domingo, 14 de dezembro de 2008

BARAK OBAMA: QUAL MUDANÇA?

por Fabrício Maciel


Uma das primeiras frases que vi pronunciadas pelo eleito Obama foi algo do tipo: ‘ninguém jamais duvidará que os Estados Unidos são o país onde tudo pode acontecer’. A frase veio estampada na capa de uma conhecida revista brasileira, e sua escolha não foi por acaso, como tudo o que ocorre no mundo social e político. Tal enunciado exprime bem o significado de uma vitória que atende a expectativas positivas em termos sociais no mundo inteiro. No entanto, ela é sintomática do que acontece em todo processo de mudança social: ele sempre ocorre de dentro do sistema, é gradual, e nunca rompe totalmente de imediato com as estruturas vigentes, apesar de poder apresentar avanços significativos. Talvez seja o caso de Obama. Pelo pouco que vi, as questões raciais já roubaram a cena em torno de sua vitória, na expectativa de que seja um avanço mundial a nação mais poderosa eleger um negro, ainda mais sendo aquela onde se acredita tolamente haver um dos piores preconceitos do mundo. Como de praxe, as questões sociais acerca da produção de lixo humano do capitalismo em dimensão mundial sempre ficam em segundo plano, e isso na melhor das hipóteses, quando surgem. Entretanto, o ponto que me parece mais curioso é que a eleição mais inusitada que presenciei, desde que me entendo por gente, é definida pelo próprio eleito em termos que mais conservadores seriam difíceis de imaginar. A citada frase explicita o mito nacional norte americano, nu e cru, em todas as suas letras. Trata-se da idéia de nação mais imprevisível exatamente por ser aquela possuidora da democracia mais perfeita. Posso estar forçando a barra analiticamente, mas não consegui pensar em outra coisa. ‘O lugar onde tudo pode acontecer’. Há utopia democrática mais poderosa do que essa? Naquele país, o que está sendo dito é que tal utopia é realidade. Nada mais propício para legitimar a hegemonia e liderança de uma nação no mundo moderno. Isso por que em tempos onde o multiculturalismo é o senso comum mundial, um negro chegou ao poder. Será mesmo uma grande mudança? Em parte, acredito ser bom por colocar questões de mudança que são sempre bem aceitas. Mas nem sempre podemos acreditar no tamanho das promessas. Também acredito ser potencialmente melhor que a era Bush. Vejamos. Entretanto, é fundamental para a permanência dos Estados Unidos como nação hegemônica discursos do tipo ‘estamos em crise’, ‘estamos mudando’, ou ‘aqui tudo pode acontecer’. É confortável para o resto do mundo. Para nós. Enquanto isso, o Imperialismo cultural americano permanece intacto. Mesmo por que falar em Imperialismo já se tornou ‘obsoleto’, ou coisa de ‘marxista bitolado’, que não vê outras variáveis analíticas do mundo contemporâneo, e bla, bla, bla...Mas viva as mudanças, ainda que sejam relativas. Só não acreditemos tanto nelas, esperemos sempre um pouco mais. Explicitar as ambigüidades dos “avanços” é sempre interessante para nos lembrar que o sociólogo que tenta ser crítico nunca está totalmente satisfeito, mas também não desconsidera os potenciais que certas mudanças apresentam, mas que nunca são levados a cabo por si mesmos, mas sim com reflexão crítica e ação política consciente. Vejamos o que faremos com o potencial que Obama eleito nos apresenta.

5 comentários:

Thiago M. Venancio disse...

Moro aqui nos EUA e acompanhei a parte mais quente da campanha de perto. Obama sempre rejeitou o rótulo de "candidato dos negros".

Por outro lado, os negros se orgulham de Obama ser afro-americano.

Para a sociedade de maneira geral, Obama é um cara extremamente preparado e muito melhor do que seus adversários Hillary e McCain. Ao menos isso foi o que se constatou através de suas propostas nos debates.

Como bem disse o Fabrício, aguardemos. Potencial ele tem de sobra. Antes um negro de classe média baixa, de família muçulmana e com um nome totalmente desfavorável para um cidadão norte americano. Agora presidente da república.

No Brasil as pessoas costumam ter uma visão um pouco equivocada dos americanos, talvez como um reflexo do Bush. Muitos aqui se sentem envergonhados quando conversam sobre Bush com algum estrangeiro. Obama está restaurando o orgulho e esperança das pessoas.

Esperemos...

Fabrício Maciel disse...

Caro Thiago, obrigado por complementar com dados importantes esta primeira tentativa de avaliar a eleição do Obama. Faz todo sentido que rejeite o rotulo de candidato dos negros, pois entraria em contradição com a representação que almejou da nação como um todo, também expressa na frase que ressaltei no texto. Concordo com a superioridade do candidato, e por isso as esperanças. também concordo com o fato de que os Eua não se resumem a Bush. No entanto, é interessante notar que o candidato esperança nao poderia romper com a forma como os americanos se pensam e sentem para angariar sua confiança e apoio.

Roberto Torres disse...

Fabrício, a sua tentativa de pensar a identidade nacional de modo relacional, ou seja,no contexto globalizado para onde sempre se projeta uma dimensao discursiva e prática do discurso nacional promete render muitos frutos! O multiculturalismo sem dúvida casa-se com uma visao de mundo conservadora, cuja alcance é celebrar o mundo como ele é, folclorozando e despolitizando a cultura socialmente produzida. Mas, já que estamos falando de potencial, o que eu acho ser um objetivo bastante legítimo da sociologia, eu lembro que Obama representa uma novidade adicional justamente por, como lembrou o Thiago, ele ter se distanciado do sectarismo do movimento negro, e com isso se aproximado de demandas mais universalistas. Neste sentido, até o próprio nacionalismo é mais universalista do que o multiculturalismo. Obama encorajou uma certa ousadia política nos países do atlantico norte.

Fabrício Maciel disse...

De fato Roberto, é bem notado que neste ponto o nacionalismo seja melhor que o multiculturalismo. Como toda ideologia e instituições modernas apresentam ambiguidade, o que voce percebe, em consonancia com Thiago, apresenta uma possibilidade positiva.

Fabrício Maciel disse...
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