de coronéis.

Procurei trabalhar atento ao fato de que o campo da pesquisa era um autêntico campo minado, já que o então aprendiz de sociólogo tinha uma perna no antigo mundo campista (do qual era nativo) e outra no novo mundo acadêmico (do qual fazia parte como servidor público da Uenf).

Como esta conversa não é longa, já devo apresentar alguns trechos de depoimentos colhidos em entrevistas semi-estruturadas que marcam bem claramente o conflito em questão. Para não alongar, vou citar apenas dois informadores de cada lado:

Informador campista 1: (...) quando ela (a Uenf) se instalou, ela parecia um disco voador pousado e com as portas fechadas por dentro. Era um corpo estranho à sociedade campista. [...]

Informador campista 2: É como se a universidade, se ela ficar em Campos ou em Marte, não faria muita diferença... ou nos anéis de Saturno, não sei.

Informador professor doutor 1: (descrevendo suas primeiras impressões sobre Campos): Uma cidade marcada pela atividade canavieira, né? Uma situação bem típica de região de monocultura, está certo? Uma oligarquia muito forte e ... representantes, entre aspas, da cidade e o resto...

Informador professor doutor 2: [...] Minha mãe toda hora falava... (...) A gente ouvia falar de Campos, “é, parece que deve ter um monte de cana lá...” (risos) “tudo ignorante”. E minha mãe falava muito mal. [...]

De um lado, o ambiente social e cultural dos professores doutores percebido por nativos campistas como estranho, exótico, distante, indiferente. De outro lado, o ambiente sócio-cultural de Campos percebido pelos novos habitantes como um lugar atrasado e ainda sem acesso às luzes da modernidade. Embora estas representações tão contrastantes sugerissem que os dois mundos considerados não se misturariam, esse encontro efetivamente ocorreu, e de forma privilegiada, no ambiente do campus universitário. O conflito entre os estrangeiros/marcianos da Universidade e os filhos da sociedade escravista e coronelista de Campos se traduzia em um conflito entre professores doutores (em geral estranhos ao ambiente cultural campista) e servidores de menor grau de qualificação (em geral campistas). Aí, a noção do que seja moderno e do que seja tradicional se complica, já que a visão hierárquica e um tanto aristocrática — geralmente típica do ambiente tradicional — mostrava bastante vigor no pólo que se supunha moderno.

Este foi um quadro pintado em 2004, que certamente teve mudanças significativas. Os últimos reitores da Uenf, por exemplo, têm se esforçado para integrar a Universidade à vida social, econômica e política de Campos. O título de doutor também já não comporta, entre nós, a carga simbólica que lhe foi atribuída nos primeiros anos da Uenf. De todo modo, voltando ao mote inicial, continuamos todos aguardando (ou tentando construir) um desfecho para essa tensão entre o arcaico e o moderno que parece marcar não apenas a relação entre a Uenf e a sociedade, mas também toda a história recente da nossa cidade.

Por Gustavo Smiderle - Doutorando em Sociologia Política - CCH/UENF





[1] Onze anos depois da implantação, em 2004, a Uenf tinha 17% de professores doutores estrangeiros. Somando-se os estrangeiros aos naturais de outros estados brasileiros, que não o Rio de Janeiro, a proporção era de 61%.

Carta Abierta

Comprovando que a idéia de reunir energias intelectuais em formatos não institucionalizados na academia pode render bons frutos. Mesmo nos blogs. Recebi hoje esta novidade.

O blog Carta Abierta é uma iniciativa dos nossos hermanos argentinos na busca de congregar intelectuais com o objetivo de atingir de uma solução política e progressista no enfrentamento das corporações de mídia falada ou escrita. Sabemos bem dos estragos que a mídia anda fazendo...

E já começam com um belo exemplo prático: congregando os agrupamentos sociais e indivíduos a assinar a Carta Abierta que será o fundamento normativo de um fórum permamente de debates a ser lançado.

Talvez eles tanham algo a nos ensinar.

