quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Adesismo, Fisiologismo e outros ismos – os caminhos de uma política campista sem oposição

Em Campos dos Goytacazes paira uma desconfortável sensação na política local objetivada nos comentários dos experts e dos cidadãos. Esta sensação eu poderia sintetizar na ausência da própria idéia de oposição política sistemática na cidade. Tanto em prática quanto em discurso. A grande questão é compreendermos como, afinal, chegamos a este cenário de aridez onde a esfera pública permanece esquálida há pelo menos 16 anos, justamente após a movimentação e a euforia que propiciou o “Muda Campos”.

No dia seguinte após as eleições, em que houve a consagração de Rosinha Garotinho nas urnas, fiz minha caminhada habitual pela cidade e constrangido percebi que a maioria das referências ao candidato que obteve o segundo lugar, o ex-prefeito e atual deputado federal Arnaldo Vianna, tinha desaparecido. O indefectível apelo emocional de uma campanha “do coração”, onde não havia qualquer autopercepção dos desafios da cidade que obtém o 12º lugar no ranking do Produto Interno Bruto nacional com um IDH paralítico, estava na sarjeta. Literalmente. Não nos cabe aqui discutir o quão desastrosa e amadora foi a orientação (?!?) da campanha de Arnaldo Vianna em que o “metrô de superfície” foi apenas o símbolo anedótico de sua incapacidade propositiva. Mas ainda assim me impressionou, como eleitor, sociólogo e cidadão, a agilidade com que adesivos, placas e demais referências visuais simplesmente evaporaram em menos de 24 horas. Até mesmo o pequeno número de eleitores que foi à frente da casa do candidato após a reconhecida derrota prestar sua solidariedade após o segundo turno, onde o referido candidato obteve 43% dos votos (113.638 votos individuais), deveria causar espanto. Afinal o homem obteve mais de 100 mil votos!

Não me parece que o “choque” deva ser restrito ao desaparecimento, tão objetivo quanto simbólico, do rosto e da sigla de Arnaldo das ruas. Mais preocupante foi a repetição de um comportamento que tipifico como “adesista” pois notei que muitos veículos que até então mantinham a adesão ao candidato Arnaldo Vianna, não satisfeitos com o abandono a qualquer princípio de fidelidade ao mesmo, aderiram ao “15” da prefeita eleita. Utilizando aquele famoso e infame jargão, tornaram-se em menos de 24 horas “Rosinha” desde garotinho.... O adesismo é mais um sintoma que contaminou até mesmo formadores de opinião que, ao perceberem a inevitabilidade da vitória de Rosinha, aderiram de maneira oportunista ao coro dos contentes do 15. E esta posição adesista conquistou, pasmem, até mesmo parcela dos quadros do combalido e pouco convincente Partido dos Trabalhadores local.

Precisamos entrar no universo das possíveis motivações que animam a política em Campos dos Goytacazes. E de maneira arriscada irei propor, em forma de ensaio, alguns tipos ideais de comportamento que poderiam nos ajudar a compreender tanto a inexistência de uma oposição quanto o esvaziamento das referências de campanha e mesmo o adesismo. E penso que o termo “fisiologismo”, creditado ao ilustre jurista San Tiago Dantas (1911-1964), seja parte da solução. Não só para respondermos aos dois pontos anteriores mas, também, para pensarmos em uma outra questão cara aos especialistas: existe um “garotismo” no ar? Por hipótese momentaneamente eu responderia que não há um discurso “garotista”. Há sim uma prática, uma práxis política específica, que podemos identificar. E direi a frente porque.

Prosseguindo a prática do “fisiologismo”, em que há a acomodação dos mais díspares interesses e gramáticas morais sob uma mesma estrutura e é o verdadeiro “móvel” do adesismo, em Campos certamente esvazia fragorosamente qualquer possibilidade de discurso sistemático alternativo sobre a coisa pública. Ora, a res publica é usualmente interpretada nesta realidade como espaço para saqueadores, onde todos podem extrair ao máximo os vultuosos recursos em prol de seu conforto particular. Há um imaginário social sobre esta questão que é propiciado pela destituição de mecanismos de oposição legítimos. Não há um contra-discurso para a prática de barbárie com o aparato administrativo municipal. Ocorre sim um verniz de um discurso moralizador e messiânico, que pode ser uma tentativa de explicação do sucesso de Rosinha Garotinho nas últimas eleições. Mas, e onde situa-se a origem do “fisiologismo”?

