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terça-feira, 8 de setembro de 2009

Quem tem medo do Enade?

Por Paulo Sérgio Ribeiro

Os resultados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) evidenciam uma melhoria do ensino e da aprendizagem na Uenf. Hoje, a Uenf se situa entre as 15 melhores instituições de ensino superior do país, segundo o Índice Geral de Cursos (IGC). Neste índice é tomada para efeito de cálculo a média dos conceitos preliminares dos cursos (CPC) de cada instituição. O CPC, por sua vez, é elaborado mediante os resultados do Enade publicados anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP / MEC). Ainda segundo o IGC, dos cursos de graduação oferecidos pela Uenf, dez estão entre os melhores do país *. Brand Arenari ressaltou com justeza que tais resultados figuram a Uenf como a melhor universidade estadual do país. Um fato não apenas notório, mas meritório.

Não obstante os resultados positivos, o desempenho dos graduandos em ciências sociais destoa dos demais cursos e, não menos, do relativo à primeira avaliação a que fomos submetidos em 2005. Neste ano, fui um dos estudantes selecionados para o Enade como concluinte do curso de ciências sociais. Numa escala de 1 a 5, obtivemos o conceito máximo, confirmando nossa graduação como a melhor entre as IES fluminenses até então. Depois de 2005, houve apenas uma avaliação do curso de ciências sociais, referente ao Enade de 2008, cujo resultado atesta um retrocesso para a Uenf, pois descemos para o conceito 2.

Mesmo que não se queira dimensionar o maior ou menor peso do "boicote" ao Enade para a ocorrência desse resultado vexatório, seus efeitos far-se-ão presentes na trajetória dos ingressantes no curso de ciências sociais em uma universidade desafiada a se institucionalizar com e contra uma realidade extramuros muitas vezes refratária ao campo científico. Antes de uma avaliação política da não adesão ao Enade, convém descrever o procedimento de seleção e avaliação dos estudantes para esse exame. Tais como as provas finais das disciplinas obrigatórias, optativas e eletivas e os trabalhos de conclusão de curso, o Enade é um atributo do currículo, sendo obrigatório para os estudantes selecionados para fazê-lo conforme o processo de amostragem do INEP e facultativo para os não-selecionados, importanto assim em uma exigência para a emissão do histórico escolar. O Enade compreende não apenas prova escrita, mas questionário sócio-econômico, questionário do coordenador de curso ou habilitação e o "questionário de impressões dos estudantes sobre a prova", instrumento que sugere relativizar o argumento que postula o Enade como uma medida unilateral. Lembro-me ainda que naquela ocasião pude responder a algumas perguntas de uma equipe do INEP que realizava uma observação in loco de nosso curso. Expus sem maiores constrangimentos opiniões sobre o que julgava passível de alteração no conteúdo ministrado nas aulas, na composição do corpo docente, da representação política dos estudantes na universidade etc.

Confesso que o resultado daquele primeiro Enade superou expectativas. Por um lado, porque era difícil estimar o grau de comprometimento dos estudantes com o exame, devido às polêmicas em torno do antigo "Provão"; por outro, pela subestimação do capital cultural institucionalizado no Centro de Ciências do Homem (CCH), que, aos meus olhos, já adentrava um caminho sem retorno para uma mediana mediocridade. Afirmo isso sem deixar de ser solidário aos professores e estudantes que, a despeito de tudo o que os separa no CCH, empreendem esforços ingentes para reverter ou, ao menos, atenuar a perda de qualidade de nossa formação, um quadro de deterioriação da graduação enfrentado na maioria das universidades públicas no país.

Creio que esse tema ainda exigirá bastante tempo em nossas discussões, mas alguns consensos entre colaboradores e comentaristas já podem ser delineados aqui no blog, principalmente quanto à crítica à política de avaliação do MEC como dependente exclusivamente da não adesão ao Enade. Ora, não seria equívoco pensar que a realização da prova constituiria uma observação privilegiada de prováveis limitações dos critérios de avaliação ali empregados. Invalidar um instrumento sem testá-lo depõe contra a metodologia que aprendemos, pois, conforme já dito, no Enade o estudante não apenas pode como deve avaliar a prova por meio de questionário específico.

Para além da discussão sobre a melhor metodologia a ser utilizada no Enade, negar-se a fazê-lo sem consultar a comunidade acadêmica, a população que contribui para os fundos públicos destinados às atividades-fim da universidade e, quiçá, os próprios colegas de graduação que se dispuseram a fazer a prova com zelo nos remete ao questionamento da orientação valorativa desse "boicote". Ora, as razões pelas quais um grupo de estudantes optou por não fazer a prova foram publicizadas a todos os interessados? Este "protesto" contra a política de avaliação do MEC foi objeto de discussão e deliberação entre os estudantes para, em seguida, ser levado a cabo em todos os colegiados e conselhos da universidade nos quais os representantes discentes tomam assento? Essa decisão fora divulgada nos jornais de grande circulação ou na blogsfera cuja audiência cresce dia a dia? Acaso essas perguntas não tenham se traduzido no fundamento praxiológico de proposições divergentes que pudessem ser acessíveis na esfera pública, o que justificaria não participar de um exame do desempenho escolar - um instrumento de avaliação da eficência e da eficácia da política de ensino superior -, senão um ato arbitrário de estudantes contrários a uma política de Estado supostamente arbitrária?

A contar com os poucos comentários de graduandos de ciências sociais da Uenf que fizeram ou apoiam aqueles que fizeram o "boicote", penso que esse movimento espontâneo coaduna-se com uma falta de ética. Ética não no que o senso comum atribui à honestidade, mas no sentido grego de fidelidade às normas de sua casa ou de sua circunstância. Noutros termos, o que se manifestou no "boicote" foi o desconhecimento da posição da Uenf nessa política de avaliação, acaso esta seja entendida como um campo de lutas pela aquisição ou ampliação de capital simbólico a que estamos sujeitos em quaisquer modalidades de avaliação que, gostemos ou não, balizam o sucesso escolar na graduação e na pós-graduação. Como bem disse Roberto Torres, aderir ao Enade pode também significar um interesse bem compreendido, na medida em que a concorrência inter-institucional pressupõe apostar no próprio desempenho ao pô-lo à prova em avaliações institucionais rotineiras cujos resultados podem se traduzir em ganhos individuais e coletivos no mercado científico, sem prescindir, claro, de acordos intramuros que viabilizem um padrão de competição favorável a uma solidariedade intergeracional na produção do conhecimento.

Quem ganha e quem perde com o rebaixamento do curso de ciências sociais na Uenf? Tenho dúvida quanto à leitura desse "boicote" apoiada na noção de desobediência civil. Talvez aquele seja a exteriorização de um ethos escolar marcado pelo privilégio de um pequeno grupo de letrados que, num país de analfabetos funcionais, se percebe alheio a qualquer avaliação externa, pervetido pela idéia de que sua competência formal não está em questão, o que torna-se um terreno fértil para a perpetuação da velha sinecura acadêmica. Em suma, um ethos anti-republicano que suprime o debate sobre o controle social do financiamento público do ensino superior.

* Site da Uenf.