PT e PSDB: um velho sonho nacional chega a Campos dos Goytacazes

Certamente muitos de nós já ouvimos aquela velha história na qual consta que o PT e o PSDB são irmãos separados no berço. Teriam eles a mesma origem, e por isso, mais cedo ou mais tarde se reencontrariam devido às supostas afinidades que os envolvem. Porém, em política não basta idéias parecidas para se ter uma coligação estável, interesses parecidos também são importantes. Por isso, por vezes idéias parecidas em partidos diferentes é até mesmo motivo para que uma coligação não ocorra, ou seja, eles disputariam nichos eleitorais muito semelhantes, e na luta pelo poder, isso os manteria em certa distância. Porém, não importa aqui discorrer sobre o porquê desta união não ter acontecido, nem mesmo importa fazer uma descrição objetiva do que são estes partidos, mas o que agora nos interessa é tecer alguns comentários sobre o que esta união representa no imaginário nacional, e num segundo momento, tecer algumas relações com os dramas atuais da política campista.
O PT e o PSDB, a despeito de inúmeros problemas de ambos, têm representado as versões mais próximas do que nós chamaríamos de partidos políticos modernos, neste caso, até arriscaria dizer que o PT se aproximaria mais que o PSDB. Ambos encontram seus núcleos originários no estado de São Paulo e devido a isso não escapam de incorporar a famosa tese de parte da sociologia paulista que nos conta que o Brasil precisa se “sãopaulizar” para vencer seus maiores problemas. Eles são vistos por boa parte da população como as forças modernizantes que lutariam contra o atraso nacional. Enfim, essa coligação aglutina a expectativa elaborada pela sociologia paulista de deixarmos todo o nosso “atraso” pra trás e caminharmos rumo ao “progresso” da modernidade (Sobre a dicotomia atraso e progresso ver nosso primeiro post). E também poderíamos dizer que essa união chegou a representar a possibilidade do feliz casamento entre a técnica administrativa moderna dos intelectuais — representado tanto pelo PT, mas sobretudo pelos intelectuais do PSDB — e o voluntarismo ético do PT.
E em Campos dos Goytacazes, município que tem sua auto-estima dilacerada pelo estigma do atraso, do tradicionalismo, provincianismo e etc também aventa a possibilidade de romper com seus problemas através dessa união de forças modernizantes; o velho sonho nacional chega a nossas terras com a possibilidade de uma coligação entre PT e PSDB. Assim como na expectativa nacional, em Campos também se apresenta ela como a possibilidade de rompimento com os laços políticos tradicionais, e fala de uma administração técnica e moderna dos nossos recursos. Ou seja, a possível coligação campista mobiliza sentimentos da mesma natureza que aqueles mobilizados por uma possível coligação nacional.


No entanto, nem no cenário nacional e muito menos no municipal campista esses partidos foram fiéis representantes dessas imagens que se criaram entorno deles. Mostraram-se eles muitas vezes de forma ambígua. Se por um lado o PSDB foi capaz de controlar a inflação e nos dar uma moeda estável, desse modo contornando problemas históricos do Brasil, fez também alianças espúrias com partidos que seriam chamados de fiéis representantes do “atraso” por muitos dos intelectuais do próprio PSDB. E no caso do PT, se por um lado além de demonstrar um bom desempenho na economia, tem combatido a desigualdade social (outro problema estrutural), viu sua aura ética escorrer por entre os dedos.
Já no caso de Campos a situação parece ser bem pior, não se encontra facilmente os pontos positivos como no cenário nacional. O PT de Campos mesmo representando um germe de forças alternativas para oxigenar a política no município, jamais conseguiu que esse germe se concretizasse. Na verdade, foi o PT de Campos sempre um conveniente aliado do “Muda Campos”. E o PSDB nunca conseguiu imprimir uma forte identidade partidária em Campos, sua figura de maior expressão eleitoral foi Paulo Feijó, que pela sua maneira de fazer política não se afina muito com a imagem modernizante que o PSDB quer passar. Em vista disso, que se pode esperar da “Terceira Via”?
A resposta para esta pergunta se encontra na própria ambigüidade destes partidos. Caso seja a “Terceira Via” apenas um rearranjo entre setores destes partidos (PT e PSDB) que mal saíram do pavoroso governo Mocaiber, muito provavelmente não podemos vislumbrar nada muito diferente do que já temos. Representam eles a não concretização dos aspectos esperados e positivos que estes partidos têm dentro si. Não falo isso apenas como uma projeção, mas sim baseado no que estes setores nos mostraram nos últimos anos. Por essa ambigüidade apresentam-se também outros setores minoritários nestes partidos em Campos com mais chances de se enquadrar no quadro de expectativas que essa coligação gera na população. Esses outros quadros de que falo se personalizam nas figuras de Sérgio Diniz (PSDB) e Roberto Moraes (PT). Ambos procuram vincular em torno de si a aura moderna que paira sobre seus partidos. Sérgio Diniz mostra-se com uma forte identificação partidária, — traço moderno da política muito raro nas terras campistas, alguns de nossos vereadores mal sabem o que significa a sigla de seus partidos — além de incorporar a noção da técnica devido suas atividades profissionais como sociólogo e professor. Roberto Moraes também apresenta a sua imagem como um administrador moderno, capaz de imprimir uma gestão técnica dos vastos recursos do município. Engenheiro e também professor, busca os traços petistas de se apresentar como um dialogador com setores chamados de base.
Porém, para serem dignos das expectativas geradas por essa possível coligação, estes segmentos representados por Sérgio Diniz e Roberto Moraes, precisam primeiro demonstrar que possuem um projeto realmente alternativo para a cidade, e segundo, se mostrarem capazes de cavar espaços dentro das batalhas sangrentas no interior de seus partidos.
Por Brand Arenari

