quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Concepções sobre o horário eleitoral gratuito

Há algum tempo atrás, fiz um curso sobre política latino americana que uma das professoras era uma Argentina da Universidad Torcuato Di Tella. Ela chegara ao Brasil pouco tempo antes do curso começar, exatamente num período eleitoral, e ficara positivamente impressionada com o nosso modelo de HGPE.


Lembro-me de que, nós alunos, imediatamente comentamos sobre a rejeição que havia sobre esse tipo de propaganda. Tínhamos em mente as charges com candidatos pitorescos, as músicas gostos duvidosos, etc.


Ao que fomos indagados sobre a importância do HGPE nas formulações de preferências dos eleitores, respondemos da forma tradicional brasileira: na teoria era interessante, mas prática...


De forma pré-reflexiva, estávamos contaminados por uma concepção de que no Brasil a formalidade institucional é bastante razoável, mas que na realidade tudo possuía um modus operandi distinto daquele desenhado por experts. Como se as instituições formais não fizessem parte da realidade, que fosse algo exógeno. No melhor dos mundos, havia boas intenções quando foram formuladas, mas não decantaram na realidade, ou seja, não conformavam comportamentos. No mundo das normas, seu correlato é popularmente conhecido como “leis que não pegam”.


Comentei com um colega que estava na terrível fase de escrever a tese de doutoramento (no mestrado eu ainda acreditava que esse negócio de fase pré-tese – FPT – era frescura!) sobre a discussão. Fui interpelado com a seguinte frase: “vocês são muito engraçados, querem saber o que o eleitor pensa sem perguntar para ele?”. Uma provocação deste tipo não passa impune numa roda de acadêmicos.


Fomos, então, procurar surveys que já haviam realizado algo que pudesse nos elucidar. Encontramos no ESEB (Estudos Eleitorais Brasileiros*), que possuía uma amostra nacional sobre as eleições de 2002.


Primeiro: 65,7% disseram que assitiam o HGPE ao menos 2 vezes por semana. Menos de 19% dos entrevistados passaram incólumes à propaganda eleitoral. Mas o que eles achavam do HGPE?


Perguntados sobre a existência do HGPE, 67,7% dos eleitores afirmaram que deveria continuar. Isso causou uma inquietação, pois, se havia a idéia de que não cumpria a função para a qual fora criada, porque motivo deveria continuar? Seriam os eleitores masoquistas ou tinham no HGPE uma diversão com os candidatos pitorescos?


Perguntou-se ainda se o HGPE havia auxiliado na decisão do voto. Surpresa!


Apenas 9,1% dos entrevistados disseram que o HGPE “não ajudou” em nada no conhecimento dos programas dos candidatos; 25,1% disseram que “ajudou pouco”, e nada menos do que 65% dos entrevistados afirmaram que “ajudou” ou “ajudou muito”.


Quando perguntados sobre a influência das inserções da propaganda eleitoral os percentuais dos que disseram que ajudaram foi ainda maior.


Destes dados concluímos que nossa concepção sobre o eleitorado era absolutamente preconceituosa. Pensávamos como os brazilianistas, que sempre nos ensinaram sobre o eleitorado brasileiro: sempre desinformado, desinteressado, sem fidelidade ideológica, etc.


Nas duas últimas décadas, as proposições dos brazilianistas politólogos vêm caindo uma a uma. A primeira foi sobre a suposta imprevisibilidade no Congresso; Argelina e Limongi desconstruíram o castelo de preconceitos existentes sobre o sistema parlamentar brasileiro em 1994 – surpreendentemente, ao contrário do que se imaginava, os deputados votam partidariamente, ou seja, a disciplina é alta na Câmara. Aos poucos estamos presenciando as mudanças das concepções sobre opinião política do eleitorado brasileiro.


Já podemos dizer que quase invertemos o fluxo de transmissão de conhecimento sobre o Brasil. Antes citávamos os brazilianistas, agora somos nós brasileiros que somos citados quando o assunto é Brasil. Para perceber esta mudança basta acompanhar as matérias da THE ECONOMIST sobre assuntos brasileiros.


