sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

"DEZ LIVROS PARA 2009"

por Fabrício Maciel
Caros amigos e visitantes, gostaria de propor esta sessão "Dez livros para 2009" como sugestões de leitura. Penso aqui em clássicos e contemporâneos, que devem andar sempre de mãos dadas.
1 - "O abolicionismo" - Joaquim Nabuco (RJ: Nova Fronteira, 1999) (Para mim, o livro inaugurador do pensamento sociológico no Brasil. Deixa claro como escravidão não era devidamente tematizada em sua época. Seu legado de transformar a síntese entre senhor e escravo em cidadão permanece em aberto ainda hoje, mesmo que tenhamos avançado significativamente)
2 - "A revolução burguesa no Brasil" - Florestan Fernandes (Aqui o mestre Floresta, como grande discípulo de Marx, Weber e Durkheim, percebe a contingência específica da formação de nosso capitalismo, que estabelece ao mesmo tempo uma autonomia relativa das elites e uma heteronomia geral da nação)
3 - "A distinção" - Pierre Bourdieu (há uma edição recente em português) (percebe as dimensões mais imperceptíveis da luta de classes no cotidiano, através de sua dinâmica prática e simbolismo, fundamentais para sua lógica de reprodução no capitalismo contemporâneo)
4 - "Em defesa da sociedade" - Michel Foucault (SP: Martins Fontes, 2005) (nesta coletânea de aulas o mestre Foucault esboça sua teoria do saber-poder historicizando conceitos como raça e nação no ocidente. Tem um final muito bonito sobre o Biopoder desde o séc. XIX)
5 - "Adeus ao trabalho?" - Ricardo Antunes (Corajoso livro onde este brasileiro se posiciona em um debate internacional contra todo o relativismo contemporâneo, cuja esquizofrenia intelectual anuncia os vários fins da história, dentre eles o da sociedade de classes e da centralidade do trabalho)
6 - "A invisibilidade da desigualdade brasileira" - Jessé Souza (org.) (BH: Ufmg, 2006) (Nesta coletânea Jessé responde a críticas nos debates sobre raça, classe e desigualdade no Brasil, suscitados desde seu "construção social da subcidadania", além de apresentar resultados iniciais da pesquisa que explicita a lógica de legitimação e naturalização da ralé na sociedade brasileira)
7 - "O Brasil-nação como ideologia" - Fabrício Maciel (SP: Annablume, 2007) (Neste texto procuro colaborar para uma genealogia da brasilidade, buscando identificar suas principais idéias constitutivas e suas razões de ser históricas, principalmente na obra de autores que considero seminais na reprodução do mito, como José Bonifácio e Gilberto Freyre. Recupero ainda o pensamento de Nabuco como primeiro grande crítico do Brasil ideal)
8 - "A modernidade como desafio teórico" - Brand Arenari; Roberto Torres; et all (orgs) (Porto Alegre: Ufrgs, 2008) (Excelente esboço da singularidade do pensamento alemão, bem como de sua influência no pensamento ocidental como um todo, o que permite ver sua influência no pensamento brasileiro. Destaque para a amplitude do livro, que conseguiu dar conta de uma vasta margem de pensadores e correntes bem distintas naquela tradição)
9 - "Sobrados e mucambos" - Gilberto Freyre (1936) (Curioso notar como nosso maior ideólogo nos deixa esta pérola, onde mostra em detalhes a entrada do estilo de vida moderno, substituindo paulatinamente a sociedade patriarcal, desde o século XIX. Obrigatório para a compreensão do Brasil moderno)
10 - "A ideologia alemã" - Karl Marx (nunca é demais reforçar nosso espírito crítico com um livro inspirador como este. Aqui o jovem Marx desce a lenha em sua tradição de pensamento nacional, detonando o idealismo e esboçando seu materialismo histórico que, salvo todas as críticas recebidas, nos deixa um legado de coragem intelectual perdido em nosso tempo)
A leitura não deve ser feita necessariamente nesta ordem!!

terça-feira, 23 de dezembro de 2008


Prezados amigos,

A palavra “justiça” também acompanha “natal”. Acompanha na medida em que natal tem a ver com “boa nova”, esperança. Esta última acompanhou todos aqueles que seguiram o desenrolar da operação SATIAGRAHA da Polícia Federal, listando banqueiros e empresários por indícios de crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, financeiros, sonegação fiscal e formação de quadrilha. Ademais, perifericamente, envolveu toda aquela rede de interesses e relações nebulosas que tomam conta da república dos poderosos, capitaneadas pela “revista VEJA” e o presidente do STF Gilmar Mendes. O processo que condenou Daniel Dantas (o banqueiro), Naji Nahas e Celso Pita, teve como atores fundamentais o delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz e o Juiz de São Paulo Fausto De Sanctis, os quais, obviamente, foram vítima de dúvidas (queima de reputação) por parte de órgãos da grande imprensa e de “interessados” no caso. Neste caso pode-se perceber o quão densa é a rede que sustenta a corrupção e o jogo sujo no país. Por outro lado, pode-se ter esperança por meio destes juízes e delegados jovens que reproduzem os valores mais sagrados da justiça. Mais que isto, a mobilização em defesa dos dois por parte da população também expõe a sede de justiça que nos motiva, em função da inoperância de nosso sistema judiciário (principalmente para condenar os grandes). A última manifestação foi do cineasta Fernando Meirelles, que acabou de ganhar o prêmio "Paulistanos do Ano 2008", da Veja São Paulo. Sua resposta na premiação foi repassar o prêmio a outro paulistano que merecia mais que ele, De Sanctis. A carta ao juiz reproduzo acima, e embora seja uma manifestação de esperança individual, atinge a todos nós. A operação Satiagraha e as manifestações de apoio é uma “boa nova”.

Encontro de blogueiros de Campos hoje no Therapia´s

Prezad@s,

Hoje (23 de dezembro - terça-feira), 20 horas, no famoso "Therapia´s Bar" teremos uma primeira e possivelmente divertida oportunidade de encontrarmos parte dos responsáveis pelos blogs da cidade de Campos dos Goytacazes que tanto incomodaram no ano de 2008. E todos "a paisana" e descontraídos como deve ser em um ambiente de botequim.