sábado, 10 de maio de 2008

Um tiro pela culatra


A edição deste domingo de “O Globo” terá uma reportagem que poderá ser um presente de dia das mães para muitos políticos, ao contrário do que pensará aqueles que querem vingança, e que são muitos em tempos de desmoralização da imagem dos políticos, da direita à esquerda do espectro. E pior, pode ser um presente para os mal intencionados. A questão é que contrariando um ponto constitucional, a tendência é que os presidentes dos TRE´s impeçam que políticos com ficha extensa na justiça, mesmo sem condenação, concorram nas próximas eleições. O que pode servir de triagem moral, disponibilizando uma lista mais limpa para o eleitor, pode também cometer injustiça contra aqueles que são vítimas de acusação por puro oportunismo eleitoral dos adversários. A questão pode ser simples. No Brasil, todos podem acusar quem quer que seja (e políticos geralmente, e por razões óbvias, são réus com certa periodicidade), o que possibilita montar dossiês, muitas vezes esquentados, como nos últimos anos estamos acostumados a encontrar nas manchetes da Veja e congêneres, para atacar os adversários. Se isso não causava problemas jurídicos ao réu, causava problemas políticos, pelo menos... Isto é prática antiga para chantagem empresarial e política. A questão é que antes, esta tática tinha pouco impacto jurídico-eleitoral já que não se impedia de concorrer aqueles políticos com acusações judiciais nas costas, a tendência é que hoje se impeça. As acusações podem se generalizar, acirrando agora a disputa política nos tribunais do TRE. A racionalidade política poderá elaborar pérolas como: “comprarei um dossiê falso e o usarei contra meus adversários” e “Eu te acuso para que você não concorra contra mim na próxima eleição”. O que poderia ser uma arma para a promoção de listas mais limpas, pode virar um mercado de dossiês e acusações infundadas. Quem acompanha as reportagens do “Caso Veja” no Blog do Luis Nassif sabe dos riscos que a democracia corre diante de veículos de comunicação com tamanho poder.

Fabrício Neves é sociólogo.

UENF, ideologia: notas para um debate

Por Paulo Sérgio Ribeiro

Pensar a ciência e a tecnologia exige o exercício vigilante de desvencilhar-se de alusões comumente aceitas sobre as tecnologias na cotidianidade. O ideal científico nos termos atuais envolve, por um lado, áreas do conhecimento discerníveis em sistemas de classificação mais ou menos rígidos; por outro, sua pretensa aplicabilidade nas inovações tecnológicas que passam a pautar as possibilidades da ação humana.

Não há acordos prévios entre as tecnologias e seus fins, o que marca a distância entre os caminhos quase sempre tortuosos do conhecimento científico e a expectativa social diante dos seus resultados mais aparentes subjacente à ideologia cientificista. Podemos descrevê-la pela suposição de que os conhecimentos científicos em seu movimento histórico poderão oferecer a explicação plena da realidade; ou pela apreensão mitológica desses mesmos conhecimentos, entendidos como vias de acesso a um poder de determinação sobre os homens e as coisas cuja eficácia seria comparável à crença mágica em um corpus de conhecimento inviolável.

Há inúmeras dificuldades na rotinização de uma auto-análise coletiva da Universidade, particularmente no tocante a análises que tematizem a dimensão metapolítica do conhecimento científico. Sobrevive nessa instituição uma perene contradição: a busca de conhecimento atinente a visões de mundo contra-fáticas e o caráter fechado de sua organização política, quase sempre limitador dessas diferentes visões. Outra questão que merece atenção diz respeito aos aspectos de previsibilidade e controle dos instrumentos e paradigmas tecnológicos que revelam um desafio prático e teórico para as ciências sociais. Com efeito, os temas e problemas estudados pela filosofia, sociologia, antropologia, história, economia e demais disciplinas – formações sócio-econômicas, processos históricos e culturais – observam variações nas suas abordagens teóricas e metodológicas. Não apenas as ciências sociais, mas particularmente as ciências sociais, sabem que trabalham com objetos que falam, ou melhor, respondem e lidam obrigatoriamente no processo de objetivação de seu campo de estudo – os valores que orientam as práticas, saberes e falas daqueles que tomamos como “objetos”. Exercitamo-nos na dúvida, no ceticismo organizado, no comunismo que o sociólogo Robert Merton definira como o ethos do cientista quando entende seu conhecimento como necessariamente público e não mais de propriedade daquele que um dia o pensou.

Toda construção do conhecimento é inevitavelmente intersubjetiva, não apenas no que concerne à comunicabilidade entre os pares mas à interação com o pesquisado e aqui nos defrontamos com os esquemas avaliativos que orientam as relações sociais investigadas e aqueles que orientam o cientista social em seu trabalho. Não é diferente, por exemplo, quando tomamos como problema de investigação a relação entre a Universidade e a vigência de uma ordem social e jurídica.

Tendo como pressuposto uma concepção de universidade pública que, num país subdesenvolvido, teria a missão de ser geradora de ciência e tecnologia, a proposta da UENF materializa-se numa realidade muito mais complexa na qual a educação, a ciência e a tecnologia interagem numa teia de acontecimentos que caracterizam a modernidade na periferia. Mais uma vez, somente a capacidade de perscrutar a UENF sem retirá-la do mundo e das suas contradições pode explicar as virtualidades e os impedimentos do que ficou conhecido como Projeto Darcy Ribeiro, assentado numa peculiar teoria da evolução, alvo de não poucas controvérsias no campo das ciências sociais. Cabe um questionamento sobre as possibilidades de se estabelecer interfaces entre a UENF e a região Norte Fluminense, entre os ideais de ciência e de tecnologia professados na comunidade acadêmica e o espaço social sedimentado no bloco histórico que tem em Campos dos Goytacazes seu pólo tradicional.