Ainda temos um longo caminho pela frente para que essa inversão seja completa. Temos muitas pré-concepções a mudar. Às vezes somos ajudados pelos argentinos, que também sofrem do mesmo mal!

* ALMEIDA, A. C.; CHEIBUB, Z.; LOURENÇO, F.; MENEGUELLO, R. (orgs.). ESEB: Estudo Eleitoral Brasileiro, 1998-2002 (Banco de dados). Rio de Janeiro/ Campinas: UFF/UNICAMP. In: Consórcio de Informações Sociais, 2004. Disponível em: .

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Uma nota de balanço de ações da reitoria - UENF

Prezad@s,

O "Outros Campos" não é um partido. Nem poderia ser.

É um espaço democrático e aprecia prestações de contas feitas publicamente. Inclusive quando o assunto é UENF. E sobretudo em uma planície em que esta prática não é o que podemos entender enquanto algo corriqueiro.

Recebi em meu e-mail uma interessante nota da reitoria. Nesta constam descrições de ações que considero importantes e permitem um balanço da atual gestão. Segue aqui neste post.

Boa leitura.

PS: Nenhuma prestação de contas exime qualquer gestão de crítica. Mas, por fazê-lo se coloca na esfera pública. Nem que seja para o questionamento. Atitude louvável sim.

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NOTA DA REITORIA

O reitor da Uenf considera oportuno dirigir à comunidade universitária e à sociedade em geral a seguinte mensagem:

Uma jovem universidade que acaba de ser reconhecida oficialmente como uma das 15 melhores de todo o País não pode ser considerada de outra forma se não como uma instituição cheia de vitalidade e de energias criativas. Para quem começou do zero, atingir esta marca em apenas 15 anos é uma conquista extraordinária da comunidade universitária e uma vitória para toda a sociedade.

Naturalmente, uma instituição dinâmica e produtiva como a Uenf terá sempre demandas novas a exigir a atenção dos seus gestores. Administrar esta Universidade exige um exercício contínuo de criatividade, de priorização de objetivos, de negociação interna e externa, de convívio com idéias conflitantes, de busca por consenso e, sobretudo, de perseverança no cumprimento de suas diretrizes mestras formuladas por Darcy Ribeiro.

Neste momento, desejo fazer uma breve prestação de contas do período de pouco mais de um ano, contado a partir de 29 de junho de 2007, em que estou à frente da Reitoria da Uenf. Felizmente, pudemos avançar mais ao longo deste tempo do que nós mesmos esperávamos no início da caminhada.

Graças à postura de diálogo e ao intenso esforço de negociação, conquistas foram alcançadas, como as seguintes:

a) Pagamento integral de dívidas trabalhistas com os servidores docentes e técnico-administrativos da ativa existentes desde 2002;

b) Pagamento de todos os credores, contribuindo para o restabelecimento da credibilidade institucional tanto da Uenf quanto do próprio governo do Estado;

c) Reajustes, que variaram de 20 a 25%, no valor das bolsas para estudantes de graduação, mestrado e doutorado, com valores que vão de R$ 250,00 a R$ 1.800,00, hoje equiparados aos praticados pelo CNPq e CAPES;

d) Criação da Prefeitura da Uenf, permitindo melhorias no atendimento de demandas quanto a instalações e infra-estrutura nos campi da Uenf, além da agilidade na elaboração de projetos de obras;

e) Implementação de obras físicas há muito esperadas por toda a comunidade, entre elas a delimitação de toda a extensão do campus Leonel Brizola, bem como a ampliação e melhoria da capacidade de atendimento da Assessoria de Transporte;

f) Avanços consistentes na regulamentação da Portaria do Plano de Cargos e Vencimentos (PCV), abrindo caminho para sua plena aplicação;

g) Priorização do pagamento de adicionais de periculosidade e insalubridade, com negociação envolvendo setores do governo estadual, com intenção de definição ainda neste ano de 2008, como desdobramento da regulamentação do PCV;

h) Confecção do projeto e obtenção/liberação de recursos orçamentários e publicação do edital de concorrência pública para construção do Restaurante Universitário (RU);

i) Priorização, pela primeira vez, na destinação de recursos financeiros para atender demandas dos cursos de graduação da Universidade;

