terça-feira, 31 de março de 2009

Festa e escárnio - 45 anos do golpe militar






Hoje é 31 de março de 2009. Há 45 anos atrás agrupamentos de militares, que recebem seu soldo pago pelo contribuinte de esquerda, direita, centro, apolítico, ateu, decidem romper a normalidade institucional sem consultar a população. Apoiados pela lumpenpetitburgeoise e pela imprensa nacional interrompem o ciclo democrático iniciado mais ou menos após a 2ª Grande Guerra.

Os "Gorilas" então, bancados por dinheiro de impostos, resolvem estuprar, torturar, prender... Em nome do Estado. Sempre bancados pelo dinheiro de impostos. Tendo a legitimidade do monopólio "legítimo" da violência. São agentes do Estado e em nome deste atuam.

Agora, 45 anos depois, os "Gorilas", que recebem suas aposentadorias provenientes do dinheiro do contribuinte, em pleno Estado democrático de direito, acham super natural comemorar, mais uma vez com o meu, o seu, o nosso dinheirinho suado ganho sem molestar ninguém, os 45 anos do Golpe. Não precisamos passar por isso.

Por mais esse escárnio eu pergunto o que falta para passarmos a limpo os arquivos? Quem assinou a petição de ação para os "Gorilas"? O que de fato fizeram? Quantos realmente mataram "em nome da democracia"?

Usualmente opto por textos mais analíticos. Mas, análise tem limite. Me incomoda profundamente saber que, dentre os países da América Latina, o Brasil forneça confortável guarita aos torturadores bancados pelo Estado.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Um olhar para o passado com os pés no presente


Nessa entrevista, Eric Hobsbawn (1917-) volta-se para as incertezas do presente, o ocaso do liberalismo econômico e da "esquerda clássica", apontando para a impossibilidade de um retorno ao passado na construção de uma agenda pública para os Estados, no curso da reestruturação da ordem econômica no mundo.

Fonte: Agência Carta Maior
Acesso em http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15888


"Com liberdade total para o mercado, quem atende aos pobres?"

Em entrevista publicada no jornal Página 12, o historiador britânico Eric Hobsbawm fala da crise atual e de suas possíveis implicações políticas. Para ele, o mundo está entrando em um período de depressão e os grandes riscos, diante da fragilidade da esquerda mundial, são o crescimento da xenofobia e da extrema-direita. Hobsbawm destaca o que está acontecendo na América Latina e elogia o presidente brasileiro. "É o verdadeiro introdutor da democracia no Brasil. No Brasil há muitos pobres e ninguém jamais fez tantas coisas concretas por eles".

Data: 29/03/2009
Em junho ele completa 92 anos. Lúcido e ativo, o historiador que escreveu "Rebeldes Primitivos", "A Era da Revolução" e a "História do Século XX", entre outros livros, aceitou falar de sua própria vida, da crise de 30, do fascismo e do antifascismo e da crise atual. Segundo ele, uma crise da economia do fundamentalismo de mercado é o que a queda do Muro de Berlim foi para a lógica soviética do socialismo.

Hobsbawm aparece na porta da embaixada da Alemanha, em Londres. São pouco mais de três da tarde na bela Belgrave Square e se enxergam as bandeiras das embaixadas por trás das copas das árvores. De óculos, chapéu na cabeça e um casaco muito pesado, cumprimenta. Tem mãos grandes e ossudas, mas não parecem as mãos de um velho. Nenhuma deformação de artrite as atacou. Rapidamente uma pequena prova demonstra que as pernas de Hobsbawm também estão em boa forma. Com agilidade desce três degraus que levam do corrimão a calçada. Parece enxergar bem. Tem uma bengala na mão direita. Não se apóia nela, mas talvez a use como segurança, em caso de tropeçar, ou como um sensor de alerta rápido que detecta degraus, poças e, de imediato, o meio-fio da calçada. Hobsbawm é alto e magro. Uns oitenta e bicos. Não pede ajuda. O motorista do Foreign Office lhe abre a porta esquerda do jaguar preto. Entra no carro com facilidade. O carro é grande, por sorte, e cabe, mas a viagem é curta.

- Acabo de me encontrar com um historiador alemão, por isso estou na embaixada, e devo voltar – avisa. Ele chegou de visita a Londres e quis conversar com alguns de nós. Sei que vamos a Canning House. Está bem. Poucas voltas, não?

O carro dá meia volta na Belgrave Square e pára na frente de outro palacete branco de três andares, com uma varanda rodeada de colunas e a porta de madeira pesada. Por algum motivo mágico o motorista de cabelos brancos com uma mecha sobre o rosto, traje azul e sorridente como um ajudante do inspetor Morse de Oxford, já abre a porta a Hobsbawm. Entre essas construções tão parecidas, a elegância do Jaguar o assemelha a uma carruagem recém polida. O motorista sorri quando Hobsbawm desce. O professor lhe devolve a simpatia enquanto sobe com facilidade num hall obscuro. Já entrou em Canning House e à direita vê uma enorme imagem de José de San Martin. À esquerda do corredor, uma grande sala. O chá está servido. Quer dizer, o chá, os pães e uma torta. Outro quadro do mesmo tamanho que o de San Martin. É Simon Bolívar. E também é Bolívar o cavalheiro do busto sobre o aparador.

Quanto chá tomaram Bolívar e San Martin antes de saírem de Londres para a América do Sul, em princípios do século XIX, para cumprir seus planos de independência?

Hobsbawm pega a primeira taça e quer ser quem faz a primeira pergunta.

- Como está a Argentina? - interroga mas não muito, porque não espera e comenta – No ano passado Cristina esteve para vir a Londres para uma reunião de presidentes progressistas e pediu para me ver. Eu disse sim, mas ela não veio. Não foi sua culpa. Estava no meio do confronto com a Sociedade Rural.

Hobsbawm fala um inglês sem afetação nem os trejeitos de alguns acadêmicos do Reino Unido. Mas acaba de pronunciar “Sociedade Rural” em castellhano.

- O que aconteceu com esse conflito?

Durante a explicação, o professor inclina a cabeça, mais curioso que antes, enquanto com a mão direita seu garfo tenta cortar a torta de maçã. É uma tarefa difícil. Então se desconcentra da torta e fixa o olhar esperando, agora sim, alguma pergunta.

- O mundo está complicado – afirma ainda mantendo a iniciativa. Não quero cair em slogans, mas é indubitável que o Consenso de Washington morreu. A desregulação selvagem já não é somente má: é impossível. Há que se reorganizar o sistema financeiro internacional. Minha esperança é que os líderes do mundo se dêem conta de que não se pode renegociar a situação para voltar atrás, senão que há que se redesenhar tudo em direção ao futuro.

A Argentina experimentou várias crises, a última forte em 2001. Em 2005 o presidente Néstor Kirchner, de acordo com o governo brasileiro, que também o fez, pagou ao FMI e desvinculou a Argentina do organismo para que o país não continuasse submetido a suas condicionalidades.

- É que a esta altura se necessita de um FMI absolutamente distinto, com outros princípios que não dependam apenas dos países mais desenvolvidos e em que uma ou duas pessoas tomam as decisões. É muito importante o que o Brasil e a Argentina estão propondo, para mudar o sistema atual. Como estão as relações de vocês?

- Muito bem

- Isso é muito importante. Mantenham-nas assim. As boas relações entre governos como os de vocês são muito importantes em meio a uma crise que também implica riscos políticos. Para os padrões estadunidenses, o país está girando à esquerda e não à extrema direita. Isso também é bom. A Grande Depressão levou politicamente o mundo para a extrema direita em quase todo o planeta, com exceção dos países escandinavos e dos Estados Unidos de Roosevelt. Inclusive o Reino Unido chegou a ter membros do Parlamento que eram de extrema direita [e começa a entrevista propriamente].

- E que alternativa aparece?
- Não sei. Sabe qual é o drama? O giro à direita teve onde se apoiar: nos conservadores. O giro à esquerda também teve em quem descansar: nos trabalhistas.

- Os trabalhistas governam o Reino Unido.
- Sim, mas eu gostaria de considerar um quadro mais geral. Já não existe esquerda tal como era.

- Isso lhe é estranho?
- Faço apenas o registro.

- A quê se refere quando diz “a esquerda tal como era”?
- Às distintas variantes da esquerda clássica. Aos comunistas, naturalmente. E aos socialdemocratas. Mas, sabe o que acontece? Todas as variantes da esquerda precisam do Estado. E durante décadas de giro à direita conservadora, o controle do Estado se tornou impossível.

- Por que?
- Muito simples. Como você controla o estado em condições de globalização? Convém recordar que, em princípios dos anos 80 não só triunfaram Ronald Reagan e Margareth Thatcher. Na França, François Miterrand não obteve uma vitória.

- Havia vencido para a presidência dem 1974 e repetiu a vitória em 1981.
- Sim. Mas quando tentou uma unidade das esquerdas para nacionalizar um setor maior da economia, não teve poder suficiente para fazê-lo. Fracassou completamente. A esquerda e os partidos socialdemocratas se retiraram de cena, derrotados, convencidos de que nada se podia fazer. E, então, não só na França como em todo mundo ficou claro que o único modelo que se podia impor com poder real era o capitalismo absolutamente livre.

- Livre, sim. Por que diz “absolutamente”?
- Porque com liberdade absoluta para o mercado, quem atende aos pobres? Essa política, ou a política da não-política, é a que se desenvolveu com Margareth Thatcher e Ronald Reagan. E funcionou – dentro de sua lógica, claro, que não compartilho – até a crise que começou em 2008. Frente à situação anterior a esquerda não tinha alternativa. E frente a esta? Prestemos atenção, por exemplo, à esquerda mais clássica da Europa. É muito débil na Europa. Ou está fragmentada. Ou desapareceu. A Refundação Comunista na Itália é débil e os outros ramos do ex Partido Comunista Italiano estão muito mal. A Esquerda Unida na Espanha também está descendo ladeira abaixo. Algo permaneceu na Alemanha. Algo na França, como Partido Comunista. Nem essas forças, nem menos ainda a extrema esquerda, como os trotskistas, e nem sequer uma socialdemocracia como a que descrevi antes alcançam uma resposta a esta crise a seus perigos, contudo. A mesma debilidade da esquerda aumenta os riscos.