Além das boas gargalhadas eu, como sociólogo, diria que o evento é demasiado interessante não somente pelo repertório de "causos", piadas e lembranças dos fatos que ali serão discutidos de forma apaixonada nas mesas.

Este será um momento de interação face-a-face em que o potencial crítico dos blogs quanto à esfera pública ganha ainda maior objetividade. Ali no espontaneísmo das animadas conversas, onde indivíduos de diferentes origens estarão se posicionando sem a "proteção" de seus computadores pessoais, que poderemos ver as retrações e proximidades dos projetos de sociedade que são vislumbrados na blogosfera como diria o Vitor Menezes. Sem falar das informações que costumam circular em reuniões pessoais e descontraídas onde não há a censura do texto escrito e publicizado, onde as redes interpessoais desnudam o que está "oculto" nos bastidores de um cidade com tantos esqueletos no armário.

Diria que é uma das oportunidades interessantes para vermos um agrupamento humano tão específico, se assim podemos dizer, interagindo espontaneamente.

De toda forma lhes vejo por lá neste "blogfest" de final de ano!

domingo, 21 de dezembro de 2008

FÉ NA POLÍTICA?

por Fabrício Maciel
Como meus colegas do blog já vêm ressaltando, esta semana nos faz lembrar da fé. A fé em si mesma é uma prática social universal na história da humanidade. Seu conteúdo, diria o sociólogo clássico Durkheim, reflete sempre a forma das ações intersubjetivas de uma coletividade. O conteúdo da fé evolui, ou se diferencia, historicamente. A fé no Deus uno da trindade não existiu sempre. Mas as sociedades sem ele tiveram seus deuses, enquanto representações imediatas de sua configuração social, que operaram a mesma força objetiva que Bill parece ter em mente em seu texto anterior. Seja qual for o conteúdo da fé, é fato que ele tem força, tem poder, e influencia as ações humanas. Assim, o conteúdo pode contribuir para a direção das ações e mudar a história das sociedades.
Sobre a temática "O que esperar da política em 2009", ela mesma já põe a questão da fé (O que "esperar"). Também temos fé nas questões do mundo laico, e seu conteúdo geralmente é definido pelo senso comum. Bourdieu definiria este como o terreno por excelência dos acordos. Assim, não há dúvida de que todo mundo quer uma política melhor para seu país, Estado ou cidade. Ao mesmo tempo, nosso senso comum, como espaço do conhecimento fragmento, das verdades incompletas e dispersas, que como diria Evans-Pritchard sobre os Azande, se justificam através de conteúdos místicos e nunca se contrariando logicamente, sustenta um mal-estar com a política e com os políticos. O brasileiro comum geralmente demoniza a política.
Particularmente quero propor um tipo de fé específico sobre a política. Algo que lembra os "homens bons" de que falava Sérgio Buarque. Só podemos acreditar na política se acreditarmos que homens de fé ocupem a política. Mas não cristãos, meramente, ou evangélicos, não é isso. Trata-se de homens que tenham fé em suas próprias ações, fé na sociedade, fé no potencial de mudança que toda realidade social apresenta. Homens de fé tentarão identificar tal potencial. Como já tratei em textos anteriores aqui, o senso comum mundial contemporâneo, que afeta nossa política, é niilista, anti-utópico, nem mesmo o cristianismo parece superá-lo. É preciso fé, de eleitores e políticos, para superar este senso comum negativo. Ele é histórico, fruto do fim da guerra-fria e de vários outros fins articulados, montados pela ciência: fim das história, das grandes utopias, do socialismo, do marxismo. Ou seja, fim da fé, da capacidade de ter fé. Uma era onde não se pode ter fé. Mas esta interpretação de nosso tempo está equivocada, pois todas as sociedades tem fé em em algo. Talvez a nossa seja a fé na incapacidade da fé.
Por isso é preciso acreditar na ação política, mas em homens e mulheres que acreditem também. E acreditar também é compreender. Se compreendemos que valores objetivos de cunho universalista podem ser desenvolvidos e compartilhados na prática, então temos fé. E como diria uma das frases clássicas no tema "a fé sem obras está morta". Portanto, eleitores, políticos, intelectuais, vamos à luta, acreditando que cada ação consciente no mundo pode alterar significativamente sua direção.

Deu no Caderno mais de Hoje - Importante Reedição!

Deu no Caderno Mais de Hoje que "A Integração do Negro na Sociedade de Classes" finalmente está sendo reeditada:

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2112200801.htm (acesso em 21 de dezembro de 2008)

+ Sociologia
A Integração...
... do Negro na Sociedade de Classes". Neste primeiro volume da tese apresentada à USP em 1964, o sociólogo Florestan Fernandes (1920-95) disseca o "mito da democracia racial" ao investigar a inserção dos negros na sociedade brasileira moderna. Ed. Globo (tel. 0/xx/ 11/3767-7400). 440 págs., R$ 65.



Estudo indispensável! Lamento apenas pelo preço salgado....

sábado, 20 de dezembro de 2008

O lugar do cristianismo: apontamentos íntimos.

