quinta-feira, 16 de dezembro de 2010


Quem tem medo do Wikileaks?


Por Manuel Castells


Texto em português publicado originalmente no IHU-Online - Publicado no La Vanguardia em 30/10/2010

Tinha que acontecer. Há tempo os governos estão preocupados com sua perda de controle da informação no mundo da internet. Já estavam incomodados com a liberdade de imprensa. Mas haviam aprendido a conviver com os meios de comunicação tradicionais. Ao contrário, o ciberespaço, povoado de fontes autônomas de informação, é uma ameaça decisiva a essa capacidade de silenciar sobre a qual a dominação sempre se fundou. Se não sabemos o que está acontecendo, mesmo que teimamos, os governantes têm as mãos livres para roubar e anistiar-se mutuamente, como na França ou na Itália, ou para massacrar milhares de civis e dar livre curso à tortura, como fizeram os Estados Unidos no Iraque ou no Afeganistão.

Os ataques contra o Wikileaks não questionam sua veracidade, mas criticam o fato de sua divulgação com o pretexto de que colocam em perigo a segurança das tropas e cidadãos. Por isso o alarma das elites políticas e midiáticas diante da publicação de centenas de milhares de documentos originais incriminatórios para os poderes fáticos nos Estados Unidos e em muitos outros países por parte do Wikileaks. Trata-se de um meio de comunicação pela internet, criado em 2007, publicado pela fundação sem fins lucrativos registrada legalmente na Alemanha, mas que opera a partir da Suécia. Conta com cinco empregados permanentes, cerca de 800 colaboradores ocasionais e centenas de voluntários distribuídos por todo o mundo: jornalistas, informáticos, engenheiros e advogados, muitos advogados para preparar sua defesa contra o que sabiam que lhes aconteceria.

Seu orçamento anual é de cerca de 300 milhões de euros, fruto de doações, cada vez mais confidenciais, mesmo que algumas sejam de fontes como a Associated Press. Foi iniciado por parte de dissidentes chineses com apoios em empresas de internet de Taiwan, mas pouco a pouco recebeu o impulso de ativistas de internet e defensores da comunicação livre unidos em uma mesma causa global: obter e divulgar a informação mais secreta que governos, corporações e, às vezes, meios de comunicação ocultam dos cidadãos. Recebem a maior parte da informação pela internet, mediante o uso de mensagens encriptadas com uma avançadíssima tecnologia de encriptação cujo uso é facilitado àqueles que querem enviar a informação seguindo seus conselhos, ou seja, desde cibercafés ou pontos quentes de Wi-Fi, o mais longe possível de seus lugares habituais. Aconselham não escrever a nenhum endereço que tenha a palavra wiki, mas utilizar outras que disponibilizam regularmente (tal como http://destiny.mooo.com). Apesar do assédio que receberam desde a sua origem, foram denunciando corrupção, abusos, tortura e matanças em todo o mundo, desde o presidente do Quênia até a lavagem de dinheiro na Suíça ou as atrocidades nas guerras dos Estados Unidos.

Receberam numerosos prêmios internacionais de reconhecimento pelo seu trabalho, incluindo os do The Economist e da Anistia Internacional. É precisamente esse crescente prestígio de profissionalismo que preocupa nas alturas. Porque a linha de defesa contra as webs autônomas na internet é negar-lhes credibilidade. Mas os 70.000 documentos publicados em julho sobre a guerra do Afeganistão ou os 400.000 sobre o Iraque divulgados agora, são documentos originais, a maioria procedentes de soldados norte-americanos ou de relatórios militares confidenciais. Em alguns casos, filtrados por soldados e agentes de segurança norte-americanos, três dos quais estão presos. O Wikileaks tem um sistema de verificação que inclui o envio de repórteres seus ao Iraque, onde entrevistam sobreviventes e consultam arquivos.

