domingo, 30 de agosto de 2009

Programação da Abertura do 2º Semestre de 2009 - UFF Campos RJ

Prezad@s,

Venho divulgar a programação oficial de abertura desta nova fase da Universidade Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes, RJ.

Inegável que há grande ansiedade sobre o impacto desta ampliação em Campos e região. Visando aplacá-la parcialmente eis alguns elementos desta que promete ser uma relação promissora entre comunidade acadêmica e não acadêmica.

Divulguem e prestigiem. Notem que a programação não está restrita ao primeiro dia...
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Programação da Abertura do 2º Semestre de 2009

Há 47 anos, no município de Campos, a UFF é mais conhecida como Faculdade de Serviço Social em virtude do seu único curso de graduação. Nesse quase meio século, formaram-se mais de mil Assistentes Sociais oriundos dos mais diferentes municípios do Norte e Noroeste Fluminense e, também, do Espírito Santo e de Minas Gerais e mais de 400 alunos de Pós-Graduação lato-sensu. Além do Ensino, a UFF/Campos é reconhecida pela sua Pesquisa e Extensão, ambas sintonizadas com os problemas socioambientais da Região. Assim, é com muita alegria que recebemos os calouros da primeira turma dos Cursos de Ciências Sociais, de Economia, de Geografia e também os calouros do curso de Serviço Social, além dos docentes e técnico-administrativos para, juntos, darmos prosseguimento a este projeto que só está começando.

Dia: 31/08 (2ª. Feira)

08h – Abertura oficial do Curso de Economia e Aula – UFF – Campos.

18h - Abertura oficial com a presença das autoridades da UFF, professores, funcionários e alunos de todos os cursos.

19 h – Apresentação de Esquete - alunos do Curso de Serviço Social.

Local: Sede da UFF - Rua José do Patrocínio, número 71.

Dia: 08/09 (3ª. Feira)

18h – Palestra para todos os cursos com o professor Aristides Arthur Soffiati Neto, sobre o tema O impacto socioambiental das cheias na planície fluviomarinha do Norte Fluminense.

Anúncio do Trote sócio-ambiental

Dia: 09/09 (4ª. Feira)

17h – Palestra: DSTs e Vulnerabilidade, com a Profª Viviane Lopes (Coordenadora do Projeto de Extensão em DST – AIDS e Banco de Preservativos/UFF) e Lidiane Braga, do Serviço de Atendimento Especializado do Programa DST-AIDS de Campos).

17:40 – Oficina “Sexo mais seguro”.

18h – Aula Magna para todos os cursos com o professor Haroldo Baptista de Abreu sobre o tema Cidadania e Modernidade: desafios para a Universidade.

21h - Apresentação do Grupo Musical Cadência do Samba e Chorinho.

Dia: 24/09 (5ª. Feira)

18h – Palestras na Sede do Instituto de Campos.

Curso de Serviço Social: Profª Drª Larissa Dahmer (a confirmar).

Curso de Geografia: Prof. Dr. Márcio Piñon Oliveira(a confirmar)

Curso de Ciências Sociais: Profª Drª Adélia Miglievich.

Curso de Economia: Profª Drª Rosélia Piquet.

Dia: 25/09 (6ª. Feira)

18h - Atividades do Movimento Estudantil, organizado pelo Diretório Acadêmico Conceição Muniz (Dacom), da UFF.

Dias: 19/10 e 20/10 (2ª. Feira e 3ª. Feira – Manhã e Tarde)

Atividades da Monitoria e I Mostra Interinstitucional de Extensão – IF, Uenf, UFF- Campos É possível que seu navegador não suporte a exibição desta imagem.

Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional

ESR/UFF

Departamento de Serviço Social Coordenações dos Cursos de Serviço Social, de Ciências Sociais, de Geografia e de Economia

DACOM

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

CRÍTICAS AO ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL: NOVOS ARGUMENTOS OU VELHOS MITOS?

Marco Antônio Pedro Vieira1

Considerado elemento constitutivo de nossa formação social por vários estudiosos e intelectuais de âmbito nacional e internacional, o racismo foi (e ainda é) tema de diversas produções acadêmicas que apontam a histórica responsabilidade do Estado brasileiro no processo de desigualdade racial no país. Apesar do conceito de “raça” não ter nenhuma validade científica, o racismo, por outro lado, continua presente nos diversos campos das relações sociais no Brasil. Na atualidade, o racismo enquanto problema a ser superado, se tornou a pedra de toque das principais discussões e propostas que visam beneficiar grupos sociais historicamente discriminados por sua condição de “raça” e/ou cor.

Tendência em dissimular a presença do racismo, muitas vezes sob a forma de “proteção”, o mito da “democracia racial” aos poucos vem perdendo sua força enquanto consenso acerca das relações raciais na sociedade brasileira, dando lugar aos discursos que, sob um ponto de vista “liberal”, questionam a validade ética, política e jurídica da promoção de sujeitos com base no critério da autodeclaração quanto à origem étnico-racial, também denominada de política de ação afirmativa. Desta forma, nunca se debateu tanto sobre o racismo, principalmente depois da proposta de instituição do Estatuto da Igualdade Racial através do Estado.

Segundo o referido estatuto, a desigualdade racial significa toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada.

Projeto de lei votado pelo Senado Federal e ainda em tramitação na Câmara dos Deputados, o Estatuto da Igualdade Racial prevê, neste sentido, a constituição de políticas públicas para combater a desigualdade racial em vários campos, garantindo moradia e terra para os remanescentes de quilombos, acesso gratuito às ouvidorias nas três esferas de governo para as vítimas de discriminação racial, tratamento especial para prevenir e tratar doenças como anemia falciforme pelo Sistema Único de Saúde (SUS), etc. Cria também o sistema de cotas nas universidades, nos espaços de trabalho, na mídia e nos partidos políticos para os discriminados por “raça” e/ou cor, ao mesmo tempo em que propõe um Fundo Nacional da Promoção da Igualdade Racial.

