sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Porque esse povo não sai dessa vida?!



Roberto Torres













Nesta semana foi lançado no 33º Encontro Anual da Associação de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) o livro “A ralé brasileira: quem é e como vive” (UFMG, 2009), organizado pelo Professor Jessé Souza (UFJF), com textos de pesquisadores que durante quatro anos trabalharam no projeto deste livro. Entre eles estamos Fabrício Maciel e eu. O livro é composto por uma serie de estudos empíricos sobre a reprodução da desigualdade e das condições de vida da “ralé” e é escrito numa linguagem acessível ao público não acadêmico. Tentamos tirar os jargões da acadêmica sem abrir mão da precisão analítica e da crítica ao senso comum. Nossa motivação principal: um diálogo entre “leigos” e “especialistas” não é apenas possível, mas sobretudo necessário para enfrentar a visão hegemônica sobre a mazela brasileira. O fundamento deste diálogo é o interesse em romper com o senso comum, com a aliança entre má fé e ignorância que ajuda a reproduzir e a legitimar as condições de vida injustas como as que o Brasil permite à sua “ralé”. “A ralé é a grande questão esquecida. O Brasil não tem 500 problemas, mas um grande problema, que é essa desigualdade abissal do qual decorre mais de mil problemas”, resume Jessé Souza em entrevista.
O livro é um convite ao debate sobre as consequências e os interesses dos encadeamentos ideológicos que se mostram por exemplo na crítica da classe média ao Bolsa Família. O Jornal Globo, por exemplo, insiste em vender a legitimidade de que precisa o sentimento fascista das classes privilegiadas contra os pobres no Brasil. No ultimo domingo mais uma vez fizeram uma reportagem que denuncia o quanto o programa Bolsa Família inibe a geração de empregos formais: “os beneficiados se acomodam ao padrão de vida possível com o beneficio”, eis a sentença, cujo desdobramento condenatório não dizem em publico, mas que o “publico” a qual se dirige entende muito bem: estes pobres acomodados deveriam então ser “incentivados” ao trabalho e a investir no futuro com o fim do programa de transferência de renda que estimula a falta de vontade para mudar de vida. Seria preciso um “choque de capitalismo” para “acordar” este povo “atrasado”.
Esta “polemica” me parece ser um grande exemplo de como se pode tirar proveito da aliança entre ma-fé e ignorância que constitui o senso comum conservador (existe um senso comum progressista constituído pela combinação cognitivo-motivacional entre intuição contra-fática e boa fé). Na reportagem exibida na internet via-se “Bolsa Família inibe Emprego Formal”. Ao clicar lia-se: “85 cidades do país com maior cobertura do Bolsa Família, só um 1,3 % da população trabalha com carteira assinada”. Por fim, no texto, temos a “insignificante ressalva” que, da forma como foi editada a reportagem, é apresentada como se em nada alterasse a relação causal postulada: “ A precariedade do emprego formal nessas cidades - municípios pobres, com população abaixo de 30 mil habitantes - não tem relação direta com a concessão do Bolsa Família. Existem barreiras anteriores ao programa que impedem o acesso dos trabalhadores a empregos: a baixa escolaridade e a falta de capacitação profissional. As parcas vagas com carteira assinada no comércio de Presidente Vargas exigem ensino médio.” O jornal dá o recado na manchete, constrói a legitimidade da tese que o programa Bolsa Família prende os pobres em sua vida miserável, e relativiza os fundamentos cognitivos da tese somente para quem lê “por dentro” sem comprometer o que foi “estampado”.
No dia seguinte estava lá o PSDB em sua página na internet “bebendo da fonte” e criticando o governo por esconder a miséria, sem ter, no entanto, coragem de assumir uma posição clara sobre a “tese”: pobres assistidos pelo Estado desistem de procurar trabalho e continuam pobres. Como se constrói a “plausibilidade” desta tese, como se pode “fundamentar” a mentira? Como Lukács resumiu, toda mentira ideológica é simplesmente uma inversão das causas pelos efeitos. E é precisamente esta inversão, que mesmo sendo condessada pela ressalva do Jornal, não é efetivamente “vista”(no sentido de ser levada em consideração). A pobreza, com suas privações não somente econômicas, mas também morais, culturais e políticas, não é vista em suas conexões causais que reproduzem a exclusão. Sobretudo, no caso da “tese” tornada “plausível” pela reportagem, não “salta aos olhos” de ninguém como a experiência acumulada da privação, e não a ajuda do governo para amenizá-la, impede a formação de uma disposição para “crer” e assim investir no futuro. A aliança entre má-fé e ignorância que sustenta o senso comum conservador não admite o quanto pode ser plausível para um ser humano priorizar o presente ou o futuro imediato, e não o futuro longínquo, em seu modo de conduzir a vida e tomar decisões.
Este senso comum que “naturaliza” a desigualdade e que sempre busca por a culpa do fracasso na própria vitima (ou no Estado, sempre buscando um “bode expiatório”) toma como um fato óbvio da vida “querer estudar” e “investir” numa vida melhor para daqui a 10 ou 20 anos, como se todos os indivíduos, independente de suas condições sociais, pudessem agir e conduzir a vida deste modo. Como pode não ser crível e “racional” para alguem a necessidade de sair da pobreza, por mais que ela se encontre amenizada em comparação com 10 anos antes? Uma questão como esta nunca é feita antes de se proferir a sentença condenatória – “deixem morrer estes pobres que não querem deixar de ser pobres!” - que ninguém assume, mas que todos estão dispostos a aplaudir.
O que faz um indivíduo de uma família pobre como esta que o jornal exibe em sua reportagem não investir no futuro é antes de mais nada o fato dele não ter podido acreditar no futuro. Ninguém investe naquilo que não crê e isto vale também para o mundo da racionalidade econômica com suas estratégias de futuro. Como alguem que herdou dos pais e experimentou por conta própria o saber de que o sentido da vida é protegê-la das ameaças iminentes (defendendo-a da fome, da delinquência etc. ), e cujas condições sociais insistem em confirmar este sentido, pode acreditar que vale a pena se preocupar com daqui a 10 ou 20 anos? Como pode alguem com esta trajetória sem futuro querer procurar um emprego que mude o patamar de vida, e assim achar a “porta de saída” do Bolsa Família sabendo que este emprego nunca foi para ele fonte de nenhuma segurança? Não seria mais compreensivo contar com a segurança, ainda que minguada, do Bolsa Família, do que arriscar sair do critério de cobertura do programa e logo ficar sem emprego e sem amparo do governo? Deveriam aqueles chefes de família, sem escolaridade adequada, procurar um emprego para “subir na vida” e assim arriscar a única fonte de segurança alimentar dos filhos? O que o senso comum conservador chama de “se acomodar com a pobreza” não seria o limite da razoabilidade para os que sabem na pele e no estômago como funciona a “ditadura do presente”?
Nenhuma destas questões pode ser enfrentada por este senso comum “não ilustrado” que se informa através de O Globo, Veja, Folha etc. Mas a má fé misturada com ignorância se protege de tudo isto, deixando fora de questão o “fundamento cognitivo” que motiva sua cumplicidade com a opção por “deixar morrer” os que se mostrem economicamente presos ao passado (inúteis). Com esta cumplicidade se produz uma versão tropical, embora invisível em sua radicalidade, de um totalitarismo bio-político que significativamente em nada difere do nazismo: “só devem viver aqueles corpos saudáveis (sem doencas físicas e "espirituais" como o comodismo) que contribuem para o futuro”.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

I Simpósio Nacional de Jornalismo Científico - UENF - Campos dos Goytacazes - RJ

Prezad@s,

Como é praxe neste espaço divulgamos as boas iniciativas acadêmicas que ocorrem em Campos e alhures. Esta terá lugar justamente em Campos, na UENF, e está sendo cuidadosamente planejada pelo competente grupo da Assessoria de Comunicação da UENF (ASCOM). Trata-se do I Simpósio Nacional de Jornalismo Científico (maiores informações aqui), que ocorrerá nos dias 25 e 26 de novembro do ano corrente.