- Que riscos?
- Em períodos de grande descontentamento como o que começamos a viver, o grande perigo é a xenofobia, que alimentará e será por sua vez alimentada pela extrema direita. E quem essa extrema direita buscará? Buscará atrair os “estúpidos” cidadãos que se preocupam com seu trabalho e têm medo de perdê-lo. E digo estúpidos ironicamente, quero deixar claro. Porque aí reside outro fracasso evidente do fundamentalismo de mercado. Deu liberdade para todos, e a verdadeira liberdade de trabalho? A de mudá-lo e melhorar em todos os aspectos? Essa liberdade não foi respeitada porque, para o fundamentalismo de mercado isso tinha se tornado intolerável. Também teriam sido politicamente intoleráveis a liberdade absoluta e a desregulação absoluta em matéria laboral, ao menos na Europa. Eu temo uma era de depressão.

- Você ainda tem dúvidas de que entraremos em depressão?
- Se você quiser posso falar tecnicamente, como os economistas, e quantificar trimestres. Mas isso não é necessário. Que outra palavra pode se usar para denominar um tempo em que muito velozmente milhões de pessoas perdem seu emprego? De qualquer maneira, até o momento no vejo um cenário de uma extrema direita ganhando maioria em eleições, como ocorreu em 1933, quando a Alemanha elegeu Adolf Hitler. É paradoxal, mas com um mundo muito globalizado um fator impedirá a imigração, que por sua vez aparece como a desculpa para a xenofobia e para o giro à extrema direita. E esse fator é que as pessoas emigrarão menos – falo em termos de emigração em massa – ao verem que nos países desenvolvidos a crise é tão grave. Voltando à xenofobia, o problema é que, ainda que a extrema direita não ganhe, poderia ser muito importante na fixação da agenda pública de temas e terminaria por imprimir uma face muito feia na política.

- Deixemos de lado a economia, por um momento. Pensando em política, o que diminuiria o risco da xenofobia?
- Me parece bem, vamos à prática. O perigo diminuiria com governos que gozem de confiança política suficiente por parte do povo em virtude de sua capacidade de restaurar o bem-estar econômico. As pessoas devem ver os políticos como gente capaz de garantir a democracia, os direitos individuais e ao mesmo tempo coordenar planos eficazes para se sair da crise. Agora que falamos deste tema, sabe que vejo os países da América Latina surpreendentemente imunes à xenofobia?

- Por que?
- Eu lhe pergunto se é assim. É assim?

- É possível. Não diria que são imunes, se pensamos, por exemplo, no tratamento racista de um setor da Bolívia frente a Evo Morales, mas ao menos nos últimos 25 anos de democracia, para tomar a idade da democracia argentina, a xenofobia e o racismo nunca foram massivos nem nutriram partidos de extrema direita, que são muito pequenos. Nem sequer com a crise de 2001, que culminou o processo de destruição de milhões de empregos, apesar de que a imigração boliviana já era muito importante em número. Agora, não falamos dos cantos das torcidas de futebol, não é?

- Não, eu penso em termos massivos.

- Então as coisas parecem ser como você pensa, professor. E, como em outros lugares do mundo, o pensamento da extrema direita aparece, por exemplo, com a crispação sobre a segurança e a insegurança das ruas.
- Sim, a América Latina é interessante. Tenho essa intuição. Pense num país maior, o Brasil. Lula manteve algumas idéias de estabilidade econômica de Fernando Henrique Cardoso, mas ampliou enormemente os serviços sociais e a distribuição. Alguns dizem que não é suficiente...

- E você, o que diz?
- Que não é suficiente. Mas que Lula fez, fez. E é muito significativo. Lula é o verdadeiro introdutor da democracia no Brasil. E ninguém o havia feito nunca na história desse país. Por isso hoje tem 70% de popularidade, apesar dos problemas prévios às últimas eleições. Porque no Brasil há muitos pobres e ninguém jamais fez tantas coisas concretas por eles, desenvolvendo ao mesmo tempo a indústria e a exportação de produtos manufaturados. A desigualdade ainda assim segue sendo horrorosa. Mas ainda faltam muitos anos para mudar as cosias. Muitos.

- E você pensa que serão de anos de depressão mundial
- Sim. Lamento dizê-lo, mas apostaria que haverá depressão e que durará alguns anos. Estamos entrando em depressão. Sabem como se pode dar conta disso? Falando com gente de negócios. Bom, eles estão mais deprimidos que os economistas e os políticos. E, por sua vez, esta depressão é uma grande mudança para a economia capitalista global.

- Por que está tão seguro desse diagnóstico?
- Porque não há volta atrás para o mercado absoluto que regeu os últimos 40 anos, desde a década de 70. Já não é mais uma questão de ciclos. O sistema deve ser reestruturado.

- Posso lhe perguntar de novo por que está tão seguro?
- Porque esse modelo não é apenas injusto: agora é impossível. As noções básicas segundo as quais as políticas públicas deviam ser abandonadas, agora estão sendo deixadas de lado. Pense no que fazem e às vezes dizem, dirigentes importantes de países desenvolvidos. Estão querendo reestruturar as economias para sair da crise. Não estou elogiando. Estou descrevendo um fenômeno. E esse fenômeno tem um elemento central: ninguém mais se anima a pensar que o Estado pode não ser necessário ao desenvolvimento econômico. Ninguém mais diz que bastará deixar que o mercado flua, com sua liberdade total. Não vê que o sistema financeiro internacional já nem funciona mais? Num sentido, essa crise é pior do que a de 1929-1933, porque é absolutamente global. Nem os bancos funcionam.

- Onde você vivia nesse momento, no começo dos anos 30?
- Nada menos que em Viena e Berlim. Era um menino. Que momento horroroso. Falemos de coisas melhores, como Franklin Delano Roosevelt.

- Numa entrevista para a BBC no começo da crise você o resgatou.
- Sim, e resgato os motivos políticos de Roosevelt. Na política ele aplicou o princípio do “Nunca mais”. Com tantos pobres, com tantos famintos nos Estados Unidos, nunca mais o mercado como fator exclusivo de obtenção de recursos. Por isso decidiu realizar sua política do pleno emprego. E desse modo não somente atenuou os efeitos sociais da crise como seus eventuais efeitos políticos de fascistização com base no medo massivo. O sistema de pleno emprego não modificou a raiz da sociedade, mas funcionou durante décadas. Funcionou razoavelmente bem nos Estados Unidos, funcionou na França, produziu a inclusão social de muita gente, baseou-se no bem-estar combinado com uma economia mista que teve resultados muito razoáveis no mundo do pós-Segunda Guerra. Alguns estados foram mais sistemáticos, como a França, que implantou o capitalismo dirigido, mas em geral as economias eram mistas e o Estado estava presente de um modo ou de outro. Poderemos fazê-lo de novo? Não sei. O que sei é que a solução não estará só na tecnologia e no desenvolvimento econômico. Roosevelt levou em conta o custo humano da situação de crise.

- Quer dizer que para você as sociedades não se suicidam.
(Pensa) – Não deliberadamente. Sim, podem ir cometendo erros que as levam a catástrofes terríveis. Ou ao desastre. Com que razoabilidade, durante esses anos, se podia acreditar que o crescimento com tamanho nível de uma bolha seria ilimitado? Cedo ou tarde isso terminaria e algo deveria ser feito.

- De maneira que não haverá catástrofe.
- Não me interessam as previsões. Observe, se acontece, acontece. Mas se há algo que se possa fazer, façamos-no. Não se pode perdoar alguém por não ter feito nada. Pelo menos uma tentativa. O desastre sobrevirá se permanecermos quietos. A sociedade não pode basear-se numa concepção automática dos processos políticos. Minha geração não ficou quieta nos anos 30 nem nos 40. Na Inglaterra eu cresci, participei ativamente da política, fui acadêmico estudando em Cambridge. E todos éramos muito politizados. A Guerra Civil espanhola nos tocou muito. Por isso fomos firmemente antifascistas.

- Tocou a esquerda de todo o mundo. Também na América Latina
- Claro, foi um tema muito forte para todos. E nós, em Cambridge, víamos que os governos não faziam nada para defender a República. Por isso reagimos contra as velhas gerações e os governos que as representavam. Anos depois entendi a lógica de por quê o governo do Reino Unido, onde nós estávamos, não fez nada contra Francisco Franco. Já tinha a lucidez de se saber um império em decadência e tinha consciência de sua debilidade. A Espanha funcionou como uma distração. E os governos não deviam tê-la tomado assim. Equivocaram-se. O levante contra a República foi um dos feitos mais importantes do século XX. Logo depois, na Segunda Guerra...

- Pouco depois, não? Porque o fim da Guerra Civil Espanhola e a invasão alemã da Tchecoslováquia ocorreu no mesmo ano.
- É verdade. Dizia-lhe que logo depois o liberalismo e o comunismo tiveram uma causa comum. Se deram conta de que, assim não fosse, eram débeis frente ao nazismo. E no caso da América Latina o modelo de Franco influenciou mais que o de Benito Mussolini, com suas idéias conspiratórias da sinarquia, por exemplo. Não tome isso como uma desculpa para Mussolini, por favor. O fascismo europeu em geral é uma ideologia inaceitável, oposta a valores universais.

- Você fala da América Latina...
- Mas não me pergunte da Argentina. Não sei o suficiente de seu país. Todos me perguntam do peronismo. Para mim está claro que não pode ser tomado como um movimento de extrema direita. Foi um movimento popular que organizou os trabalhadores e isso talvez explique sua permanência no tempo. Nem os socialistas nem os comunistas puderam estabelecer uma base forte no movimento sindical. Sei das crises que a Argentina sofreu e sei algo de sua história, do peso da classe média, de sua sociedade avançada culturalmente dentro da América Latina, fenômeno que creio ainda se mantém. Sei da idade de ouro dos anos 20 e sei dos exemplos obscenos de desigualdade comuns a toda a América Latina.

- Você sempre se definiu com um homem de esquerda. Também segue tendo confiança nela?
- Sigo na esquerda, sem dúvida com mais interesse em Marx do que em Lênin. Porque sejamos sinceros, o socialismo soviético fracassou. Foi uma forma extrema de aplicar a lógica do socialismo, assimo como o fundamentalismo de mercado foi uma forma extrema de aplicação da lógica do liberalismo econômico. E também fracassou. A crise global que começou no ano passado é, para a economia de mercado, equivalente ao que foi a queda do Muro de Berlim em 1989. Por isso Marx segue me interessando. Como o capitalismo segue existindo, a análise marxista ainda é uma boa ferramenta para analisá-lo. Ao mesmo tempo, está claro que não só não é possível como não é desejável uma economia socialista sem mercado nem uma economia em geral sem Estado.

- Por que não?
- Se se mira a história e o presente, não há dúvida alguma de que os problemas principais, sobretudo no meio de uma crise profunda, devem e podem ser solucionados pela ação política. O mercado não tem condições de fazê-lo.

(*) Martin Granovsky é analista internacional e presidente da agência de notícias Télam.