Apesar dos avanços (ainda que parcos) da política social brasileira com base na universalização de direitos, na descentralização político-administrativa, no controle social, entre outros, a desigualdade racial ainda é alimentada pelo enorme fosso que separa, de forma severa, as condições de existência de negros, brancos, indígenas e de demais etnias que compõem a nossa sociedade, fundamentando, desta forma, a adoção de medidas complementares às ações já existentes para promover a igualdade racial.

No entanto, tais medidas são contestadas com veemência por alguns setores da sociedade sob a alegação de que a desigualdade no Brasil, inclusive a social, nada tem a ver com a questão racial, mas sim, com uma forte divisão de classes oriunda da má distribuição de renda e riqueza, causa gritante de nossa extrema pobreza. Um dos expoentes atuais desse discurso chama-se Ali Kamel 2 , que em seu livro Não somos racistas 3 revisita obras de renomados intelectuais brasileiros, utiliza dados do IBGE e discorre, dentre outros assuntos, sobre o sistema de cotas, sustentando o argumento de que o problema da desigualdade no Brasil passa pela falta de acesso à educação, tornando assim, desnecessária a adoção e instituição das cotas raciais pelo Estado brasileiro para acesso de grupos racialmente discriminados ao ensino superior. Neste sentido, a crítica ao estatuto e ao sistema de cotas raciais centra-se na argumentação de que a desigualdade só poderá ser superada com maciços investimentos em educação, sobretudo em educação básica, pois só assim ela abrangerá todos os segmentos pobres da sociedade independente da “raça” e/ou cor.

Certamente, não podemos prescindir da existência de uma forte desigualdade de classes no Brasil e, muito menos, da importância de sólidos investimentos públicos em educação (em seus diversos níveis) para tornar a sociedade mais equânime, entretanto, também não podemos nos furtar de que esta desigualdade possui muitas peculiaridades, sendo uma delas o não menos intenso recorte racialista, resultado das opções políticas, sociais e econômicas realizadas pelo Estado nacional (nos períodos pré e pós-abolição), impedindo assim, a plena integração dos indivíduos negros à sociedade brasileira e em diversos campos da vida social.

Com uma leitura muito apressada e que não leva em conta, muitas vezes, as questões inerentes à nossa formação social, os críticos do Estatuto da Igualdade Racial argumentam que a proposta de cotas raciais altera radicalmente as bases universalistas da Constituição de 1988 pelo seu caráter compensatório e transitório. Estes também defendem o princípio da universalidade como um fim em si mesmo, ou seja, é como se este princípio, expresso apenas de forma jurídica na Carta Magna, possuísse o poder e o papel de remir todos os problemas inerentes à sociedade sem a necessidade de medidas complementares. Tal compreensão mecânica, diria até maniqueísta, concebe o estatuto como instrumento absoluto de privilégio de “raça” e não como um dos meios, mesmo que por prazo determinado, de superação da desigualdade racial para o fortalecimento, garantia e efetivação dos próprios princípios universais contidos na Constituição.

Discurso também muito utilizado pelos críticos alega que a Constituição Federal já trata do racismo em seu Capítulo I, artigo 5º, caput XLII, considerando tal prática como crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei, todavia, tal artigo é bastante incipiente (apesar de sua importância) para dar conta da desigualdade racial na sua totalidade, pois este trata o racismo sob o ponto vista da prática de crime apenas, não indicando qualquer ação (pública ou privada) ou dispositivo que aponte o racismo como responsável pelas péssimas condições de vida e baixo índice de participação da população afro-descendente na riqueza socialmente produzida no país, demandando, desta forma, a interferência do Estado na referida questão por meio de políticas públicas.

Apesar da importância da defesa da Constituição e de seus princípios universais, e da orientação que tais princípios oferecem às legislações e políticas sociais direcionadas a determinados segmentos da sociedade brasileira (crianças, idosos, mulheres, pessoas com deficiência, etc.) e, mesmo em meio a tantas iniciativas de focalização das políticas sociais na pobreza extrema, ainda é notória a invisibilidade do tema relacionado à desigualdade racial neste âmbito, daí a idéia nada ingênua de que “não somos racistas”. Novos argumentos ou velhos mitos raciais?

Sem querer, portanto, esgotar aqui essa discussão e dar uma resposta definitiva à questão, o fato é que, no que se refere ao Estatuto da Igualdade Racial, não se trata de julgá-lo ou reduzí-lo a um mero instrumento para a construção de uma sociedade bicolor, polarizada entre negros e brancos, ou para a negação da diversidade e variedade do espectro de cores que representa o povo brasileiro, muito menos para culpabilizar, como num período de “caças às bruxas”, os indivíduos brancos e seus antepassados, como advogam alguns críticos, mas trata-se, por outro lado, de responsabilizar o Estado enquanto ente público, que durante os séculos XIX e XX, especificamente, realizou e intensificou escolhas políticas pela marginalização de segmentos sociais em detrimento de sua integração à sociedade, não tão somente pela sua condição de classe, mas, sobretudo, pela sua aparência e caráter fenotípicos, assim como pela sua origem étnico-racial e que até hoje apresentam seus resultados caros e nefastos.

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[1] Assistente Social do INSS; Mestre em Serviço Social, Política Social e Trabalho pela UERJ; Pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Ética e Diversidade de Gênero, Etnia e Racismo (NEDIGER) da UFF – Campos dos Goytacazes-RJ e; professor do curso de Serviço Social da Faculdade Redentor (Itaperuna-RJ).

[2] Jornalista e sociólogo, diretor responsável pela Central Globo de Jornalismo e colunista do Jornal O Globo.

[3] O título original chama-se Não somos racistas: uma reação aos que querem nos transformar numa nação bicolor.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Divulgando passos da UFF Campos RJ

Prezad@s,

Divulgo o comunicado oficial sobre a cerimônia de formalização da doação do terreno da antiga Rede Ferroviária Federal para a expansão da Universidade Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes RJ. Recebi estas informações da professora Ana Maria da Costa.