Quando assumimos um ponto de vista científico sobre o mundo, mesmo que não estendamos para toda a existência, nos deparamos com momentos cruciais em que se chocam tal ponto de vista com outros que nos são igualmente substanciais. O problema muitas vezes é que o ponto de vista científico emerge em um momento em que já possuímos uma vivência prévia que nos forneceu as bases mais significativas de nossas compreensões sobre o mundo. Assumir então esta nova visão de mundo se constitui em um trabalho tão doloroso que parece nos cortar a própria carne. Podemos falar de conversão ou mesmo de alternação, o conceito de Peter Berger: a capacidade de assumir pontos de vistas diferentes. Mas há um habitus entranhado, incorporado, que recorrentemente nos “lembra” o passado, mesmo que imperceptivelmente. A religião é a grande inimiga da ciência, enquanto visões de mundo, e não deve ser diferente. Ambas fornecem significados para a existência que são antagônicos em método e teoria. E nos esquivamos instrumentalizando a ciência – profissão - e experimentando a religião - modo de vida. Esta diferenciação é moderna e ela resolve muitos problemas, a despeito de muitas vezes tender à esquizofrenia quando se tenta articular. Ao se aproximar o natal, tudo isso me vem à tona, e sempre me pergunto: qual é o atual significado deste evento já que na totalidade da minha vida cotidiana a religião está ausente? Minha resposta é: isto é um alto-engano. É desprezar, por exemplo, o quanto o cristianismo esteve presente na formação da ciência moderna, nos tratados morais que hoje nos chegam, nos conteúdos significativos não-científicos que preenchem grande parte da existência no ocidente. Neste sentido, penso com Rorty e Vattimo[1], a respeito do cristianismo: o mundo ocidental é um mundo melhor com ele, com as histórias morais de redenção, ajuda mútua, solidariedade – porém na esfera privada. É nesta esfera que parte do conteúdo de nossas ações públicas se estruturam, porém de forma íntima, de modo particular, e deve ser assim. Um pragmatismo religioso: não importa a veracidade científica do cristianismo, importa a utopia política do “bom Samaritano”, a irmandade solidária da “repartição dos pães”. Um grande cineasta captou isso antes dos autores acima, o italiano Píer Paolo Pasolini. Sua primeira fase traz uma pérola cristã, “O evangelho segundo Matheus” (1964), em que esse “Jesus pragmatista” é apresentado sensível à causa dos “pequenos” e profundamente solidário. O interessante é que o cineasta era além de cristão, comunista e homossexual. Não importa muito, na maior data cristã, nossas idiossincrasias. No natal, a mensagem de fraternidade cristã nos supera.

[1]The Future of Religion. Gianni Vattimo, Richard Rorty e Santiago
Zabala. Columbia University Press. 2005.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Adesismo, Fisiologismo e outros ismos – os caminhos de uma política campista sem oposição

Em Campos dos Goytacazes paira uma desconfortável sensação na política local objetivada nos comentários dos experts e dos cidadãos. Esta sensação eu poderia sintetizar na ausência da própria idéia de oposição política sistemática na cidade. Tanto em prática quanto em discurso. A grande questão é compreendermos como, afinal, chegamos a este cenário de aridez onde a esfera pública permanece esquálida há pelo menos 16 anos, justamente após a movimentação e a euforia que propiciou o “Muda Campos”.

No dia seguinte após as eleições, em que houve a consagração de Rosinha Garotinho nas urnas, fiz minha caminhada habitual pela cidade e constrangido percebi que a maioria das referências ao candidato que obteve o segundo lugar, o ex-prefeito e atual deputado federal Arnaldo Vianna, tinha desaparecido. O indefectível apelo emocional de uma campanha “do coração”, onde não havia qualquer autopercepção dos desafios da cidade que obtém o 12º lugar no ranking do Produto Interno Bruto nacional com um IDH paralítico, estava na sarjeta. Literalmente. Não nos cabe aqui discutir o quão desastrosa e amadora foi a orientação (?!?) da campanha de Arnaldo Vianna em que o “metrô de superfície” foi apenas o símbolo anedótico de sua incapacidade propositiva. Mas ainda assim me impressionou, como eleitor, sociólogo e cidadão, a agilidade com que adesivos, placas e demais referências visuais simplesmente evaporaram em menos de 24 horas. Até mesmo o pequeno número de eleitores que foi à frente da casa do candidato após a reconhecida derrota prestar sua solidariedade após o segundo turno, onde o referido candidato obteve 43% dos votos (113.638 votos individuais), deveria causar espanto. Afinal o homem obteve mais de 100 mil votos!

Não me parece que o “choque” deva ser restrito ao desaparecimento, tão objetivo quanto simbólico, do rosto e da sigla de Arnaldo das ruas. Mais preocupante foi a repetição de um comportamento que tipifico como “adesista” pois notei que muitos veículos que até então mantinham a adesão ao candidato Arnaldo Vianna, não satisfeitos com o abandono a qualquer princípio de fidelidade ao mesmo, aderiram ao “15” da prefeita eleita. Utilizando aquele famoso e infame jargão, tornaram-se em menos de 24 horas “Rosinha” desde garotinho.... O adesismo é mais um sintoma que contaminou até mesmo formadores de opinião que, ao perceberem a inevitabilidade da vitória de Rosinha, aderiram de maneira oportunista ao coro dos contentes do 15. E esta posição adesista conquistou, pasmem, até mesmo parcela dos quadros do combalido e pouco convincente Partido dos Trabalhadores local.

Precisamos entrar no universo das possíveis motivações que animam a política em Campos dos Goytacazes. E de maneira arriscada irei propor, em forma de ensaio, alguns tipos ideais de comportamento que poderiam nos ajudar a compreender tanto a inexistência de uma oposição quanto o esvaziamento das referências de campanha e mesmo o adesismo. E penso que o termo “fisiologismo”, creditado ao ilustre jurista San Tiago Dantas (1911-1964), seja parte da solução. Não só para respondermos aos dois pontos anteriores mas, também, para pensarmos em uma outra questão cara aos especialistas: existe um “garotismo” no ar? Por hipótese momentaneamente eu responderia que não há um discurso “garotista”. Há sim uma prática, uma práxis política específica, que podemos identificar. E direi a frente porque.

Prosseguindo a prática do “fisiologismo”, em que há a acomodação dos mais díspares interesses e gramáticas morais sob uma mesma estrutura e é o verdadeiro “móvel” do adesismo, em Campos certamente esvazia fragorosamente qualquer possibilidade de discurso sistemático alternativo sobre a coisa pública. Ora, a res publica é usualmente interpretada nesta realidade como espaço para saqueadores, onde todos podem extrair ao máximo os vultuosos recursos em prol de seu conforto particular. Há um imaginário social sobre esta questão que é propiciado pela destituição de mecanismos de oposição legítimos. Não há um contra-discurso para a prática de barbárie com o aparato administrativo municipal. Ocorre sim um verniz de um discurso moralizador e messiânico, que pode ser uma tentativa de explicação do sucesso de Rosinha Garotinho nas últimas eleições. Mas, e onde situa-se a origem do “fisiologismo”?