Publicado no jornal Página 12, em 29 de março de 2009

Tradução: Katarina Peixoto


quinta-feira, 26 de março de 2009

A Caixa Econômica Federal no Governo Lula


Rider de Azevedo Gonçalves Filho tem 48 anos e é funcionário concursado da Caixa Econômica Federal desde 1981, formado em Gestão Estratégica das Organizações, pela Unisul de Santa Catarina foi Superintendente da (CEF) na região entre 2004 e 2008 e nos conta como foi sua experiência na gestão de um dos maiores Bancos do País.


Sr. Rider o que é uma superintendência da Caixa Econômica Federal (CEF)?


Uma superintendência da Caixa é basicamente uma representação regional da presidência da empresa e dá o tom da atuação da mesma em cada região. Funciona numa cidade sede(no nosso caso, Campos) e é responsável pela atuação da Caixa na região( no nosso caso, Norte, Noroeste, região serrana(Friburgo) e Lagos(Macaé e Rio das Ostras), perfazendo um total de 33 municípios). A Caixa possui outras 6 superintendências no Estado com bases em Niterói, Volta Redonda e na cidade do Rio de Janeiro, que possui 4.A superintendência Norte Fluminense tem sob a sua subordinação 22 agências e é também responsável pelo repasse e fiscalização dos recursos do governo federal para as prefeituras.

Como o Sr. Foi escolhido para desempenhar essa função?

Ingressei na Caixa por concurso público em 1981 e de 1984 a 2003 exerci o cargo de gerente geral em 8 cidades na região Norte-Noroeste fluminense, o que me deu um vasto conhecimento sobre a realidade regional. Daí, no início do governo Lula, o PT decidiu apoiar a indicação do meu nome para assumir a Superintendência Regional, mesmo eu não sendo filiado ao partido.
Durante o seu tempo na Superintendência, como foi o relacionamento com o Partido dos Trabalhadores ?

O PT apoiou integralmente o meu trabalho nesses 5 anos, não tendo jamais criado nenhuma situação de desconforto ou constrangimento ou exigido alguma coisa em troca pelo fato de ter indicado o meu nome. Antes disso, me deu total liberdade para que nós pudéssemos implementar com sucesso uma política de governo que viesse a melhorar a qualidade de vida na região.

A Superintendência da CEF é responsável pelo repasse e fiscalização de recursos do Governo Federal, isso obriga o banco a atuar em parceria com as prefeituras da região. Como o Sr. analisa a relação da Caixa com as prefeituras?

A Caixa tem sido responsável pelo repasse dos recursos federais às prefeituras locais, além de acompanhar e fiscalizar a boa aplicação dos mesmos. No final de 2008 esses recursos formavam uma carteira de cerca de R$200 milhões, que são liberados de acordo com um cronograma de execução das obras.
Temos orientado as equipes das prefeituras no sentido de incluir projetos bem estruturados nos sites dos Ministérios, principalmente o das CIDADES, SAÚDE E TURISMO, já que os mesmmos são analisados e autorizados on-line pelos Ministérios, criando uma alternativa interessante de captação de recursos, em contraponto às emendas parlamentares.

A CEF administra os recursos do FGTS e é responsável pelo programa de construção de casas de casas populares o que foi feito nesse setor na região?

Em parceria com várias dessas prefeituras, realizamos diversas operações coletivas habitacionais com recursos subsidiados do FGTS, que juntamente com o programa PAR(programa de Arrendamento Residencial), promoveram a construção de cerca de 2.000 unidades habitacionais nos municipios de CAMPOS, MACAÉ, SÃO JOÃO DA BARRA, MADALENA, CONCEIÇÃO DE MACABU, CARDOSO MOREIRA, SANTO ANTONIO DE PÁDUA E SÃO JOSÉ DE UBÁ). Especificamente em Pádua, construímos uma Agro Vila, ou seja, um conjunto habitacional em área rural, com estrutura de atendimento de saúde, educação e social, além de orientação para plantio, artesanato(produção e venda), que fez com que as famílias beneficiadas tivessem acesso pleno à cidadania e dignidade(moradia e trabalho). Foi um grande trabalho da CAIXA em conjunto com a PREFEITURA DE PÁDUA, EMATER, MESA E EMPRESÁRIOS DE PÁDUA.Ações deste tipo nunca haviam sido promovidas anteriormente pela Caixa na região e pôde acontecer tendo em vista todo o direcionamento da política de governo voltada para o atendimento às camadas mais pobres da população.Ressalto que a escolha das prefeituras contempladas se deu em função do interesse e disposição do poder público local, merecendo o investimento da Caixa nesses municípios, independentemente da cor partidária do executivo local.
Pouco antes de eu sair, deixamos alinhavada a assinatura de um Protocolo de Intenções de R$ 270 milhões com a Prefeitura de Campos, de recursos para serem utilizados na construção de unidades habitacionais para público de baixa renda. Este protocolo deverá ser assinado ainda este mês.

Pensando nas grandes linhas da política do Banco qual foi a grande mudança do governo Lula?

A maior mudança foi o direcionamento do governo no sentido de tornar os produtos bancários acessíveis às camadas mais pobres da população, até então alijadas do mercado bancário nacional, fazendo com que o cidadão mais humilde pudesse ter uma conta bancária, crédito, financiamento para casa própria,etc.

Hoje é possível dizer que pessoas de baixa renda têm condições de possuir uma conta com cartão de crédito e cheque especial?

A Caixa criou a conta CAIXA AQUI, uma conta sem exigência de comprovação de renda, que permite a movimentação por cartão magnético e isento de tarifas bancárias e até de CPMF, bastando que a movimentação não ultrapasse a R$1.000,00. Abrimos milhares dessas contas na região e após algum tempo algumas delas mereceram receber cartão de crédito e um cheque especial de R$200, tendo a vista o controle e o equillibrio que alguns correntistas apresentavam.
A CEF possui um programa de micro crédito como o Sr. avalia os impactos dessa política e qual o percentual de inadimplência?

A disponibilização do micro crédito representa geração de emprego e renda, gerando desenvolvimento na região. Temos apoiado as pessoas físicas, através do penhor, crédito consignado, proger, etc. e as micro e pequenas empresas através de apoio creditício para capital de giro e aquisição de equipamentos, contribuindo para o fortalecimento da economia regional.
A caixa inovou na promoção de patrocínios na região. Como isso foi possível?

O governo Lula promoveu a descentralização das verbas de patrocínio, e assim a CAIXA pôde apoiar diversas iniciativas culturais na região, patrocinando peças teatrais, shows de MPB, concertos musicais, Palestras Empresariais, seminários, feiras temáticas, eventos esportivos, etc, fomentando as mais diversas manifestações culturais da nossa região. Foi um total de cerca de R$500 mil reais investidos nesses 5 anos. Campos e Nova Friburgo foram os municípios mais contemplados, já que apresentaram diversos projetos de boa qualidade.

As ações sociais do banco que beneficiam as camadas mais empobrecidas da região afetaram negativamente o lucro do banco?

Ao contrário, o lucro da Caixa quadruplicou nesses últimos 6 anos, comprovando que as atividades comercial e social de um banco podem caminhar juntas, quando há uma administração firme e criativa por trás.

A crise internacional em curso vai afetar os projetos da (CEF)? Os investimentos sociais do Banco podem sofrer cortes?

Por enquanto não há previsão de cortes nos investimentos da Caixa, já que ela é um dos maiores braços do governo federal no combate à crise e a recessão. Dessa forma a Caixa vem reduzindo sistematicamente suas taxas de juros desde o final do ano passado e há uma boa disponiblização de recursos para crédito, principalmente o habitacional, já que a construção civil é um dos maiores geradores de empregos no país, além de ajudar o governo a vencer o desafio da redução do déficit habitacional.

Por que o atendimento nas agências ainda é muito precário? Qual é o déficit de funcionários da CEF e por que ele permanece?

A Caixa é o único banco que atende o trabalhador brasileiro nas suas grandes demandas como o PIS, FGTS, SEGURO DESEMPREGO, ETC. Isso explica a grande procura por atendimento que as nossas agências têm. A Caixa vêm buscando minimizar esses impactos com diversas medidas de automação´como cartão do cidadão, terminais de auto atendimento, correspondentes bancários, etc, mas reconhecemos que há momentos em que essas medidas não são suficientes. De 2003 para cá a Caixa aumentou o quantitativo de empregados de 65.000 para quase 90.000 e a contratação de mais concursados passa necessariamente por uma autorização do Ministério da Fazenda. Estendemos a rede de atuação da Caixa na região com inauguração de novas agências em GUARUS, PELINCA, RIO DAS OSTRAS E NATIVIDADE, além de CAVALEIROS em Macaé, cuja obra está em andamento com previsão de término para maio/2009. Aumentamos também a rede de lotéricos e correspondentes bancários com cerca de 40 novos postos de atendimento na região, contribuindo para o fortalecimento da economia local nos bairros e distritos que receberam esses postos.

terça-feira, 24 de março de 2009

Algumas impressões sobre “O que a esquerda deve propor” ou “O que é que o Mangabeira tem?”

Prezad@s,

Como é praxe neste espaço aprendemos a valorizar as polêmicas. E com elas aprendemos pois aguçamos “as armas da crítica”, algo absolutamente pertinente ao fazer do cientista social que não se atém exclusivamente na busca (sempre precária e ilusória) por mimetizar o real. Valorizando a polêmica sobre o texto de Roberto Mangabeira Unger, sem dúvida um autor importantíssimo para o presente momento histórico, eu irei adiantar alguns pontos de uma resenha que preparo sobre seu último livro lançado em língua portuguesa, “O que a esquerda deve propor” (Editora Civilização Brasileira – 2008). Tudo leva a crer que a versão final do texto ganhará muitíssimo em qualidade com as questões que porventura provenham dos futuros comentários. Desde já agradeço pela oportunidade.

Antes, acho que é importante me posicionar sobre um ponto pertinente na atuação das ciências sociais: as ciências sociais tem um compromisso “normativo” a priori, posto ciência positiva, de compreender e explicar o real. Neste simples enunciado acho que é sintetizado o primado que nos distancia de parte da filosofia “pura”, onde é passível e mesmo cabível perscrutar questões eminentemente especulativas – como afirmar que não existe o real, há jogos de linguagem e etc... O que não é nada menor, diga-se de passagem, pois produz conseqüências inúmeras nos processos de elaboração de conhecimento aplicado ou não. Mas, prosseguindo, justamente por ser ciência social, seus “produtos” (pesquisa, artigos, etc.) obviamente podem e muitas vezes tem conseqüências “normativas” ou, simplesmente, as vezes políticas e morais. Por vezes até mesmo temos conseqüências pragmáticas na execução de políticas públicas, onde obrigatoriamente expressam-se noções de “bem viver” dentre as disponíveis no mercado de legitimações morais, que podem estar conectadas com estudos filosóficos ou sociológicos de toda ordem.