j) Gestão institucional quanto à avaliação dos nossos Programas de Pós-Graduação pela Capes e na captação de recursos para os projetos de pesquisa; nossos professores foram apoiados e incentivados, tendo respondido vigorosamente;

k) Ampliação da capacidade de apoio a eventos culturais, esportivos e de lazer organizados por membros da comunidade universitária (notadamente na Villa Maria e no Centro de Convenções); realização da 1ª Semana do Servidor da Uenf, criação do coral da Universidade, oferecimento de aulas de thai chi chuan para toda a comunidade, implantação do projeto de cinema, reabertura do Espaço da Ciência e a ampliação dos serviços de educação física. Uma das prioridades atuais, já em processo de licitação, é a reforma total de quadras de areia e cimento e a construção de campo de futebol society; e

l) Construção de prédio para atender demandas da Universidade, notadamente na ampliação da capacidade de trabalho da Prefeitura da Uenf, e, para o próximo ano, do atendimento médico-odontológico e psicológico aos servidores e alunos.

No âmbito externo, temos exercitado o diálogo franco e produtivo com o governo do Estado, na pessoa do governador; com o secretário de Ciência e Tecnologia e com vários outros secretários e subsecretários; com a Faperj, a Capes, o CNPq e a Finep; bem como com as Prefeituras Municipais da região. Conseguimos sensibilizar a Faperj a induzir a destinação de recursos específicos para financiar projetos no interior do Estado, elevando a capacidade de captação de recursos da Uenf e permitindo o foco em projetos de interesse regional.

No que se refere às demandas estudantis, temos adotado a mesma postura de diálogo, com acolhimento e encaminhamento dos pleitos para as instâncias competentes. Todas as nossas ações têm se fundamentado no Plano Nacional de Assistência Estudantil.

No caso específico do Restaurante Universitário (RU), a principal demanda apresentada pelos estudantes, empreendemos todas as ações necessárias para sua concretização, a saber:

a) Criamos, por meio do Ato de Designação Nº 020/2007, de 29 de agosto de 2007, a Comissão para propor sua concepção, com participação de docentes, técnicos e estudantes;

b) Discutimos e aprovamos, durante o segundo semestre de 2007, o anteprojeto em sucessivas reuniões dos órgãos colegiados da Universidade;

c) Negociamos com a Assembléia Legislativa e o governo do Estado, em diferentes audiências, a destinação de recursos no orçamento de 2008;

d) Atuamos junto a diferentes autoridades do governo do Estado do Rio de Janeiro para liberação, o que ocorreu em 08 de julho de 2008, e autorização do uso dos recursos financeiros; e

e) Publicamos o edital de concorrência pública assim que o governo autorizou o uso dos recursos (Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro de 21/07/08). O Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) orientou que fizéssemos ajustes no edital publicado. Procedemos aos ajustes e à subseqüente republicação, marcando a data de 13/10/2008 para a concorrência (Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro de 28 de agosto de 2008).

Em vista da desinformação que eventualmente surja, devo ressaltar que a publicação do edital de concorrência no Diário Oficial pressupõe a existência e a liberação dos recursos orçamentários para a consumação da obra. Informamos, ainda, que no processo de construção do restaurante estão inseridas outras obras, entre elas a sede do DCE, o Espaço da Ciência e o Projeto Recreando, cujos galpões onde funcionam atualmente, em processo avançado de deterioração, serão desmontados.

Quanto a outras reivindicações estudantis (equiparação do valor das bolsas de estudo ao salário mínimo, implementação da moradia estudantil, implementação da avaliação dos docentes pelos discentes como parte da avaliação institucional e paridade de votos nas eleições na Uenf) cada qual teve da Reitoria uma resposta pormenorizada e o encaminhamento adequado.

Cumpre enfatizar que a Uenf participa ativamente da luta pelo fortalecimento da universidade pública e pela inversão das estatísticas atuais, que revelam dois terços dos estudantes universitários brasileiros matriculados em instituições privadas.

Todas estas conquistas da comunidade universitária e da sociedade da qual fazemos parte têm se dado num ambiente de diálogo, de serenidade e de respeito ao ordenamento jurídico, capaz de construir cenários positivos para a Universidade e para a região como um todo.