Essa é a tática midiática mais antiga: para que se esqueçam da mensagem: atacar o mensageiro. De fato, os ataques contra o Wikileaks não questionam sua veracidade, mas criticam o fato de sua divulgação, sob o pretexto de que colocam em perigo a segurança das tropas e de cidadãos. A resposta do Wikileaks: os nomes e outros sinais de identificação são apagados e são divulgados documentos sobre fatos passados, de modo que é improvável que possam colocar em perigo operações atuais. Mesmo assim, Hillary Clinton condenou a publicação sem comentar a ocultação de milhares de mortos civis e as práticas de tortura revelados pelos documentos. Nick Clegg, o vice-primeiro-ministro britânico, ao menos censurou o método, mas pediu uma investigação sobre os fatos.

Mas o mais extraordinário é que alguns meios de comunicação estão colaborando com o ataque que os serviços de inteligência lançaram contra Julian Assange, diretor do Wikileaks. Um comentário editorial da Fox News chega inclusive a cogitar o seu assassinato. E mesmo sem ir tão longe, John Burns, no The New York Times, procura mesclar tudo num nevoeiro sobre o personagem de Assange. É irônico que isso seja feito por este jornalista, bom colega de Judy Miller, a repórter do The Times que informou, consciente de que era mentira, a descoberta de armas de destruição em massa (veja-se o filme A zona verde).

É o Partido Pirata da Suécia que está protegendo o Wikileaks, disponibilizando-lhe o seu servidor central fechado em um refúgio subterrâneo à prova de qualquer interferência. Essa é a tática midiática mais antiga: para que se esqueçam da mensagem, atacar o mensageiro. Nixon fez isso em 1971 com Daniel Ellsberg, que publicou os famosos papéis do Pentágono que expuseram os crimes no Vietnã e mudaram a opinião pública sobre a guerra. Por isso Ellsberg aparece em entrevistas coletivas ao lado de Assange.

Personagem de novela, o australiano Assange passou boa parte de seus 39 anos mudando de lugar desde criança e, usando seus dotes matemáticos, fazendo ativismo hacker para causas políticas e de denúncia. Agora está mais do que nunca na semiclandestinidade, movendo-se de um país para outro, vivendo em aeroportos e evitando países onde se procuram pretextos para prendê-lo. Por isso, foi aberto na Suécia, onde se encontra mais livre, um processo contra ele por violação, que logo foi negado pela juíza (releiam o começo do romance de Stieg Larsson e verão uma estranha coincidência). É o Partido Pirata da Suécia (10% dos votos nas eleições europeias) que está protegendo o Wikileaks, deixando seu servido central trancado em um refúgio subterrâneo à prova de qualquer interferência.

O drama apenas começou. Uma organização de comunicação livre, assentada no trabalho voluntário de jornalistas e tecnólogos, como depositária e transmissora daqueles que querem revelar anonimamente os segredos de um mundo podre, enfrenta aqueles que não se envergonham das atrocidades que cometem, mas se alarmam com o fato de que suas maldades sejam conhecidas por aqueles que elegemos e pagamos. Continuará.

Tradução: Cepat (Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores)

Fonte: Carta Maior (14 / 12 / 2010)

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Serra ia mesmo entregar o pré-sal, confirma WikLeaks

Para os que achavam que o tema do pré-sal foi puro oportunismo da Dilma contra o Serra leiam essa:

Acho muito digno do Aécio Neves pretender defender o programa de privatizacoes de FH em seu projeto de refundar o PSDB. Resta saber se também defenderá os conchavos com pretolíferas norte-americanas.

Petroleiras americanas eram contra novas regras para pré-sal

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DE BRASÍLIA

Wikileaks

As petroleiras americanas não queriam a mudança no marco de exploração de petróleo no pré-sal que o governo aprovou no Congresso, e uma delas ouviu do então pré-candidato favorito à Presidência, José Serra (PSDB), a promessa de que a regra seria alterada caso ele vencesse.

É isso que mostra telegrama diplomático dos EUA de dezembro de 2009 obtido pelo site WikiLeaks (www.wikileaks.ch). A organização teve acesso a milhares de despachos. AFolha e outras seis publicações têm acesso antecipado à divulgação no site do WikiLeaks.