O projeto é ambicioso e transparece uma inusitada vocação humanística dada a opção pelos cursos de Ciências Sociais, Geografia, História, Psicologia, Economia e Direito.

Acompanharemos com interesse essa expansão e as comparações com a instalação da UENF serão inevitáveis. Haverá o estranhamento ocorrido tal como com a chegada da UENF? Qual será o direcionamento dos novos cursos? Quais serão as novidades na produção de conhecimento implementadas pela expansão da UFF? A UFF Campos RJ, onde já havia o curso de Serviço Social, obedecerá a tendência contemporânea absolutamente negativa de escolarização do ensino superior? Será um bastião de resistência? Encontrará eco na política local ou será vista como mais um animal exótico por este grupo?

Infelizmente, como já disse em outra ocasião, a boa análise sociológica é usualmente ex-post facto. As respostas virão com o passar dos anos. Até lá acredito firmemente na tendência de produção de uma ainda maior massa crítica em uma cidade em uma crise de hegemonia paradoxalmente entediante no que tange suas tradicionais expressões de poder. Afinal, o velho de fato morreu. E o novo ainda se recusa a nascer.

Eis o texto oficial e, sim, aguardemos exercitando o princípio epistemológico da esperança como defendia Ernest Bloch:

UFF e Patrimônio da União assinam contrato de doação de terreno em Campos dos Goytacazes
24/8/2009

Foi assinado na manhã desta segunda-feira, 24 de agosto, o contrato de doação de um terreno em Campos dos Goytacazes para a expansão dos cursos da UFF no município. O imóvel foi cedido pelo Patrimônio da União à universidade para a realização do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni).

Estavam presentes na solenidade o reitor da UFF, professor Roberto Salles; o vice-reitor, professor Emmanuel Andrade; o diretor do Polo Universitário de Campos, professor José Luís Vianna; a Diretora da Unidade do Polo de Campos, profa. Leda Barros; a secretária da Superintendência do Patrimônio da União (SPU), Marina Esteves; o assessor do SPU/RJ, Jorge Feijó, o deputado federal Chico D'Ângelo (PT–RJ); e a presidente do Diretório Acadêmico Acadêmico Conceição Muniz de Campos, Lara de Oliveira. Presentes ainda, na delegação de Campos, a Coordenadora de Extensão e representante do curso de Serviço Social, profa. Ana Maria Almeida e professores representantes das coordenações dos novos cursos, de Economia, Ciências Sociais e Geografia.

Para o professor Vianna, a ampliação do polo é fruto de muito trabalho e crença no plano de expansão da universidade. "Esta é uma manhã de agradecimentos. A equipe de Campos está trabalhando incessantemente para que esse projeto saia do papel e possamos dar um retorno a toda a comunidade da UFF."

O vice-reitor Emmanuel Andrade frisou que o Polo Universitário de Campos é exemplo de empreendedorismo. Segundo ele, a universidade está dando respostas aos investimentos do Reuni e parabenizou toda a equipe daquela cidade pelo empenho. "Campos é hoje uma das maiores expansões que temos", salientou.

Lara de Oliveira, que representa todos os estudantes da UFF de Campos (naquele local), lembrou que há 40 anos a universidade tem apenas um curso na cidade. Para Lara, a ampliação do polo fará com que a UFF em Campos esteja mais visível e acessível a toda a comunidade.

O trabalho de equipe de Campos dos Goytacazes também foi lembrado pelo reitor Roberto Salles. De acordo com ele, a assinatura do contrato de doação do terreno representa um esforço conjunto de toda a universidade. Roberto Salles salientou que ainda há muito para ser feito em relação à legalização de terrenos da UFF. "Nem todos os nossos terrenos estão com os documentos em dia. E essa é uma questão que quero resolver ainda na minha gestão."

A expansão do polo possibilitará a criação de mais seis cursos na cidade. No segundo semestre de 2009, estarão implantadas as graduações em Ciências Econômicas, Ciências Sociais e Geografia. Os cursos de Direito, História e Psicologia serão abertos no segundo semestre de 2010 (o mesmo ano). O cronograma prevê o início das obras para novembro de 2009, e sua conclusão para setembro de 2010. O terreno, com mais de 38 mil metros quadrados, está localizado na Avenida 15 de Novembro, 483, Centro.



sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Revista Nossa UENF - Julho-Agosto de 2009


Prezad@s,

Venho divulgar a Revista Nossa UENF de julho/agosto de 2009.

Gustavo Smiderle da Assessoria de Comunicação da UENF nos dá algumas pistas dos elementos encontráveis em mais este belo número:

"Tem uma matéria com estudantes premiados durante o 14.º Encontro de Iniciação Científica, uma geral sobre a exploração de argila na Baixada Campista, com algumas tentativas de minorar o impacto ambiental e melhorar o padrão dos produtos - incluindo um resgate do projeto 'Caminhos de Barro' -, uma abordagem sobre os biocombustíveis de segunda geração, entre outras pautas."

No espírito destes 16 anos de UENF recém completados neste mês ainda temos o seguinte:

"Na entrevista, o professor Silvério de Paiva Freitas, pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários, faz uma reflexão sobre o que a experiência destes primeiros 16 anos pode ter representado em termos de contribuição para a mudança na realidade local e regional (avanços e limites)."

Por fim, o servidor da UENF neste final de semana passa por uma revisão. Então disponibilizei em PDF aqui neste servidor: http://rapidshare.com/files/269847425/Revista_Nossa_Uenf_julho-agosto_2009_WEB.pdf.html

Só é permitido um número muito limitado de downloads, trata-se de um aperitivo. Mas, por conta de manutenções no servidor da UENF, só será viável fazer o download pelo site da universidade a partir de segunda-feira, 23/07 (http//www.uenf.br).

É isso senhoras e senhores. Longa vida a UENF! E boa leitura!

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Subsídios Agrícolas II: render-se às setas e dardos de um ultrajante destino?