Ainda há a determinação de algo tão basilar, como o recorte do objeto, que é permeado por nossas opções valorativas (Weber). Não disse nenhuma novidade, mas, é importante sabermos de onde estamos falando. O que queria ressaltar que o binarismo “normativos” ou “não normativos” é tão grosseiro quando ingênuo. Sem pretensões de ineditismo (retomarei este ponto adiante).

Portanto não sou positivista ou tampouco algum tipo de “ativista”. E não gostaria que as minhas críticas e observações não fossem neste texto interpretadas sob qualquer tipo de alcunha deste tipo dado que não condizem com a minha proposta. Acredito enquanto valor, sim, que as ciências sociais podem produzir revoluções trazendo a tona o confrontamento com o senso comum e com os sensos informados ideologicamente de todo o tipo. Em suma, desencantando o mundo, mostrando onde este possui suas vértebras, e como estão dispostas. Tudo isto permeado por uma das melhores contribuições das ciências sociais para qualquer projeto civilizatório: o seu próprio pluralismo epistemológico.

Desta feita considero absolutamente inadequado que os atos argumentativos científicos ou pesquisas sejam guiados por um critério de validação que seja estranho ao fazer científico. Me recuso, peremptoriamente, a dividir o universo de cientistas sociais entre aqueles “corajosos” e os “covardes” dado que elementos de virilidade talvez sejam passíveis em eventos de luta livre. Mas não para o fazer científico. Ainda considero que para se fazer ciência se precise muito mais de cérebro do que de culhões. São opções as quais precisam ser compartilhadas. São minhas opções. Como estes pontos foram levantados nos comentários passados, de maneira esparsa, julguei que era importante traze-los a tona nesta análise.

Ainda, no campo da advertências ao leitor, minhas críticas não são para o conjunto da obra do valoroso Mangabeira Unger. E nem ao ministro. Eu não teria competência neste momento para avaliar nem um ou o outro. Na verdade nutro simpatia política por seu papel no Governo Lula e considero progressista sua participação na vida pública brasileira, embora que não sem ambigüidades. Minha leitura se dará unicamente sobre o texto “O que a esquerda deve propor”. Nada mais. E a crítica, antes de significar a prática do desprestígio, implica na possibilidade de avaliar argumentos.

Feitas as justificativas e os backgrounds teóricos-epistemológicos mínimos, vamos então ao texto.

Mangabeira Unger, um homem que logrou logo no início de sua carreira ser resenhado por ninguém menos que Talcott Parsons, nos brinda em seu “O que a esquerda deve propor”, com um complexo corpo de idéias que, em minha leitura, pertencem ao intrincado universo da filosofia política. Ao menos parcialmente pois discute: a) o que pode ser uma ordem coletiva moralmente justa; b) quais caminhos podem ser trilhados, programaticamente, em prol desta nova ordem. Outros elementos que me parecem importantes no debate da filosofia política parecem esmaecidos pois não se discute quem é o ser humano, o agente que faz a política (uma ontologia minimamente presente – natureza humana) e, em uma lógica processualista “neutra”, não se discute Estado, mercado, sociedade. Tem a trilogia hegeliana, a assume enquanto existente, mas não a problematiza adequadamente. Na verdade o autor propõe a inversão de pólos (profundo reajuste estrutural) destas três esferas possibilitando uma “revolução” de tons reformistas – há uma dialética de fato interessante entre reforma e revolução no texto. Todavia tudo se concentra em um “Fiat” (faça-se) pouco crível na medida em que não se dá ao trabalho de realizar um mínimo de análise conjuntural que permita essa “revolução reformista”. O próprio Mangabeira compreende as dificuldades de sua “profecia” – eis o substantivo utilizado pelo autor nos últimos capítulos - pois reconhece que o eleitorado capaz de operar mudanças tão substantivas sequer nasceu (e não há até o momento qualquer evidência que nascerá algum dia).

Prosseguindo, Mangabeira elabora uma crítica, bastante acertada, na aposta da esquerda “tradicional” de concentrar suas esperanças em um tipo de agente social, o famoso agente que resume em si a síntese do espírito histórico. Ora, não é necessário ser um grande leitor das obras socialistas elaboradas a partir do século XIX para compreendermos que na teodicéia secular de esquerda há um agente “ungido” da capacidade de representar o próprio espírito histórico: a classe trabalhadora. Todavia a resposta elaborada para este dilema, a ausência de um agente, se dá.... Retomando a classe trabalhadora!!!!! Simples assim. Renovada em seus anseios pequeno-burgueses, tendo este como um novo telos (mudança qualitativa em padrões de vida) que deve ser o fio interpretativo deste novo-velho agente reformado (?!?!), a classe trabalhadora, sobretudo situada entre os estratos médios, algo deve auxiliar a corporificar as profecias (seria o próprio Mangabeira um profeta?) elaborada em seu “conjunto de proposições”.

Tendo as aspirações pequeno burguesas para a classe trabalhadora é desnecessário dizer algo sobre o papel secundário reservado para a sub-classe e as políticas redistributivas. Ambos (sub-classe e políticas sociais) encontram-se em um grau hierárquico de prioridades menor. De alguma forma na leitura de ação de esquerda do autor há certa mitificação (fetichização pura e simples) dos processos educacionais caríssimos que possibilitariam, talvez, resgatar estes grupos de sua condição de miserabilidade. Sem detalhar em qualquer segundo como de fato seria viável tão ousada política educacional integrada e “para a vida toda” o que relegaria a “ralé” e um tipo de limbo desconfortável da modernidade.

Há coerência discursiva, se pensarmos no “preço” destas políticas educacionais, ao levarmos adiante o debate importante levantado pelo autor acerca da contradição gerada pelo direito de herança pois perpetua as diferenciações entre classes e aniquila em muito qualquer pretensão meritocrática existente na sociedade (outro ponto provocativo importante do texto). Mas, mesmo assim, supondo que políticas do lastro proposto por Mangabeira não se efetivem tão rapidamente (reconhecendo inclusive o elemento reformista de sua proposta), há de se pensar na ralé, que estaria desemparada em sua ascese para se tornar ao menos “gente” por processos educacionais de alta sofisticação. Preterida mais uma vez aqui, tanto como o fez em instigante entrevista para o jornal “O Globo”, onde há a preferência pelos “batalhadores”.

Um elemento muitíssimo interessante é a crítica de uma “leitura de mundo da calamidade” que percorre a esquerda, dado que faticamente alguns dos maiores avanços civilizatórios em um sentido progressista ocorreram em crises profundas. Foi assim após 1929, pós Segunda Grande Guera... E nestes termos há a preocupação do autor em buscar caminhos que fujam desta “pedagogia da crise”. O livro foi publicado originalmente nos EUA em 2005, antes da bolha imobiliária americana estourar levando à catástrofe do sistema financeiro que estamos hoje presenciando. Não teria exatamente, evidentemente, como prever o que estamos vivendo neste início de 2009. A grande ironia histórica é que, pelo caráter cíclico deste tipo de ocorrência estrutural, justamente neste momento temos mais uma crise que nos possibilitará os “experimentalismos institucionais” vaticinados pelo autor! Voltemos para a fática narrativa positiva da calamidade. Em outros termos, não desconsiderando a sua queixa, justa, vemos faticamente mais uma vez a oportunidade histórica de pensarmos determinados elementos do modo de produção sob uma outra ótica. Mesmo que não tenhamos mudanças estruturais. Mas, isto é uma outra questão.

Caminhando para o desfecho: sobre as pretensões de ineditismo.

Não duvido que eu tenha sido demasiado apressado nas minhas colocações, o que poderia permitir que eu não seja suficientemente compreendido em minha inegável crítica quando utilizei o termo “pretensões de ineditismo”. O outro caminho, o do elogio das “pretensões ao ineditismo” nos empurra para o pior dos mundos. Na verdade o elogio das “pretensões de ineditismo” é o elogio da ignorância ou da arrogância da recusa ao diálogo com autores que produziram peças mais convincentes sobre determinado tema. E muitíssimo antes do Mangabeira em questão.

O que devemos lutar, isto sim é fundamental para a ciência, é por estudos originais. Mas, “pretensões de ineditismo” são problemáticas na medida em que se recusam a participar do processo de acumulação do conhecimento. Reitero, a produção teórica deve primar pelo rigor na medida que a produção do conhecimento deve se reconhecer como parte integrante de um esforço coletivo.

Uma das formas possíveis, e me parece absolutamente produtivo que assim o seja, de ler o texto “O que a esquerda deve propor” envolve reconhecermos limites na democracia representativa liberal.

Ora, este formato de organização da ação coletiva, a democracia como via legítima e política, conquista hoje realidades até então impensáveis. Numericamente “nunca fomos tão democráticos”. O imbróglio está na seguinte questão: ouve a ampliação numérica mas sem gerar sociedades “movimentadas” politicamente. Esta é ao menos a impressão, ou o diagnóstico, de parte dos teóricos da sociedade a partir da década de 1990. Creio que Mangabeira faz o mesmo caminho. Portanto, vão me desculpar, aí que as suas “pretensões de ineditismo” (a questão de trazer a tona questões que já foram trabalhadas sem qualquer intenção de acrescentar diretamente com vias de aumentar o acúmulo do debate) vão pras cucuias. Habermas, Giddens, Wallerstein, Boaventura de Sousa Santos, Claus Offe.... Todos estes pensaram os dilemas da esquerda, e da ação coletiva, de maneira ou de outra. Todos reconhecem que a chamada “esquerda tradicional” peca muitíssimo em vários campos de atuação. Todos reconhecem que o Estado, sociedade civil e mercado precisam ser repensandos. Mas, NENHUM deles o faz sem apresentar minimamente as articulações exigidas para um projeto como esse. Há diálogos aí que são claramente construídos nos autores entre pontos de vista diferenciados. Há, evidentemente, problemas quando ocorrem momentos de “pseudo-originalidade”, vide Giddens como autor quase proto-típico. O que os diferencia é que estes autores promovem um diálogo que propicia um sentido acumulativo do debate que é notoriamente enriquecedor. Algo que não é feito por Mangabeira nem por um segundo. Não há qualquer diálogo. Há assinatura de um “manifesto esperançoso” que parece isolado do restante do universo acadêmico de onde o próprio autor provém.