"Deixa esses caras [do PT] fazerem o que eles quiserem. As rodadas de licitações não vão acontecer, e aí nós vamos mostrar a todos que o modelo antigo funcionava... E nós mudaremos de volta", disse Serra a Patricia Pradal, diretora de Desenvolvimento de Negócios e Relações com o Governo da petroleira norte-americana Chevron, segundo relato do telegrama.

O despacho relata a frustração das petrolíferas com a falta de empenho da oposição em tentar derrubar a proposta do governo brasileiro.

O texto diz que Serra se opõe ao projeto, mas não tem "senso de urgência". Questionado sobre o que as petroleiras fariam nesse meio tempo, Serra respondeu, sempre segundo o relato: "Vocês vão e voltam".

A executiva da Chevron relatou a conversa com Serra ao representante de economia do consulado dos EUA no Rio. O cônsul Dennis Hearne repassou as informações no despacho "A indústria do petróleo conseguirá derrubar a lei do pré-sal?".

O governo alterou o modelo de exploração _que desde 1997 era baseado em concessões--, obrigando a partilha da produção das novas reservas. A Petrobras tem de ser parceira em todos os consórcios de exploração e é operadora exclusiva dos campos. A regra foi aprovada na Câmara este mês.

A *Folha*teve acesso a seis telegramas do consulado dos EUA no Rio sobre a descoberta da reserva de petróleo, obtidos pelo WikiLeaks.

Datados entre janeiro de 2008 e dezembro de 2009, mostram a preocupação da diplomacia dos EUA com as novas regras. O crescente papel da Petrobras como "operadora chefe" também é relatado com preocupação.

O consultado também avaliava, em 15 de abril de 2008, que as descobertas de petróleo e o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) poderiam "turbinar" a candidatura de Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil.

O consulado cita que o Brasil se tornará um "player" importante no mercado de energia internacional.

Em outro telegrama, de 27 de agosto de 2009, a executiva da Chevron comenta que uma nova estatal deve ser criada para gerir a nova reserva porque "o PMDB precisa de uma companhia".

Texto de 30 de junho de 2008 diz que a reativação da Quarta Frota da Marinha dos EUA, na época da descoberta do pré-sal, causou reação nacionalista. A frota é destinada a agir no Atlântico Sul, área de influência brasileira.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Piratas vingadores e espiões em diligência

2/12/2010, Umberto Eco, Libération, Paris (traduzido em PresseEurop, Portugal)

Disseminado pelo pessoal da Vila Vudu e adaptado para o português brasileiro pelo Viomundo

O caso WikiLeaks tem uma dupla leitura. Por um lado, revela-se um escândalo aparente, um escândalo que só escandaliza por causa da hipocrisia que rege as relações entre os Estados, os cidadãos e a Comunicação Social. Por outro, anuncia profundas alterações a nível internacional e prefigura um futuro dominado pela recessão.

Mas vamos por partes. O primeiro aspecto revelado pelo WikiLeaks é a confirmação do fato de cada processo constituído por um serviço secreto (de qualquer nação) ser composto exclusivamente por recortes de jornal.

As “extraordinárias” revelações norte-americanas sobre os hábitos sexuais de Berlusconi apenas relatam o que há meses se anda a ler em qualquer jornal (exceto naqueles de que Berlusconi é proprietário), e o perfil sinistramente caricatural de Kadhafi era já há muito tempo matéria para piadas dos artistas de palco.

A regra segundo a qual os processos secretos não devem ser compostos senão por notícias já conhecidas é essencial à dinâmica dos serviços secretos, e não apenas neste século. Se for a uma livraria consagrada a publicações esotéricas, verá que cada obra (sobre o Graal, o mistério de Rennes-le-Château, os Templários ou os Rosa-Cruz) repete exatamente o que já tinha sido escrito nas obras precedentes. E isso não apenas porque o autor de textos ocultos não gosta de fazer investigações inéditas (nem sabe onde procurar notícias sobre o inexistente), mas porque os que se dedicam ao ocultismo só acreditam naquilo que já sabem e que confirma o que já tinham aprendido.

