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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O sapo e o príncipe




Sem medo do passado,

por Fernando Henrique Cardoso*

O presidente Lula passa por momentos de euforia que o levam a inventar inimigos e enunciar inverdades. Para ganhar sua guerra imaginária, distorce o ocorrido no governo do antecessor, autoglorifica-se na comparação e sugere que se a oposição ganhar será o caos. Por trás dessas bravatas está o personalismo e o fantasma da intolerância: só eu e os meus somos capazes de tanta glória. Houve quem dissesse “o Estado sou eu”. Lula dirá, o Brasil sou eu! Ecos de um autoritarismo mais chegado à direita.

Lamento que Lula se deixe contaminar por impulsos tão toscos e perigosos. Ele possui méritos de sobra para defender a candidatura que queira. Deu passos adiante no que fora plantado por seus antecessores. Para que, então, baixar o nível da política à dissimulação e à mentira?

A estratégia do petismo-lulista é simples: desconstruir o inimigo principal, o PSDB e FHC (muita honra para um pobre marquês...). Por que seríamos o inimigo principal? Porque podemos ganhar as eleições. Como desconstruir o inimigo? Negando o que de bom foi feito e apossando-se de tudo que dele herdaram como se deles sempre tivesse sido. Onde está a política mais consciente e benéfica para todos? No ralo.

Na campanha haverá um mote – o governo do PSDB foi “neoliberal” – e dois alvos principais: a privatização das estatais e a suposta inação na área social. Os dados dizem outra coisa. Mas os dados, ora os dados... O que conta é repetir a versão conveniente. Há três semanas Lula disse que recebeu um governo estagnado, sem plano de desenvolvimento. Esqueceu-se da estabilidade da moeda, da lei de responsabilidade fiscal, da recuperação do BNDES, da modernização da Petrobras, que triplicou a produção depois do fim do monopólio e, premida pela competição e beneficiada pela flexibilidade, chegou à descoberta do pré-sal. Esqueceu-se do fortalecimento do Banco do Brasil, capitalizado com mais de R$ 6 bilhões e, junto com a Caixa Econômica, libertados da politicagem e recuperados para a execução de políticas de Estado. Esqueceu-se dos investimentos do programa Avança Brasil, que, com menos alarde e mais eficiência que o PAC, permitiu concluir um número maior de obras essenciais ao país. Esqueceu-se dos ganhos que a privatização do sistema Telebrás trouxe para o povo brasileiro, com a democratização do acesso à internet e aos celulares, do fato de que a Vale privatizada paga mais impostos ao governo do que este jamais recebeu em dividendos quando a empresa era estatal, de que a Embraer, hoje orgulho nacional, só pôde dar o salto que deu depois de privatizada, de que essas empresas continuam em mãos brasileiras, gerando empregos e desenvolvimento no país.

Esqueceu-se de que o país pagou um custo alto por anos de “bravata” do PT e dele próprio. Esqueceu-se de sua responsabilidade e de seu partido pelo temor que tomou conta dos mercados em 2002, quando fomos obrigados a pedir socorro ao FMI – com aval de Lula, diga-se – para que houvesse um colchão de reservas no início do governo seguinte. Esqueceu-se de que foi esse temor que atiçou a inflação e levou seu governo a elevar o superávit primário e os juros às nuvens em 2003, para comprar a confiança dos mercados, mesmo que à custa de tudo que haviam pregado, ele e seu partido, nos anos anteriores.

Os exemplos são inúmeros para desmontar o espantalho petista sobre o suposto “neoliberalismo” peessedebista. Alguns vêm do próprio campo petista. Vejam o que disse o atual presidente do partido, José Eduardo Dutra, ex-presidente da Petrobras, citado por Adriano Pires, no Brasil Econômico de 13/1/2010. “Se eu voltar ao parlamento e tiver uma emenda propondo a situação anterior (monopólio), voto contra. Quando foi quebrado o monopólio, a Petrobras produzia 600 mil barris por dia e tinha 6 milhões de barris de reservas. Dez anos depois, produz 1,8 milhão por dia, tem reservas de 13 bilhões. Venceu a realidade, que muitas vezes é bem diferente da idealização que a gente faz dela”.

O outro alvo da distorção petista refere-se à insensibilidade social de quem só se preocuparia com a economia. Os fatos são diferentes: com o Real, a população pobre diminuiu de 35% para 28% do total. A pobreza continuou caindo, com alguma oscilação, até atingir 18% em 2007, fruto do efeito acumulado de políticas sociais e econômicas, entre elas o aumento do salário mínimo. De 1995 a 2002, houve um aumento real de 47,4%; de 2003 a 2009, de 49,5%. O rendimento médio mensal dos trabalhadores, descontada a inflação, não cresceu espetacularmente no período, salvo entre 1993 e 1997, quando saltou de R$ 800 para aproximadamente R$ 1.200. Hoje se encontra abaixo do nível alcançado nos anos iniciais do Plano Real.