Reconhecer tais ideais como significativos ou, sendo mais preciso, dotar-lhes de sentido não deve entorpecer o observador naquilo que “se move rapidamente”, como diz o historiador Fernand Braudel. As mediações entre as instituições sociais e as práticas instituídas não podem ser tomadas pela “medida dos indivíduos, da vida cotidiana, das nossas ilusões, das nossas rápidas tomadas de consciência; o tempo por excelência do cronista e do jornalista”, para citar uma vez mais Braudel. Os processos decisórios são indissociáveis de um campo de poder e de um campo de lutas (Bourdieu) cuja apreensão global escapa à percepção imediata – o “tempo pobre” –, desviando-nos da matéria viva do poder e do contra-poder (da liberdade): a relação entre meios e fins, que no tocante à ciência e a tecnologia podem ser traduzidas pelas mediações entre técnica e valores.

A aposta no desenvolvimento das forças produtivas a partir dos cérebros reunidos na UENF, dedicados exclusivamente a projetos de ponta no âmbito da ciência, da tecnologia e da inovação, projetara a constituição de “Centros de Ciências e Tecnologias, associados a empresas” que, juntos, promoveriam o desenvolvimento regional. A intervenção modernizante do Estado – e da Universidade Pública – na estruturação sócio-econômica do Norte Fluminense esbarrou, no entanto, em padrões materiais e morais de pouco vulneráveis aos apelos da mudança. A projeção do discurso oficial da UENF em seu nascedouro sofreu os previsíveis constrangimentos de uma ordem social que não se limita ao âmbito regional.

A Universidade como lócus potencial de concepções da mudança social é, também, forjada na lógica capitalista. O pensamento e a prática crítico-revolucionária são uma utopia se não percebidos no embate cotidiano onde cientistas, donos do capital, trabalhadores, cidadãos e governos intervêm sobre quais acordos e consensos podem ser firmados nos usos sociais da ciência. A UENF vinha com o anunciar do “terceiro milênio” mas jamais o construiria por si só.

O ideário da inovação tecnológica como resultante da interação entre a universidade e o setor produtivo local impõe uma série de desafios até hoje não solucionados pelas comunidades científicas e tampouco pelo empresariado nacional. Não menos importante é considerar que mesmo que se garanta a inovação tecnológica não se garante que tal força produtiva seja capaz de alterar padrões redistributivos face às relações de dominação em suas especificidades locais e regionais. O velho e gasto tema do desenvolvimento, embora não possa ser espantado das políticas estatais, ainda carece de rigor em sua conceituação a fim de que a universidade pública não seja desprezada, nem superestimada, em sua potencialidade de construção coletiva de um futuro menos sombrio.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Dos paroquialismos.

A discussão sobre transferência de votos nas próximas eleições municipais deveria ser mais debatida por aqui, tendo como horizonte da discussão o fato de que a família garotinho não está mais no controle do Estado do Rio. O governador Sérgio Cabral já deu mostras suficientes de que apoiará candidatos em consenso com o governo federal, isso, na capital do Estado, já ficou evidente. A idéia subjacente a este comportamento político é a do automatismo da transferência de votos de “cima” para “baixo”. Porém, historicamente, não se pode afirmar que o controle de um âmbito executivo acima transfira votos para baixo, ainda que o governante seja popular, com altos índices de aprovação. Não é automática a transferência de votos presidente-governador ou governador-Prefeito. Estes âmbitos apresentam dinâmicas diferentes, em parte pela proximidade do eleitor: a relação cara-a-cara pode distorcer qualquer alegada superioridade. Vejamos. O ex-governador Garotinho tinha uma ótima avaliação em 2000, ano das eleições municipais, o que não impediu que os candidatos por ele apoiados tivessem desempenho ruim e não alcançassem vitória. Foi o caso, por exemplo, de Conde no rio e de outros da região metropolitana e interior. Outro exemplo bastante repetido ocorreu em Minas, também nas eleições municipais de 2000, quando o então governador Itamar Franco, ex-presidente da república com alto índice de aprovação ao deixar o cargo (elegendo seu candidato), não impediu que seu aliado João Leite fosse derrotado em Belo-Horizonte. Nas últimas eleições para governador houveram outros casos, Lula e o PT tiveram desempenho muito ruim, apesar da surpreendente, e cada vez mais ascendente, aprovação do governo federal - na época sofrendo menos com as repercussões que as acusações de corrupção acarretavam - : não elegeram ninguém no sul e no sudeste. Pode-se buscar explicações para esta falta de automatismo na transferência de votos de “cima” para “baixo”, Vitor provavelmente tem algumas, suspeito que elas dependam, excluindo os aspectos contingentes, das condições políticas locais no que diz respeito às coligações, que determinam tempo de TV, por exemplo. Isto nos leva a pensar o quadro da disputa campista isoladamente, sem recorrer àquilo que “venha de cima”. Assim, é de se suspeitar que a próxima eleição municipal em Campos tenha que ser analisada pelos arranjos partidários que agora se estruturam para a corrida futura. Estes arranjos, ademais, podem cristalizar o quadro atual, de crise, e ir contra as possibilidades renovadoras que uma pretensa influência estadual e federal venha cogitar. Penso, portanto, ao contrário do que muitos aqui escreveram, que necessitamos nesse momento de uma análise paroquial das futuras eleições municipais, levando em conta as forças que neste momento se apresentam na disputa campista.
Fabrício Neves, Sociólogo, UFRGS.