Com os recursos dos royalties não há possibilidade, até o presente momento, de oposição sustentável. A vergonhosa situação dos terceirizados, o aparato de corrupção sistemicamente construído, deixando poucos espaços para discursos e agentes autônomos, é apenas parte da explicação e aquela que justamente nos salta aos olhos imediatamente por estar situada na superfície. Mas o problema está mais embaixo. Está no esvaziamento da esfera pública. A questão é compreendermos como isto ocorreu, nos restando as práticas fisiológicas e adesistas.

Parte da chave para responder a essa questão me veio a tona no importante Fórum ocorrido na UENF sob a organização do professor Hamilton Garcia de Lima. Conversando depois, em off, com parte dos convidados das mesas, foi ventilado o processo de cooptação que teria auxiliado a naufragar qualquer tipo de pretensão progressista do “Muda Campos”. Se Campos dos Goytacazes vivia, assim como o resto do país, o florescimento de uma sociedade civil atuante após o estrangulamento promovido pelos golpistas de 1964, o que nos colocou em atraso de décadas se compararmos com o levante da sociedade civil nos países centrais, a cidade particularmente teve seu processo inconcluso. Nas narrativas frustradas dos convidados ficou patente o esvaziamento das reuniões de bairros, das associações de moradores, dos intelectuais e mesmo da opinião pública promovido por práticas de cooptação e/ou cerceamento “arrasa quarteirão” ainda no primeiro governo Garotinho. E não é só isso.

Em dissertação de mestrado defendida na UENF por Dauro dos Santos Franco, na pós graduação em políticas sociais (disponível para download aqui), é possível observar que o número de cargos DAS passa do número de 89, no primeiro governo Garotinho, para 506 (?!?) no segundo governo. É esta prática que irá levar água ao moinho das práticas clientelistas transclassistas pois mistura-se o discurso messiânico e assistencialista para os agrupamentos pauperizados e as nomeações para as classes médias gerando o vinculo necessário de sobrevivência material entre a práxis do Garotismo, seus afilhados e seguidores como o próprio Arnaldo Vianna e Alexandre Mocaiber. Me parece suficientemente óbvio que estas classes dependentes das migalhas (de maior ou menor monta) do poder local não possam elaborar um discurso politicamente avançado. Sua sobrevivência imediata depende da manutenção do status quo e não conseguem imaginar outra forma de sobrevivência que não seja pela subserviência física e moral. Isto é certamente elucidativo para entendermos o adesismo descrito em parágrafos anteriores. E é esta práxis política que pavimentou o caminho para o consenso pró Rosinha detectado nessas eleições. Também é esta mesma práxis política que não pode nos causar estranhamento ao nos depararmos com partidos como o PSB, que até antes das eleições mantinha um discurso anti-garotinho, já ter anunciado a sua adesão ao novo governo. Rei morto. Rei posto. E fiel a quem quer que seja que mantenha o poder, não importando quem seja.

A persistência dessas práticas que torna possível entendermos um “modus operandi” garotista na planície. O que não implica afirmarmos que há um discurso próprio. Basta uma espiadela no repertório produzido pelo ex-governador, disponível em seu blog, para vermos que há a reprodução de um tom “anti-lula” ainda com menos profundidade do que os Mainardis e afins que pululam no pastiche que tem se tornado a imprensa nacional. Mas não há uma elaboração própria, uma interpretação sobre o que venha a ser o Estado ou mesmo traços de originalidade intelectual, o que demarcaria a efígie de um grande estadista. Há sim um discurso falso moralista ou criador de factóides... Justamente na esteira de um César Maia.

Retornando às práticas que propiciam e incentivam o fisiologismo e o adesismo o que assistimos são repetições de uma novela já conhecida. O que os agrupamentos que se beneficiam no curto prazo destas posturas devem compreender é que usualmente o vácuo político deixado realiza a implosão de possibilidades de fidelidade política. Com uma legião de dependentes materialmente da prefeitura não se realiza somente o esvaziamento da esfera pública e de sua conseqüente reflexividade. Se realizam as possibilidades do “adesismo” nada apegado a qualquer noção de fidelidade que poderia ser a base segura para qualquer projeto político consistente e sustentável no longo prazo. Até lá continuaremos com uma esfera pública local sem discurso próprio, acéfala, e onde a “oposição” muitas vezes se opera em um tom personalizado com ódios “pessoais” dado que inúmeras vezes a prefeitura tem prestado para nada muito maior do que agraciar aos amigos e punir os inimigos. Ao menos até o momento em que as posições de “amizades” mudem de configuração até as próximas eleições.

De todo modo com a não possibilidade de termos uma oposição criativa, duradoura e propositiva todos perdem. A democracia, a esfera pública, a sociedade e até mesmo os “donos do poder” pois estão se eximindo de aprendizados políticos e morais de soma positiva. Até lá que convivamos o pacto da mediocridade.

O "PUXA-SAQUISMO ESTRUTURAL"