Por fim, os programas de transferência direta de renda (hoje Bolsa-Família), vendidos como uma exclusividade deste governo. Na verdade, eles começaram em um município (Campinas) e no Distrito Federal, estenderam-se para Estados (Goiás) e ganharam abrangência nacional em meu governo. O Bolsa-Escola atingiu cerca de 5 milhões de famílias, às quais o governo atual juntou outras 6 milhões, já com o nome de Bolsa-Família, englobando em uma só bolsa os programas anteriores.

É mentira, portanto, dizer que o PSDB “não olhou para o social”. Não apenas olhou como fez e fez muito nessa área: o SUS saiu do papel à realidade; o programa da aids tornou-se referência mundial; viabilizamos os medicamentos genéricos, sem temor às multinacionais; as equipes de Saúde da Família, pouco mais de 300 em 1994, tornaram-se mais de 16 mil em 2002; o programa “Toda Criança na Escola” trouxe para o Ensino Fundamental quase 100% das crianças de sete a 14 anos. Foi também no governo do PSDB que se pôs em prática a política que assiste hoje a mais de 3 milhões de idosos e deficientes (em 1996, eram apenas 300 mil).

Eleições não se ganham com o retrovisor. O eleitor vota em quem confia e lhe abre um horizonte de esperanças. Mas se o lulismo quiser comparar, sem mentir e sem descontextualizar, a briga é boa. Nada a temer.

*Ex-presidente da República

Fonte: jornal ZERO HORA
http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2801485.xml&template=3898.dwt&edition=14061§ion=1012

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A imprensa aloprou

Por Alberto Dines (01/12/ 2009)

A Folha de S.Paulo consegue se superar a cada nova edição. Mais surpreendente do que a publicação do abjeto texto de Cesar Benjamin (sexta, 27/11), sobre o comportamento sexual do líder metalúrgico Lula da Silva quando esteve preso em 1979, foi a completa evaporação do assunto a partir do domingo (29), exceto na seção de cartas dos leitores.

Num dia o jornal chafurda na lama, dois dias depois se apresenta perante os leitores de roupa limpa e cara lavada, como se nada tivesse acontecido. E pronto para outra.

Não vai pedir desculpas? Não pretende submeter-se ao escrutínio da sociedade? Não se anima a fazer um debate em seu auditório e depois publicá-lo como faz habitualmente? E onde se meteram os procedimentos auto-reguladores que as empresas de mídia prometem há tanto tempo quando se apresentam como arautos da ética? Não seria esta uma oportunidade para ensaiar algo como a britânica Press Complaints Comission (Comissão de Queixas contra a Imprensa)?

E por que se cala a Associação Nacional de Jornais? Este não é um episódio que põe em risco a credibilidade da instituição jornalística brasileira? Um vexame destas proporções não poderia servir de pretexto para retaliações futuras? Ficou claro que depois do protesto inicial ("Isto é uma loucura!"), o presidente Lula encerrará magnanimamente o episódio. A Folha, em compensação, enfiará o rabo entre as pernas.

Ninguém estrila

É bom não perder de vista o fato de que esta lambança de um jornal isolado será fatalmente estendida à mídia como instituição. E logo alimentará as inevitáveis desavenças da próxima campanha eleitoral. Isto não interessa aos que desejam preservar o resto de republicanismo desta imensa republiqueta nem àqueles que levam o jornalismo a sério e não querem vê-lo desacreditado, como acontece na Venezuela.

A verdade é que a imprensa brasileira aloprou, levou a sério sua proximidade com o show-business; a obsessão pelo espetáculo e pela "leveza" levou-a para o âmbito da ligeireza, vizinha da irresponsabilidade.

Por outro lado, o controle centralizado das redações associado ao terror de iminentes demissões em massa desestimula qualquer cautela e a mínima prudência. Ninguém estrila ou esperneia. Os jornalistas brasileiros, apesar de tão jovens, andam encurvados – de tanto dar de ombros e não importar-se.

Ano penoso

Há exceções, tênues, percebidas apenas pelos especialistas, porque nossa mídia – ao contrário do que acontece nos EUA e Europa – faz questão de apresentar-se indiferenciada, uniformizada, monolítica, sem nuances.

Este 2009 foi um ano penoso para a Folha, o jornal talvez prefira esquecê-lo. Mas seus parceiros de corporação deveriam refletir sobre o perigo de atrelar uma indústria ou instituição aos faniquitos juvenis de quem ainda não conseguiu assimilar os compromissos públicos de uma empresa privada de comunicação.