terça-feira, 6 de maio de 2008

A luta de classes na UENF

por Fabrício Maciel


Já há algum tempo tenho vontade de escrever um texto sobre a Uenf. Vivi seis anos intensos de minha vida lá, como estudante, sendo quatro deles também como funcionário concursado da instituição. Isto me proporcionou experiências políticas diversas, pois pude atuar em quase todas as frentes políticas imagináveis, tanto como aluno quanto como funcionário, chegando a estar, em momentos diferentes, em lados opostos de um mesmo tabuleiro, e em alguns momentos, lutando por direitos estudantis, trabalhistas e institucionais ao mesmo tempo, este último sempre justificando ideologicamente qualquer engajamento.

Em todo este percurso, um dilema insolúvel sempre pairou misteriosamente sobre a comunidade acadêmica uenfiana, dividida (e este termo não é só formal) em seus três segmentos – estudantes, funcionários técnicos (os famosos burocratas que sempre emperram tudo) e professores: eles jamais conseguiram convergir interesses e unificar um movimento de lutas comuns. Mais do que isso, algo que sempre me incomodou é que a comunicação sempre foi algo meramente simbólico, ou seja, cada segmento jamais entendeu substancialmente as necessidades específicas dos demais. Na verdade, podemos colocar isso em termos mais precisos: uns não reconheciam de fato como justos e importantes as reivindicações dos outros.

Não é difícil notar a semelhança de tal ambiente como a política contemporânea como um todo, seja nos dilemas democráticos chineses ou nos campistas. O que ocorre no mundo, e isto não é um problema de poucas décadas, de conjuntura, como se costuma compreender, é uma dificuldade por parte dos mecanismos formais de representação política e de discussão democrática em administrar as particularidades dos interesses diversos presentes em qualquer sociedade. Tal dilema estritamente moderno não poderia poupar a Uenf, nem a cidade de Campos. Com isso fica claro que não se trata de um problema local, de elites corruptas, falta de bons administradores, etc, toda esta conversa chata que se propaga por aí. Da mesma forma, não podemos cair no conto do bang-bang, onde mocinhos e vilões disputam o poder na Universidade. Muito menos no voluntarismo de que as pessoas na Uenf estão desunidas, não querem pensar no próximo, enfim, daqui a pouco vão dizer que falta Jesus no coração, como inclusive já se faz por parte de alguns políticos mais descarados.

Bem, se o problema do desentendimento entre os três segmentos da Uenf não é uma questão de boa intenção e iniciativa, isto significa que sociologicamente o buraco é mais em baixo. Eu mesmo me cansei, enquanto estive lá, de apelar para a retórica, pegando o microfone em assembléias (de Deus?) e manifestações e pedindo aos colegas (quiçá irmãos, como se faz nas Igrejas evangélicas): vamos dar as mãos, caminhando e cantando chegamos lá, viva 68, viva o sindicalismo...

Passada a euforia messiânica, chegamos à sociologia: os segmentos sociais e interesses diversos presentes tanto na Uenf como em qualquer universidade jamais serão compatíveis, pois se trata de classes sociais distintas em luta constante que jamais reconhecem como legítima nem mesmo a existência, que dirá os interesses das demais. Alguns fatos verídicos (eu juro!) podem comprovar o que digo. Por exemplo, alguns segmentos da comunidade uenfiana nunca reconheceram a legitimidade do Sintuperj, o sindicato dos funcionários, que sempre contou em sua maioria, tanto na diretoria como na base (é bonito falar em base) com funcionários do campo, do trabalho braçal, ou seja, os mais pobres (mas nem tanto) da comunidade acadêmica.

De repente, coisas estranhas aconteciam. Abaixo-assinados paralelos, conversas com o governo, enfim, caminhos obscuros de repente conseguiam vantagens para os funcionários atuando fora do sindicato. Não estou defendendo o sindicato aqui, apenas aproveitando, como um sociólogo oportunista no bom sentido, o fato que implora por explicação. Não por acaso, as ações comunitárias obscuras fora do sindicato tinham seu apoio sempre em funcionários do setor burocrático, de nível médio e superior, principalmente do prédio da reitoria, ou seja, uma classe social que se identificava entre si e jamais reconhecia os funcionários do campo como dignos de serem seus representantes. Notem que o próprio segmento dos funcionários, antes mesmo de não conseguir se comunicar com os demais, não se entende mesmo entre si, pois é fracionado por interesses de classe distintos.