Fabrício Maciel
Hoje comecei o dia mal-humorado. Tive o desprazer de escutar em Campos uma rádio montada explicitamente para o puxa-saquismo da prefeita eleita. Pelo menos valeu a pena pela análise. Uma das pérolas que escutei foi sobre um evento que ocorreu ontem no Trianon para celebração e formalização ritual da vitória. Dizia-se que a prefeita estava muito bonita, várias vezes. Isto é emblemático dos limites do aprendizado moral e político no Brasil. A população é convencida muito mais por argumentos que apelam para a estética do que para habilidades, capacidades ou virtudes de seus governantes. É interessante nosso "puxa-saquismo estrutural". Há uma rede de apoio a candidaturas, que permanece ativa após as eleições, guiada por interesses materiais imediatos, e formada basicamente pela pequena-burguesia sem cultura. São aqueles mesmos que pagam mico com seus carros todos pintados durante as campanhas, na esperança da velha boquinha. Isso não tem nada a ver com as explicações do paradigma conservador, ainda predominante no senso comum e na academia brasileira, do composto personalismo-patrimonialismo. A dimensão de nosso puxa-saquismo se explica pela ausência de aprendizado moral e político de uma modernidade seletiva, no sentido que generalizou apenas sua dimensão economica estrita, estando ausente de uma revolução política que generalizasse culturalmente o que o liberalismo político tem de bom. Ou seja, a autopercepção individual enquanto responsável pela construção de um bem público e componente de uma comunidade política. Sem isso os interesses economicos puros se tornam os principais vetores da ação individual no espaço público.
Também é interessante a relação de nosso puxa-saquismo com a especificidade do populismo e a brasilidade. Outra pérola que escutei exprimia bem isso. Dizia-se que a prefeita havia definido de forma muito inteligente (ouvir esta piada logo de manhã é f.) o episódio de ontem, e de forma muito bonita (quase chorei). Ela disse que aquilo não era apenas o Trianon lotado, era o povo de Campos representado. A mesma limitação de aprendizado político explica a facilidade como o povo emerge enquanto categoria vaga e abstrata, que precisa ser evocado enquanto entidade política mas que não existe enquanto agente efetivo. A necessidade de singularidade é vista quando se fala em Povo de Campos, ou seja, a abstração apenas parece sumir quando se atribui identidade cultural e moradia a este ente abstrato. A conexão com a brasilidade está na facilidade de se conectar o perfil deste ente com caracteres estéticos e naturais, típicos de nosso mito, e muito menos com virtudes e capacidades de ação.
No geral, os interesses econômicos nunca podem se apresentar no imaginário social moderno. É neste ponto que a cultura, como um conceito vago e elástico, intocável, sagrado, surge como explicador das especificidades. É o povo de Campos, é a cultura local, é o mandonismo local, etc., tudo como lorota para mascarar o verdadeiro motor econômico das ações. Assim, a mentira da especificidade cultural mascara a especificidade do peso da dimensão economica da vida em uma sociabilidade quase ausente de aprendizado político e moral que ensina e faz internalizar concepções de mundo universalistas que impõem limites à defesa velada dos interesses mais pragmáticos.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Direito de resposta

A pedido do blogueiro amigo Flávio Mussa, divulgo aqui o link em que consta sua resposta e explicação a nota dada na coluna do Saulo Pessanha, do jornal a folha da manha. O Flávio esclarece com detalhes os fins, as necessidades e também a quem foi solicitado o pedido de ajuda. Quem quiser conferir, é só ir em: http://novoceuenovaterra.blogspot.com/2008/12/sobre-inverdades-respeito-da-escola.html

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Educação integral, para quê e para quem?

Por Paulo Sérgio Ribeiro

A institucionalização de um sistema de ensino é uma temática recorrente quando focamos a co-determinação entre a estratificação social e o monopólio da cultura letrada, delineando uma questão de fundo no estudo da formação social brasileira. A universalização quase irrestrita do acesso à escola para a população de sete a 14 anos, observável desde a década de 1990, é um avanço nas demandas pelo direito à educação, embora suceda em questionamentos entre a burocracia estatal e seus órgãos especializados, as organizações civis e os demais atores politicamente relevantes diante de impasses na atribuição de competências e alocação de recursos para o setor educacional na assimétrica federação brasileira. Em acordo com essas ponderações, a educação integral prescrita na LDB de 1996 como modalidade de ensino a ser expandida na educação básica é uma meta suscetível a inúmeros testes de meios nas políticas públicas em vigor. Assim, delimito a educação integral como um ethos escolar específico, cuja adoção pelas famílias é uma variável dependente de estratégias de socialização escolar afeitas à situações de classe.

No ensino fundamental, a universalização do acesso escolar não vem demonstrando ser uma medida resoluta para as deficiências no processo ensino-aprendizagem. Os fatores concorrentes para essas deficiências estão associados às condições intra e extra-escolares que influem no tempo médio de conclusão acima do desejável. Uma distorção que se acentua quando observadas as desigualdades regionais: em escala nacional, o tempo médio de conclusão no ciclo educacional obrigatório – as nove séries do ensino fundamental – corresponde a dez anos, podendo chegar a 13 anos na região Nordeste, tal como verificado em 2005 (Ipea, 2007). A presença massiva de estudantes repetentes impõe constrangimentos à organização das escolas, cujas deficiências de rendimento são reforçadas pelos limites quantitativos de vagas para reuni-los com os estudantes matriculados em idade própria. Nem mesmo a possibilidade de multiplicação de escolas responde eficazmente o problema, pois não altera as múltiplas causas da distorção idade / série. Todavia, o aspecto mais crítico do baixo rendimento escolar é o abandono definitivo da escola, ocorrendo em alguns casos quando os estudantes mal iniciaram sua vida escolar, o que os mantém ou os fazem regredir ao estado de analfabetismo.

Não obstante os limites de financiamento público no setor, a educação integral é um referencial possível para as famílias no que toca à correlação entre socialização escolar e socialização primária, assim como um segmento da administração pública na política educacional fluminense, dada a permanência dos Cieps. A educação integral, em sentido estrito, pode ser entendida como a transmissão de conhecimentos não exclusiva à herança social formalizada em conteúdos curriculares e, não obstante, como uma aspiração coletiva passível de consensos e dissensos nas concepções de famílias e professores acerca da divisão do trabalho escolar.

A democratização de oportunidades educacionais requer não apenas um novo patamar distributivo para as políticas públicas, mas a continuidade e a qualificação das discussões e pesquisas sobre a emergência de “responsabilidades educacionais, não tipicamente escolares” (Cavalieri, 2002) cuja tradução pelos professores e estudantes pode não ser bem-sucedida na ausência de um projeto político-cultural renovado para o ensino fundamental, que responde pelo grosso da população escolarizada no país. Sua abordagem enfatiza a dimensão integradora da educação face às demandas dificilmente assimiláveis pelos papéis tradicionais que demarcam a identidade profissional dos educadores. A socialização primária é cada vez mais co-extensiva à socialização escolar, caracterizando-se por “atividades relacionadas à higiene, saúde, alimentação”, assim como pela “grande dependência afetiva de parcela importante do alunado que, muitas vezes, tem na escola e em seus profissionais a referência mais estável entre suas experiências de vida” (Cavalieri, 2002, p.249). A negação por parte desses profissionais de responsabilidades entendidas como alheias ao ato de instruir é contraposta pelas evidências de que sua incorporação no sistema de ensino é inevitável. O problema é que tais demandas são incorporadas quase sempre sem planejamento, a despeito de sua institucionalização silenciosa nas escolas públicas.