***

Em tempo: O recuo da Folha na edição de terça-feira (1/12) é ainda mais vergonhoso do que a denúncia da sexta-feira anterior. Colocar na boca do pivô do episódio que "o artigo de Benjamim é um horror" é uma manobra capciosa, covarde, para responsabilizar um articulista delirante e inocentar diretores irresponsáveis. A Nota da Redação, na seção de cartas, está atrasada quatro dias: pode satisfazer as dezenas de missivistas que se manifestaram, mas despreza os milhares que, horrorizados, leram o resto do jornal.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Permanecer para que tudo possa mudar


De tempo em tempo ocorre um retorno de uma antiga concepção que tende a relacionar grau civilizatório alcançado por um país com expressões como “tradição” e “cultura”. O que geralmente se quer ressaltar é que a história de um povo é reconhecida em sua solidez institucional, que promove limites normativos dentro dos quais a inovação e a mudança são aceitas. Se é sólida a cultura em um período relativamente longo de tempo, há a tendência de considerar o país “civilizado”, a despeito do grau de desenvolvimento econômico alcançado. Portanto, a mudança aceitável é a incremental, não estrutural. Nas instituições econômicas, ocorre o mesmo: as análises de risco econômico, como o “risco Brasil” leva em conta exatamente a possibilidade de permanência do grau institucional alcançado, por exemplo, a tendência a honrar contratos firmados. É por isso que o Governo Lula representa um dos maiores saltos civilizatórios feito pelo Brasil.

1 – A história institucional

Nossa história é feita de rupturas institucionais duras e conviveu com uma profunda latência à quebra de expectativas de agentes políticos e econômicos. Após a proclamação da república sabe-se lá quantas vezes as expectativas institucionais foram alteradas. Já ouvi alguns senhores lembrarem que votaram em uma eleição, mas não sabiam se votariam na seguinte. Recentemente: Ditadura, a não posse de Tancredo, A Nova Constituição, Collor, planos econômico, congelamento de poupanças... quais são nossas expectativas em relação ao futuro diante de tantas mudanças?

2 – O Partido dos Trabalhadores

Já faz 28 anos desde que o PT se tornou um partido político. Muito mais que isso, um partido de esquerda de massas que representava finalmente as possibilidades de mudanças na equação de classe que perdurava: uma pequena parte com o bolo e o resto sem convite para a festa. Uma desigualdade social lastimável e vergonhosa que resistia a tudo, mesmo ao fato de ser o Brasil o país que mais cresceu desde a segunda guerra mundial, até a década de 70. O novo partido aglutinava bandeiras e tinha tintas socialistas e uma indefectível tendência à mudança radical, à revolução. Estava ali a ameaça às expectativas dos agentes, econômicos ou não, e esta verborragia petista renovou as expectativas passadas de mudanças bruscas, inclusive antes de lula tomar posse. Mas estes extremos se tornaram insustentáveis, como se a garra revolucionária fosse tomada de uma preguiça macunaímica e uma programática tucana, misturado com uma pragmática leninista. No fim, deu no que deu, Lula afirmando: “nunca fui de esquerda”.

3 – De intelectuais e tucanos.

O PSDB é uma social democracia liberal que tentou em oito anos de governo federal impedir os excessos de estado e escassez de mercado, estabilizar a moeda e promover políticas sociais para atenuar as conseqüências humanas de tal “projeto”. Estabilizou a moeda, a um preço altíssimo, indicou caminhos de promoção de renda e fez da estabilidade monetária o ponto arquimédico para se pensar na estabilidade institucional. O Real adquiriu a face de uma tradição secular consensual, e se fez marca de um país que em um aspecto se mantinha estável. Foi só isso. Não fez nação com a estabilidade monetária. Os custos humanos viriam em 2002...

4 – Eleições

A posse do operário fora precedida de encontros entre membros do governo que se encerrava e do novo governo. O intelectual apertou a mão do operário, a esquerda estava sentada com o centro, o capital com o trabalho (ainda que isto soe demodé). Esta imagem talvez seja o símbolo mais forte da nova república. Havia uma renovação sem ruptura institucional, e um revezamento de entidades políticas antagônicas no plano político, ainda que não o fosse no plano político-programático. O que há de novidade é isto.

5 – Alguns anos depois

Estável institucionalmente e, o que parece, financeiramente, já que o país resiste, ainda, a uma crise econômica sem precedente. Não há como negar que a substância desta força seja a manutenção de marcos institucionais após dois governos sucessivos. Ou melhor, há sim, mas não há como negar que a substância desta força seja também a manutenção de marcos institucionais após dois governos sucessivos. Não há sorte nisso, a não ser que queiram acreditar em bruxaria, oráculos e magia. Há competência, não deste ou daquele governo, mas daquilo que PSDB e PT souberam expressar juntos até agora: uma nação, como uma civilização, se constrói com expectativas institucionais correspondidas no tempo.

6 - Enfim

O país é sólido economicamente agora, na crise? Creio, é por que é sólido institucionalmente. Promover a permanência, ás vezes, pode ser a postura política mais revolucionária no momento.