Na realidade para Campos, especialmente, há um significado especial. Afinal, há aqui a expansão da UFF, o IFF, o campus de pesquisas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, a própria e premiadíssima UENF... e um jornalismo científico ainda deficitário, aparentemente pouco preparado para fazer com que a população em geral compreenda o que é feito nas diferentes áreas de pesquisa, muitas vezes apresentando-se enquanto gargalo “em si” para a boa divulgação científica. Talvez esse déficit de formação explique, dentre outras variáveis, a baixa entrada da alta produção de pesquisas na mídia local....Ressalto apenas que o Simpósio, nacional, não objetiva por razões óbvias solucionar essa questão. Mas, decerto oferecerá um bom momento para o debate em diferentes níveis, sobre e para além do nível local.



Este “vácuo” de informação certamente poderia ser enfrentado e iniciativas deste quilate oferecem uma excelente oportunidade para pensarmos a ciência não como elemento exótico das sociedades humanas, vide a imagem caricata do cientista de jaleco branco, óculos e cabelos desgrenhados. O debate sobre ciência deve ter um retorno direto para a sociedade, a grande financiadora dos avanços científicos na periferia, dado que se não fosse o repasse estatal dos impostos arrecadados, simplesmente estaríamos ainda na era da “roca de fiar” dado o nosso empreendedorismo de mercado invariavelmente paralítico.


Não percam! Mas, notem que o prazo para inscrição, on-line e realizado no site do próprio evento, irá até o dia 31 de outubro.

sábado, 24 de outubro de 2009

O Governo Lula e a identidade do PSDB


Talvez o processo mais traumático que um indivíduo ou uma coletividade pode passar é o completo aniquilamento das bases que sustentam o discurso de sua identidade. Olhar para o espelho e não saber se quem é, é estar a beira do abismo. É não ter um caminho para o sentido de sua existência. É ser incapaz de responder a talvez mais importante questão humana, a saber, “quem sou eu?” ou “quem somos nós?”.

A coletividade que consegue elaborar com sucesso esta resposta tem um futuro longínquo (os Judeus são um grande exemplo disso), e a que não consegue está a um passo do desaparecimento. No plano individual responder essa pergunta é a base para a sanidade mental. Se o amigo leitor nunca passou por uma crise pessoal que lhe colocasse a frente com esse fantasma que eu narrei acima, experimente imaginar esta situação (mas não muito, não chegue muito perto do abismo porque e perigoso, vc pode não conseguir voltar), e aí vc poderá ter uma noção do que passa o PSDB.

O PSDB, assim como todo conservadorismo contemporâneo, criou sua identidade baseada na idéia de eficácia técnica. Acreditavam piamente que eram os portadores do saber técnico administrativo, que eles tinham a formação e o quadro técnico mais capaz (eficaz) de gerir o Estado. Assentados sobre esta ideologia tecnocrata acalentavam o maior sonho da direita, i. e., acabar com a política, no que esta representa a arena de conflitos. Sempre sonharam substituir o debate de valores e sentido do mundo, assim também como conflitos e demandas de classe, por equações e cálculos administrativos e econômicos que, segundo eles, seriam bons para todo mundo. Olhavam-se no espelho, e tinham a certeza de que viam a imagem de grandes tecnocratas, “experts” do gerenciamento do Estado.

Por outro lado, um modo eficaz para se construir uma identidade é criar um idéia do que é o “outro”. Inventando um “outro”, começa-se a desenhar a idéia do que “eu sou”, assim logo sou o “não-outro”, o seu oposto e sua negação. Desse modo o PSDB sempre acreditou que o PT de Lula, na melhor das hipóteses, seria um conjunto de indivíduos bem intencionados até, mas incapazes (por falta de eficácia técnica) de gerir um Estado. Os seus melhores quadros seriam tão somente um bando de voluntaristas, que queriam até o bem, mas não sabiam como fazer, acreditando apenas na boa intenção.

Neste caldo de formação de identidades estavam em jogo um serie de generalizações que formavam oposições entre esses grupos, que de alguma forma se personificavam nas figuras de Lula e FHC. De um lado a excelência acadêmica de FHC, do outro a baixa formação educacional de Lula; o porte e estilo “quase” europeu de FHC que seduzia nossa elite colonizada versus a figura mestiça de um retirante nordestino. Se buscarmos, podemos encontrar muito mais, como o racionalismo acadêmico do PSDB em contraposição ao sentimentalismo da esquerda católica que apoiava o PT etc.

Mas a verdade é que a história se mostrou muito diferente do que pensava o “experts” do PSDB. O governo Lula surpreendeu os mais otimistas, foi muito melhor não só naquilo que podiam se esperar (justiça social, interrupção das privatizações, ensino superior) mas também foi muito melhor nas áreas em que o PSDB construiu seu discurso de identidade. O governo Lula obteve sucesso na economia, na política internacional, no controle da inflação etc. e assim minou os pilares de sustentação do castelo de sonhos dourados do PSDB. O PSDB se encontra a beira daquele abismo que falamos no início do texto, não sabe por onde começar a reconstruir um discurso de identidade, não sabe o que dizer. . . justamente porque não sabe quem é.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O ponto de saturação


Ataques ao governo Lula fazem parte da paisagem jornalística brasileira. Tornaram-se previsíveis como os acidentes geográficos; irremediáveis como o dia e a noite. Naturalizaram-se, a tal ponto que já se lê os jornais pulando essas ocorrências, como os olhos ignoram trechos vulgares de caminhos rotineiros. O que mais espanta, porém – e a cobertura da viagem do São Francisco reforça esse desconcerto - não é a crítica , mas o tom desrespeitoso desse jornalismo. Com a aproximação das eleições de 2010, ansiedade pelo fracasso recrudesceu. A tal ponto ela se tornou caricatural que já aparecem os primeiros sintomas de saturação. O artigo é de Saul Leblon.

“Alojamento de Lula tem risoto, uísque e roda de viola até a madrugada.” Sob esse título auto-explicativo, a Folha [edição de 16-10] resumiu em uma retranca o espírito da cobertura oferecida aos seus leitores durante a viagem de três dias feita pelo Presidente Lula às obras de interligação de bacias do rio São Francisco, uma das mais importantes do seu governo.

O propósito de diminuir e tratar o assunto com escárnio e frivolidade se reafirmou em legendas de primeira página ao longo da visita. No dia 15-10, o jornal carimbava uma foto de Lula e da ministra Dilma Rousseff pescando no São Francisco, em Buritizeiro (MG), com a chamada: 'Conversa de Pescadores' . A associação entre a legenda e o discurso da oposição, para quem as obras são fictícias e a viagem, eleitoreira, sintetiza o engajamento de um jornalismo que já não se preocupa mais em simular isenção.

No dia 17, de novo na primeira página , o jornal estampa a foto do Presidente atravessando o concreto ainda fresco sobre a legenda colegial: ‘A ponte do rio que caiu’. A imagem de Lula equilibrando-se em tábuas improvisadas inoculava no leitor a versão martelada em toda a cobertura: trata-se de uma construção improvisada, feita a toque de caixa, com objetivo apenas eleitoreiro. É enfadonho dizê-lo, mas o próprio jornal se contradiz ao entrevistar Dom Luis Cappio, o bispo de Barra (BA), um crítico ferrenho da obra. Segundo afirmou o religioso ao jornal, ‘as obras avançam como um tsunami’. Sua crítica recai no que afirma ser a ‘marolinha’ das medidas - indispensáveis - de recuperação ambiental do rio. Diga-se a favor do governo que estas, naturalmente, serão de implementação mais lenta, na verdade talvez exijam um programa permanente.