A Reitoria continuará a atuar incessantemente na conquista dos anseios institucionais e não se desviará do caminho de buscar nos dissensos o consenso para a materialização e ampliação da já pujante Uenf.

Atenciosamente,

Almy Junior Cordeiro de Carvalho
Reitor da Uenf

Anotações sobre o I Seminário “Política, Eleições e Soluções para Campos dos Goytacazes” – Uma tentativa de balanço – Parte II

Sobre UENF e Sociedade Local – Da necessidade de criação de espaços favoráveis ao debate e sobre o papel da Universidade Pública (continuação)

Retornando ao início do meu argumento, a UENF ainda assim deveria ter preparado espaços para debate sobre a realidade política local em primeira hora. Deve fazer parte de sua importante missão aglutinar os setores ambicionando o franco debate de idéias e fatos na medida em que há um reconhecido vácuo na esfera pública para tal. E isto, claro, traria a sociedade política para a Universidade, o que faria com que a sociedade mesma se reconheça ainda mais na UENF, minimizando esta sensação de estranhamento que ainda persiste.

Neste sentido, se não houve uma atuação “de primeira hora”, o debate capitaneado pelo professor Hamilton Garcia de Lima vem antes tarde do que nunca. E em momento estratégico dada a proximidade do pleito eleitoral. Com o apoio do LESCE (Laboratório da Sociedade Civil e do Estado), da coordenação do curso de bacharelado em Ciências Sociais , do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política (PPGSP), da direção do Centro de Ciências do Homem (CCH), prof Hamilton propiciou um momento ímpar, dado que há inegável esforço pessoal do professor na realização do Seminário, e de conseqüências que devemos incentivar.

Primeiramente o Seminário propicia o início do “pagamento” desta dívida política entre UENF e sociedade local. Trouxe, sem preconceitos academicistas, diferentes atores da sociedade civil campista. O atual vice-prefeito da cidade de Campos dos Goytacazes Roberto Henriques, o ex-vice-prefeito Adilson Sarmet, Fábio Siqueira, professor da rede estadual e dirigente do atuante Sindicato Estadual dos Profisssionais da Educação (SEPE), Geraldo Coutinho, empresário e representando a FIRJAN (Federação das Industrias do Estado do Rio de Janeiro), Luis Aguiar, Frederico Veiga, Conrado Aguiar. Também tivemos a presença de outros agentes, ligados a intelligentzia local, que a despeito de suas carreiras voltadas “para dentro” da academia, tem um histórico da atuação “para fora” da mesma. Prof. Roberto Moraes, Prof. José Luis Vianna, Profª Denise Terra, Prof. Aristides Soffiatti, Prof. Renato Barreto, Prof. Almy Carvalho, Prof. Luciano D´Angelo, prof. Aílton Motta... Também participaram, de forma mais contundente no segundo dia do encontro, as candidatas Graciete Santana (PCB) e Odete Rocha (PC do B). Representando a candidata Rosinha Garotinho (PMDB) tivemos, também neste último dia, o jornalista Avelino Ferreira. A pluralidade teve lugar no evento, algo que é fundamental na medida em que a esfera pública é necessariamente plurivocal.

Nestes termos, em segundo lugar, tivemos o flagrante processo de tentativa de revitalização da esfera pública em um espaço público não cooptado.
É corrente por parte da imprensa local a sensação de que a campanha em Campos “corre morna”. Diria que esta é apenas uma meia-verdade. Esta corre morna somente no espaço público. No espaço privado, e no universo dos interesses particulares, há interesses econômicos sendo contemplados com promessas úmidas ao pé do ouvido. Articulações nas franjas da esfera pública são desenhadas loteando o poder local. Da mesma maneira como vem sendo prática corrente há vinte anos. Parcela substantiva da classe política local ainda não se “modernizou” no sentido de elaborar uma outra forma de se fazer política que não seja negociando clientelisticamente bolsas, empregos, tanques de gasolina... O cientista político Victor Nunes Leal prossegue inspirador em seu clássico “Coronelismo, Enxada e Voto”, embora que deva ser atualizado para a realidade de um mercado político dinâmico e perverso localmente. Um mercado político da barbárie.