Por fim, me causa absoluto desconforto a reedição da idéia de uma “religião da humanidade” secularizada. Tive um déjà vu comteano. Pensei que viria após esta idéia algum tipo de toque de trombetas apocalípticas e em anexo algum homem cabeludo e de vestido dizendo: “I´m the way”. Sem messianismos, por favor, a filosofia e a ciência social não precisam de profetismos ou de guias espirituais. O texto tem insights absolutamente interessantes, passíveis de maior aprofundamento e verificação dentro do corpo metodológico vasto e eclético das ciências sociais, que são amplamente prejudicados por este tipo de messianismo atabalhoado. Ninguém elegeu Mangabeira ou quem quer que seja como líder espiritual.

PS: Claro que a resenha “acadêmica” será mais cuidadosa.

Ensino de Filosofia e Sociologia em debate


Depois
de décadas de seu impedimento (e esquecimento) na educação básica, fruto das políticas educacionais do regime autoritário que não admitia quaisquer formas de pensamento que não se confundissem com uma propaganda dirigida do Estado mal-disfarçada em OSPB, a Filosofia e a Sociologia retornam ao seu lugar de direito: as salas de aula do ensino médio. Um longo caminho ainda está para ser trilhado np debate sobre os procedimentos metodológicos adequados à diversidade de seu público discente, assim como sobre sua plena incorporação como disciplinas regulares nas escolas de ensino médio. A proposta de um mini-curso com base em uma experiência de extensão universitária é mais do que bem-vinda.

Mini-curso de extensão sobre o ensino de Filosofia
e Sociologia no nível médio


Data: dia 27 de março de 2009
Local: Auditório I, Casa de Cultura Villa Maria
(Rua Baronesa da Lagoa Dourada, 234, Centro - Campos dos Goytacazes)

Programação

9h - Abertura e inscrições.

9h30 - Comunicação: "A Filosofia e a Sociologia nas escolas estaduais de ensino médio da região Norte Fluminense I: perfil docente, desafios e perspectivas".

Andreza Barreto (graduanda CISO / CCH / UENF).
Dante Mendonça (graduando CISO / CCH / UENF).
Renata Saul (Graduada CISO / CCH / UENF).

Debatedora: Andréia Trindade.

10h30 - Palestra: "O ensino de Filosofia no Brasil e a experiencia internacional: aproximações e distanciamentos".

Prof. Dr. Dalton José Alves (LEEL / CCH / UENF).

Debatedora: Laís Rodrigues.

12h - Almoço.

14h - Mesa: "A Sociologia no ensino médio: experiência, reflexividade e questões metodológicas atuais".

Profa. Dra. Adelia Miglievich Ribeiro (UFES / APSERJ).
Profa. Lic. Sônia Ferreira Jobim de Carvalho (Colégio Estadual Almirante Frederico Villar e Colégio Municipal Francisco Porto - Arraial do Cabo-RJ).

Debatedora: Andreza Barreto.

15h30 - Intervalo para o café.

16h - Mesa: "A introdução da Filosofia no currículo: a contribuição histórica da SEAF e os desafios da experiência do filosofar em sala de aula".

Profa. Ms. Ana Maria Felippe (Presidente da SEAF).
Prof. Dr. Olinto Pegoraro (UERJ / SEAF).
Prof. Doutorando Rogério Seixas (SEAF / Professor da rede estadual).

Debatedor: Dalton José Alves.

17h30 - Coffee Break e encerramento.
*Pré-inscrição para interessados no próximo curso
Obs.: Inscrições gratuitas, no local.
Obs.2: Haverá certificados emitidos pela PROEX - UENF.

Apoio: PROEX - UENF / Ed. Vapê
Realização: Projeto de extensão "Filosofia e Sociologia nas escolas estaduais de ensino médio da região Norte Fluminense I: capacitação e atualização de docentes"

Informações: (22) 9834-9181 / (22) 9838-7885

Lançamento do livro "Sociedade da Diferença" - Sergio Luiz Pereira da Silva


Prezad@s,

Para os que acompanham sociologicamente as mudanças do mundo contemporâneo sob o enfoque deste fenômeno difuso chamado "globalização": "Sociedade da Diferença: formações identitárias, esfera pública e democracia na ordem global" é o livro que ainda será lançado oficialmente por Sergio Silva, que teve sua temporada pela UENF e agora está na Unirio. Portanto trata-se de um "pré-lançamento" digital aqui no blog.

O projeto é editado pela editora Mauad com apoio Faperj. Quando do lançamento oficial trarei maiores informações.

domingo, 22 de março de 2009

Concurso UFF Campos

Divulgando a pedido da professora Ana Maria (DSSC - UFF)

Concurso público para professor na UFF/Campos



A UFF de Campos vai promover concursos públicos de provas e títulos para o ingresso na carreira do Magistério Superior, na classe do professor adjunto 1. As inscrições ficam abertas de 1º de abril a 15 de maio e devem feitas de segunda à sexta-feira, exceto nos feriados incluídos neste período, das 12h às 15h, na Copemag, ao lado da livraria da Editora da UFF (Eduff), reitoria da UFF, na Rua Miguel de Frias número 9, na Praia de Icaraí, em Niterói. Não será aceita a inscrição feita por sedex, fax ou e-mail. Mais informações no edital 82/2009 através do site www.uff.br.

As vagas são para as seguintes áreas do conhecimento: Ambiente e Sociedade; Antropologia; Cartografia, Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto; Ciência Política; Educação; Estatística; Filosofia; Geografia Agrária; Geografia e Ensino; Geografia Física; Geografia Regional; História Econômica; Matemática; e Sociologia. A lotação e o exercício serão no Departamento de Ensino de Fundamentos da Ciência da Sociedade (SFC) do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional – UFF/Campos dos Goytacazes – RJ.

No edital há informações sobre outros requisitos necessários como o número de vagas nas áreas de conhecimento, o regime de trabalho, tipos de provas e a formação dos candidatos. Poderão inscrever-se os portadores dos títulos de doutor ou de Livre Docente ou de Notório Saber autorizado pelos Conselhos Superiores da UFF. A chefia do departamento informará aos candidatos sobre o local, a hora e a data das provas num prazo mínimo de cinco dias antes de suas realizações.

UFF/Campos promove concurso público para preenchimento de cargos técnico-administrativos

A Coordenadoria de Seleção da Pró-Reitoria de Assuntos Acadêmicos e o Departamento de Desenvolvimento de Recursos Humanos da Superintendência de Recursos Humanos, ambos da UFF, abrem inscrições para o concurso público destinado ao provimento de cargos técnico-administrativos em educação. Para a unidade de Campos são oferecidas duas vagas para Assistente de Administração, uma para Técnico de Laboratório na área de Geografia e uma para Técnico de Contabilidade. O acesso ao edital nº 060/2009 com informações detalhadas pode ser feito através do site www.uff.br.

Assessoria de Comunicação da UFF

“Quem quebrou a casa de meu Pai?” Uma breve resenha*

Depois de alguma relutância, que se devia por ter eu uma certa antipatia com quem fez a contra-capa do livro, — acho que quem não admira a vida intelectual e até mesmo se ressente dela não deve ter o direito de participar dela, mesmo que de forma coadjuvante — resolvi ler o livro de Antonio Carlos Pereira Pinto, intitulado “Quem quebrou a casa de meu Pai?”. Pra quem não conhece, o livro narra uma parte da história da decadência das usinas de Campos a partir do olhar de alguém que estava no olho do furacão, o autor, além de ter sido deputado em mais de um mandato (PDT) é filho de um dos importantes usineiros da região no período da decadência.

Ao ler as primeiras páginas do livro, temos a impressão que nos depararemos com um tipo de literatura muito similar à alguns outros livros que tem sido lançados em Campos nos últimos anos, a saber, um conjunto de memórias relatado por uma aristocracia rural que olha para o passado com um saudosismo natural de quem perdeu o prestígio que tinha. Quanto a isso, o livro de Ivone Wagner (“A estrada da Saudade”), no qual ela apresenta um conjunto de relatos dos tempos da fazenda do seu pai, a importante fazenda do colégio, aquela do solar dos jesuítas, é um marcante exemplo deste tipo de literatura. Porém, com o seguimento da leitura do livro percebe-se que este vai muito além de ser apenas um conjunto de memórias pessoais, a narrativa avança sobre outros flancos, nas quais eu destacaria três pontos como valiosos: (1) o conteúdo histórico, (2) o drama familiar que se desenrola, e por último, (3) a personalidade do “personagem” principal, o “velho”.

Numa terra intelectualmente devastada, como é o caso de Campos dos Goytacazes, qualquer relato de memórias já se torna um documento histórico valioso, mesmo de forma simples, preenche um vazio imenso deixado pela intelectualidade local. Vazio este construído pelas faculdades locais e que o Centro de Ciências Humanas da UENF não deu ainda mostras que é capaz de preenchê-lo. Assim, o livro de Pereira Pinto, mesmo nao sendo uma obra construída e elaborada por um rigor científico (não se pretende a isso) se distancia dos meros relatos de memórias, podendo ser um bom instrumento e fonte para quem busca entender a sociedade local. Na leitura do livro podemos mergulhar em parte da história econômica e política de nossa região, como também flertar com a história nacional e seu impacto regional, já que o autor narra fatos do golpe e do governo militar os quais pode presenciar como deputado até sua cassação pelo regime, e depois pode presenciar através de outro ângulo, como empresário (usineiro) na negociação da política econômica do regime militar em relação às usinas do norte fluminense.
Em paralelo aos eventos da história nacional e regional, um drama familiar digno de roteiro de bons filmes se instaura no seio da família Pereira Pinto. A intervenção do regime militar na economia local, que se dá através de uma “proposta” (imposição) de empréstimo fácil de dólares americanos para “modernizar” a produção açucareira do norte-fluminense é o estopim que incendeia um barril de pólvoras na família. A “proposta” tem o mesmo efeito daquela feita por Virgil Solozzo ao clã dos Corleone na obra de Mario Puzzo, adaptada ao cinema sobre o título de “O poderoso Chefão”. Assim como os olhos dos filhos do Don Corleone (Sonny e Tom Hagen) brilharam com a proposta de Solozzo, brilharam também os olhos dos filhos do velho Pereira Pinto com a “proposta” dos militares. Porém, da mesma maneira que com a astúcia de uma raposa o Don Corleone rejeita a proposta de Solozzo, o “velho” Pereira Pinto rejeita a “proposta” dos militares. A experiência de vida tinha ensinado a ambos sempre desconfiar de propostas muito generosas. No seguimento da história a estratégia dos militares não foi muito diferente da de Solozzo, sacar o “velho” da frente dos negócios para implantar seus planos junto aos filhos. Diferente do filme, os militares conseguem colocar os filhos contra o pai, e a partir daí um grande drama se desenrola.