Como o próprio bispo de Barra esclarece, não se trata apenas de promover o saneamento de esgotos e dejetos nas cidades ribeirinhas, como já vem sendo feito, ineditamente, talvez, na história dos rios brasileiros de abrangência interestadual. O resgate efeitvo do São Francisco passa também pela recuperação das matas ciliares, prevista nas obras, mas remete igualmente à recuperação de toda a ecologia à montante e para além dos beiradões, inclusive as veredas distantes onde estão nascentes, olhos d’água, lagoas de reprodução destruídos pela rapinagem madereira e carvoeira. Só quem acredita em milagres pode exigir, como faz Dom Cáppio, que um único governo reverta essa espiral de cinco séculos de omissão pública da parte, inclusive, daqueles que demagogicamente criticam as obras hoje como ‘uma ameaça ao velho Chico’.

O único acesso que a família Frias ofereceu aos leitores para que pudessem avaliar a verdadeira dimensão da obra ficou escondido na página interna da edição do dia 17, na belíssima foto que ilustra a página 12. Ali, um Lula solitário caminha por um gigantesco canal de concreto que rompe o horizonte até lamber o céu sertanejo. Há um simbolismo incontornável na imagem de um Presidente que se despede diluindo-se em uma obra gigantesca. Ela consagra seu retorno à terra de onde partiu como retirante e para onde voltou, Presidente, levando água a quem não tem - compromissos mantidos, apesar de tudo.

A solenidade da foto contrasta com o tom de adolescência abusada da cobertura, o que impediria o jornal de utilizar a imagem na primeira página, embora do ponto de vista estético e jornalístico ela fosse muito superior à escolhida. Tanto que o editor da página 12 não se conteve e abriu cinco colunas para a fotografia.

Ataques ao governo Lula fazem parte da paisagem jornalística brasileira. Tornaram-se previsíveis como os acidentes geográficos; irremediáveis como o dia e a noite. Naturalizaram-se, a tal ponto que já se lê os jornais pulando essas ocorrências, como os olhos ignoram trechos vulgares de caminhos rotineiros.

O que mais espanta, porém – e a cobertura da viagem do São Francisco reforça esse desconcerto - não é a crítica , mas o tom desrespeitoso desse jornalismo. Nesse aspecto não houve rigorosamente qualquer evolução após seis anos em que todos os preconceitos contra Lula foram desmoralizados na prática. A retomada do crescimento com inflação baixa e maior equidade social, por exemplo, distingue seu governo positivamente da paz salazarista imposta pela ortodoxia tucana no segundo mandato de FHC. A popularidade internacional do chefe de Estado brasileiro constitui outro fato sem precedente, só suplantado, talvez, pela velocidade da recuperação da nossa economia em meio à maior crise do capitalismo desde 1930. Tudo desautoriza as previsões catastróficas das viúvas provincianas do tucano poliglota.

Mas se a realidade desmentiu o preconceito, em nenhum momento a mídia conservadora deu trégua a um indisfarçável desejo de vingança que pudesse comprovar a pertinência de uma rejeição de classe ao governo Lula . Com a aproximação das eleições de 2010, a ansiedade pelo fracasso recrudesceu. A tal ponto ela se tornou caricatural que já aparecem os primeiros sintomas de saturação.

Em artigo publicado no Estadão [19-10] o físico José Goldemberg, por exemplo, um quadro de extração tucana, saiu em defesa da construção de hidrelétricas pelo governo Lula, objeto de críticas estridentes de um jornalismo que prefere esquecer a origem do apagão em 2001/2002. Na área da saúde, o respeitado cardiologista Adib Jatene, que já foi secretário de Paulo Maluf mas supera qualquer viés político pela inegável competência científica e discernimento público, tem vindo a campo com freqüência defender a necessidade de um novo imposto, capaz de mitigar o estrago causado à saúde pública pela revogação da CPF. Mais uma ‘obra coletiva’ assinada pela mídia e a coalizão demotucana.

O economista Luiz Carlos Bresser Pereira, do staff serrista, foi outro a manifestar seu desagrado com o estado das coisas. Bresser, que já defendeu abertamente o projeto de Lula para o pré-sal, rechaçou a demonização do MST articulada pela mídia e ruralistas, por conta da derrubada de laranjeiras em terras públicas ocupadas pela Cutrale [artigo na Folha 19-10]. Pode ser apenas miragem do horário de verão, mas o que essas manifestações parecem indicar é uma rebelião da inteligência –ainda que avessa ao PT - contra a a idiotização da agenda nacional promovida pelo jornalismo demotucano.

A patogenia infelizmente não é privilégio brasileiro. Na Argentina, o cerco da grande imprensa ao governo Cristina Kirchner recorre a expedientes idênticos de mentiras, fogo e fel . Com Morales, na Bolívia, não tem sido diferente. Na Venezuela, há tempos, o aparato midiático tornou-se paradigma de um engajamento que atravessou o Rubicão do golpismo impresso para se incorporar fisicamente à quartelada que quase derrubou Chávez em 2002 . Enganam-se os que enxergam aí também a evidência de uma fragilidade congênita à democracia latinoamericana. Acima do Equador as coisas não vão melhores. O democrata Barack Obama é vítima de um cerco raivoso e racista de jornais e redes, como é o caso da Fox, do direitista Rupert Murdoch que detém também o Wall Street Journal.

A repetição e o alcance dos mesmos métodos e argumentos nas mais diferentes latitudes parece indicar que estamos diante de um fenômeno de recorte histórico mais geral. O fato é que o conservadorismo está acuado em diferentes fronteiras após o esfarelamento econômico e político do credo neoliberal. A falência dos mercados financeiros desregulados na maior crise do capitalismo desde 1930 já é reconhecida, à direita e à esquerda, como um novo divisor histórico. Corroído em seus alicerces de legitimidade pela falência de empresas, famílias e bancos, ademais do recrudescimento do desemprego e da insegurança alimentar - inclusive nas sociedades mais ricas - o conservadorismo vê sua base social derreter. A radicalização do seu ‘braço midiático’ soa como uma tentativa derradeira de reverter o processo ainda nos marcos da democracia, desqualificando o adversário mais próximos formado por partidos e governos progressistas. A radicalização é proporcional à ausência de um projeto conservador alternativo a oferecer à sociedade.

Abre-se assim uma etapa de absoluta transparência, uma radicalização aberta; um embate bruto de forças em que a mídia dominante não tem mais espaço para esconder os interesses que representa. Tampouco parece ter pejo em descartar uma neutralidade – que, diga-se, a rigor nunca existiu - mas da qual sempre se avocou guardiã para descartar a democratização efetiva dos meios de comunicação. A isenção parece, enfim, não representar mais um valor passível sequer de ser simulado.

A diferença entre o que acontece no caso brasileiro e o resto do mundo é o grau de envolvimento do governo na reação em sentido contrário a essa ofensiva. A liberdade de informação e o contraditório aqui respiram cada vez mais por uma rede de blogs e sites de gradiente ideológico amplo, qualidade crescente e capacidade analítica incontestável. Mas ainda de alcance restrito. O protagonismo do governo e o dos partidos e sindicatos que poderiam ir além na abrangência de massa, é tíbio. Na Venezuela não é assim. Na Bolívia – que acaba de criar um grande jornal diário de recorte progressista-- não está sendo. Na Argentina onde foi votada uma lei de comunicação que desmonta a estrutura monopolista do conservadorismo midiático, caminha-se também sobre pernas da urgência. Acima da linha do Equador a contundência das respostas oficiais destoa igualmente do acanhamento brasileiro. Na verdade, talvez a caracterização mais dura da decadência dos princípios liberais na mídia tenha partido justamente dos porta-vozes do governo Obama, Anita Dunn, Diretora de Comunicações do Presidente e David Axelrod,principal assessor de comunicação do democrata.