Com os recursos dos royalties não há possibilidade, até o presente momento, de oposição sustentável. A vergonhosa situação dos terceirizados, o aparato de corrupção sistemicamente construído, deixando poucos espaços para discursos e agentes autônomos, é apenas parte da explicação e aquela que justamente nos salta aos olhos imediatamente por estar situada na superfície. Mas o problema está mais embaixo. Está no esvaziamento da esfera pública. A questão é compreendermos como isto ocorreu, nos restando as práticas fisiológicas e adesistas.

Parte da chave para responder a essa questão me veio a tona no importante Fórum ocorrido na UENF sob a organização do professor Hamilton Garcia de Lima. Conversando depois, em off, com parte dos convidados das mesas, foi ventilado o processo de cooptação que teria auxiliado a naufragar qualquer tipo de pretensão progressista do “Muda Campos”. Se Campos dos Goytacazes vivia, assim como o resto do país, o florescimento de uma sociedade civil atuante após o estrangulamento promovido pelos golpistas de 1964, o que nos colocou em atraso de décadas se compararmos com o levante da sociedade civil nos países centrais, a cidade particularmente teve seu processo inconcluso. Nas narrativas frustradas dos convidados ficou patente o esvaziamento das reuniões de bairros, das associações de moradores, dos intelectuais e mesmo da opinião pública promovido por práticas de cooptação e/ou cerceamento “arrasa quarteirão” ainda no primeiro governo Garotinho. E não é só isso.

Em dissertação de mestrado defendida na UENF por Dauro dos Santos Franco, na pós graduação em políticas sociais (disponível para download aqui), é possível observar que o número de cargos DAS passa do número de 89, no primeiro governo Garotinho, para 506 (?!?) no segundo governo. É esta prática que irá levar água ao moinho das práticas clientelistas transclassistas pois mistura-se o discurso messiânico e assistencialista para os agrupamentos pauperizados e as nomeações para as classes médias gerando o vinculo necessário de sobrevivência material entre a práxis do Garotismo, seus afilhados e seguidores como o próprio Arnaldo Vianna e Alexandre Mocaiber. Me parece suficientemente óbvio que estas classes dependentes das migalhas (de maior ou menor monta) do poder local não possam elaborar um discurso politicamente avançado. Sua sobrevivência imediata depende da manutenção do status quo e não conseguem imaginar outra forma de sobrevivência que não seja pela subserviência física e moral. Isto é certamente elucidativo para entendermos o adesismo descrito em parágrafos anteriores. E é esta práxis política que pavimentou o caminho para o consenso pró Rosinha detectado nessas eleições. Também é esta mesma práxis política que não pode nos causar estranhamento ao nos depararmos com partidos como o PSB, que até antes das eleições mantinha um discurso anti-garotinho, já ter anunciado a sua adesão ao novo governo. Rei morto. Rei posto. E fiel a quem quer que seja que mantenha o poder, não importando quem seja.

A persistência dessas práticas que torna possível entendermos um “modus operandi” garotista na planície. O que não implica afirmarmos que há um discurso próprio. Basta uma espiadela no repertório produzido pelo ex-governador, disponível em seu blog, para vermos que há a reprodução de um tom “anti-lula” ainda com menos profundidade do que os Mainardis e afins que pululam no pastiche que tem se tornado a imprensa nacional. Mas não há uma elaboração própria, uma interpretação sobre o que venha a ser o Estado ou mesmo traços de originalidade intelectual, o que demarcaria a efígie de um grande estadista. Há sim um discurso falso moralista ou criador de factóides... Justamente na esteira de um César Maia.

Retornando às práticas que propiciam e incentivam o fisiologismo e o adesismo o que assistimos são repetições de uma novela já conhecida. O que os agrupamentos que se beneficiam no curto prazo destas posturas devem compreender é que usualmente o vácuo político deixado realiza a implosão de possibilidades de fidelidade política. Com uma legião de dependentes materialmente da prefeitura não se realiza somente o esvaziamento da esfera pública e de sua conseqüente reflexividade. Se realizam as possibilidades do “adesismo” nada apegado a qualquer noção de fidelidade que poderia ser a base segura para qualquer projeto político consistente e sustentável no longo prazo. Até lá continuaremos com uma esfera pública local sem discurso próprio, acéfala, e onde a “oposição” muitas vezes se opera em um tom personalizado com ódios “pessoais” dado que inúmeras vezes a prefeitura tem prestado para nada muito maior do que agraciar aos amigos e punir os inimigos. Ao menos até o momento em que as posições de “amizades” mudem de configuração até as próximas eleições.