Mesmo descontando os possíveis exageros que o autor possa ter cometido ao descrever o pai (nisso não vai uma crítica, é natural que um filho que ama e admira seu pai proceda assim), o “velho”, como é chamado no livro, tinha uma personalidade extraordinária, era um homem de espírito como diria outrora. Do ponto de vista político, longe de ser um homem de esquerda mantinha-se a léguas de distancia do liberalismo (ou neoliberalismo) que começava a crescer aqui. Na verdade, era um homem de outro tempo, com uma visão orgânica do mundo, diferente daquela visão mecânica que se instalava. Não tinha uma visão fragmentada do mundo, na qual cada um deve ocupar-se e especializar-se em setores isolados da vida, preocupava-se sempre com o todo, e a sua sensibilidade para o universo econômico se baseava nisso. O “velho” tinha uma postura titânica ante ao mundo, queria na verdade construir e gerenciar seu mundo particular, sem a interferência externa, queria fazer de seu conjunto de fazendas e duas usinas uma unidade auto-suficiente, um feudo moderno para ser mais claro. E para consolidar isso, desafiou o seu tempo, mas como era um mortal, o deus do tempo o engoliu, trazendo novos ares, mas não necessariamente melhores.

A meu ver, esses três aspectos que eu pus em destaque, são ao mesmo tempo os trunfos e o calcanhar de Aquiles do livro, são tão fortes que parece que o autor não se decidiu por qual deles iria construir sua narrativa, o livro pendula várias vezes em ser uma narrativa de fatos históricos ou um grande romance de drama familiar ou a biografia de um grande homem. Mas creio ser isso perdoável pra quem não é um profissional do ramo.

O fim desta história é a quebra das usinas e o desmantelamento do poder provindo das oligarquias rurais na região, os desempregados das usinas vindo pra cidade, as favelas aumentando bruscamente, e um profeta da periferia urbana surgindo e arregimentando essa massa, mas isso é uma outra história. . .


* PINTO, Antonio Carlos Pereira. “Quem quebrou a casa de meu pai?”. Niterói, RJ, Comunità: panorama ED, 2004.

sexta-feira, 20 de março de 2009


A questao da “pretensao ao ineditismo
Roberto Torres


No debate do texto anterior, Fabrício critica George, acusando-o de se prender à rótulos ao criticar Mangabeira Unger como um intelectual de pretensao de ineditismo. Me parece estarmos diante não apenas de uma questao pontual aqui nesta peleja, mas sim diante do debate sobre á ética do cientista, seu modo de ser dentro do seu campo, diante de suas tradicoes e da hortodoxia do campo, seja ela definida por um paradigma dominante de modo articulado e explícito, ou de modo inarticualado e implícito. O fato de a ciencia ter que se legitimar enquanto conhecimento patrocinado pela sociedade, e sem isso não há “acoplamento estrutural” que a permita se constituir como sistema social, implica sempre que estaremos ocupados de alguma definicao de como devemos ser enquanto cientistas. Em ciencia como vocacao Weber afirma a autonomia da ciencia contra as exigencias da vocacao política, mas em nome de uma “ética vocacional secular”, engajada com valores que, como ele deixa claro em seus textos políticos, são sempre valores relevantes na política.
Estamos debando os valores que definem nossa vocacao, valores que se adequem mais ou menos com a busca das melhores proposicoes, daquelas que resistem ao tempo ou que são depuradas com o falseamento pedagógico proposto pela razao científica. Eu não acho que este tipo de disputa pelas melhores proposicoes, que se mapeia pelo entendimento discursivo através de razoes empíricas e informadas por provas de falseamento, seja algo impossível na política. Bem, partindo desta proposicao, calcada em História que podemos discurir aqui, digo o seguinte sobre a acusao de George e a resposta de Fabrício:
Diante da possibilidade legítima de criticar um autor, o critério pejorativo da pretensão de ineditismo só pode ser um passo atras em relacao à ciencia. Realmente temos ai o convite a desqualificar o autor só pelo fato dele pretender algo que ninguem pretende, sem mais nenhuma razao. Considere-se que ele não leu muita gente que deveria ler, ainda assim não há como justificar a acusacao. Se o cara tem uma prentensao, analisemo-as, e dizemos o quanto ela é inovadora ou não, e o que isso significa. Pretensao de ineditismo é bom para a ciencia oras... sem uma pretensao como alguém pode querer que seja ouvido? Se ela for maluquisse, é o que podemos dizer ao analisá-la, e com generosidade. Outro princípio irrecusável na definicao da vocacao científica. Vai entao um artigo do Mangabeira, com um pouco de suas prentensoes no campo das idéias análiticas e políticas.
Aproveitando a crise para fazer o mercado