"A rede Fox está em guerra contra Barack Obama (...) não precisamos fingir que o modo como essa organização trabalha é jornalístico. Quando o presidente fala à Fox, já sabe que não falará à imprensa, propriamente dita. O presidente já sabe que estará debatendo com um partido da oposição", resumiu recentemente a atilada Diretora de Comunicações da Casa Branca. Numa escalada de entrevistas e disparos cuidadosamente arquitetados, Dunn e Axelrod falaram alternadamente a diferentes segmentos midiáticos de todo o país. E o fizeram com o mesmo propósito de colocar o dedo numa ferida chamada Rupert Murdoch. "Mr. Rupert Murdoch tem talento para fazer dinheiro, e eu entendo que sua programação é voltada a fazer dinheiro. Só o que argumentamos é que [seus veículos] não são um canal de notícias de verdade. Não só os âncoras, mas a programação toda. Não é notícia de verdade, mas é a pregação de um ponto de vista. E nós vamos tratá-los assim ", bateu Axelrod em seguida ao ataque de Anita Dunn.

O guarda-chuva dos ataques a Obama têm como alvo o projeto de reforma do sistema de saúde, que, entre outras medidas, quer colocar sob responsabilidade do Estado cerca de 50 milhões de norte-americanos hoje ao desabrigo de qualquer cobertura.

A defesa do livre mercado na saúde é só a ponta do iceberg do ataque midiático. Por trás desse biombo o que se move é uma engrenagem endogâmica em que se entrelaçam o fanatismo e o dinheiro da direita republicana, postados dentro e fora da mídia. Sua meta é clara: desconstruir e imobilizar o sucessor de George W. Bush. Não há muita diferença entre o que se passa nos EUA e a divisão de trabalho observada no Brasil, onde as rádios chutam o governo Lula abaixo da linha da cintura; os jornalões desgastam e denunciam, enquanto a Globo faz a edição final no JN, transformando o boa noite diário da dupla Bonner & Fátima uma espécie de ‘meus pêsames, brasileiros pelo governo que escolheram; não repitam isso em 2010’.

No caso dos EUA, um país visceralmente conservador e racista não há , a rigor, grande surpresa pelos ataques da Fox & Cia a um Presidente negro e democrata. O que surpreende, de fato, é que Obama está reagindo. E o faz com um grau de contundência que, oxalá, sirva de inspiração para que um dia também possamos ouvir nos trópicos um porta-voz do Presidente Lula dizer com igual limpidez e serenidade, sem raiva, mas pedagogicamente: "A Folha está em guerra contra Lula(...) não precisamos fingir que o modo como essa organização trabalha é jornalístico. Quando o Presidente fala à Folha já sabe que não falará à imprensa, propriamente dita. O Presidente já sabe que estará debatendo com um partido da oposição."

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Sobre a CPI do MST
por Roberto Torres

A instalacao de uma CPI para investigar repasses de verbas do governo a entidades ligadas ao MST e um insulto a democracia, um gesto truculento que conta com o apoio dos inimigos de sempre dos pobres: a midia golpista, os partidos de direita (DEM e PSDB) e a alianca de classe que da vazao ao desejo ruralista, que no fundo e de exterminar fisicamente estes pobres, que ao inves de estarem lambendo os pes dos seus "donos", decidem se organizar autonomamente para defender os proprios interesses. Nem mesmo Bresser Pereira aceitou engolir calado este absurdo e declarou de modo muito preciso que o MST e a unica organizacao que defende os interesses dos pobres neste pais. De fato a Historia parece mostrar que no Brasil foi o MST a experiencia exemplar que consegui ultrapassar os limites do sindicato de fabrica como forma de organizacao popular na politica. E justamente esta exemplaridade anima o odio de classe de gente como Ronaldo Caiado, Katia Abreu e sua turma. Querem liquidar o MST porque so gostam do povo quando este sabe obedecer. Querem matar o MST do mesmo modo que FH achou estar matando Lula em 2006 ("Lula esta morto", dizia ele em comicio no inicio de campanha). Em tempos de revolucao esta gente inauguraria a guilhotina....Quem ainda acha que luta de classes e coisa do passado, por so conseguir ver a classe quando ela se organiza e aparece na rua dizendo "somos uma classe", nao deveria mais duvidar. Mas cegueira cognitiva sempre resulta da identificacao afetiva com os dominantes.
O MST, em toda sua historia, mais do que o movimento operario brasileiro, tem mostrado como a luta de classes e uma luta pela vida, pois a luta pela dignidade no campo sempre encontrou como tarefa imediata a de ter que defender a vida enquanto tal, seja da fome, seja das emboscadas dos fazendeiros. Eu tenho varias criticas a hegemonia intelectual do MST, mas a simples existencia do MST e um fato que os que acreditam na democracia e na mudanca social devem louvar a cada dia no Brasil. Como essa gente humilhada e desacreditada todos os dias consegue encontrar forcar para lutar por um futuro coletivo e construir solidariedade entre si nao e nada obvio, mas um fenomeno altamente improvavel. Nao depende da ajuda do governo para existir, nem do PT, nem de ONG. Mas qual o argumento que se pode usar contra o governo decidir estimular, com dinheiro, a organzacao politica dos pobres a nao ser um argumento politico contra os pobres?
E preciso que todos os partidos de esquerda enfrentem esta luta e mostrem solidariedade politica ao MST. A popularidade do Presidente Lula nao pode ficar pendurada na parede, ou ser usada apenas na campanha eleitoral. Espero que, sendo necessario, ele a use em favor do seu povo.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Exposição NU V E M


Car@s,

Lin Lima, que já deu as caras aqui, avisa e pede passagem para a exposição NU V E M, disponível para visitação no Espaço Imaginário (Avenida Gomes Freire - 454/457, Lapa, Rio de Janeiro) até o dia 20 de novembro.

Não perca! Afinal, como informa o release:

"Por sua propriedade de eterno deslocamento e metamorfose, “Nuvem" foi a escolha dos artistas Chang Chi Chai, Lin Lima e Begué para nomear os projetos artísticos desenvolvidos pelo grupo que têm, como questão fundamental, a relação arte e natureza. São trabalhos elaborados a partir da imersão no ambiente em seu sentido mais amplo (físico, geográfico, ecológico, sócio-cultural, afetivo, etc), a partir dos deslocamentos geográficos, do encontro com espaços e temporalidades diversas, das conexões e fragmentações que se estabelecem a partir desses contatos. Trabalhos que interrogam as noções e relações entre natureza e artifício, natureza e cultura, natureza e tecnologia, entre criação e devir. "

terça-feira, 13 de outubro de 2009

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Bonnie Azevedo nos brinda com um relato instigante sobre sua inserção profissional, que destoa das expectativas afeitas à visão corrente do ofício do cientista social como exclusivo às instituições de ensino superior. Bonnie fala de um lugar específico, a Antropologia, cujas implicações metodológicas são reveladas em muitos dos desafios (e agruras) da etnografia do consumo de bens e serviços ao tornar-se uma demanda crescente no setor privado. Boa leitura!

O LUGAR DA ANTROPOLOGIA NO "OCEANO AZUL"

Por Bonnie Azevedo

Recordo que nos tempos de minha graduação em Ciências Sociais na UENF, pouco soube sobre Antropologia do Consumo ou da inserção de antropólogos no mundo corporativo. Assisti a uma aula sobre “O mundo dos bens”, considerado o marco inicial dos estudos antropológicos no campo do consumo, tal como o conhecemos hoje, mas na época, talvez por estar envolvida em outra temática de pesquisa, não dei muita importância.

No entanto, a graduação anunciava seu fim e me deparei com a possibilidade de desenvolver um projeto de pesquisa no mestrado que tangenciava o tema do consumo. Ao chegar a UFF, nas minhas primeiras aulas de Antropologia do Consumo, pensei “é isso”. Senti ter encontrado o que faria dentro da Antropologia e, certamente, essa escolha não era apenas acadêmica.

Pragmática por demais, sempre me senti deslocada e angustiada com uma crença, que parecia generalizada entre muitos de meus amigos: a carreira acadêmica era ‘o’ destino que aguardava todos nós. Quero deixar claro que não tenho nada contra a carreira acadêmica, e de todo, nunca a descartei inteiramente. Meu ponto é que ela não deveria ser uma certeza com uma aura de fardo e era exatamente isso o que ela era pra mim. Precisava saber, portanto, que eu tinha uma escolha.