É o mecanismo do sucesso de Dan Brown. E vale para os arquivos secretos. O informador é preguiçoso, e preguiçoso (ou de espírito limitado) é o chefe dos serviços secretos (caso contrário, podia ser, quem sabe, editor do Libération), que não reconhece como verdade a não ser aquilo que reconhece. As informações ultrassecretas sobre Berlusconi, que a embaixada norte-americana em Roma enviava ao Departamento de Estado, eram as mesmas que a Newsweek publicava na semana anterior.

Então porquê tanto barulho em torno das revelações destes processos? Por um lado, dizem o que qualquer pessoa informada já sabe, nomeadamente que as embaixadas, pelo menos desde o final da Segunda Guerra Mundial e desde que os chefes de Estado podem telefonar uns aos outros ou tomar um avião para se encontrarem para jantar, perderam a sua função diplomática e, à exceção de alguns pequenos exercícios de representação, transformaram-se em centros de espionagem. Qualquer espectador de filmes de investigação sabe isso perfeitamente e só por hipocrisia finge ignorar.

No entanto, o fato de ser exposto publicamente viola o dever de hipocrisia e serve para estragar a imagem da diplomacia norte-americana. Em segundo lugar, a ideia de que qualquer pirata informático possa captar os segredos mais secretos do país mais poderoso do mundo desfere um golpe não negligenciável no prestígio do Departamento de Estado. Assim, o escândalo põe tanto em cheque as vítimas como os “algozes”.

Mas vejamos a natureza profunda do que aconteceu. Outrora, no tempo de Orwell, podia-se conceber todo o poder como um Big Brother, que controlava cada gesto dos seus súbditos. A profecia orwelliana confirmou-se plenamente desde que, controlado cada movimento por telefone, cada transação efetuada, hotéis utilizados, autoestradas percorridas e assim por diante, o cidadão se foi tornando na vítima integral do olho do poder. Mas quando se demonstra, como acontece agora, que mesmo as catacumbas dos segredos do poder não escapam ao controle de um pirata informático, a relação de controle deixa de ser unidirecional e torna-se circular. O poder controla cada cidadão, mas cada cidadão, ou pelo menos um pirata informático – qual vingador do cidadão –, pode aceder a todos os segredos do poder.

Como se aguenta um poder que deixou de ter a possibilidade de conservar os seus próprios segredos? É verdade, já o dizia Georg Simmel, que um verdadeiro segredo é um segredo vazio (e um segredo vazio nunca poderá ser revelado); é igualmente verdade que saber tudo sobre o caráter de Berlusconi ou de Merkel é realmente um segredo vazio de segredo, porque releva do domínio público; mas revelar, como fez o WikiLeaks, que os segredos de Hillary Clinton são segredos vazios significa retirar-lhe qualquer poder. O WikiLeaks não fez dano nenhum a Sarkozy ou a Merkel, mas fez um dano enorme a Clinton e Obama.

Quais serão as consequências desta ferida infligida num poder muito poderoso? É evidente que, no futuro, os Estados não poderão ligar à Internet nenhuma informação confidencial – é o mesmo que publicá-la num cartaz colado na esquina da rua. Mas é também evidente que, com as tecnologias atuais, é vão esperar poder manter conversas confidenciais por telefone. Nada mais fácil do que descobrir se e quando um Chefe de Estado se desloca de avião ou contatou um dos seus colegas. Como poderão ser mantidas, no futuro, relações privadas e reservadas?

Sei perfeitamente que, no momento, a minha visão é um pouco de ficção científica e, por conseguinte, romanesca, mas vejo-me obrigado a imaginar agentes do governo a deslocar-se discretamente em diligências de itinerários incontroláveis, portadores de mensagens que têm de ser decoradas ou, no máximo, escondendo as raras informações escritas na sola de um sapato. As informações serão conservadas em cópia única, em gavetas fechadas à chave: afinal, a tentativa de espionagem do Watergate teve menos êxito do que o WikiLeaks.