Roberto Mangabeira Unger

A crise financeira de 2008 abre espaço para levar adiante dois projetos de amplas consequências. Um projeto é revisar os acordos pós Segunda Guerra Mundial, com o propósito de tornar os arranjos internacionais mais abertos do que são hoje às divergências entre nações, aos experimentos e às alternativas. O outro projeto é reformular algumas das instituições que definem as economias de mercado, para que possam oferecer mais oportunidades para um número maior de pessoas.
O debate sobre a crise tem sido dominado até agora por duas preocupações justificáveis, mas inadequadas e superficiais: 1) a necessidade de melhor regular os mercados financeiros, dentro dos países e internacionalmente; 2) a conveniência de se adotar políticas monetárias e fiscais expansionistas. Os persistentes desequilíbrios entre economias superavitárias e deficitárias tem aparecido como um tema menor. A mais importante lição da crise - os limites impostos pela forma com que economias de mercado contemporâneas organizam a relação entre setor financeiro e economia real - praticamente não tem sido mencionada. No entanto, nada do que fizermos nas primeiras duas áreas irá funcionar, a menos que façamos algum progresso nas últimas duas.
Políticas monetárias e fiscais expansionistas, aplicadas sem que se considere os desequilíbrios na economia global, podem se revelar danosas ou contraproducentes. A regulação dos mercados financeiros pode se tornar inefetiva ou insuficiente, se não complementada por medidas concebidas para estreitar os laços entre setor financeiro e economia real. Não devemos fazer com que as medidas mais profundas e radicais esperem até que tenhamos concluído as medidas mais superficiais; muito do efeito destas depende das primeiras.
Cada um é refém de suas próprias idéias. Os líderes das vinte maiores economias não precisavam de ter se reunido para que descobríssemos os limites das nossas visões. Quando invocamos os espíritos, eles podem não vir.
Consideremos o formato de discussão que precisamos, e ainda não temos, num espectro que vai do familiar e menos significativo ao de maior alcance e menos reconhecido.
1. A regulação das finanças nacionais e internacionais. As finanças transformaram práticas de gestão de riscos em mecanismos de expansão de apostas. Em muitas dessas práticas, como os derivativos mais sofisticados, a economia real e os requisitos financeiros da produção deixaram de ser a razão de existência e se tornaram mero pretexto. O problema não é que tais atividades sejam especulativas; especulação tem sua utilidade. O problema é que a atividade especulativa está relacionada com a economia real apenas de forma tênue - pouco conectada com o consumo e menos ainda com a produção.
A catástrofe do "subprime", gatilho da crise em seu epicentro norte-americano, foi um exemplo do uso de hipotecas oferecidas a pessoas que não podiam pagá-las como pretexto para a invenção de novas formas de negócios e de apostas.
Um fato adicional inflamou as consequências dessas virada para dentro da inventividade financeira: a distinção equivocada entre mercados financeiros e agentes altamente regulados e fracamente regulados. A justificativa para tal contraste é que investidores profissionais e indivíduos muito capitalizados precisam de menos proteção e se beneficiam da maior liberdade para assumir riscos. Este é um argumento que não leva em conta como a existência de uma zona vale-tudo, de regulação mínima, torna possível contornar muitas das restrições na área mais regulada. Os agentes financeiros podem simplesmente montar os arranjos contratuais da área regulada na linguagem financeira da zona livre de regulação.
A consequência lógica é que a regulação precisa combater a perversão especulativa que transforma gestão de risco em exploração de risco e superar o dualismo auto-destrutivo entre finanças reguladas e não reguladas. Isso já seria algo. Porém, sem uma resposta aos outros problemas considerados acima, não será muito.
2. Keynesianismo Vulgar: políticas monetária e fiscal expansionistas. Quase todo mundo é, mais uma vez, um keynesiano vulgar. Taxas de juro baixas ou negativas e gasto governamental ajudam e são mesmo indispensáveis para uma resposta efetiva à crise. No entanto, sua importância tem sido muito exagerada, fruto do desespero quanto à nossa capacidade de engedrar algo melhor.
Uma política de taxas de juro baixas ou negativas pode causar pouco efeito, além da ameaça latente de mais sofrimento em economias e indivíduos acostumados a poupar e que, consequentemente, dispõem de grande volume de capital à sua disposição. Aos austeros, tal política lhes parece, em primeiro lugar, uma proposta de alimentar vícios que os levaram para o buraco. Além disso, como já é há muito compreendido, ela falha em prover um antídoto efetivo para a dinâmica de deflação de passivos.
A margem de manobra da política fiscal aumentaria com arranjos antícíclicos: o compromisso de acumular superávits fiscais em época de bonança para ser mais capaz de gastá-los em época de crise. Tais arranjos, contudo, assumem um mundo muito diferente do nosso, em que o principal vetor de crescimento tem sido a colusão entre o entesouramento irresponsável de alguns países e o gasto irresponsável de outros.
Nos países que entesouram (China, por exemplo), uma política fiscal expansionista deve funcionar como apoio adicional à necessária mudança rumo ao consumo de massa e à produção para mercado interno. Nos países gastadores (Estados Unidos, por exemplo), pode-se prever que tais políticas fiscais frouxas irão agravar uma já insustentável dependência de déficits comerciais e de poupança externa.
É salutar lembrar as complexidades e contradições das reais visões de Keynes. Seus escritos ocasionais revelam um homem que compreendia que a faculdade de influenciar decisões de investimento era mais importante, embora politicamente mais difícil de se conseguir, do que as tentativas de intervir nos níveis de demanda agregada. O que concebemos como teoria foi, de fato, o resultado de um cálculo oportunista: perseguir o impulso - a melhora da demanda agregada - parecia mais aceitável às circunstâncias da época. Se não colocamos esse cálculo em seu devido lugar e recuperamos o que foi suprimido, corremos o risco de afundar num pragmatismo anti-pragmático.
3. Desequilíbrios estruturais na economia mundial. Muitos agoram falam de um novo Bretton Woods. Será que se esquecem do Bretton Woods que Keynes propôs, distinto do Bretton Woods que foi estabelecido sob direção dos Estados Unidos? O objetivo quase obsessivo do esquema keynesiano era evitar a situação em que nos encontramos agora: grandes economias que cronicamente geram elevados déficits ou superávits comerciais. O complicado mecanismo que ele propôs foi concebido para punir economias superavitárias inveteradas. Não precisamos da complicação, mas precisamos enfrentar o problema provocando respostas distintas dos países superavitários, dos países deficitários e das organizações internacionais.
Das economias superavitárias, a resposta mais efetiva é a conversão radical da produção para o consumo de massa do mercado interno. Nenhum país irá promover tal mudança apenas para agradar e beneficiar estrangeiros. Esta é, contudo, uma mudança justificável por diversas considerações de prudência e de justiça.
Para as economias deficitárias, a prioridade é estimular um aumento na poupança das famílias. Que esse objetivo seja difícil de se atingir não quer dizer que seja impossível. Enfrentá-lo com seriedade significa, por exemplo, redesenhar o sistema de impostos para estimular a poupança. Os impostos sobre gastos pessoais de Nicholas Kaldor (como alternativa aos impostos sobre a renda pessoal), concebidos para taxar, com alíquotas fortemente progressivas, a diferença entre a renda agregada do contribuinte e sua poupança investida é, ao mesmo tempo, a mais justa e mais prática de todas as ferramentas disponíveis.
Para a comunidade internacional, a prioridade deve ser encontrar uma proxy simples para o complicado mecanismo com o qual Keynes queria restringir o neo-mercantilismo dos países superavitários: um mecanismo que deveria ser mais fácil de se impor e de se administrar e menos sobrecarregado das restrições centralizadas e globais a que conservadores e progressistas teem boas razões para resistir. Os países superavitários deveriam ser obrigados a deixar suas moedas flutuarem, com mínima intervenção governamental nos mercados de moeda quando seu superávit atingisse certos limites absolutos e relativos. O critério absoluto se referiria à razão entre superávits (ou déficits) e os PIBs dos maiores parceiros comerciais envolvidos nas relações desequilibradas de comércio.
4. A relação entre finanças e produção. A parte menos mencionada e mais importante de uma resposta adequada a crise tem a ver com a relação entre finanças e a economia real.
Em todas as maiores economias do mundo, o sistema de produção é em larga medida auto-financiado. Diversos estudos empíricos mostraram que nessas economias mais do que 80% do financiamento da produção é gerado internamente pelas próprias empresas, a partir de ganhos acumulados.
Esta constatação aparentemente inócua sugere uma pergunta tão raramente formulada quanto fundamental. Se a produção é em grande medida auto-financiada, qual é o propósito de todo o dinheiro acumulado em bancos e mercados de ações? A questão é, supostamente, mobilizar a poupança acumulada da sociedade para apoiar a produção corrente ou futura, assim como para financiar o consumo daqueles que não têm dinheiro para comprar o que querem consumir.
O problema é que, sob os arranjos com os quais hoje organizamos a relação entre finanças e produção, a maior parte do capital tem relação apenas episódica e indireta com o financiamento de atividades produtivas na economia real. É episódica, por exemplo, na forma de abertura do capital de novos empreendimentos. É indireta, por exemplo, na forma com que o valor de mercado atribuído às empresas estabelece o padrão de crédito bancário que elas podem obter. De acordo com a teoria que diz que o objetivo principal da mobilização de poupanças de uma sociedade por meio do mercado de capitais é financiar a produção e assim tornar fecundo o sacrifício do consumo postergado, alocar "venture capital" deveria ser a principal tarefa dos mercados. Na verdade, em todos os países do mundo, incluindo os Estados Unidos, "venture capital" representa apenas uma pequena porção da atividade financeira.
O setor financeiro, ao invés de se voltar para a economia real, se volta para dentro de si mesmo, ou seja, para uma troca de posições que em geral tem a economia real mais como pretexto do que como objetivo. Nos bons tempos, o setor financeiro causa pouco problema e proporciona pouca ajuda. Nos maus tempos, gerados pelos excessos de seus negócios auto-centrados, o setor financeiro ameaça seriamente a todos fora de sua órbita interna.
A crise deveria, portanto, servir como um convite à reforma dos arranjos que governam a relação entre setor financeiro e economia real. O propósito da reforma deveria ser o estreitamento dos laços entre poupança e produção, de forma a garantir que mais poupança seja posta a serviço da produção.
Uma premissa central dessa idéia é que a ligação entre setor financeiro e economia real é variável. Tal ligação não é garantida por alguma verdade analítica sobre o funcionamento da economia. Ela varia de acordo com os arranjos institucionais que podem estreitá-la ou enfraquecê-la.
Não importa o quão banal e evidente tal proposição possa parecer, ela contradiz preconceitos sacralizados na linguagem estabelecida, assim como nas visões dominantes. De acordo com as regras de contabilidade nacional estabelecidas no pós Segunda Guerra, sob a influência dos discípulos de Keynes, a poupança agregada tem que ser igual ao investimento total. São categorias que tornam difícil a formulação do problema descrito acima e mais ainda a sua solução.
Que o problema surja no mundo e não possa ser solucionado com palavras é facilmente demonstrado por uma série de exemplos históricos. Quando, no tempo de Andrew Jackson, os Estados Unidos dissolveu o Banco Nacional e criou o mais descentralizado sistema de crédito que jamais tinha existido, os norte-americanos não estavam regulando seu setor financeiro. Eles estavam mudando as instituições que moldavam sua relação com o mundo real da produção e do consumo. Eles estavam fazendo o que a análise e o vocabulário correntes supõem ser impossível, mas que, de fato, é repetidamente indispensável. A reconstrução dos arranjos institucionais que governam a relação entre setor financeiro e produção deve ser vista pelo que de fato é: um espécime da reconstrução das instituições que definem o caráter da economia de mercado e que moldam suas consequências sociais.
Nós devemos usar a crise financeira como um chamado à redefinição do lugar das finanças em nossas economias, e devemos tratar tal redefinição como uma ocasião para iniciar experimentos com outros aspectos das instituições de mercado. O propósito da primeira parte de tal resposta deve ser não apenas o de mitigar crises futuras, mas também o de organizar melhor o capital para recuperar agora e prosperar em seguida. O propósito da segunda parte da resposta deve ser o de criar versões da economia de mercado que melhor sirvam ao objetivo que grande parte do mundo almeja: uma decisiva expansão das oportunidades - mais mercados e mais tipos de mercados (organizados por regras diversas e não por um modelo único), abertos a mais pessoas e em mais diversos formatos.
Não há uma fórmula para se começar, apenas a necessidade de se identificar e de se acessar os experimentos mais viáveis e mais promissores. Alguns desses experimentos usariam uma parte limitada dos fundos de aposentadoria da sociedade, sob regimes de pensão de benefícios e contribuições definidos, para se fazer, em larga escala, a tarefa de "venture capital". Em outras palavras, trata-se de se experimentar com as formas de se investir dinheiro, assim como com os usos potenciais para os quais se emprega o dinheiro: práticas iniciadas pelo governo com "venture capital " e "private equity", imitando o mercado e sob gestão competitiva, profissional e independente. Esta é uma direção que vale a pena seguir, mesmo quando a origem do capital é um sistema de pensões com benefícios definidos, controlado pelo governo (como o sistema do Social Security norte-americano).
Outros experimentos utilizariam os poderes do Estado, diretos e indiretos, para formar ou para influenciar decisões de investimento (Keynes deixou de lado o impulso radical quando, por puro cálculo pragmático, decidiu enfatizar o argumento pelo manejo da demanda agregada e tratar a condução política das decisões de investimento como politicamente inacessível). Em países em que o Estado controla bancos de desenvolvimento, a primeira linha de experimento é fazer com que tais bancos emprestem para e invistam em pequenas e médias empresas, que são os mais importantes instrumentos de crescimento econômico com base social ampla. Mesmo nesses países, contudo, muito mais se exigirá. A regulação de instituições financeiras e o desenho dos incentivos e desincentivos fiscais devem trabalhar juntos para encorajar investimentos na economia real e no financiamento das linhas de produção existentes e novas, ao invés de favorecer qualquer setor específico da economia. Ceticismo quanto o favorecimento a setores econômicos é tão salutar quanto danosa é a separação entre especulação financeira e a agenda da produção. Podemos fazer algo a respeito dessa separação, sem usar o governo para suprimir o mercado, mas usando-o para mudar em parte o modo com que organizamos os mercados.
Tais iniciativas representariam um pequeno começo de um amplo deslocamento no foco da controvérsia ideológica. Regular a economia de mercado não é o bastante. Não é o bastante contrabalançar desigualdades geradas pelo mercado através de redistribuições compensatórias via impostos e transferências. É necessário mudar peça por peça e passo a passo as instituições que ligam o setor financeiro à economia real, se é para nos recuperarmos da presente crise de uma forma que evite crises futuras. Outros ideais, de inclusão e oportunidade, irão demandar que ampliemos o escopo dessa prática de reconstrução institucional. A crise é uma oportunidade, mas é também uma muleta. A tarefa da imaginação será a de fazer o trabalho da crise sem a crise.

14º CISO - Encontro de Ciências Sociais do Norte e Nordeste

O tema do XIV CISO será “Desigualdade e justiça social: regiões, classes e identidades no mundo globalizado”. Trata-se de um eixo temático que busca estimular o enfoque crítico e o debate ético sobre o problema das desigualdades sociais, em suas “novas” formas ou aparências, e em suas dimensões territoriais/regionais, econômicas, políticas e culturais, em perspectiva sincrônica e diacrônica.

Nos anos recentes tem havido uma maior ênfase, tanto nos debates acadêmicos como no debate público, sobre a clara correlação entre a intensificação da lógica do mercado e das interconexões globais entre economias, sociedades e culturas, e o aumento das desigualdades.

As regiões Norte e Nordeste do Brasil, por quase todos os indicadores possíveis, surgem neste contexto como lugares de concentração de persistentes e gritantes desigualdades. Há termos de comparação e estereótipos fortemente associados a tais regiões que têm impedido de se perceber e enfrentar devidamente o problema, atentando-se para transformações realizadas e em curso que atestam a contemporaneidade dessas regiões com o mundo a sua volta, para bem e para mal.

O quadro geral no qual o Norte e o Nordeste brasileiro figuram sinaliza para um maior número de pessoas e países perdedores quanto aos resultados dos processos acima mencionados. Mas também aponta para a ativação de lutas distributivas e por reconhecimento, que não só se configuram como mas também questionam clássicas modalidades de constituição de atores coletivos e de subjetividades sociais e políticas.

