sábado, 13 de dezembro de 2008

Kierkegaard: cristianismo e solidão


Por Frederico Schwerin Secco*


Para Kierkegaard, pensador dinamarquês do século XIX, a questão principal da existência era como tornar-se um verdadeiro cristão numa época em que o Cristianismo havia sofrido todo tipo de descaracterização e vulgarização. Para ele, num mundo em que já nascemos cristãos, a pergunta pela verdade do Cristianismo deve ser recolocada com a máxima urgência e seriedade com vistas a recuperar a verdade da mensagem de Cristo. A resposta a essa questão tão premente, entretanto, não poderia ser efetuada pelo estudo sistemático das questões religiosas. Kierkegaard postulava a necessidade de uma educação pelo sofrimento; a resposta à questão do tornar-se cristão deveria ser encontrada na própria tentativa de viver o Cristianismo a partir das exigências reveladas, ao invés de entendê-lo pela via fácil e cômoda da convivência paroquiana.

Daí a preocupação de Kierkegaard em toda a sua obra: o aprendizado do sentido da vida não se faz em conjunto, não se percorre em grupos; o caminho é realizado solitariamente. Encontramos, nesse momento, a categoria que iluminará e norteará todo o percurso do pensamento do autor dinamarquês, uma vez que explicitará os requisitos necessários para uma reflexão criteriosa e uma busca daquilo que ele considera como a tarefa de uma existência autêntica: “O Indivíduo: eis a categoria pela qual devem passar, sob o ponto de vista religioso, a época, a história, a humanidade”.

Tornar-se o Indivíduo será a exigência primordial daquele que se dispõe a enfrentar os desafios colocados pela vida em sua radicalidade. Nesse sentido, Indivíduo não é o que cada homem já é enquanto estrutura humana singular dada, mas uma noção que indica a intenção ou a disposição que cada homem possui, de lutar pela procura do sentido da sua existência singular. Essa disposição caracteriza-se por ser uma tomada de decisão em que o ser humano se afasta do geral para tornar-se aquele que caminha sozinho. À medida que esse movimento de buscar o sentido da existência dá-se como movimento de procura do sentido da própria existência, é importante ressaltar que, para Kierkegaard, essa estrutura de construção de sentido não se realiza individualísticamente ou por meio de um subjetivismo egoísta. Pois o homem não se afasta dos outros homens por um movimento de negação destes. A estrutura de busca de sentido e de realização do Indivíduo perante Deus exige uma concentração somente possibilitada pela solidão.

“Não são grandes aqueles barcos que se equipam e que se consegue, com muito custo, lançar às profundezas, não, trata-se de barcos muito pequenos, canoas destinadas a uma única pessoa; aproveita-se o instante, desenrolam-se as velas, sozinho, com a rapidez infinita dos pensamentos inquietos, passa-se ao longo do mar infinito, sozinhos sob o céu infinito. Esta vida é perigosa, mas estamos familiarizados com a idéia de perdê-la; pois o verdadeiro gozo consiste justamente em desaparecer no infinito, de modo que tudo o que restar disso será apenas a felicidade desse desaparecimento.” Kierkegaard.


* Frederico Schwerin Secco é doutor em Filosofia pela UFRJ e professor da UENF.

4 comentários:

George Gomes Coutinho disse...

Belíssima reflexão de nosso querido professor Frederico.

Sempre elegante e sem jamais abdicar de uma composição simples. Eis aí o "segredo" da elegância.

Igualmente interessante a lembrança de Sören Kirkegaard. Curioso como ele pensa essa "individualização" de um fé que nasce e se desenrola comunitariamente...

Mas igualmente curioso é ver a tentativa de "modernização" operada por Kirkegaard. Afinal, o indivíduo é o grande herói moderno, celebrado pelo iluminismo secular. E Kirkegaard, em um momento em que ainda não podemos fazer a ligação entre razão e destrancendentalização, une as conscientes opções subjetivas com o transcendente... Com o inatingível.

Em suma.. Mais uma vez aprendi mais um pouco. E certamente saio da leitura de mais esse texto um pouco menos ignorante do que a antes de lê-lo.

Sinceramente acho que é esse nosso objetivo aqui.. Criar esse tipo de reverberação na esfera pública. E Frederico de maneira singela nos lembrou isso. O texto foi como mão e luva, como diria o velho Machado....

Roberto Torres disse...

O texto é muito instigante. Como sempre, o professor Frederico parece nao desperdicar uma palavra no que diz ou escreve, num grau de concentracao enorme capaz de apresentar um importante guia do pensamento: a formulacao das questoes. Assim, temos a sensacao de que, ao falar de um autor do passado, nao estamos presos a ele, ou seja, aos mesmos limites que ele estava preso. Pensamos a partir dos autores sem cair num pensamento autoral. Obviamente sou leigo no assunto, mas arrisco enfatizar um ponto como caminho interessante para refletir. O caminho do tornar-se cristao, o "método de salvavao" formulado par atingir o estado sagrado tido como superior -o professor frederico parece assumir uma hierarquia de valor como sendo objetiva ao negar o subjetivismo - , consiste em afastar-se do mundo (do mundo vivido pelos homens), sem negar este mundo e os homens. Parece que uma diferencia fundamental entre esta negacao cristao e individualizada do mundo e a de rejeicao de mundo budhista é que a crista nao quer simlesmente negar o mundo. Isto quer dizer que ela nao é indiferente a uma relacao de valor com o mundo, e que ela significa um engajamento com o mundo. O que me deixa curioso é como pensar este engajamento individualista, que se afasta do mundo sem ser indiferente a ele, em termos empíricos.

Fabrício Maciel disse...

Instigante texto do Fred. Me fez pensar na ambiguidade das categorias de pensamento e de ação humanas, e em particular das modernas, das quais o individualismo é peça chave. A reflexão de Kieerkegard apresenta uma possibilidade de desdobramento individual positiva, diferente da predominante no mundo laico moderno, onde o ideal de mérito e realização pessoal é instrumental, no sentido do mundo das mercadorias, e funciona para o distanciamento sistemático dos indivíduos, ainda que estejam próximos fisicamente e presos pela divisão social do trabalho. Eis uma possibilidade de pensar um desdobramento alternativo de um fato empírico inegável da condição moderna: a responsabilidade pessoal e a auto-perceção enquanto centros do universo por parte de todos os humanos.

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

Isso mesmo Fabrício!

Um abraço,

Rosângela

olha a palavrinha:
alumsjo

Eu arriscaria um...:

"Alumias" Já!