Já tive ocasião de escrever que a tecnologia avança agora a passo de caranguejo, ou seja para trás. Um século depois de o telégrafo sem fios ter revolucionado as comunicações, a Internet restabeleceu um telégrafo com fios (telefônicos). As fitas de vídeo (analógicas) permitiram aos investigadores de cinema explorar um filme passo-a-passo, andando para trás e para diante, descobrindo todos os segredos da montagem; agora, os CD (digitais) permitem saltar de capítulo em capítulo, ou seja por macro porções. Com os trens de alta velocidade, vai-se de Roma a Milão em três horas, enquanto, de avião, com as deslocações que implica, é necessário três horas e meia. Não é, pois, descabido que a política e as técnicas de comunicação voltem ao tempo das carruagens.

Uma última observação. Antes, a imprensa tentava compreender o que se tramava no segredo das embaixadas. Atualmente, são as embaixadas que pedem informações confidenciais à imprensa.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A nova Kombi?


Sou daqueles que observa o mundo dos carros ainda com as "formas elementares de classificacao": Fusca, Kombi, Brasília e, no decorrer, Gol. O resto vejo sem muita capacidade de diferenciacao, embora, claro, seja fácil e quase auto-evidente o valor diferencial dos carros em termos de status: existe uma "forca imanente" na máquina que a permite impor a sua própria diferenca. Nisso nao depende muito do "sujeito".

O designer brasileiro Eudardo Oliveira propos um "revival" para a velha Kombi. No mundo dos automóveis também é preciso voltar aos clássicos.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A responsabilidade da „velha mídia“: imparcial, conciliadora da seguranca nacional com a liberdade de imprensa rs.

DEU EM O GLOBO

O que o vazamento do WikiLeaks ensina (Editorial)

O australiano Julian Assange, o hacker responsável pelo site WikiLeaks, o terror de autoridades no mundo inteiro, devido ao vazamento de informações que patrocina, é considerado por David Brooks, colunista do "New York Times", um "anarquista à moda antiga", para quem todas as instituições são corruptas e os pronunciamentos públicos, mentiras deslavadas.

Daí, Assange não pensar duas vezes antes de divulgar tudo o que lhe chega às mãos, sem critério, como demonstra a atuação do site.

David Brooks, em recente coluna, registra que, de acordo com a revista "New Yorker", Assange já revelou detalhes técnicos de um equipamento do Exército americano criado para prevenir a explosão de bombas colocadas em estradas, uma importante causa de baixas do país no Oriente Médio.

Não preocupou o australiano se a revelação das informações colocaria vidas em perigo.

Mas não é o caso de se decretar uma caça a Julian Assange. Afinal, toda a sociedade tem o direito de ser informada de assuntos de Estado — o desativador de bombas, por óbvio, não se enquadra neste caso.

Mas é melhor existir o WikiLeaks do que não. A questão passa a ser outra: o processamento das informações divulgadas em bruto por Assange.

A última, e ainda em andamento, operação do WikiLeaks é esclarecedora de alguns aspectos deste mundo cada vez mais digitalizado, em que arquivos nunca estão absolutamente a salvo, e a privacidade se torna um conceito cada vez mais relativo.

De posse de cerca de 200 mil documentos do Departamento de Estado americano, o site decidiu passá-los com alguma antecedência a quatro veículos de imprensa: ao inglês "Guardian", ao francês "Le Monde", ao espanhol "El País" e à revista alemã "Der Spiegel".

O "Guardian" repassou-os ao "New York Times". Tem sido exemplar o comportamento destas redações. Em duas ou três semanas, antes da primeira publicação coordenada da série de matérias, editores se lançaram a um enorme trabalho de garimpagem para escolher o que lhes interessava, e de triagem.

Como sempre ocorre nestas situações, tem de ser pesado o interesse público das informações, se a divulgação delas colocará em risco a integridade física de pessoas, e avaliar-se até mesmo questões de segurança nacional — as quais costumam ficar em segundo plano diante do interesse da sociedade.

Estas redações exercem um papel estratégico de filtro, ainda mais essencial no universo da internet, um avanço tecnológico histórico, mas que também serve para toda sorte de malfeitorias: denegrir pessoas e instituições, caluniar, manipular com interesses político-ideológicos etc.