Em texto anterior (Subsídios Agrícolas: quem ganha?) expressei uma série de argumentos contrários à política de subsídios agrícolas ao setor canavieiro na região norte fluminense, dentre os quais destaquei: (1) o emprego de mão-de-obra em condições subumanas, (2) o momento inoportuno dado os valores internacionais históricos do açúcar alcançados nos últimos meses (o maior em 27 anos, não obstante, a difícil situação que se encontram as usinas por falta de crédito), (3) irresponsabilidade ambiental, posto que as queimadas são formas primitivas de cultivo que permanecem na região, (4) inapetência administrativa das usinas, explicado pelo fato de que, apesar de terem sido alvos de políticas de fomento durante décadas, permaneceram dependentes do Estado, e (5) independentemente do fato do alvo direto do subsídio ser os pequenos produtores, os verdadeiros beneficiados são os compradores (as usinas), pois a determinação dos preços não seguem a lógica de jogos simultâneos de uma única rodada com informações igualmente distribuídas – além do mais, os compradores (em menor número e organizados) estão em situação estratégica em relação aos pequenos produtores (em maior número e desorganizados).

Em comentário ao mesmo texto, afirmei claramente ainda que há um preceito normativo subjacente ao ponto (1), qual seja, de que não importava o tamanho do empregador da mão-de-obra no canavial, e sim o que estava em causa era as condições do trabalho empregado. Dito de outra, não importa se o trabalho é realizado por trabalhadores assalariados ou por membros de uma pequena família produtora (e aqui entram também os assentados), importam sim as condições daquele trabalho por demais demonstradas que superam os limites físicos dos seres humanos. Nesta questão, considero desnecessário lembrar desastres recentes que ludibriaram não pessoas sem qualificação técnica, mas sim especialistas experimentados no assunto, ou seriam estes fatos como os tais que ainda “preenche[m] o imaginário de militantes de esquerda”?

Com o convite para debater a questão no blog do Xacal, o professor Fábio Siqueira apresentou novos argumentos. Não obstante o profundo respeito e admiração que cultivo ao professor, classifico os argumentos como um “culturalismo inadvertido e incauto”. E explico: inadvertido porque irreflexivo, posto que afirmara ser o cultivo da cana-de-açúcar entranhado na cultura dos agricultores o motivo justificador para uma intervenção Estatal reforçadora. Nas palavras do próprio:

“Hoje, uma década depois [das políticas de incentivo à diversificação de culturas], e apesar da desvalorização da cana, é inegável o apelo que tal cultura continua a ter junto aos produtores locais.”

Classifico como irreflexivo o argumento culturalista, pois está subjacente a concepção de um Estado que deve reforçar comportamentos culturais dos cidadãos, e não uma concepção de Estado transformador. O primeiro se rende a um dado cultural e o reforça (neste caso, um ultrajante destino); o segundo, o Estado reformador, traz para si a responsabilidade de mudanças culturais, ainda que perceba a cultura como parte constituinte do comportamento e possíveis entraves para modificações, sem jamais renunciar ou prevaricar na sua missão transformadora.

Ainda que se tratasse de uma concepção normativa consciente de um Estado culturalista reforçador, em geral, esta modalidade pretende reforçar as boas condutas culturais, no que não se pode classificar as políticas implementadas para reforçar a cultura de cana-de-açúcar na região. No caso em tela, reforça-se o que há pior na cultura da região.

O segundo adjetivo empregado ao culturalismo (incauto) se refere à própria causalidade empregada para classificar a falência das políticas públicas voltadas para a diversificação de cultivos. Aqui caberia perguntar se o malogro destas políticas não foi causado por motivos intrínsecos à própria política, seja na formulação seja na execução. Afirmar que a política pública faliu por um fator cultural significa afirmar que estes fatores culturais não foram devidamente considerados na formulação da política, por conseguinte, uma política mal formulada. Ora, como se elabora uma política pública e não se dimensiona os entraves culturais para sua execução? O culturalismo incauto, ao fim e ao cabo, declara a incompetência do formulador e/ou do executor da política.

Os argumentos do professor Fábio ainda desconsideram completamente as externalidades negativas provocadas pela queimada da cana-de-açúcar na saúde da população (acrescente a isto também os efeitos ambientais); sonega solenemente a medíocre produtividade deste cultivo na região (especialistas afirmam que não chega a metade da produção/hectare das regiões de São Paulo); nada diz a respeito das décadas de incentivos governamentais investidos sem resultado na região.

Por fim, gostaria muito de acreditar que estas políticas de subsídios são simplesmente mal elaboradas, que são ingênuos os propositores, que desconhecem o que fazem, que estão ofuscados pelo voluntarismo e boas intenções em ajudar os pequenos produtores. Caso contrário, terei de me render aos argumentos próprio da Ciência Política destinados à explicação de distribuição de benesses aos grupos de interesses privados com fins eleitorais.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009













Cai mais um mito do liberalismo elitista e oligárquico no Brasil: Produtividade do setor público avança mais que a do privado
A produtividade no setor público brasileiro evoluiu mais que a produtividade no setor privado entre 1995 e 2006. A conclusão está no Comunicado da Presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado na manhã desta quarta-feira, dia 19, em Brasília. O estudo, intitulado Produtividade na Administração Pública Brasileira: Trajetória Recente, mostra que, naquele período, a produtividade na administração pública aumentou 14,7%, enquanto no setor privado a evolução foi de 13,5%.

A medida nacional de produtividade anual na administração pública utilizada pelo Comunicado da Presidência nº 27 se baseia no valor agregado definido pelas contas nacionais e a força de trabalho ocupada de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) - ou seja, parte de informações oficiais produzidas pelo IBGE. O estudo foi apresentado pelo presidente do Ipea, Marcio Pochmann.

O comunicado revela que, ao longo do recente período de estabilidade monetária no Brasil, com o Plano Real, "a produtividade da administração pública manteve-se superior à do setor privado". Em 2006, por exemplo, a produtividade no setor público foi 46,6% superior à do setor privado. A apresentação trouxe, ainda, comparações entre estados e entre as administrações públicas federal, estaduais e municipais.