Em 2006, questionando aquela que viria a ser minha orientadora sobre as perspectivas de trabalho para um antropólogo fora da academia, escutei: “Bonnie, as empresas estão desesperadas por antropólogos”.

Decidida e, desde então, sem mais questionar o que estava fazendo dentro da Antropologia, mergulhei nos estudos de consumo, de onde não mais saí, e pesquisei casos onde os antropólogos, ao prestar serviços como consultores, realizaram estudos para grandes empresas. Entre elas estavam Unilever, Xerox, Microsoft, Nokia entre outras. Havia entendido que o papel do antropólogo nessas empresas era o de ser o mediador – ou mesmo interlocutor – entre a empresa e seus clientes/consumidores-alvos, sempre na condição de um consultor. Ele seria contratado para realizar uma etnografia e para analisar os dados qualitativos resultantes das entrevistas e da observação participante, cujo resultado seria entregue num relatório final[1]. No entanto, o que tenho observado em um determinado segmento de atuação de antropólogos no mercado é diferente. Por essa razão, creio que nós, antropólogos em geral, precisamos estar atentos ao que, em minha opinião, anuncia realidades vindouras de pesquisa de campo para o mercado: realidades de ‘etnografias’ que fogem criticamente de seus principais propósitos.

A realização da etnografia, tal como é ensinada nas cadeiras de antropologia nos cursos de Ciências Sociais, preza por treinar os alunos, ao longo de várias disciplinas (e, conseqüentemente, diversos trabalhos finais) na sensibilidade e na atenção necessária ao fazer antropológico, envolvendo alguns pontos que eu discrimino a seguir:


  • Uma imersão no campo que precisa estar atenta à relativização do universo cultural do pesquisador, a fim de que este absorva as riquezas culturais do que ele está se propondo a observar;
  • Olhos, ouvidos, nariz... Enfim, toda sorte de sentidos da percepção aguçados na observação e sensação do ambiente em sua totalidade: físico, social, cultural etc;
  • Observar o ‘outro’, livre de pré-conceitos culturais;
  • Adquirir empatia para com o nativo e sua comunidade;
  • Refletir fundamentado nos instrumentais teóricos para não cair em vãs comparações incomparáveis;
  • Enfim, como diria DaMatta, um longo e exaustivo, porém prazeroso, exercício de tornar o exótico, familiar e o familiar, exótico.

Tudo isso para que o pesquisador tenha os resultados esperados da etnografia, resultados estes que a distinguem como um método ímpar de pesquisa sócio-cultural. Ela nos confere acesso às motivações profundas dos comportamentos individuais e sociais; permite-nos entrar em contato com o “tom emocional” (ethos) dos eventos; alcança o implícito e o explícito, os detalhes, o inconsciente (razão a qual muitos dos contratantes se atraem pelo método); capta o que ‘o nativo’, no nosso caso, ‘o usuário’ ou ‘o cliente’ não sabe e/ou não consegue racionalizar em palavras em um questionário ou grupo focal, métodos comuns na pesquisa de mercado tradicional.

Embora em níveis de profundidade e exigências diferenciados, as razões que expus acima são consideradas os grandes diferenciais e ganhos de se usar a etnografia como método tanto na academia, quanto no mercado.

Casos como o da Xerox [2], entre tantas outras etnografias de mercado bem sucedidas, ilustram que uma pesquisa de campo levada a cabo por antropólogos que passam algum tempo com consumidores em suas situações de compra e consumo pode trazer contribuições importantes à vida desses consumidores.

No entanto, algumas das pesquisas clamadas ‘etnográficas’ que vêm sendo realizadas abdicam justamente daquilo que as distinguem. Isso me leva a acreditar, diante do que tenho observado, que qualquer profissional minimamente treinado em observar usuários, independente de sua formação, pode realizar tal levantamento, pretensamente ‘etnográfico’. Pesquisas que supostamente levariam semanas ou meses para ser executadas e para condensar dados significativos sobre determinado universo sócio-cultural de consumo têm sido realizadas em períodos insignificantes, inconstantes, e mal-planejados. Exatamente por isso suas informações e análises podem ser superficiais.

No macro ambiente de mercado, o excesso de informação se tornou uma conseqüência da “era da informação”, onde o importante era adquirir o máximo de informações possíveis, criar bancos de dados, usar ferramentas estatísticas eficientes para processá-los, estar atento às notícias dos últimos minutos, porque afinal, atualizar-se é uma das competências imprescindíveis do mercado atual. No entanto, como disse recentemente um de meus professores [3], estamos passando por um momento de transição da era da informação para a “era da análise”. Isso não quer dizer que os valores da era da informação não estejam mais presentes. A mudança reflete o atual ‘estado da arte’: há um excesso de informações, mas o potencial de análise dos sistemas é insuficiente para condensá-las de forma significativa para o processo de tomada de decisão.

Em suma, há muita informação e conteúdo e pouca capacidade de análise. Ora, o que somos nós, cientistas sociais, se não treinados analistas de informações? Ir a campo, coletar dados, interagir com ‘nativos’, criar quadros mentais condensando informações, entender os universos simbólicos, comportamentos, formas de associações e relacionamento, valores, concepções de mundo, estilos de vida, histórias de vida, para então refletirmos sobre o que esses dados dizem sobre o mundo para nós. Não é exatamente isso que fazemos desde nossos primeiros ‘trabalhos finais”? Ou seja, o próprio ‘mercado’ está nos dizendo que somos peças necessárias no “oceano azul” que se delineia, onde a estratégia de expansão empresarial é mais voltada para encontrar espaços inexplorados no mercado do que para a acirrada concorrência (por uma pequena fatia) em um mercado saturado [4].

‘Pesquisas etnográficas’ se desprenderam tanto do seu caráter ‘original’ ensinado na Academia, que hoje já começa a haver uma distinção entre antropólogos e etnógrafos. Estes últimos seriam quaisquer uns daqueles que vão a campo com papel e caneta – e/ou todos os equipamentos tecnológicos disponíveis, como gravadores de áudio, câmeras fotográficas e filmadoras digitais (escondidas ou não) – em busca de um determinado comportamento de compra e uso de produtos ou serviços, de um perfil específico de consumidor.

Posso afirmar isso, até como ‘nativa’. Recentemente fui entrevistada por uma aluna de graduação (não uma graduação de antropologia) que procurava saber especificamente sobre os sapatos com os quais eu vinha trabalhar [5]. O tipo de pesquisa que a vi fazer é bem semelhante ao que sou requisitada a realizar em meu trabalho. Estive conversando com ela uns 20 a 30 minutos e por ser antropóloga já supunha algumas das questões que seriam interessantes de se apresentar a ela. Mesmo assim, deixei que ela conduzisse a entrevista e tentei, ao máximo, apresentar o conjunto de coisas que estavam relacionadas à resposta de suas perguntas – que eram gerais, temáticas e não pontuais como num questionário, o que me levava a crer que seu propósito era desenvolver uma pesquisa com um significativo viés qualitativo. No entanto, para minha surpresa, ela não anotou mais do que 10 palavras em no máximo cinco linhas, o que indicava que ela tinha um quadro mental prévio do que ela queria saber e todo o contexto que eu lhe estava sugerindo poderia ser ignorado para os seus propósitos.


O caráter exploratório de uma pesquisa etnográfica no mercado, normalmente, é quase anulado, uma vez que eles já sabem onde querem chegar. No entanto, os antropólogos que vão a campo com tempo e background suficientes, conseguem dados que não só atendem às expectativas da empresa, como apresentam questões que não foram formuladas, mas que também se mostram cruciais aos propósitos da empresa contratante. Como afirma o próprio Tom Kelley [6], antropólogos são

extremamente capazes de resolver o problema sob uma nova ótica – com base nas idéias que desenvolveram durante suas pesquisas de campo – a ponto de a observação certa não raro ser revolucionária (KELLEY, 2007: 16).