As ambigüidades dos professores diante dessas mudanças são compreensíveis pelo modo como a socialização na escola torna-se uma esfera potencial de conflitos entre a instituição escolar e os grupos familiares situados em pólos extremos da escala social. A escolha do destino escolar orienta-se por uma noção de “boa educação”, um conjunto inarticulado de valores e interesses que define o estilo de vida de uma fração ou classe social. Noutros termos, o habitus de uma classe fundamenta-se em disposições socialmente adquiridas, inscritas de modo pré-reflexivo nas práticas e visões de mundo de indivíduos e grupos em uma mesma situação de classe. As escolhas das famílias quanto ao tipo de socialização dos filhos podem ser tomadas como “livre” escolha apenas em termos de oportunidades objetivas de adequação entre o ethos familiar e a organização escolar.

“A violência simbólica nunca se exerce sem a cumplicidade (extorquida) dos que a sofrem”, lembra Bourdieu, o que equivale a dizer que a reprodução de condições sociais adscritas no percurso escolar é indissociada da forma como famílias e professores avaliam-se mutuamente. No senso comum pedagógico predomina a idéia de que há uma divisão do trabalho na qual a família educa e a escola ensina. A insuficiência de socialização prévia é diagnosticada pela maioria dos professores como prejudicial à aprendizagem, obrigando-os à tarefa de ensinar comportamentos que poderia e/ou deveria ser exclusiva à instituição familiar. Essa exigência é tomada como um “desvio” de suas tarefas ordinárias. A percepção dos professores deve ser analisada não como um mote para sua culpabilização diante do fracasso escolar generalizado, mas como um apontamento para novas competências profissionais ante a participação da mulher no mercado de trabalho e a mudança de seu status social (há muito distante do exclusivismo doméstico), a reestruturação dos arranjos familiares e o prolongamento do tempo vivido por crianças e jovens na escola. A incorporação nas últimas décadas das grandes massas no sistema de ensino no país implica na entrada de crianças oriundas de camadas pauperizadas que partilham modos de educar diversos dos que organizam a escola.

Ao ingressar seus filhos na escola, famílias de elite e famílias das camadas populares têm interesse não apenas na transmissão estrita de conhecimentos, mas no aprendizado de comportamentos socialmente valorizados. Entretanto, o conteúdo dessas expectativas e a realização das mesmas variam conforme a posição que essas famílias ocupam na hierarquia social e, por conseguinte, com o grau de proximidade da cultura escolar dominante. Assim sendo, para as famílias de elite tende a haver mais chances de se obter concordância entre a escolha da escola e o controle da educação ali realizada, ao contrário das classes populares, marcadas por inúmeras dissonâncias entre a socialização primária e a socialização escolar.

Em uma perspectiva relacional das classes sociais, a confrontação de grupos de elite e classes populares ocorre com referência a modelos hegemônicos de socialização escolar. Com efeito, a luta de classes é uma luta pela (re)definição de princípios de visão e de divisão do mundo estabelecidos nos termos de uma classe ou fração de classe dominante que, difundidos de modo inconsciente, servem de orientação para a classe dominada em condições sócio-econômicas que as separam no espaço social e físico. Tais esquemas de classificação são dotados de uma “cumplicidade ontológica” com as formas de apropriação do capital simbólico em trajetórias escolares distintivas do ethos de classe das camadas de alta renda que, a despeito das alterações de sua composição social nos ciclos de modernização experimentados no século passado, intervieram no controle da expansão escolar de modo a operar no monopólio dos poderes públicos o monopólio de fato da cultura letrada.

A ideologia do mérito, que justifica a noção de desempenho diferencial a partir do esforço individual na incorporação do saber escolar, dissimula as condições prévias para a formação e transmissão do capital cultural e, assim, o fundamento sócio-econômico da distinção social na confluência da origem familiar com o capital escolar. Com efeito, basta que a escola efetive o desiderato universalista de tratar em igual medida todos os estudantes, a despeito de desigualdades diante da cultura atribuíveis a uma socialização primária desfavorável, para que a esperada eqüidade formal na transmissão de conteúdos disciplinares e na avaliação da aprendizagem confirme, na prática, a naturalização do privilégio cultural na socialização escolar.

Famílias de camadas populares têm grande probabilidade de exporem-se a duas escolhas mutuamente excludentes: engajamento dos filhos em uma economia domiciliar e no trabalho remunerado não-formalizado ou o ingresso na escola pública. Todavia, está implícito nessa escolha mais do que uma necessidade material pungente, considerando que a opção dos pais pela inserção precoce das crianças no mundo do trabalho decorre de uma demanda de socialização escolar não atendida, discernível pela oferta desigual do tempo nas práticas escolares e de todos os recursos estratégicos provenientes do mesmo. as classes populares, assim como os grupos de elite, procuram escolas com as quais tenham afinidades, embora, no caso das primeiras sob o reconhecimento tácito de que sua educação familiar é considerada ilegítima em relação às práticas escolares que submetem seus filhos, o que não impede necessariamente a elaboração de estratégias de intervenção direcionadas para a conservação / transfiguração de seu ethos familiar, que tende a se confundir com o ethos das classes trabalhadoras, matizado pela valorização da disciplina e do saber prático corporificados numa visão de mundo ambígua e reativa à socialização escolar em sua contigüidade com a cultura de elite.