Por conta dos constrangimentos causados pelas regras internas de funcionamento de uma esfera pública sadia, onde moralmente é condenável a gestão particularista da res pública, e na busca dos melhores argumentos racionalmente adequados de forma justificável para a realidade local, o seminário foi sim um bálsamo. E significa mais um passo de retomada da sociedade civil, que já teve lugar no recente “Chega de Palhaçada”, movimento que ocorreu ainda no auge da crise pós-11 de março, como um espasmo importante. Todavia não conseguiu alavancar um fórum permanente e independente de análise entre os diversos setores da sociedade civil campista poderiam efetivamente iniciar e pressionar pelas “boas práticas de governança” em nível municipal.

Ora, Campos dos Goytacazes não está fora do contexto nacional. Sem dúvida a sociedade civil começa somente a se descolar do Estado muito recentemente, na esteira dos processos de (re)democratização do país. Todavia estamos letárgicos ainda neste exercício que faz com que exista a demanda urgente em prol da revitalização da esfera pública local que foi cooptada e esmagada nos últimos vinte anos. Precisamos mais do que movimentos espasmódicos como o “Chega de Palhaçada”. Neste sentido o fórum foi mais um salutar exemplo de proposição e análise da sociedade local sobre esta mesma. Propiciada, como já disse, em “solo não cooptável”, justamente como deve ser. A grande cobrança que deve ficar é que este movimento não seja apenas mais um espasmo pouco freqüente.

(continua...)

domingo, 21 de setembro de 2008

Anotações sobre o I Seminário “Política, Eleições e Soluções para Campos dos Goytacazes” – Uma tentativa de balanço – Parte I

Sobre UENF e Sociedade Local – Da necessidade de criação de espaços favoráveis ao debate e sobre o papel da Universidade Pública

A Universidade Estadual do Norte Fluminense debutou no último mês de agosto. E não o fez sem merecida pompa, contando aí com a participação da Escola de Samba Mangueira e também, obtendo de forma nada desprezível a posição de Universidade número 12 do país segundo novo ranking do MEC .

Todavia a UENF mantinha uma dívida, mesmo em seu cenário de “céu de brigadeiro”, com a sociedade campista. Até o momento ainda não tinha se movimentado coletivamente e politicamente na cidade que vive dramaticamente, desde 11 de março, a sua conjuntura “pós-Telhado de Vidro”. Esta operação deflagrada pela Polícia Federal na Planície Goytacá que, de forma contundente, gerou a sensação de que o rei estava nu e desencadeou mudanças institucionais que atordoaram os agrupamentos que estão no poder há 20 anos, passou incólume pela UENF enquanto instituição. Ora, a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, enquanto espaço de produção de reflexividade em âmbito local (mas só não local) e de geração de vanguardas científicas detém credenciais privilegiadas no espaço público regional. Afora a participação de alguns de seus membros, de forma isolada e episódica no esforço de análises conjunturais, a UENF enquanto instituição se eximiu de debater e pensar em caráter político a cidade em um cenário tão árido.

Há razões para tal. Uma destas é a impermeabilidade das instituições políticas locais que, em sua lógica mormente anti-republicana e irascível, é relutante a qualquer tentativa de racionalização da aplicação de recursos escassos. Incluo aí os royalties de sempre que, queiramos ou não, seja pela natureza ou pelo Congresso Nacional, em algum momento pararão de escoar em solo campista.

Justamente este distanciamento entre poder local, com sua ineficiente máquina administrativa, e a intelligentzia pode ser explicado pela pouca ou nenhuma porosidade da municipalidade aos desejos de inovação institucional.

Outra grande questão é a independência da UENF do poder local no que tange recursos provenientes de Campos dos Goytacazes. Mesmo com o orçamento de mais de 1 bilhão de reais não há investimento da municipalidade em pesquisas, em qualquer área, ou parcerias que poderiam aproximar ainda mais a UENF e a região. Esta aproximação, quando se faz em pesquisas aplicadas, se dá unicamente com recursos federais ou estaduais. Quase nunca com municipais. Nestes termos podemos entender o distanciamento entre comunidade científica e os quadros da política local.
Todavia, paradoxalmente, se pensarmos nas Instituições Privadas de ensino, que dependem quase que de forma integral de repasses municipais, estas sequer se coçaram para pensar Campos em uma conjuntura desfavorável. A única exceção importante é a Universidade Candido Mendes que, justamente por se interessar de forma ativa e perene na aplicação de recursos públicos, volta e meia é chantageada pelos agrupamentos que dividem cadeiras no executivo campista.