Do ponto de vista regional, o Nordeste e o Centro-Oeste tiveram crescimento positivo e substancial da produtividade na administração pública entre 1995 e 2004. As demais regiões não apresentaram melhoria nesse indicador. Já entre as unidades federativas, Roraima obteve o melhor desempenho no mesmo período, seguido pelo Distrito Federal. Seis estados tiveram redução nos ganhos de produtividade, sendo que o pior cenário foi registrado no Pará.

"Constata-se que, de 1995 para cá, a produtividade na administração pública não se descolou daquela do setor privado. As duas evoluem na mesma dimensão e registram ganhos, embora baixos", resumiu Pochmann. Entre os fatores que ele apontou como justificadores desse crescimento da produtividade no setor público estão o aproveitamento de novas tecnologias da informação, a participação social no acompanhamento de políticas públicas, e a modernização do setor por meio de concursos e cursos de qualificação.

O presidente do Ipea lembrou ainda que as administrações estaduais que adotaram medidas de choque de gestão não constam entre aquelas com melhor desempenho na produtividade. "Ou tiveram ganho muito baixo, ou ficaram abaixo da média de 1995 a 2006", afirmou, ressalvando que essa comparação não era objetivo do estudo, mas foi uma das conclusões observadas. O evento teve transmissão ao vivo pelo site do Instituto. (texto da assessoria de imprensa do IPEA).
Confira o link da comunicacao: http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/comunicado_presidencia/09_08_19_ComunicaPresi_27_ProdutividadenaAdminisPublica.pdf

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Cotas, a intolerância relativizada?

Gilson Caroni Filho

Ao entrar com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão da matrícula dos alunos negros aprovados pelo sistema de cotas da Universidade de Brasília, o DEM (ex-PFL) protagonizou um momento emblemático da nossa propalada “democracia racial”.

Há algo mais profundo, fortemente recalcado, em todas as discussões envolvendo políticas afirmativas em universidades públicas. Tanto o projeto de Lei Complementar, em tramitação no Senado, estabelecendo que as instituições de educação superior reservem 50% das vagas para autodeclarados negros, pardos e índios que cursaram o ensino médio em escolas públicas e venham de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita, quanto a lei estadual que instituiu o sistema no Rio de Janeiro sofrem forte resistência de atores políticos e de personalidades do mundo acadêmico. Afinal, a quem ameaça a implantação de tais medidas?

Conhecida por seu ativismo contra as cotas, a antropóloga Yvonne Maggie declarou recentemente que “uma coisa é dizer que o Brasil é um país desigual, com uma distância muito grande entre ricos e pobres. Outra coisa é atribuir isso à raça”. Para ela, “a lógica étnica ou racial não tem fim e só persiste porque a Fundação Ford investiu milhões de dólares no Brasil”. Como explicar o posicionamento da autora do livro Guerra de orixá? Adesão a um padrão de análise que, baseada nas formulações teóricas de Gilberto Freyre, vê a história brasileira como um suceder de arranjos e combinações calcadas na “cordialidade” de uma elite flexível? Reverência a uma arquitetura tão perfeita que o conflito só aparece como “algo externo á nossa gente”?

Esse tipo de discurso está tão cristalizado no pensamento social brasileiro que mesmo setores mais progressistas fazem coro a ele. Quantas vezes não ouvimos que as injustiças sociais em relação aos negros não seriam particularidades destes, mas do conjunto das classes trabalhadoras? Uma visão reducionista que ignora evidências estatísticas. Pelos números do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano (Pnud), em 2002, enquanto os brancos no Brasil tinham um padrão de vida – considerando-se o nível de educação, expectativa de vida e renda – comparável aos habitantes dos Emirados Árabes (46º lugar entre os 173 países pesquisados), os negros viviam como habitantes da República da Moldávia (105º posição). Esses números não mostram uma correlação cristalina entre etnia e inserção social?

Não lembrar, ou fingir que não lembra, que em determinada fase de nossa história houve uma coincidência entre a divisão racial e social do trabalho é legitimar uma estrutura societária rigidamente estratificada que, apesar dos avanços nos últimos anos, ainda persiste em atribuir aos brancos as atividades consideradas mais qualificadas, as que gozam de maior prestígio.

De acordo com o relatório anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2007-2008, da UFRJ, entre 1995 e 2006, o peso relativo da população autodeclarada parda ou preta subiu de 45 para 49,5%. Isso significa, segundo a pesquisa, que os negros podem vir a ser maioria da população do povo brasileiro nos próximos anos. Se por um lado os dados sinalizam para a derrocada crescente da ideologia do branqueamento, por outro o aumento da auto-estima entre a população não-branca se dá por uma série de fatores. E o principal, na opinião do antropólogo e professor da UnB, José Jorge de Carvalho, é “o aumento do debate sobre a questão racial no Brasil”.

Se Yvonne Maggie está correta quando diz que “raça é uma invenção dos racistas para dominar mais e melhor”, talvez, se debruçando sobre as particularidades do fenômeno racista, entenda a competência dos que manejam o discurso excludente. Aqueles que, sabendo que os negros são a maioria dos analfabetos, dos que recebem menores salários, dos encarcerados, dos subempregados e se constituem minorias nas faculdades, em grandes empresas e no Congresso Nacional, entre outros lugares de projeção, rejeitam o sistema de cotas alegando que “raça não pode ser critério de distribuição de justiça”.

Um olhar atento mostraria que “raça” sempre foi critério classificatório de quem pôde ter identidade e consciência histórica: uma elite branca que idealizou a tolerância que jamais teve. Qualquer estudante universitário sabe disso. Se for negro e cotista, então, conhece bem os limites das “relativizações possíveis”. Aquele pequeno espaço de dramatizações sociais para onde convergem os “orixás” da UFRJ e os senhores da direita escravocrata. Ali são forjados os estatutos “progressistas” da Casa-Grande.

domingo, 16 de agosto de 2009

Sistemas Públicos de Comunicação no Mundo

Prezad@s,

Em meio a debates certamente profícuos e fundamentais sobre a comunicação venho publicizar um importante livro: Sistemas Públicos de Comunicação no Mundo.