Como já ficou claro em textos de Roberto Torres neste site, a noção de classe aqui não é definida por parâmetros econômicos, mesmo por que dependendo das regras estatutárias da Uenf um funcionário do campo pode ganhar quase igual a um arrumadinho que trabalha no ar condicionado. O conflito em jogo tem a ver com o tipo humano, físico e simbólico, das pessoas em cada classe. Um arrumadinho que chega em seu carro para trabalhar, e quando desce deste quase esbarra, fingindo que não vê, no funcionário do campo capinando no estacionamento, jamais votará neste para seu representante, jamais reconhecerá o corpo desengonçado do trabalhador braçal como um parceiro em comum para lutas democráticas coletivas. E vice-versa, quase sempre. Os engomadinhos são metidos e só pensam neles, é o que geralmente se pensa no campo.

Não por acaso, o último reitor eleito na Uenf, um jovem e entusiasmado professor, muito educado e competente administrador, venceu a eleição mais curiosa que lá presenciei. Havia um vazio político, pois nenhum figurão renomado com um puta currículum, nenhum “parceiro do Nobel”, como se referiu a revista “Nossa Uenf” sobre um professor de física que possui um artigo de 1993 em parceria com o atual alemão (não aquele do Big Brother) ganhador do Nobel em física parece ter aceitado o desafio. Restou ao lado do jovem e ousado professor, ambicionando o cargo, um veterano professor negro com ideais um tanto quanto utópicos e um jovem professor homossexual com larga experiência sindical no segmento dos professores.

Conclusão: quando a comunidade ficou dividida entre o jovem educado e bem arrumado e o explosivo professor homossexual, sempre muito enfático e incisivo nas discussões, o argumento que logo se espalhou e derrotou sorrateiramente o último é que este era uma pessoa emocionalmente desequilibrada para o importante cargo. Era alguém agressivo, que não inspirava confiança, instável. Pude ver pessoalmente como a comunidade acadêmica, e principalmente meus ex-colegas engomadinhos, se identificavam rapidamente com a polidez e boa aparência do candidato agora vencedor.


O que definiu o jogo aqui, sorrateiramente, sem que ninguém perceba, foram os mesmos critérios de avaliação que fazem com que funcionários do campo e do ar condicionado ajam como seres de espécies distintas, quase não podendo ficar próximos por muito tempo, tendo seus contatos restritos a relações cordiais de bom dia. Trata-se aqui dos critérios implícitos de avaliação, no capitalismo, do que é um tipo de gente socialmente aceitável e razoável. Este tipo privilegiado pelo capitalismo é o mesmo incorporado pelo trabalhador produtivo e qualificado. Trata-se de um jeito contido de ser, auto-controlado, polido, sutilmente mais humano. O trabalhador braçal é julgado como bronco, mas ninguém jamais terá a indelicadeza de dizer isso. Na verdade, quase não se pensa nisso, pois ser educado e polido é algo visto como naturalmente bom. Por isso um homossexual visto como agressivo não pode ser reitor. Por isso, a assembléia do sindicato é composta esmagadoramente por trabalhadores braçais. Por isso, cada classe com seu sindicato, cada um na sua, cada qual em seu lugar. Afinal, pra que misturar as coisas? É sempre melhor não mexer com o está quieto, algo que cresci ouvindo na planície.

A maldição da técnica e a sociologia autoral

Cresci ouvindo meu pai dizer que Garrincha era insuperável. Sua habilidade, sua ginga, sua imprevisibilidade faziam qualquer marcador se tornar meros “Joãos”. Nem a força era capaz de detê-lo, não obstante as intensas pancadas que levara no joelho.

Não assisti Garrincha ao vivo. Sou da época do Romário. Esse também não gostava de treinar, fugia do alojamento, da concentração, gostava mesmo era das noitadas e das mulheres belas. Mas treinar mesmo, nada! É chato, cansativo. Isso é para quem não tem habilidade, ginga.

Nem Garrincha, nem Romário são jogadores de técnica. São gênios. Possuem habilidades natas. Com eles nada de repetição exaustiva. Foram imprevisíveis, e dessa imprevisibilidade surge a genialidade.

Na sociologia, muitos pensam assim. Não precisam de treinamento, não há técnica, não há trabalho exaustivo. Essas atividades são relegadas à segunda categoria. Coisa para quem não é habilidoso, não possui ginga.

Técnica e habilidade são conceitos opostos para muitos. A técnica é o sinônimo do desencantamento do mundo. Partitura que nada! Algo previsível, chato, exaustivo, cansativo. O importante é tocar de ouvido. Nunca ouvi dizer que o Garrincha tivesse técnica. Essa era um recurso dos que não podiam ser um Garrincha.

A sociologia que fazem não gosta de Bach, ela é devota do Blues. O improviso é a glória maior do artista, assim como dos sociólogos. O que conta não são as intensas horas de exercícios do Baden, mas a embriaguez encantadora e sedutora do Vinícius.

Citam autores como evangélicos os versículos. Conhecem as notas de rodapé inseridas na 4ª edição da mais importante obra de Tocqueville, mas não se conseguem discutir os desafios do conceito de democracia. Faz-se sociologia autoral, mas não discutem os conceitos. Estudam-se os autores, esquecem-se da obra. São os especialistas em autores. Não se discute questões, discutem autores.