Por isso, afirmo que há uma grande difusão da pesquisa qualitativa no mercado, movimento esse que começa a se difundir nos circuitos de Marketing e Comunicação em geral e mais recentemente no Design [7]. Apesar desse reconhecimento, algumas dessas pesquisas não se atêm às características mais valorizadas do método. Um dos principais empecilhos é o tão famoso “tempo”. O texto “Etnografia: a nova pesquisa de mercado” já anuncia isso como uma realidade para a qual as empresas precisam estar atentas.

Esse tipo de processo consome bem mais tempo do que o preenchimento de um questionário ou a organização de uma discussão com a mediação de um especialista. Por isso, outra recomendação dada pelos mais experientes é reservar a esse tipo de pesquisa o tempo realmente necessário. É preciso olhar com reservas para a empresa de pesquisa de mercado que prometer utilizar a etnografia e apresentar um relatório em dez dias; um estudo dessa natureza requererá algumas semanas para soltar apenas uma "primeira avaliação". E será preciso haver uma boa equipe multidisciplinar conduzindo o estudo e representatividade dos grupos observados (HSM Management 60 Jan-fev 2007).

Antropólogos dispostos a “encarar” as etnografias de mercado devem saber que serão felizardos se tiverem a oportunidade de fazer o que é considerado uma etnografia rápida – “quick and dirty” –, levada a cabo de dois a três meses, porque a realidade atual já não mais me permite considerar muito do que tem sido feito, como etnografia, nem mesmo “quick” ou “dirty”. Por mais que eu escute nos mais diversos ambientes falas que revelam a importância de uma pesquisa qualitativa bem conduzida, seja ela etnográfica ou não, estas mesmas falas sempre vem acompanhadas de “a questão é que pesquisa é uma atividade cara e demanda muito tempo”. O que antes se pesquisava em 2 meses, hoje se faz em 1. E é isso que me preocupa. Até quando o “tempo” de pesquisa será “relativizado”.

Como não poderia deixar de atingir a nós, antropólogos, lá estão elas, as re-significações de métodos, de usos, de experiências e a tão famosa adaptação a essas transformações, onde não são os mais fortes que sobrevivem, mas os mais desprendidos dos métodos tal como aprenderam, os que facilmente se tornam “metamorfoses ambulantes”.

Nós, antropólogos, treinados a ver diversos mundos e a considerá-los (e por que não valorizá-los?) pelo que são, deveríamos, supostamente, adaptar-nos facilmente a essas mudanças. Entretanto, acredito que, consciente ou inconscientemente, haja um treinamento tão intenso de valorização da etnografia como o método por excelência da Antropologia, e do resultado que sabemos que ela é capaz de oferecer, que sentimos (ou pelo menos eu sinto) o que não acho palavra melhor para descrever do que “dó” e/ou “frustração” em ver seu potencial ser relegado a um segundo plano pelas contingências temporais, financeiras, enfim... pós-modernas.

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Seguem abaixo não apenas os artigos que foram citados, mas também os que serviram de inspiração a feitura desse artigo e que são uma excelente fonte para os interessados em entender melhor sobre as etnografias realizadas nas empresas. Eles versam tanto sobre experiências nacionais como internacionais.


BARBOSA, Lívia. Marketing etnográfico: colocando a etnografia em seu devido lugar. RAE. Vol 43. n 3. JUL/SET/2003. PP 100-105. Disponível em http://www.rae.com.br/artigos/1891.pdf. Acessado em 07 de outubro de 2009.

BARROS, Carla. A contribuição da Antropologia ao Marketing nos estudos sobre consumo. Seminário Estilo de vida e Consumo. Senac 2008. Disponível em http://www.rj.senac.br/img/Semin%C3%A1rio%20Estilo%20de%20Vida%20e%20Consumo_18%20e%2019%20de%20setembro%20de%202008.pdf. Acessado em 07 de outubro de 2009.

CAMPOS, R.; CASOTTI, L.; SUAREZ, M. Possibilidades de Contribuição da Sociologia ao Marketing: Itinerários de Consumo. Anais do II Encontro de Marketing da ANPAD – EMA, Rio de Janeiro, 2006. Disponível em http://www2.coppead.ufrj.br/port/pdf/catedra/metodo_itinerarios.pdf. Acessado em 07 de outubro de 2009.

Dossiê ‘Etnografia: a nova pesquisa de mercado.’ HSM Management 60 Jan-fev 2007. Disponível em http://www.novonordisk.com.br/documents/promotion_page/document/etnografia_nova_pesquisa_mercado.asp. Acessado em 07 de outubro de 2009.

KELLEY, Tom. LITTMANN, Jonathan. As 10 faces da inovação: o poder da criatividade e da inovação na empresa. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 2007.

KIM, W. Chan & MAUBORGNE, Renée. A Estratégia do Oceano Azul. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2005.

PEIXOTO, Fabio. Invasão de domicilio. Revista Exame. 08.08.2001. Disponível em http://www.culturaesociedade.org/pdf/Invasaodomicilio.pdf. Acessado em 07 de outubro de 2009.


SURI, Jane Fulton. HOWARD, Suzanne Gibbs. Going deeper, seeing further: enhancing ethnographic interpretations to reveal more meaningful opportunities for design. Journal of Advertising Research, September 2006, pp 246-250. Disponível em http://www.ideo.com/images/uploads/thinking/publications/pdfs/jar_2006.pdf. Acessado em 07 de outubro de 2009.


[1] Poderíamos considerar isso como a tradução do caminho de uma pesquisa acadêmica tradicional para uma pesquisa etnográfica voltada para um objetivo específico, demandada por um contratante: o ponto de partida com a idéia da pesquisa, seguida do planejamento de campo, trabalho de campo, análise dos dados e apresentação dos resultados encontrados.

[2] Em 1979, a Xerox “(...) contratou a antropóloga Lucy Suchman para trabalhar no centro de pesquisa instalado em Paio Alto e a incumbiu de fazer um trabalho de campo: Suchman deveria visitar as empresas que haviam instalado fotocopiadoras da marca e realizar um filme com uma síntese da "experiência" dos profissionais na hora de utilizar o equipamento. Depois de assistir à luta dos operadores com as copiadoras para tirar uma cópia, os engenheiros da Xerox começaram a desenvolver o produto de maneira diferente. A pesquisa feita pela antropóloga resultou nas atuais máquinas copiadoras (de todas as marcas), que hoje ostentam um grande botão verde bastante visível, mas que no passado ninguém conseguia encontrar. Seguindo o exemplo da Xerox, na década de 1980 as agências de design industrial começaram a incluir em seus quadros de funcionários antropólogos e sociólogos.” (HSM Management 60 Jan-fev 2007)

[3] Atualmente curso uma pós-graduação em Marketing Estratégico.

[4] A metáfora do oceano vermelho (concorrência acirrada) e o oceano azul (inovação) é discutida num livro muito comentado nos ambientes organizacionais: “A estratégia do oceano azul” de W. Chan Kim & Renee Mauborgne.

[5] Desnecessário aqui dizer o nome, o curso, ou o propósito da pesquisa.

[6] Gerente da IDEO, empresa que trabalha com Design Thinking como método para desenvolver inovação. Nesse método, a etnografia é o ponto de partida.

[7] A etnografia se destaca como método ou inspiração para os trabalhos que hoje são realizados em marketing etnográfico, branding experience, design thinking, design estratégico, user experience, design sensorial, método de itinerários, entre outros.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Jürgen Habermas

Nenhum filósofo alemão da atualidade desperta tanta atenção mundial como Jürgen Habermas. Um perfil, por ocasião do seu 80º aniversário

por Thomas Assheuer




No final da década de 1970, os livros de Jürgen Habermas eram lidos sob a carteira escolar, às escondidas dos professores do colégio. Hoje, os textos de Habermas são leitura obrigatória. Quem não conhece seus conceitos principais, deve esconder o desconhecimento, pois seu autor tornou-se um clássico ainda em vida e tão famoso, quanto pode ser um professor de Filosofia. Isto não é um bom sinal, pois para um clássico vale a regra: suas fórmulas são con­hecidas. Mas seu motivo filosófico, no qual pulsa o coração do pensamento – isto, a gente esquece.