Publicado pelo coletivo "Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social" o livro coloca o holofote onde há densas nuvens de fumaça: a relação entre Estado, informação e sistemas públicos. Trata-se de pesquisa comparativa envolvendo diferentes realidades e nos presta um importante panorama sobre o "Estado da arte" nesta questão específica.

Creio que é de conhecimento geral a posição do grupo Folha, o de São Paulo aqui nesse contexto, onde foi desaconselhado o prosseguimento de investimentos e o fechamento do "Canal Brasil"... Possivelmente em uma tentativa vil, irresponsável e nada sutil de deixar a produção de informação exclusivamente na mão de agentes privados.

De toda maneira aqui está o livro disponível para download ainda antes do seu lançamento.

Recomendo ainda uma boa lida no site do pessoal engajado da Intervozes. Eles são a prova de que há vida inteligente e socialmente engajada no âmbito da Comunicação Social.

sábado, 15 de agosto de 2009

Subsídios Agrícolas: quem ganha?


Não posso negar que coaduno com uma série de questões normativas que embasam intervenções do Estado na economia. E subsídios agrícolas são parte importante destas. Entretanto, confesso que não consigo enxergar qualquer argumento que sustente minimamente uma política redistributiva que beneficie agricultores de cana-de-açúcar no norte fluminense - locus privilegiado para se observar práticas desumanas desta cultura. Após décadas de incentivos governamentais, na região ainda se presencia extenso emprego de trabalho escravo, sonegação tributária, administração precária e baixa produtividade. Características que seriam suficientes para sustentar intervenções que visassem causar exatamente o oposto dos incentivos que estão por vir.

É de bom alvitre ressaltar que, não obstante o foco dos subsídios nos pequenos produtores, os benefícios atingem mais os compradores da cana-de-açúcar. São estes os detentores dos meios de produção, e que irão ter a garantia da matéria prima a baixo custo. Como se pode observar claramente no gráfico de preços internacionais divulgado pela THE ECONOMIST (ver matéria abaixo), não existiria momento mais inoportuno para uma política como esta.

Destarte, vejo-me obrigado a aderir, neste caso em particular, ao argumento evolucionista do mercado: se as empresas canavieiras não conseguiram se reconstruir para se auto-sustentarem mesmo após longas benesses do Estado, deixe-mo-las à falência. O que não podemos é contribuir (com recursos públicos) para a persistência de práticas nefastas tanto do ponto de vista humano quanto do meramente econômico.

Por fim, seria mais importante e eficiente o Estado bancar o custo social do desemprego com políticas redistributivas responsáveis, que sejam capazes de realocar a mão-de-obra dos canaviais. A região ganharia mais e os trabalhadores perderiam muito menos.



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The price of sugar
Sugar rush

Aug 13th 2009
From www.Economist.com

Why the sugar price is soaring

THE price of sugar is higher than at any point in 27 years, having risen much more than prices of other food in recent months. The cause appears to be a huge drop in sugar production in India, the world's second-largest producer. In the 2007-08 season India's output was 28.6m tonnes of sugar, but this year production is estimated to fall to 16m tonnes. Indian farmers planted less sugarcane last year after sugar prices fell, partly in response to a ban on exports. A weak monsoon also threatens this year's production. Indians are also the biggest consumers of the sweet stuff: in 2008, they used 24.3m tonnes, nearly 15% of global demand. A decline in Indian production means that it will import more, driving up international prices. India's government has lifted its export ban, but production is unlikely to meet demand before 2011.







sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Globo versus Record

Divulgo aqui o material divulgado na atual briga das duas grandes emissoras de televisão abertas do Brasil. Uma acusa a antagonista de participação direta em atividades contrárias a qualquer princípio de defesa dos valores democráticos. Já a outra, por sua vez, discute os efeitos de manipulação e utilização de recursos de fiéis na construção de um império de comunicações, enriquecimento ilícito, etc..

Em sociedades sérias, com um Estado democrático de direito sólido, as denúncias de ambas emissoras levariam imediatamente à revisão séria da lei sobre as concessões públicas de comunicação, em um modelo excludente e oligopolístico da produção e difusão de bens simbólicos. Com a proximidade de 2010 não creio que teremos tal desfecho.

Quanto ao primeiro comentário, referente às acusações que uma faz a outra, temo que ambas tem razão.




quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Boaventura, quilombolas e o Brasil

Prezad@s,

Venho divulgar entrevista da Revista virtual independente "NovaE", com 10 anos de existência, realizada com o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos.

Boaventura de Sousa Santos é certamente um dos sociólogos mais importantes atuantes em lingua portuguesa na atualidade. Seus estudos no campo da sociologia do direito, ainda insuficientemente divulgados entre nós, e trabalhos sobre epistemologia são lidos pelo mundo todo. A despeito da virulência dogmática de muitos de seus desafetos.

Eu mesmo sou bastante crítico ao trabalho do português. O que não implica que eu deva incentivar o banimento de suas idéias e tampouco o desaparecimento truculento, artificial e autoritário dos dissensos, como parte da academia brasileira insiste em fazer. Interessante como os perseguidos tornam-se perseguidores facilmente....

De toda maneira divulgo esta entrevista pensando objetivamente na questão quilombola. É preciso desconstruir os elementos reacionários da grande mídia sobre a questão fundiária e sobre as populações tradicionais brasileiras. E Boaventura é um reforço importante em mais esta batalha.

Boa leitura!

George

PS: Recomendo ao acompanhamento da revista NovaE. É fundamental o incentivo à produção de idéias para além dos viciados esquemões da grande mídia e seus seguidores práticos.

http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=1323 (acesso em 13 de agosto de 2009)


Para Boaventura, política ambiental do governo Lula é um desastre.