Esse um vício que é presente desde a graduação. Vejam os currículos das disciplinas chamadas teóricas, nelas não existem temas, existem autores. Todas começam com Marx, Weber e Durkheim. Todos leram os chamados três porquinhos. Os autores contemporâneos, por serem menos famosos, são reunidos em escolas. Vão-se agrupando os autores. Nada de temas, somente autores.

Quando falam do Brasil, repetem seus ídolos e acusam ser o personalismo o problema maior. Não conseguem perceber que assim o são no próprio exercício da sociologia.

Dificilmente se vê estudantes de ciência política que gostem de eleições, gostam mesmo de Hobbes! Estudar eleições é contar voto, coisa menor. O negócio é estudar Montaigne. Que instituições políticas que nada! A onda sempre foi pensamento social.

Não nego que há gênios na sociologia. Entretanto, como no futebol, onde não se encontra Garrinchas em qualquer esquina, ou na música que não se faz um BB King ou um Vinícius em qualquer botequim, a sociologia brasileira está cheia de Odvans e Alexandres Pires!

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Curiosidades eleitorais... As mulheres em 2004

Sabemos que a política não é uma atividade em que as mulheres são muito comuns. Não obstante os avanços no mercado de trabalho nas últimas décadas, nas eleições elas continuam sendo uma pequena minoria. Mas o quão pequena é essa minoria? Vejamos:

Do total de 346.380 candidato(a)s ao cargo de vereador(a), apenas 22,1% são mulheres. No caso do cargo de prefeito piora: ao todo foram 15.899 candidato(a)s, e as mulheres corresponderam não mais do que 9,1%.

Como se não bastassem as barreiras para se candidatar, das que superaram essa etapa foram poucas as que conseguiram êxito (se elegeram). Na realidade, são duas as barreiras, para a candidatura e outra para a eleição. A primeira refere-se à estrutura partidária e a segunda, à estrutura eleitoral propriamente dita.

Mas aqui temos uma surpresa! Se a candidatura feminina é mais comum para o cargo de vereador(a) do que para prefeitura, as taxas de sucessos são inversas. Ou seja, após as barreiras da candidatura, a taxa de sucesso é mais alta para a prefeitura do que para a vereança. Aproximadamente, 27% das mulheres que se candidataram à prefeita se elegeram, enquanto que apenas 8,6% das candidatas à vereança obtiveram sucesso (observem que essas taxas se referem ao total de mulheres, e não ao total de candidatos – dito de outra, a percentagem está na variável independente).

Provavelmente, essa inversão se dá não pelas características da segunda barreira (a eleitoral), mas pelo tipo de viés de seleção criado pela primeira barreira (a candidatura). Ou seja, a inversão não significa que o eleitor tem menos preconceito quando se trata de escolher o ocupante do cargo majoritário.

Esse viés de seleção pode ser explicado pelo fato de cada partido poder ter somente um candidato ao cargo majoritário e obrigado por lei a lançar no mínimo 30% dos candidatos de cada gênero. As conseqüências: os partidos tentam cumprir essa norma com as candidaturas à vereança, e somente lançam mulheres para a prefeitura quando estas possuem grandes possibilidades de serem eleitas.

No total, foram 409 mulheres eleitas à prefeitura (ou 6,5% dos 5519 municípios) e 6.550 eleitas à vereança (ou 12,6% dos 51.841 cargos de vereador disputados).

Continua sendo pouco, mas há estudos longitudinais que apontam para um crescimento desse contingente feminino nos últimos anos. Ganha a política, ganha o Brasil.

Sabe-se que a presença de mulheres na política não significa, necessariamente, conquista das causas feministas. Entretanto, essa presença é um importante passo para a eliminação de mais uma das barreiras existentes. Se depois de eleitas suas atividades não se diferem das atividades dos homens, é assunto para outro papo.