A motivação básica do pensamento de Jürgen Habermas está às claras e, ainda assim, é difícil de ser encontrada pelos leitores. Às vezes se oculta por trás do terno cinzento da objetividade acadêmica, outras vezes desaparece sob um monte de justificações. Mas desde o início, já nos primeiros trabalhos de estudante, ela não pode passar despercebida. De forma muito simplificada, a motivação é a seguinte: quem faz uma retrospectiva da história da humanidade, descobre uma ladainha de terror, uma história chocante de violência atrás de violência. E, no entanto, há um progresso que não se pode negar, apesar de todos os reveses, uma “evolução” social e, com isto, a possibilidade de civilizar o poder e a violência ou talvez de eliminá-la inteiramente um dia. O instrumento da autocivilização é a língua humana, pois cada fala encerra um objetivo, o “télos da compreensão”. A comunicação interrompe o estado de guerra no mundo.

Quem pressupõe uma vigorosa herança idealista neste pensamento, tem razão inicialmente. Habermas, na época um estudante com pouco mais de vinte anos, confrontou-se com pensamentos grandiosos, mas extremamente especulativos, ao ler o filósofo idealista Schelling, que o fascina ainda hoje. “Deus Pai”, escreveu Schelling, retirou-se da criação, deixando o campo para o ser humano. No entanto, as criaturas beneficiadas com a liberdade têm a obrigação de fazer o uso correto da sua liberdade. Com a ajuda de sua língua, elas têm que estabelecer entre si a mesma relação de reconhecimento, que Deus teve em relação a elas, quando lhes concedeu a autonomia. Quem viola este pacto com Deus, comete novamente um “pecado original”.

Habermas, que veio do mundo de pensamento do filósofo existencial Heidegger e do antropólogo Gehlen, escreveu sua tese de doutoramento sobre Schelling e deu um rumo surpreendente à sua interpretação. Ele estabeleceu uma ligação com os primeiros escritos de Marx, cuja crítica social lhe deu a possibilidade de compreender o discurso de Schelling sobre o pecado original, de forma bem concreta, bem materialista. Um pecado original é quando as relações de poder vencem as relações da língua – quando os “libertados da criação” não escolhem a compreensão, mas sim a violência, como frequentemente na história.

Mas os filósofos não são literatos, isto é, eles têm de dar uma austeridade básica aos temas, com os quais estão “infectados”, expurgando os detritos especulativos e tornando-os compreensível ao público esclarecido, através de conceitos claros. Exatamente isto é o que Jürgen Habermas tomou como programa. Com o frio instrumento da ciência, ele quis provar que a língua não é apenas uma arma na guerra civil babilônica da sociedade, uma máscara do poder. Sua antifórmula é a seguinte: que observa bastante o tecido da língua contra a luz, quem examina o bastante as suas leis, ele reconhecerá que nela está incluída uma normatividade, uma aspiração à verdade, que podemos transgredir, mas não podemos eliminar basicamente. Com palavras, pode-se mentir e exercer o poder, mas não pode existir uma língua que esteja intei­ramente baseada em mentira e engodo. “Mesmo nas comunicações patologicamente deturpadas está fin­cado o ferrão da aspiração pela verdade”.

Não é preciso pensar muito para ver que poder explosivo uma filosofia da comunicação, derivada de Schelling, enriquecida com Marx e temperada com os recursos da linguística, desenvolveu entre os intelectuais famintos de teoria dos anos sessenta. Eles interpretaram Habermas exatamente como ele pensava: como conclamação a uma democracia radical e à crítica radical. A democracia está danificada, onde a “opinião pública” é dominada por monopólios de opinião, manipulada por lobistas e malversada por políticos. E defeituosas são as democracias que se entregam cegamente ao curso do progresso, sem livre arbítrio, que têm “ciência e técnica como ideologia” (segundo um estudo do ano de 1968).

Na época, falou-se muito de “liberdade do poder”. Em seus escritos, Habermas quis reconhecer até mesmo um “interesse objetivo” de emancipação. Hoje, ao contrário, chama a atenção um outro caráter desses livros, um conservadorismo cultural, dito com cuidado, uma profunda ambiva­lência. De um lado, Habermas admira as sociedades modernas, pois elas – fato histórico singular – impuseram processos democráticos e ampliaram a “área de ação” discursiva da razão comunicativa. Mas, por outro lado, as sociedades modernas têm de ser temidas, pois seus sistemas funcionais desenvolvem um excesso de poder. As pressões capitalistas do mercado chocam com a autodeterminação democrática.

Os fios desses pensamentos juntam-se num nó monumental, nos dois tomos da “Teoria da Ação Comunicativa” (1981). Esta obra central foi celebrada, com razão, como despedida do pensamento pessimista da “velha” Escola de Frankfurt, mas nela encontra-se a mesma contradição. O dinamismo sufocante do capitalismo e também a técnica e a ciência empurram a sociedade para frente. Mas, ao mesmo tempo, parte destes “sistemas” complexos uma ameaça invisível. Eles assediam o “mundo da vida” – necessitado de zelo – dos cidadãos. Seus cálculos de proveito infiltram as velhas “tradições inconscientes-cientes” e fixam-se na esfera pré- polí­tica, na vida privada e na família. Em re­sumo: a vida moderna encerra uma contradição. Seus sistemas aliviam da miséria material, mas ao mesmo tempo, quase não podem ser conciliados com o dia-a-dia ou invadem como “senhores coloniais” os “poros” de formas consagradas de vida, infiltrando-as através da comercialização, da burocratização e do cientificismo.

Transposto às relações de hoje, isto significa: uma forma de “colonização” econômica está inerente à reivindicação de que a sociedade tem de ser organizada como um centro de lucro, do berço ao túmulo. O mesmo é válido para a brutal transformação das universidades, visando “eficiência”. E se as ciências biológicas lograrem manipular geneticamente os “antigos sujeitos” e fizer com que perfilem como bonequinhos de Lego no parque humano, então isto seria uma vitória da lógica cien­tífica sobre o mundo da vida.

Sua obra contém uma promessa luminosa de liberdade

Talvez seja esta visão rota da atualidade, turvada pelo ceticismo, o que esclarece a carreira acadêmica e o alcance mundial de Jürgen Habermas. Sem reservas, ele adere ao espírito do modernismo, sua obra contém uma promessa luminosa de liberdade e defende o Estado de direito e a demo­cracia com eloquência patética. Ao mesmo tempo, nutre-se de uma motivação romântica, composta pela reconciliação e a compreensão. Assim, a obra permanece sensível às coações de uma salvação mundial voltada para o mercado, a uma racionalidade sem fortúnio, ao desalento da liberdade vazia e do progresso insensato.

A fórmula salvadora de Habermas nos anos oitenta era: “reconciliação com o modernismo em autodestruição”, pelo que o capitalismo e a democracia, a ciência e a arte deveriam ser reequilibrados, como um móbile. Para a esquerda radical, o projeto era muito carola, os conservadores perseguiam o convicto intelectual de esquerda com franco ódio e denunciavam Habermas como mentor intelectual do terrorismo. Estas foram as batalhas do passado. Quem lê hoje, com que arrojo argumentativo um conservador como Ernst-Wolfgang Böckenförde ajusta as contas com neoliberalismo, com a hegemonia do mercado sobre a democracia legal, não sabe mais exatamente sobre o que se polemizou durante anos, de maneira passional e ofensiva. É como se Habermas tivesse unido a república através da discussão que ele gerou, sendo que tanto seus próprios argumentos, como os dos seus adversários, transformaram-se com o tempo. Ele marcou época na consciência coletiva, nenhum outro marcou a fisionomia intelectual da Alemanha Federal como ele. E ela lhe deve de maneira decisiva a sua recriação moral.