Por meio destas lutas a vivência e a percepção das desigualdades têm sido associadas a questões de justiça, questionando as primeiras em nome de assimetrias, violências e discriminações que violam direitos e expectativas de direitos e politizam as demandas, ainda quando elas provêm de atores inesperados e sob formas não ou pouco convencionais.

Neste sentido, o sub-título do tema geral do Encontro assinala três dessas modalidades (regiões, classes e identidades) que, embora não necessariamente novas, assumem novas configurações, visibilidade e formas de articulação de demandas vis-à-vis as referências globais (que podem se expressar de várias formas, local, regional, nacional e internacionalmente). Assim, é necessário ao mesmo tempo reiterar sua relevância e por sob claro escrutínio formas tradicionais de compreendê-las e vivenciá-las. é necessário, num Encontro cuja principal forma de identifica ção remete a uma delimitação regional, projetar a compreensão desta para além de uma demarcação meramente territorial, permitindo assim perceber os múltiplos processos e atores que a cruzam.

Teremos ainda oportunidade de reunir reflexões em torno de problemas sociais e políticos vividos pela sociedade brasileira num mundo globalizado a partir das mais variadas e diferentes perspectivas teóricas e metodológicas. Tal pluralismo de práticas intelectuais é uma exigência, por um lado, de um mundo em que se disseminam os princípios democráticos da confrontação de idéias, valores e interesses, bem como da abertura intercultural à alteridade, e, por outro lado, de uma longa tradição associada à emergência das ciências sociais modernas como discurso crítico do e sobre o social.

Neste contexto,é importante reafirmar que as reflexões do XIV CISO visam contemplar não só problemas referentes às especificidades do Norte-Nordeste, mas, também, questões referentes à própria Teoria Social contemporânea.

A condição de relativa subalternidade dessas duas regiões no contexto brasileiro não as sujeita a restringir sua reflexão à descrição de problemas a serem resolvidos nem as priva de articularem um discurso teórico sobre o mundo mais abrangente no qual se definem e são definidas. O Encontro estimulará a produção de discursos em que especificidades e teorização se fertilizem e desafiem mutuamente, dando lugar a expressões de lutas distributivas e por reconhecimento também no interior do próprio debate acadêmico, reconfigurando sua geopolítica. Donde, mais uma vez, a importância de atrair pesquisadores(as) latino-americanos, nesta edição do Encontro.

Não há dúvidas de que os Encontros de Ciências Sociais têm cumprido a tarefa de dinamização e consolidação não só dos Programas de Pós-Graduação e centros de pesquisa como, também, dos Cursos de Graduação em Ciências Sociais. Será mantida, no XIV CISO, a possibilidade de apresentação de trabalhos de estudantes de graduação, sendo esta uma forma de despertá-los, desde cedo, para a importância da produção acadêmica estimulando, assim, o surgimento de novos(as) pesquisadores(as) na área de Ciências Sociais.

Fonte: http://xivciso.educacao.ws/?p=ciso

quinta-feira, 19 de março de 2009

UMA POLÍTICA DEMOCRÁTICA ENERGIZANTE

Fabrício Maciel
Escrevo em resposta ao debate suscitado sobre um trecho do livro de Mangabeira Unger, "O que a esquerda deve propor", em post anterior aqui. Primeiro, acho ruim a idéia da competição entre blogs sobre trechos de livros. Debates não se fazem sobre trechos, mas sobre sínteses que fazemos sobre livros ou textos. Como acabei de ler este livro, vou falar dele. Diferente da análise no post anterior de que o livro seria confuso e obtuso, acho exatamente o contrário. Mangabeira tem uma proposta muito clara. Trata-se de ousada e original crítica a um objetivismo das ciencias sociais que perdeu de vista o indivíduo. Sendo hoje um homem do poder, Ministro de assuntos estratégicos, ele apresenta corajosa crítica de alguém que ainda acredita em algo, coisa que nenhum intelectual em sua posição hoje faz.
Nos limites institucionais da ação política, a crença em um ideal democrático que considere as pontencialidades individuais é fundamental. Nâo se faz boa política sem compreender as capacidades e limites das pessoas que compõem o público alvo. Nas classes sociais que ocupam o trabalho precário, encontramos pessoas com potencial para o trabalho que podem ser ajudadas em tal potencial. Este é um exemplo da preocupação de Mangabeira, que acredita em uma política democrática somente se esta se preocupar em resgatar pessoas, em acreditar em sua ação autonoma, sem romantizar tal realidade, mas buscando nos limites do Estado as possibilidades de estudar tais pessoas e montar políticas melhores do que as assistencialistas para potencializar suas capacidades no mercado.
A idéia central é desenvolver uma política democrática energizante. Ela considera o potencial de ação relativo a cada fração de classe, com ênfase nas que mais precisam de apoio do Estado. Este apoio pode ser não paternalista, mas justo, usando-se o Estado para administrar recursos em favor de todos os seus contribuintes. Isso é um pensamento revolucionário. Antes da ação, é preciso mudar nossos ideais, é preciso ver o mundo de forma diferente, diferente do abstracionismo das ciencias sociais, onde tudo são representações, fatos sociais, identidades, e nunca pessoas de carne e osso.
Mangabeira vê no sofrimento dos trabalhadores do mundo inteiro um potencial de mudança, uma crise pessoal e humana contida, não tematizada nas ciencias sociais, preocupadas com as falsas crises do mercado financeiro, sempre estruturais do capitalismo, que como agora, com toda esta propaganda, só o escondem em sua verdadeira lógica, na qual a crise traz lucro para o "capitalismo top", o financeiro. Mangabeira crê que uma proposta de esquerda deve mobilizar teórica e politicamente tal crise humana e transformá-la em potencial de mudança. Está no limite da ação política consciente possível, pelo menos para quem tem a força do Estado ou da ciência para fazê-lo. Ele quer acreditar nisso e tenta fazer a parte dele no Estado. Eu também quero, e tento fazer a minha na ciência.

terça-feira, 17 de março de 2009

Consórcio de Informações Sociais


Caros,
Segue abaixo o informativo do CIS. Muitos já o conhecem, porém, creio que seu uso ainda está abaixo de seu verdadeiro potencial.

Após um breve cadastro, os usuários podem "baixar" arquivos de bancos de dados, tanto qualitativos quanto quantitativos. Este consórcio cumpre um papel fundamental na academia brasileira, qual seja, o de facilitar o acesso aos bancos de dados produzidos e criar uma rede de pesquisadores das Ciências Sociais. Em um país que os recursos para pesquisas são escassos como o nosso, essa função se torna ainda mais importante.

Cordial abraço,

Vitor Peixoto



CIS - CONSÓRCIO DE INFORMAÇÕES SOCIAIS

Sobre o CIS:

O Consórcio de Informações Sociais é um sistema cooperativo que visa coletar, organizar adequadamente em meio eletrônico e dar amplo acesso às bases de dados e instrumentos de coleta de informações sociais já produzidas, ou que vierem a sê-lo, sobre os mais diferentes aspectos da sociedade brasileira. A expansão e o êxito dessa iniciativa dependem da colaboração de todos!



Destaque do mês:

Censo do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ – CIS0250

Esta pesquisa traça o perfil socioeconômico dos alunos de graduação do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, abordando também temas relacionados à experiência acadêmica, aos sentimentos em relação à universidade, às experiências vividas dentro e fora dela e ao processo seletivo.


Outras novidades em nosso acervo:

CIS0229 – Racismo, 2003 – Perseu Abramo
CIS0158 – Avaliação do Presidente Fernando Henrique Cardoso, junho de 1998 – DATAFOLHA
CIS0244 – Apoio dos empresários a Marcílio, junho de 1992 – DATAFOLHA


segunda-feira, 16 de março de 2009

Duelo de letras - desafio dos blogs locais

Circula na Internet, dentre os blogs da planície, um interessante, instrutivo e curioso desafio.

Trata-se de buscar, dentre um dos livros em que o blogueiro esteja com suas atenções voltadas, uma página qualquer. Deve-se citar literalmente e repassar o desafio.

Aceitei a provocação do camarada Xacal (aqui) e reproduzo um trecho do livro "O que a esquerda deve propor" de Roberto Mangabeira Unger, originalmente publicado em inglês no ano de 2005. No ano de 2008 o livro ganhou tradução para o português pela editora Civilização Brasileira.

Eis o Trecho:

"A intervenção progressista no campo da oferta deveria, portanto, tomar a forma de inovações institucionais que estendessem radicalmente o acesso a crédito, tecnologia e expertise e ajudassem a identificar, desenvolver e propagar os experimentos produtivos e as inovações tecnológicas locais de êxito comprovado. Uma suposição pesaria contra a idéia de uma ascensão uniforme evolucionária unilinear, que faria, dos países em desenvolvimento, plataformas para a tradicional e rígida indústria de produção em massa, ora em declínio nas economias mais ricas." (Unger, 2008: 83)

Como muitos dos blogs já foram convidados para o debate eu faria o convite "internamente" para os meus colegas do "Outros Campos". O que estão lendo? Selecionem de forma aleatória um parágrafo... E vejamos o que diabos acontece.

Abçs!

sexta-feira, 13 de março de 2009

aula inaugural - 2009 - sociologia política - uenf

O PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA POLÍTICA E O CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

CONVIDAM PARA A AULA INAUGURAL DE 2009

"OS 20 ANOS DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA"

DRª MARIA ALICE REZENDE DE CARVALHO

Departamento de Sociologia e Política, PUC-RIO

Presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais - ANPOCS

Data: 18 de março de 2009 às 09 horas

Local: Centro de Convenções da UENF

quinta-feira, 12 de março de 2009

Informações NEDIGER - UFF Campos

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE E DESENVOLVIMENTO REGIONAL

Coordenação de Pós-Graduação e Pesquisa

NEDIGER - Núcleo de Estudos sobre Ética e Diversidade de Gênero, Etnia e Racismo.

Por intermédio deste vimos informar que, na data de 20 de março, às 15 horas, na UFF/ESR, o Nediger (Núcleo de Estudos sobre Ética Diversidade de Gênero, Etnia e Racismo) reinicia as atividades de seu grupo de estudos “Emancipação Humana, Gênero e Racismo”, que é parte complementar do projeto de pesquisa integrado “Mediações necessárias e possíveis ao processo de emancipação humana em Marx, no contexto da reestruturação produtiva capitalista e dos direitos humanos”, realizada pelo núcleo.

A abertura do grupo de estudos ocorrerá com a apresentação intitulada "Mulher negra, gênero e religiosidade em territórios negros" a ser realizada pela profª Magaly Almeida da Uerj (Proafro).