domingo, 4 de maio de 2008

Classes sociais e eleições em Campos

por Roberto Torres

Há poucos dias Brand escreveu um artigo sobre a relação entre classe social e comportamento eleitoral. Na ocasião ele começou o debate apontando as dificuldades de pautar esta relação segundo à concepção marxista de classe social. De um modo resumido, a principal dificuldade é que, em Marx, a definição de classe, feita a partir da posse ou não dos meios de produção, não explica porque uma situação de classe específica nem sempre, ou quase nunca, corresponde à defesa política de certo interesse de classe. No decorrer do século XX, o que se viu foi que as classes mais radicalmente despossuídas, inclusive de tudo que era necessário para uma situação sistemática de exploração pelo capital, eram incapazes de sustentar posições políticas de transformação social ao longo do tempo.
A experiência das massas assustadas pela miséria durante o Nazismo foi apenas o caso mais extremado de como as classes cujos indivíduos não podem vislumbrar um futuro no contexto de uma dada sociedade tendem a buscar uma solução rápida para sua condição social, que ao invés de prover a transformação social no grau em que sua pauperização poderia nos sugerir a primeira vista, costumam eleger “bodes expiatórios” para explicar os males de que padecem. Ao invés de apoiarem a transformação, que se sabe lenta e gradual, de um regime de dominação econômico-social, os despossuídos de perspectiva no futuro sempre vão preferir preservar a “segurança possível do hoje” que eles supõem alcançável com a punição de alguns culpados, como foram os Judeus na Alemanha Nazista e como são os “encostos” no neopentecostalismo brasileiro.
O autor que, numa leitura generosa e crítica da obra de Marx, abriu caminho para repensar a relação entre classe social e comportamento político foi sem dúvida Max Weber. O principal insight de Weber é que a classe social só determina o comportamento político mediante o status social que ela assegura ao indivíduo como alguém que pode e desejar reproduzir sua “situação de classe” definia pelo seu “valor no mercado”. Este “valor no mercado” substitui o critério da posse dos meios de produção como dimensão fundamental capaz de pautar uma dinâmica de tomadas de posições políticas de caráter coletivo.
O que configura o valor dos indivíduos no mercado é, além da posse dos meios de produção, a posse do conhecimento, sobretudo de conhecimento técnico. A meu ver ai está toda a atualidade de concepção weberiana de classe social. Na medida em que ele percebe o conhecimento como critério de estratificação social no capitalismo moderno, ele é também capaz de perceber que o comportamento político de classe tende a obedecer a tentativa de valorizar ou evitar a desvalorização de saberes específicos de determinada situação de classe vivenciada pelos indivíduos. Ao mesmo tempo, como a posse diferencial deste conhecimento nunca cria uma oposição binária clara, como Marx imaginou ser possível, a luta se dá antes entre frações de classe. Porém, a posse diferencial deste conhecimento só pauta a luta entre frações de classe por referência ao tempo, ao futuro. As posições políticas de classe são posições tomadas por indivíduos que, a partir do conhecimento incorporado no presente, vislumbram em um determinado líder, proposta partidária etc. ou a possibilidade futura de sua qualificação ou de sua desqualificação no mercado.
A tendência sempre conservadora dos indivíduos em desvantagem para incorporar novos conhecimentos profissionais diante de plataformas políticas que pretendem abrir caminho para novos saberes na dinâmica de classificação e desclassificação social é um bom exemplo. Lembremos o conservadorismo dos usineiros campistas frente à possibilidade de que a atividade petrolífera viesse a desvalorizar sua posição social pondo em cena indivíduos com novos diplomas, uma “nova elite”. O caso do Cefet-Campos, que Brand sempre gosta de lembrar, é outro grande exemplo regional. Um tipo novo de qualificação e inserção profissional permite que um estrato social de professores e funcionários públicos possa assumir posições políticas tendo em vista o fato de que sua situação de classe não é diretamente ameaçada no futuro por causa destas posições políticas. Esta situação de classe é decisiva para que eles possam tomar posições de classe mais “revolucionárias”, esquecendo as sanções em termos de rebaixamento de status e renda, que para eles não é uma ameaça vivida no presente.
O contrário é o que ocorre com os “serventes” desqualificados da Prefeitura que, por terem seu futuro nas mãos de quem controla ou poderá controlar a máquina de empregos, não podem senão apoiar os candidatos que melhor lhes inspirem segurança quanto à manutenção destes empregos. Em resumo, a posse e o valor do conhecimento no presente definem se frações de classe têm ou não um futuro mais ou menos garantido, ou seja, se o status social de indivíduos em semelhante “situação no mercado” inspira ou não estabilidade ao longo do tempo. E ter ou não futuro é, por sua vez, a coordenada fundamental capaz de pautar posições políticas que levem em conta, por um lado, somente promessas mágicas de resolver problemas de vidas sem presente nem futuro ou, ao contrário, propostas para uma vida coletiva de pessoas que só podem planejar politicamente seu futuro na medida em que seu status social presente lhes confere alguma certeza de ter algum futuro.
Mas embora Weber tenha percebido essa dimensão temporal na configuração do comportamento político dos indivíduos a partir de sua “situação de classe” no mercado, ele não realizou nenhum estudo específico sobre o tema. No entanto, suas analises sobre a racionalização da conduta de vida mostram bem como a prisão ao “reino das necessidades imediatas”, seja a necessidade econômica de garantir a comida do amanha, seja o “interesse ideal” de livrar estilos de vida do risco iminente do rebaixamento de status, é um fator impeditivo de qualquer forma de posição política que precise do futuro com uma referência fundamental. Bem, eu queria apenas continuar as reflexões de Brand, mostrando como o raciocínio aberto por Weber, que inclusive inspirou teóricos contemporâneos da classe social como Pierre Bourdieu e Klaus Eder, é indispensável para pensarmos o tema do comportamento político nas próximas eleições municipais (considerando que é impossível pensar qualquer tipo de comportamento sem levar em conta a “situação de classe” dos indivíduos). Se Weber estava correto sobre a necessidade causal de um “sentido” para que haja ação social, o sentido de futuro parece ser o “pano de fundo” de todos os outros. Acho que nossas legitimas especulações sobre a possibilidade de uma mudança política na Cidade precisam apontar os potenciais estratos condutores da desejada mudança, cuja visão de futuro precisa não só existir como também existir por referência a uma “outra Campos” para que faça algum sentido imaginar uma posição política pro mudança.