No mundo dos blogs maliciosos, das informações inverídicas espalhadas em comunidades virtuais, do uso criminoso da internet, é crescente a importância dos tradicionais grupos de comunicação.

Por também atuarem em todas as novas plataformas digitais, eles estão em posição privilegiada dentro desta cacofonia digital.

Pessoa ligada visceralmente a este novo mundo, Julian Assange deve ter encontrado boas razões para bater às portas da "velha" mídia.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Estrutura e conjuntura social: Um problema para a modernidade

Décio Vieira da Rocha

O Brasil foi constituído por relações pessoais de muita proximidade, onde o status de classe chega a enganar, parecendo por vezes simétrico e fazendo perder totalmente de vista a essência de formação da estrutura social. O modelo positivista no Brasil falhou principalmente por causa disso; por mais que se tentasse montar uma diferenciação entre o público e o privado, o insistente aparelhamento do estado brasileiro e a idéia de que ele é que acabaria com os problemas sociais existentes causaram essa confusão, e sempre que preciso os governantes o utilizavam para tal fim.A burocracia não conseguiu entrar no Brasil.

A partir de um estudo sociológico que Luiz de Aguiar da Costa Pinto fez no Recôncavo baiano, onde foi instalada a primeira plataforma de extração de petróleo em 1950, podemos fazer uma análise comparativa com os demais estados brasileiros que também se utilizaram dessas grandes obras para constituir uma modernização política .Nesse estudo Costa Pinto vai analisar a grande mudança que ocorria na região por conta dos investimentos da empresa petrolífera .Havia ali uma grande modernização, porém, segundo ele, a estrutura social não se movia.A modernização e os avanços nas áreas de bem-estar e construção civil são sempre inevitáveis, o que o estado faz é acelerá-los.No Brasil a modernização econômica não consegue modernizar a estrutura social. Isso explica os grandes esquemas de corrupção no país; todos vêem no estado a possibilidade de sanar demandas de grupos ou de classe.

A composição altamente complexa dessa sociedade traz cada vez mais dificuldades e entraves a modernização política. Em 2008 trabalhei na Secretaria Municipal de Cultura de Italva (minha cidade natal) como chefe setor, onde por vezes eu via votos serem trocados por tambores para o carnaval, por pequenas doações de livros e o crescente aparelhamento da prefeitura onde me retirei por não querer compactuar com tais coisas. O carnaval só acontece se a prefeitura ajudar, obras inadequadas são feitas e trazem mais uma vez a mesma idéia que Costa Pinto viu em 1950, a falsa idéia de progresso, mas o pensamento estrutural de ganhar algo com ajuda do estado é sim ainda o maior entrave. Campos também é uma prova do conservadorismo que toma sempre a prefeitura na intenção de preservar um status de classe. Concentra-se nas classes maiores o poder, sempre utilizando o estado para conseguir tal façanha, e como no pensamento social tem-se a idéia de que eles querem a “modernização” tudo é aceito de forma tranqüila, o que faz com que a cidade tenha que ter sempre novas eleições antes do tempo certo.

Todos os estratos sociais tem essa idéia de mitigação dos problemas a partir do estado (quando são também considerados, já que em Campos por muito tempo as diferenças eram consideradas normais,[você sabe com quem está falando?]).Se o estado foi quem admitiu a escravidão, os problemas de classe , os problemas de gênero ,entre outros por tanto tempo, imagina-se que ele vai ser a eterna ferramenta para acabar com tais coisas.Os fins estão justificados pelos meios. E com isso são criadas secretarias, ministérios e tipos de serviços mais variados para que o estado possa absorver esses problemas. As elites locais se sentem nesse direito, o estado serve para “melhorar” a vida dos mais “necessitados”, e é aí que o patrimônio público se mistura ao privado.

A necessidade de modificar a sociedade alavancando o bem-estar social é importante, mas enquanto o Leviatã brasileiro não sair de cena, as estruturas sociais vão ser cada vez mais deficientes e problemáticas. A mudança estrutural é fundamental para que possamos “não ser mais os mesmos e continuarmos vivendo como nossos pais”.