Um novo marco para a regulação do sistema de ensino encaminha-se para ou, ao menos, está constrangido à tentativa de viabilizar uma oferta equânime de tempo e espaço na escolarização da população brasileira que comporte demandas correlacionadas à socialização primária, posto não ser monopólio de uma única classe ou grupo social. Subscrevo o diagnóstico de Cavalieri (op. cit.) de que essas demandas “vem ocorrendo por urgente imposição da realidade, e não por uma escolha político-educacional deliberada”, o que tende a reforçar uma ausência de razoabilidade nos processos decisórios do setor educacional.

domingo, 14 de dezembro de 2008

BARAK OBAMA: QUAL MUDANÇA?

por Fabrício Maciel


Uma das primeiras frases que vi pronunciadas pelo eleito Obama foi algo do tipo: ‘ninguém jamais duvidará que os Estados Unidos são o país onde tudo pode acontecer’. A frase veio estampada na capa de uma conhecida revista brasileira, e sua escolha não foi por acaso, como tudo o que ocorre no mundo social e político. Tal enunciado exprime bem o significado de uma vitória que atende a expectativas positivas em termos sociais no mundo inteiro. No entanto, ela é sintomática do que acontece em todo processo de mudança social: ele sempre ocorre de dentro do sistema, é gradual, e nunca rompe totalmente de imediato com as estruturas vigentes, apesar de poder apresentar avanços significativos. Talvez seja o caso de Obama. Pelo pouco que vi, as questões raciais já roubaram a cena em torno de sua vitória, na expectativa de que seja um avanço mundial a nação mais poderosa eleger um negro, ainda mais sendo aquela onde se acredita tolamente haver um dos piores preconceitos do mundo. Como de praxe, as questões sociais acerca da produção de lixo humano do capitalismo em dimensão mundial sempre ficam em segundo plano, e isso na melhor das hipóteses, quando surgem. Entretanto, o ponto que me parece mais curioso é que a eleição mais inusitada que presenciei, desde que me entendo por gente, é definida pelo próprio eleito em termos que mais conservadores seriam difíceis de imaginar. A citada frase explicita o mito nacional norte americano, nu e cru, em todas as suas letras. Trata-se da idéia de nação mais imprevisível exatamente por ser aquela possuidora da democracia mais perfeita. Posso estar forçando a barra analiticamente, mas não consegui pensar em outra coisa. ‘O lugar onde tudo pode acontecer’. Há utopia democrática mais poderosa do que essa? Naquele país, o que está sendo dito é que tal utopia é realidade. Nada mais propício para legitimar a hegemonia e liderança de uma nação no mundo moderno. Isso por que em tempos onde o multiculturalismo é o senso comum mundial, um negro chegou ao poder. Será mesmo uma grande mudança? Em parte, acredito ser bom por colocar questões de mudança que são sempre bem aceitas. Mas nem sempre podemos acreditar no tamanho das promessas. Também acredito ser potencialmente melhor que a era Bush. Vejamos. Entretanto, é fundamental para a permanência dos Estados Unidos como nação hegemônica discursos do tipo ‘estamos em crise’, ‘estamos mudando’, ou ‘aqui tudo pode acontecer’. É confortável para o resto do mundo. Para nós. Enquanto isso, o Imperialismo cultural americano permanece intacto. Mesmo por que falar em Imperialismo já se tornou ‘obsoleto’, ou coisa de ‘marxista bitolado’, que não vê outras variáveis analíticas do mundo contemporâneo, e bla, bla, bla...Mas viva as mudanças, ainda que sejam relativas. Só não acreditemos tanto nelas, esperemos sempre um pouco mais. Explicitar as ambigüidades dos “avanços” é sempre interessante para nos lembrar que o sociólogo que tenta ser crítico nunca está totalmente satisfeito, mas também não desconsidera os potenciais que certas mudanças apresentam, mas que nunca são levados a cabo por si mesmos, mas sim com reflexão crítica e ação política consciente. Vejamos o que faremos com o potencial que Obama eleito nos apresenta.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Kierkegaard: cristianismo e solidão


Por Frederico Schwerin Secco*


Para Kierkegaard, pensador dinamarquês do século XIX, a questão principal da existência era como tornar-se um verdadeiro cristão numa época em que o Cristianismo havia sofrido todo tipo de descaracterização e vulgarização. Para ele, num mundo em que já nascemos cristãos, a pergunta pela verdade do Cristianismo deve ser recolocada com a máxima urgência e seriedade com vistas a recuperar a verdade da mensagem de Cristo. A resposta a essa questão tão premente, entretanto, não poderia ser efetuada pelo estudo sistemático das questões religiosas. Kierkegaard postulava a necessidade de uma educação pelo sofrimento; a resposta à questão do tornar-se cristão deveria ser encontrada na própria tentativa de viver o Cristianismo a partir das exigências reveladas, ao invés de entendê-lo pela via fácil e cômoda da convivência paroquiana.

Daí a preocupação de Kierkegaard em toda a sua obra: o aprendizado do sentido da vida não se faz em conjunto, não se percorre em grupos; o caminho é realizado solitariamente. Encontramos, nesse momento, a categoria que iluminará e norteará todo o percurso do pensamento do autor dinamarquês, uma vez que explicitará os requisitos necessários para uma reflexão criteriosa e uma busca daquilo que ele considera como a tarefa de uma existência autêntica: “O Indivíduo: eis a categoria pela qual devem passar, sob o ponto de vista religioso, a época, a história, a humanidade”.

Tornar-se o Indivíduo será a exigência primordial daquele que se dispõe a enfrentar os desafios colocados pela vida em sua radicalidade. Nesse sentido, Indivíduo não é o que cada homem já é enquanto estrutura humana singular dada, mas uma noção que indica a intenção ou a disposição que cada homem possui, de lutar pela procura do sentido da sua existência singular. Essa disposição caracteriza-se por ser uma tomada de decisão em que o ser humano se afasta do geral para tornar-se aquele que caminha sozinho. À medida que esse movimento de buscar o sentido da existência dá-se como movimento de procura do sentido da própria existência, é importante ressaltar que, para Kierkegaard, essa estrutura de construção de sentido não se realiza individualísticamente ou por meio de um subjetivismo egoísta. Pois o homem não se afasta dos outros homens por um movimento de negação destes. A estrutura de busca de sentido e de realização do Indivíduo perante Deus exige uma concentração somente possibilitada pela solidão.

“Não são grandes aqueles barcos que se equipam e que se consegue, com muito custo, lançar às profundezas, não, trata-se de barcos muito pequenos, canoas destinadas a uma única pessoa; aproveita-se o instante, desenrolam-se as velas, sozinho, com a rapidez infinita dos pensamentos inquietos, passa-se ao longo do mar infinito, sozinhos sob o céu infinito. Esta vida é perigosa, mas estamos familiarizados com a idéia de perdê-la; pois o verdadeiro gozo consiste justamente em desaparecer no infinito, de modo que tudo o que restar disso será apenas a felicidade desse desaparecimento.” Kierkegaard.