Foto: Wilson Dias/ABr

Bruno Moreno

Passados cinco séculos do início da colonização portuguesa no Brasil, o filho de um cozinheiro português quer ajudar a resolver um dos maiores problemas criados pelos próprios ibéricos: a escravatura e as perversas formas de dominação de raça e classes após a Lei Áurea, que ficou devendo muito aos negros – aceitou a liberdade física, mas negou a econômica e a social, dentre tantas outras. Quem está se propondo a ajudar na questão é o sociólogo e escritor Boaventura de Sousa Santos, que frequentemente vem ao país e até se intitula um “brasileiro adotado”.

Ferrenho defensor das ecologias de saberes populares, Boaventura esteve em Brasília, em julho, e encontrou com a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, que, juntamente com outros dez ministros, compõe o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Pois é justamente lá, no STF, que está em curso um dos processos mais importantes para os negros no Brasil.

Vale lembrar que outro ministro que compõe o elenco de magistrados é o presidente do tribunal, Gilmar Mendes. Mas Gilmar não deve estar muito feliz com a ida de Boaventura em seu plenário. Isso porque o professor português o definiu como "uma figura patética", destacando sua publicidade excessiva na imprensa. "Nos Estados Unidos, o presidente do Tribunal não aparece na mídia como o Gilmar. No máximo, ele vai dar uma palestra em uma universidade, de vez em quando", criticou.

E deverá ser Gilmar que presidirá uma sessão que poderá ter seu resultado influenciado por Boaventura. Desde que, em 2003, o
presidente Luís Inácio Lula da Silva assinou o decreto 4.887, em 20 de novembro, a vida dos quilombolas poderia ter ganhado outros vieses, com a agilização da demarcação de suas terras. Entretanto, o então PFL, atual Democratas, tradicionalmente ligado à bancada ruralista, não gostou da proposta, e resolveu entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, contra o projeto.

Aí entra o professor Boaventura. Ele se dispôs, um pouco incomodado, a ir ao STF dar uma aula sobre a história da colonização portuguesa no Brasil, seus efeitos e injustiças históricos, para sensibilizar os ministros para a causa. Entretanto, não entende bem porque isso é necessário. “Falei com ela (Cármem Lúcia) que posso vir, mas há muito material produzido no Brasil. É só ler, é só querer ler”, questionou o professor, em palestra realizada em Belo Horizonte, dia 4 de agosto, em Belo Horizonte, a convite do Sinpro Minas.

E não é à toa que Boaventura se arrisca nessa intentona. Para ele, que lutou contra o imperialismo português que persistiu até 1975 em colônias africanas e no Timor Leste, a maior herança do colonialismo é a pífia distribuição fundiária e o racismo. Olhe um pouco à sua volta e verá que o professor tem razão.

A data da audiência pública em que Boaventura irá participar no STF ainda não está marcada. Mas parte do recado já foi dado. Quem sabe, agora, os brasileiros não estudam um pouco mais o tema em vez de rejeitá-lo?

Em entrevista exclusiva à NovaE, Boaventura detalhou seus argumentos, e também falou do governo Lula, de suas políticas ambiental e social, do agronegócio e da crise econômica mundial do capitalismo. Além disso, afirmou que o Brasil está pronto para ter uma mulher na presidência. Entretanto, ele prefere o ministro da Justiça, Tarso Genro. Confira abaixo.

Qual é a participação do senhor na defesa da demarcação das terras dos quilombolas?

Como trabalho bastante com os advogados populares, que trabalham com os quilombolas, tive notícia de que eles iriam pedir à ministra Carmem Lúcia uma Audiência Pública em face daquela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), que foi impretada pelo antigo PFL, os Demos.

Essa ADI visa fundamentalmente considerar inconstitucional muitos dos processos de regulamentação dos territórios de remanescentes de quilombos – que ultimamente têm sido uma grande transformação, digamos assim, na vida do campo do Brasil devido ao reconhecimento e à organização dos afrodecendentes para reaverem as terras que foram desapropriados, onde viveram muitos anos. Essa é uma luta muito importante, uma vez que sou conhecido e os ministros conhecem as minhas posições.

Eu quis sensibilizar, basicamente, o Supremo Tribunal Federal, para a importância da questão quilombola, sobre a qual existe tanto desconhecimento no Brasil, o que é uma coisa que me surpreende. Uma vez que há muita informação disponível sobre esse movimento, e as razões históricas, fundamentalmente justiça histórica, que está por trás dele. Mas a verdade é que há muita ignorância a respeito disso. A ignorância, no meu entender, pode ser altamente prejudicial ao movimento, e à reivindicação dos quilombolas. Porque pode mudar os critérios dos códigos livrais, que atravessam toda uma parte de direito civil que tem uma concessão privatística da propriedade, e são muito renitentes a reconhecer os direitos históricos sobre a terra. Nesse caso dos remanescentes e também no caso dos indígenas.

Como o senhor vê a questão de um português vir ao Brasil para ter que falar sobre esse tema, já que (a escravidão no Brasil) foi uma criação de Portugal?

É uma pergunta interessante. Obviamente, não me sinto responsável pelo colonialismo. Por contrário, ainda tive a oportunidade de lutar contra o colonialismo, porque ele durou até tão tarde. Desde os anos 1960 lutei contra ainda as colônias que existiam no império e que só se libertaram em 1975. Mas é verdade que a minha ligação a eles e com outras causas que tenho abraçado no Brasil não tem muito a ver com essa responsabilidade, porque não a reconheço.

É fundamentalmente porque eu tenho trabalhado no Brasil. Há muita gente que pensa, nos círculos internacionais, que sou brasileiro. Sou um brasileiro adotado. Fiz aqui meu trabalho de campo, meu doutoramento foi feito numa favela do Rio de Janeiro. E participo da vida social, acadêmica e também política, com os movimentos sociais. Num processo que se intensificou muito depois do Fórum Social Mundial. Para mim, é na decorrência disso que eu me dispus a tomar essa ação e vou fazer mais. Também fui o primeiro signatário de um abaixo assinado em defesa da Reserva Raposa Serra do Sol. Também trabalho bastante com o movimento indígena no Brasil, no Equador e na Bolívia, porque também é um caso de justiça histórica que deve ser resolvido.