Jürgen Habermas: Biografia

Jürgen Habermas nasceu em Düsseldorf em 18 de junho de 1929, estudou Filosofia, Psicologia, Germanística e Eco­nomia em Göttingen, Zurique e Bonn. Em 1956, Habermas tornou-se assistente de pesquisa no Instituto de Pesquisa Social em Frankfurt do Meno. Após sua habilitação como professor universitário, feita com Wolfgang Abendroth em Marburg, ele foi levado para Heidelberg por Hans-Georg Gadamer. Em 1964, Habermas tornou-se professor de Filosofia e de Sociologia em Frankfurt do Meno. Logo, os estudantes de esquerda passaram a celebrar o astro acadê­mico como seu mentor intelectual. Entre 1971 e 1980, ele foi diretor do Instituto Max Planck de Pesquisa das Condições de Vida no Mundo Científico-Técnico, em Starnberg. Em 1980, seu discurso ao receber o Prêmio Theodor W. Adorno, sobre “O Projeto Inacabado do Modernismo”, Habermas provocou um debate sobre o pós-modernismo e o pós-estruturalismo, que durou muito tempo. Sua intervenção contra o revisionismo histórico do historiador Ernst Nolte, em 1985, deflagrou a polêmica dos historiadores, uma controvérsia sobre a forma de tratar o passado alemão.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

UENF mais uma vez!


Uma vez mais a alucinação que decantou na realidade é laureada.

E assim se faz uma Universidade.

Parabéns à comunidade científica uenfiana!


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Uenf ganha de novo Prêmio do CNPq

Pela segunda vez, em seis edições, a Universidade Estadual do Norte Fluminense acaba de receber o Prêmio Destaque do Ano na Iniciação Científica, na categoria 'Mérito Institucional'. O Prêmio, conferido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), é atribuído à instituição com maior índice de ex-alunos da Iniciação Científica que se titulam mestres ou doutores em cursos reconhecidos pela Capes/MEC.

A entrega da premiação será feita no dia 19/10/09, às 11h, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), durante as atividades da Semana Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.

A Uenf já tinha sido a primeira vencedora quando o Prêmio Destaque do Ano foi instituído pelo CNPq, em 2003. A Iniciação Científica é um dos pontos fortes da Uenf, e atualmente a Universidade mantém cerca de 380 alunos envolvidos em pesquisas e recebendo bolsas. São 158 bolsas concedidas pelo CNPq (incluindo 18 na modalidade 'ações afirmativas'), 140 pela Uenf (com recursos descentralizados da Faperj) e algo em torno de 80 bolsas obtidas diretamente pelos professores orientadores em diversas agências de fomento.

Em correspondência dirigida ao reitor da Uenf, Almy Junior, o CNPq parabeniza a instituição pela conquista e apresenta os critérios que nortearam a concessão do Prêmio. A Iniciação Científica é uma espécie de ‘celeiro’ de futuros cientistas, e a efetividade do programa é medida em termos do percentual de universitários que passaram pela experiência e se titularam mestres ou doutores em cursos reconhecidos pela Capes/MEC.

— A ênfase na Iniciação Científica é uma das características de origem do modelo Uenf, que já realizou 14 Encontros anuais de I.C. em 16 anos de existência. E a reiteração do Prêmio pelo CNPq é mais uma confirmação objetiva do quanto estamos no caminho certo — avalia o reitor Almy Junior.

DESTAQUES EM SEQUÊNCIA

Primeira vencedora do Prêmio Destaque do Ano na Iniciação Científica, em 2003, a Uenf é também a primeira instituição a conquistar o prêmio pela segunda vez. À exceção de 2004, quando não houve vencedor na categoria 'Mérito Institucional', as instituições contempladas nos anos posteriores foram a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ, 2005), a Universidade Federal de Viçosa (UFV, 2006), a Universidade Federal de Lavras (Ufla, 2007) e a Universidade Estadual de Maringá (UEM, 2008).

A concessão do Prêmio pelo CNPq é o terceiro destaque nacional da Uenf neste segundo semestre de 2009. Em agosto, o Ministério da Educação (MEC) confirmou a instituição como uma das 15 melhores universidades do Brasil segundo os parâmetros do Índice Geral de Cursos da Instituição (IGC) - agregado de indicadores de qualidade dos cursos de graduação, mestrado e doutorado. E em setembro, o MEC atribuiu conceitos 4 ou 5 (os melhores) a dez cursos de graduação da Uenf, apontando o de Pedagogia como terceiro melhor do país.

Para a coordenadora do Pibic (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica) na Uenf, professora Claudia Dolinski, o novo prêmio do CNPq consolida a Uenf como universidade amadurecida e faz jus à atuação dos professores e alunos do programa. A estudante Evelyn de Almeida Campos, bolsista de Iniciação Científica do curso de Ciências Sociais, diz que o programa lhe permitiu inserir-se num grupo qualificado de pesquisadores e conhecer novas realidades.

Assessoria de Comunicação Social UENF



sexta-feira, 2 de outubro de 2009

VIVA O RIO!

Fabrício Maciel
O Brasil comemora, neste momento, a vitória do Rio de Janeiro para sede dos jogos olímpicos de 2016. Copacabana está em festa. O discurso de Lula, comovente, agora no início da tarde, é emblemático da condição atual do país na política internacional, por um lado, e da eterna necessidade de legitimação interna, por outro. O evento já é considerado histórico por sua peculiaridade: a primeira vez que um país sul-americano será sede dos jogos.
Como brasileiro, é difícil não se emocionar com Lula. E esta fala é especial. Foram vários minutos em rede nacional de extrema comoção e sinceridade. Lula atualizou todos os mitos sobre o nosso povo. Afirmou nosso mérito pela capacidade que o brasileiro terá de realizar a olimpíada mais bonita de todas. E também que nenhum outro concorrente poderia ganhar pois apenas a gente conseguiu transmitir com os olhos a vontade sincera de realizá-la. Ele considerou o evento a última etapa que faltava para que o mundo reconhecesse totalmente o valor do povo brasileiro. Foi, em sua fala, o último preconceito quebrado. Uma vez já reconhecidos economicamente, agora ninguém mais duvida, em nenhum aspecto, do povo brasileiro. Um ponto alto da fala é que o Brasil consegue agora provar ao mundo seu valor econômico, político e social.
É claro que para nossa política externa e nossa economia o fato deve ser comemorado. Legitima o papel destacado do Brasil no eixo Sul do mundo. Em termos de política internacional de fato estamos muito bem. Alguém brincou que hoje Lula ganhou de Obama. E ele responde bem: o Rio ganhou de Chicago, uma das competidoras. Para fora, a força do mito está cada vez mais atualizada e cumpre uma função importante. No mundo moderno, nenhuma vitória nacional, em termos políticos e econômicos, pode legitimar-se por si mesma. A singularidade cultural é que a legitima, ainda que se trate de um país periférico como o nosso. Todo país precisa disso, seja qual for seu lugar na divisão internacional do trabalho.
O curioso neste fato é que a ênfase abstrata nas relações internacionais, no crescimento de uma nação como a nossa, em termos econômicos e políticos, continua tirando o foco das questões concretas de vida ou morte, como diria Bourdieu, de uma nação moderna. Trata-se da legitimação de desigualdades de classe no mundo moderno sobre as quais os mitos nacionais exercem função fundamental, ao lado da ideologia do mérito. Assim, se externamente o mito parece exercer agora uma função positiva, legitimando e reforçando conquistas nacionais no contexto das relações internacionais, internamente ele continua operando sua função negativa, legitimando nossa desigualdade. Paralelo e articulado ao mito da singularidade cultural nacional, está o mito da estabilidade econômica. A mesma lógica econômica e política assimétrica do capitalismo, enquanto sistema mundial desdobrado em seus subsistemas nacionais, opera então dois movimentos.
De um lado, o crescimento relativo das economias periféricas por conta das necessidades de produção do capitalismo mundial. Por outro, a reprodução das desigualdades de classe internas, nas quais apenas as classes qualificadas participam dos efeitos positivos, em termos objetivos e subjetivos, que o crescimento relativo das economias periféricas proporciona internamente. Neste movimento, o papel ambíguo do mito nacional, perfeitamente exemplificado no evento em foco, parece ainda fundamental.