* Frederico Schwerin Secco é doutor em Filosofia pela UFRJ e professor da UENF.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Reflexões Natalinas, ou o Calendário do Advento do blog “Outros Campos”

O calendário do advento, ou “Adventskalander” no seu termo original em alemão, é uma tradição cristã surgida na Alemanha. Como o termo advento significa chegada, o calendário de advento é um preparatório para a chegada, como se refere ao natal, é um preparatório para a chegada do Cristo. O sentido desta liturgia é a intensificação do espírito natalino, é o lembrar constante que se vivencia um período diferente do ano; especial, mágico ou mais precisamente, sagrado. Como nos diz o sociólogo da religião N. Bellah, a essência do sagrado é tudo aquilo que nós depositamos uma imensa carga emocional, a sacralidade deste período se refere à atividade de refletir sobre as mais profundas escolhas emocionais de nossa existência. E essa reflexão se dá a luz do cristianismo.

Em virtude disso, o blog “outros campos” trará para seus leitores um “Adventskalender” a sua maneira. Nos dias que seguirão até o Natal, traremos textos de amigos nossos (sociólogos, teólogos, filósofos e outros), produzidos exclusivamente para o calendário do advento de nosso blog. A temática dos textos girará entorno do título “O Cristianismo e o Pensar”. Textos sobre Kierkegaard, Charles Taylor, Heidegger, teologia da libertação entre outros, farão parte desta jornada.

Com isso, esperamos contribuir na construção de um genuíno calendário de advento para nossos leitores e também nós mesmos, mesmo que nem todos sejam cristãos. O calendário do advento, embora sendo um patrimônio do cristianismo, se abre a todos que queiram fazer deste período um tempo de reflexão profunda sobre suas escolhas pessoais e coletivas. Esses são os votos de um Feliz Natal do blog “outros campos”.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A questão dos “piratas terceirizados”

por Roberto Torres

A questão dos funcionários terceirizados, os “piratas” como diz o companheiro Xacal, parece ser um dos principais elementos para compreender o clientelismo em Campos e conseqüentemente para fazer uma crítica radical deste fenômeno estrutural de nossa política. Acho que analisar com cuidado o que são os terceirizados e como eles agem na vida cotidiana é fundamental para entendermos porque eles são um dos principais suportes da política clientelista, como algo que ultrapassa a intenção deste ou daquele governo, embora só tenhamos aqui governos mal intencionados.
Basta o bom senso para ver que estes “piratas” honram o próprio nome, ou seja, que eles são o resultado de um processo social cuja lógica é exatamente produzir um classe de descartáveis, sobrantes desqualificados, e, como tais, usados como tudo que sobra e que se obtém em qualquer esquina: sem cuidado com a duração, sem investimento para prolongar a vida útil....
Não é por acaso que estes funcionários não sejam contratados sem concurso público, que sejam jogados em “cooperativas” por cuja origem e destino não lhes cabe decidir. Vivem e sempre viveram, bem antes de serem admitidos para vigiar nossa ruas escuras, limpar as escolas nas quais os filhos de classe média não precisam freqüentar, e apoiar seus padrinhos em ano de eleição, como uma armada de serventes igualmente desarmados, prontos para tudo porque preparados para nada. Sua vida, desde cedo no ambiente da família, é marcada pela urgência de defender a vida no presente e pela impossibilidade de planejar o futuro. Quando são jogados nas mãos de Garotinho e Arnaldo, Rosinha ou Mocaiber, eles já estão acostumados ao jogo do acaso como rotina de sobrevivência.
Diante do estilo de viver e morrer desta classe, que o sociólogo Jessé Souza conceitua provocativamente como “ralé estrutural”, a crítica ao clientelismo na contratação dos funcionários terceirizados pode, ao meu ver, ir por dois caminhos. Ela pode ser uma crítica voluntarista, focada apenas no que fazem os governos mau intencionados, e no fundo estar baseada numa motivação estética, que, sem intenção, acaba reproduzindo o preconceito de classe: “é feio para a democracia e para nossa cidade ter essa gente toda, sem contrato, com utilidade duvidosa, dando as cores de nossa máquina administrativa”. E ela pode também ir além desta crítica estética, considerando alguma norma moral que faz da relação de classe típica do clientelismo algo valorativamente indesejável para a vida comum. Assim eu acho que a crítica pode romper com o preconceito de classe, mostrando porque e como os “piratas” dependem da vida que levam tanto antes como durante os serviços precários. Caso contrário, no silencio de nossa mera ojeriza ao lugar que ocupam e à realidade que exibem, acabamos por ratificar um liberalismo moralista do qual a esquerda só escapa se ela consegue compreender que a “ralé” é produzida para ser manipulada econômica e politicamente.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

“Despiorar” não é sinônimo de “melhorar”

Interrompemos nossas análises e até saímos um pouco de nossa “linha editorial” (risos), porque gostaríamos de lembrar nossos leitores que: aquilo que é “menos ruim” que o horroroso, não necessariamente é bom. Após sair de uma experiência traumática, de abandonar um estado pavoroso, temos a falsa impressão de que o momento ou situação seguinte é bom(a), pelo simples fato de não ser tão horripilante como a de outrora. Embora a língua oficial portuguesa não nos ajude muito neste quesito, qualquer um sabe, ou ao menos deveria saber que, “despiorar” não é sinônimo de “melhorar”.

Para entender melhor esse quadro, recomendamos a leitura de um texto no blog de Erik Schunk. http://erikschunk.blogspot.com/2008/12/os-interesses-ocultos-no-psf.html

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Informe Ascom - sobre os desabrigados

Campanha para vítimas das enchentes em Campos

Tendo em vista o agravamento da situação das vítimas das chuvas em Campos, notadamente nas localidades de Ururaí e Lagoa de Cima, entre outras, prossegue a campanha de doação de roupas e alimentos desenvolvida semana passada na Uenf.

As doações estão sendo coletadas até a próxima sexta, 05/12, na Direção do CBB.

PS: Para os que não conhecem a UENF o CBB é o "Centro de Biociências e Biotecnologia".