Um último ponto é o da desconfiança da comunidade científica com a comunidade política campista . Enredada em uma aplicação ineficiente de recursos públicos, com uma elite política pouco ou nada sofisticada, com uma população com baixa qualidade de educação formal nos diferentes níveis de ensino, onde há uma esfera pública cooptada e um empresariado que parece não se importar, em sua maioria, com qualquer discussão sobre os nefastos custos da corrupção, não é pouco usual nos corredores dos Centros uenfianos a resignada frase “não entendo essa cidade”. Campos dos Goytacazes politicamente, para os membros da comunidade científica, parece estar em um sono dogmático profundo e primitivo. Teria tudo para dar saltos para frente diante de seus recursos vultuosos mas, preferiu dar dois passos para trás.

Mas que tudo isto não sirva de justificativa para ataques a UENF como “desinteressada regionalmente”. Em seus Centros são produzidas constantemente monografias, dissertações, teses, artigos.. Conhecimento sobre a região que não é apropriado, quase nunca, pela comunidade política local. Campos dos Goytacazes é objeto de pesquisa sim. Pesquisas sobre fauna, flora, sociedade, da topografia, cultura, patrimônio histórico... Também merece destaque a extensão universitária que tem quebrado progressivamente a distância entre comunidade científica e comunidade local. Sem mencionar as interações com o setor produtivo local, com o fornecimento de propostas e inovações na agroindústria, agricultura familiar...Minha queixa aqui é da UENF como agente político de intervenção estratégica em momento de crise. E nisto a Instituição se eximiu.

Prosseguindo, neste “museu da modernidade” que é a sociedade local, como diria informalmente um colega sociólogo, há o conflito de ethos. Que o ethos “de fora” da UENF não contamine o “ethos de dentro” da UENF. Que a UENF não se renda aos ineficientes e tacanhos hábitos e formatos de atuação na esfera política local. Ora, nisto todos estamos de acordo. E nestes termos a UENF deve manter-se como exemplo de aplicação cristalina de recursos, permeável por controles democráticos sobre os mesmos, produzindo inovação em conhecimento nas suas áreas de atuação e interesse. E tudo isto só é possível se a UENF, como diria o cientista político Edson Nunes, permanecer “insulada” tecnocraticamente. A UENF deve ser espaço privilegiado de defesa do mérito e da produtividade. Gramáticas não necessariamente compartilhadas pela sociedade política local como um todo.

Em suma, devemos defender a UENF como ilha de alta modernidade sim. Até as últimas conseqüências. Dado que esta permanecendo como está, em defesa de seu ethos, contribui de forma inegável para o debate do “estado de coisas” na planície. Sua incômoda existência é uma contribuição pedagogicamente interessante para a sociedade política local.



(continua no próximo post...)

sábado, 20 de setembro de 2008

Campanhas eleitorais cegas


Dizer que as próximas duas semanas serão cruciais para a definição das eleições é “chover no molhado”. Todos que acompanham eleições sabem dessa máxima. Intensificar as campanhas todos os candidatos farão, mesmo os com poucas chances. Esse fator será, indubitavelmente, uma constante.

Mas se a intensificação será uma constante, o que explicaria a discrepância entre os resultados das eleições e as pesquisas eleitorais realizadas quinze dias antes? A resposta não é tão simples, entretanto, as diferentes estratégias adotadas pelas campanhas nesses últimos dias pode ser o fator explicativo crucial. Questões cruciais tais como: focalizar a campanha ou ampliar o foco no(s) grupo(s) de eleitores até então adotado? Se focalizar, em qual(is) grupo(s)? Lutar contra os grupos de rejeição ou garantir os eleitores já conquistados? Intensificar os ataques aos adversários ou adotar um discurso eqüidistante e fundamentado em propostas?