Mudando o foco da conversa, o senhor acha que o capitalismo, se conseguir passar bem por esta crise, sairá mais forte ou mais fraco?

É muito difícil responder a essa questão. As crises do capitalismo são sempre multifacetadas porque têm diferentes temporalidades. Esta crise financeira, por exemplo, é de uma temporalidade curta. Ela explodiu em agosto de 2008. Obviamente que essa crise não é de agora. Ela já vem de meados da década de 1980 e depois de 1990. Rússia, Brasil, Indonésia e Tailândia foram vítimas disso. A especificidade desta é que ela aconteceu no coração do sistema. E esta é uma crise de curta duração, que é sinal de outras, provavelmente mais profundas, mas que pode ser resolvida a curto prazo, sem em grandes transformações sistêmicas. Mas há outras crises que são muito mais de longa duração. Essa tem a ver com os limites ambientais e esse tipo de desenvolvimento. Eu penso que essa é a grande crise do capitalismo. Ela vai surgir duma ou doutra forma. É aquela que vejo que vai haver mais dificuldades para sua resolução. Não só porque ela toca nos fundamentos do capitalismo, enquanto nesta crise financeira não estamos a por em causa um certo tipo de capitalismo, o neoliberal, que se propôs desvencilhar do Estado, e que em momentos de crise volta ao útero do Estado.

Temos outra crise mais profunda, que atinge a todos nós, na medida em que ela, como no aquecimento global, como em todas as crises que decorrem dos limites ambientais desse tipo de desenvolvimento, vem de nossos próprios hábitos do cotidiano. São os nossos carros, o nosso conforto, daqueles privilegiados no mundo que têm acesso a esses bens.

Eu penso que o capitalismo vai entrar numa crise civilizacional. E essa vai se manifestar de diversas formas, algumas das quais estamos a ver. É muito difícil de ver qual o tipo de crie. Já muitas vezes foram anunciadas as crises finais de capitalismo, que afinal não foram. A questão ambiental tem tantos prolongamentos. Ao nível da questão social, das pandemias, da fome, da seca, das mudanças climáticas. Eu prevejo que aqui haja uma maior turbulência porque a articulação sistêmica que pode impedir que isso ocorra é muito mais complicada.

Com a crise, o governo Lula isentou os carros do IPI, e também produtos da construção civil, como o chuveiro elétrico. Se houvesse uma mudança de viés de desenvolvimento, haveria um estímulo à produção de aquecedores solares para as residências, por exemplo. Como o senhor vê a questão ambiental no governo Lula? Ele está perdendo a chance de mostrar ao mundo que o Brasil poderia ser uma potência ambiental?

A política ambiental deste governo é um desastre. Isso nota-se pela sucessão dos ministros do Ambiente. Este que está agora (Carlos Minc), também já em dificuldades, e sendo uma pessoa muito mais tolerante para o tipo de desenvolvimento atento na idéia do agronegócio, com todas as suas consequências ambientais. Ele próprio sente dificuldades. Obviamente que a ministra Marina Silva teve muito mais dificuldades. Portanto, eu penso que tem sido realmente um desastre. E isso se intensificou ao longo dos anos.

O governo Lula ficou preso a um desenvolvimentismo que já não é o do século XXI. Por exemplo, poderia ter apostado nas energias renováveis. Ao invés disso, aposta no agrofuel, que não é biofuel. Não tem nada a ver com biologia, com a preservação do meio ambiente, ao contrário. É uma outra cultura de plantação. E entrou dentro da cultura genética dos líderes que neste momento governam o país. Num país com essa dimensão, com esta riqueza e com essa diversidade biológica, que tem uma responsabilidade mundial, eu penso que isso é um desastre.

O que está a passar na Amazônia é de proporções inadmissíveis. Nós estamos a assistir, ao contrário do que se diz, uma destruição da Amazônia, com crimes ambientais a ponto de criar a destruição do encontro das águas. Há realmente uma cultura desenvolvimentista, que no meu entender está a minar toda aquela potencialidade de esperança que o Brasil veio trazer ao mundo, no momento em que resolveu ter uma liderança regional, e eventualmente global, ao lado de Rússia, China e Índia (BRIC). É bem que o sistema se torne policêntrico, é mal se esses países, ao entrar, venham a reproduzir o pior do sistema

Apesar da questão ambiental, Lula está fazendo um bom governo?

É um bom governo porque tem um alto nível de aceitação. Beneficiou-se obviamente do carisma de Lula, que desfez todas aquelas idéias estereotipadas que havia no tempo do Fernando Henrique Cardoso, de que a esquerda é burra, que um metalúrgico não pode governar o país. Ele pôde governar o país, atrás de uma conjunção de razões externas e internas que foram muito favoráveis. Foi muito favorável o desenvolvimento da China.

Ao nível interno houve algumas políticas que tiveram um efeito redistributivo. Não só sistemas de ação afirmativa, obviamente foram criadas formas de acesso à universidade pública, mas principalmente o Bolsa-Família. Foi ele que alimentou o mercado interno que veio acabar por ser uma almofada de proteção contra a crise financeira. Este governo tem coisas muito positivas do ponto de vista social. Soube distribuir uma migalha a populações que estavam muito desprovidas. Mas permitiu que o capital financeiro, sobretudo o capital agrário, tivesse as possibilidade de lucro como nunca tinha tido no passado.

O Brasil está pronto para ter uma mulher na presidência?

Eu penso que a Dilma está obviamente. Não sei se a Dilma é realmente a candidata ideal da esquerda. Se estivesse no Brasil eu teria outros candidatos. Mas é a candidata que vamos ter, aparentemente. É uma incógnita para todos saber em que medida o peso e a aceitação que o presidente Lula tem hoje se pode transferir para o apoio à candidata Dilma. É problemático, é uma grande jogada de grande risco da parte do presidente Lula. Mas acho que seria muito bom para o Brasil ter uma mulher como presidente.

Quem seria o melhor candidato para o senhor?

Obviamente, Tarso Genro.