domingo, 21 de setembro de 2008

Anotações sobre o I Seminário “Política, Eleições e Soluções para Campos dos Goytacazes” – Uma tentativa de balanço – Parte I

Sobre UENF e Sociedade Local – Da necessidade de criação de espaços favoráveis ao debate e sobre o papel da Universidade Pública

A Universidade Estadual do Norte Fluminense debutou no último mês de agosto. E não o fez sem merecida pompa, contando aí com a participação da Escola de Samba Mangueira e também, obtendo de forma nada desprezível a posição de Universidade número 12 do país segundo novo ranking do MEC .

Todavia a UENF mantinha uma dívida, mesmo em seu cenário de “céu de brigadeiro”, com a sociedade campista. Até o momento ainda não tinha se movimentado coletivamente e politicamente na cidade que vive dramaticamente, desde 11 de março, a sua conjuntura “pós-Telhado de Vidro”. Esta operação deflagrada pela Polícia Federal na Planície Goytacá que, de forma contundente, gerou a sensação de que o rei estava nu e desencadeou mudanças institucionais que atordoaram os agrupamentos que estão no poder há 20 anos, passou incólume pela UENF enquanto instituição. Ora, a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, enquanto espaço de produção de reflexividade em âmbito local (mas só não local) e de geração de vanguardas científicas detém credenciais privilegiadas no espaço público regional. Afora a participação de alguns de seus membros, de forma isolada e episódica no esforço de análises conjunturais, a UENF enquanto instituição se eximiu de debater e pensar em caráter político a cidade em um cenário tão árido.

Há razões para tal. Uma destas é a impermeabilidade das instituições políticas locais que, em sua lógica mormente anti-republicana e irascível, é relutante a qualquer tentativa de racionalização da aplicação de recursos escassos. Incluo aí os royalties de sempre que, queiramos ou não, seja pela natureza ou pelo Congresso Nacional, em algum momento pararão de escoar em solo campista.

Justamente este distanciamento entre poder local, com sua ineficiente máquina administrativa, e a intelligentzia pode ser explicado pela pouca ou nenhuma porosidade da municipalidade aos desejos de inovação institucional.

Outra grande questão é a independência da UENF do poder local no que tange recursos provenientes de Campos dos Goytacazes. Mesmo com o orçamento de mais de 1 bilhão de reais não há investimento da municipalidade em pesquisas, em qualquer área, ou parcerias que poderiam aproximar ainda mais a UENF e a região. Esta aproximação, quando se faz em pesquisas aplicadas, se dá unicamente com recursos federais ou estaduais. Quase nunca com municipais. Nestes termos podemos entender o distanciamento entre comunidade científica e os quadros da política local.
Todavia, paradoxalmente, se pensarmos nas Instituições Privadas de ensino, que dependem quase que de forma integral de repasses municipais, estas sequer se coçaram para pensar Campos em uma conjuntura desfavorável. A única exceção importante é a Universidade Candido Mendes que, justamente por se interessar de forma ativa e perene na aplicação de recursos públicos, volta e meia é chantageada pelos agrupamentos que dividem cadeiras no executivo campista.

Um último ponto é o da desconfiança da comunidade científica com a comunidade política campista . Enredada em uma aplicação ineficiente de recursos públicos, com uma elite política pouco ou nada sofisticada, com uma população com baixa qualidade de educação formal nos diferentes níveis de ensino, onde há uma esfera pública cooptada e um empresariado que parece não se importar, em sua maioria, com qualquer discussão sobre os nefastos custos da corrupção, não é pouco usual nos corredores dos Centros uenfianos a resignada frase “não entendo essa cidade”. Campos dos Goytacazes politicamente, para os membros da comunidade científica, parece estar em um sono dogmático profundo e primitivo. Teria tudo para dar saltos para frente diante de seus recursos vultuosos mas, preferiu dar dois passos para trás.

Mas que tudo isto não sirva de justificativa para ataques a UENF como “desinteressada regionalmente”. Em seus Centros são produzidas constantemente monografias, dissertações, teses, artigos.. Conhecimento sobre a região que não é apropriado, quase nunca, pela comunidade política local. Campos dos Goytacazes é objeto de pesquisa sim. Pesquisas sobre fauna, flora, sociedade, da topografia, cultura, patrimônio histórico... Também merece destaque a extensão universitária que tem quebrado progressivamente a distância entre comunidade científica e comunidade local. Sem mencionar as interações com o setor produtivo local, com o fornecimento de propostas e inovações na agroindústria, agricultura familiar...Minha queixa aqui é da UENF como agente político de intervenção estratégica em momento de crise. E nisto a Instituição se eximiu.

Prosseguindo, neste “museu da modernidade” que é a sociedade local, como diria informalmente um colega sociólogo, há o conflito de ethos. Que o ethos “de fora” da UENF não contamine o “ethos de dentro” da UENF. Que a UENF não se renda aos ineficientes e tacanhos hábitos e formatos de atuação na esfera política local. Ora, nisto todos estamos de acordo. E nestes termos a UENF deve manter-se como exemplo de aplicação cristalina de recursos, permeável por controles democráticos sobre os mesmos, produzindo inovação em conhecimento nas suas áreas de atuação e interesse. E tudo isto só é possível se a UENF, como diria o cientista político Edson Nunes, permanecer “insulada” tecnocraticamente. A UENF deve ser espaço privilegiado de defesa do mérito e da produtividade. Gramáticas não necessariamente compartilhadas pela sociedade política local como um todo.

Em suma, devemos defender a UENF como ilha de alta modernidade sim. Até as últimas conseqüências. Dado que esta permanecendo como está, em defesa de seu ethos, contribui de forma inegável para o debate do “estado de coisas” na planície. Sua incômoda existência é uma contribuição pedagogicamente interessante para a sociedade política local.



(continua no próximo post...)

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