Obviamente, todas essas questões dependem do posicionamento e dos tipos de eleitores de cada candidato. Cada grupo de eleitores responderá de forma diferente a cada estímulo, tanto de seus candidatos preferenciais quanto daqueles que rejeitam. Qual candidato terá mais chances de conquistar esses eleitores em Campos? O passo inicial é saber quem e quantos são.

Essas estratégias somente serão bem definidas se contarem com pesquisas precisas – bem precioso e escasso. Os marqueteiros são quase unânimes em afirmar que preferem contratar pesquisas qualitativas, pois possuem mais informações detalhadas sobre o feedback do eleitor, e as quantitativas já são contratadas pelos meios de comunicação e divulgadas periodicamente. Crasso equívoco! Primeiro, os problemas de amostragem com as qualitativas podem trazer conseqüências gravíssimas (o risco de ser uma amostra “bichada” é gigantesco). Segundo, poucos são os resultados das pesquisas quantitativas que podem ser efetivamente interpretados, já que não divulgam os microdados. Dessa forma, ficam com relações bivariadas apenas e com altíssima margem de erro. Os esforços para relacionar mais do que duas variáveis são tantos e tão imprecisos (ampla margem de erro) que não permitem realizar qualquer estatística multivariada inferencial para a população.

Vejamos o gráfico sobre intenção de votos espontânea construído com os dados divulgados pelo IBOPE na última semana:


A barra azul refere-se ao percentual total de votos dos candidatos. As vermelhas e verdes, respectivamente, ao gênero masculino e feminino. Se considerarmos apenas a margem de erro absoluta da pesquisa, de 4 pontos para cima e para baixo, simplesmente não se poderia dizer nada sobre essa clivagem na população – todos as diferenças conteriam o zero! Imaginem se considerarmos a margem de erro por clivagem?! Ou seja, não se pode afirmar com segurança que essas diferenças de gênero constatadas na amostras são também encontradas nas população. Para nenhum candidato! Então, como responder se uma campanha de um determinado candidato deve focalizar suas mensagens e abordagens nas eleitoras ou eleitores?

Em menor grau, esse fenômeno também ocorre para as clivagens escolaridade, idade e renda. Poucas são as dimensões de cada candidato que podem ser generalizadas para a população. Observe o gráfico das intenções por idade. Nada pode ser afirmado sobre as diferenças de idade dos indecisos, dos que irão se abster ou dos eleitores da Odete. Nem mesmo dos eleitores da Rosinha e do Arnaldo, que também ficariam dentre da margem de erro de quatro pontos (volto a dizer, essa é a margem do percentual total, não se refere a cada clivagem, que tende a ser maior!).



Nesse crucial momento, as estratégias contam mais do que nunca. Não existe estratégia bem traçada sem um bom arsenal de informações precisas e confiáveis. Pesquisas quantitativas são fundamentais, porém, caras. Somente as campanhas que dispõe de abundantes recursos terão condições de contratar pesquisas mais precisas, e que divulguem os microdados. Mais um fator onde os recursos de campanha farão a diferença.

Está aí uma boa forma do Estado intervir nas distorções da competição eleitoral provocadas pelas disparidades econômicas dos atores políticos. De que forma? Por meio da democratização das informações: produzindo incentivos às pesquisas institucionais (Universitárias, sobretudo), que se comprometeriam as disponibilizar os resultados, relatórios e os microdados para todos os cidadãos, meios de comunicação, partidos e candidatos.

Toda pesquisa é um chute orientado, mas ainda assim um chute. O que difere um chute de uma campanha com recursos (que dispõe de pesquisas quantitativas sérias) de uma campanha sem recursos é que esta última chuta com olhos vendados uma bola sem guizo.

Sem pesquisas sérias toda inferência é um coletivo de bobagens. Imaginem o que os marqueteiros de plantão estão a dizer sobre os homens, com baixa escolaridade e renda média e as inclinações para o voto em branco?! E sobre em quem esse grupo votará?! Quem são os alvos de suas rejeições?! Haja paciência para bobagens. Melhor esperar um antropólogo visitar uns botequins e trazer notícias sobre os boatos e fofocas – serão menos ineficientes, acreditem.