De todo modo com a não possibilidade de termos uma oposição criativa, duradoura e propositiva todos perdem. A democracia, a esfera pública, a sociedade e até mesmo os “donos do poder” pois estão se eximindo de aprendizados políticos e morais de soma positiva. Até lá que convivamos o pacto da mediocridade.

12 comentários:

Roberto Torres disse...

Concordo George! a dependencia economica, pautada nos termos da imprevisibilidade, mina nossa esfera pública da possibildide de críticas. Basta ver também o próprio adesismo de alguns blogueiros que esperam ansiosamente por sua boquinha.

Anônimo disse...

Só uma pergunta simples. Se a ação de Garotinho corroeu a esfera pública com seu clientelismo, então devemos imaginar que antes dele havia uma esfera pública atuante?

George Gomes Coutinho disse...

Prezado anônimo,

Não era atuante. Poderia ter se tornado pois o "muda campos" foi expressão dessa sociedade civil que poderia ter sido de fato atuante depois...

A questão é que a potencialidade foi corrompida. E discuti aqui a partir meramente desta potencialidade que foi sufocada com práticas clientelistas transclassistas.

George Gomes Coutinho disse...

mas de toda maneira sua pergunta foi oportuna. Obrigado por ter permitido sanar esse equívoco.

Paulo Sérgio Ribeiro disse...

Estendo o elogio de Bill feito a um post de Roberto também para este post de George: uma análise radiográfica. Um breve relato: no findar do 1.º turno pude presenciar uma amostra do adesismo descrito por George: um dos manifestantes do "Chega de Palhaçada", cujo nome e profissão prefiro omitir, manifestava já o voto pró-Rosinnha, justificando-o mal e porcamente em termos de uma "circulação de elites" no poder. Tal declaração foi dada em um estabelecimento comercial na Av. Pelinca. Bem sugestível, não?

xacal disse...

no comments...

Roberto Torres disse...

Acho que seria de grande valia alguém no doutorado ou mestrado em sociologia política da uenf estudar os "piratas". O dado da dissertacao do Dauro que voce citou George evidencia a construcao desta relacao de dependencia e do desmonte do que poderia ser base social do "muda campos"...

Brand Arenari disse...

Belo texto, George! Muito oportuno.

Fabrício Maciel disse...

Acho que o fisiologismo e o adesismo sao idéias que complementam o que tentei pensar com o puxa-saquismo no texto anterior. e vamo que vamo

George Gomes Coutinho disse...

sim Fabrício.

O Puxa-saquismo estrutural é um dos ismos!

E vamo que vamo...

xacal disse...

Não ia comentar, o texto está perfeito...

Mas essa minha incontinência verbal...

Vamos lá:

Note bem George, que sua definição da cooptação dos setores "esclarecidos", aqueles que até recentemente ainda engrossavam o coro: fora arnaldo, garotinho queremos outro caminho...! tentam buscar uma base discursiva para legitimar suas opções(novas"velhas"opções)...

Primeira manifestação na "rede" foi a absorção do discurso da inevitabilidade...já me explico: no caso dos terceirizados, aliás como muito bem observado por todos nós, são o "eixo" desses "ismos", monta-se um argumento(falso) de que os terceirizados são "necessários" frente a incapacidade orçamentária do município em custear pessoal efetivo estatutário...

Esse sofisma foi reproduzido em vários blogs, e em alguns casos, com as "ilustrações estatísticas" que dão caráter tecnicistas nessas ponderações de ordem política...

No fim, assistimos a essa acomodação de interesses, emolduradas por argumentos que variam de acordo com a clientela: os pobres, ou "ralé pirata" justificam sua adesão pela necessidade, já a classe mé(r)dia e pequeno burguesia diz que não há outro jeito: é uma fatalidade estrutural técnica...

o resultado porém, é sempre o mesmo...

um abraço...

George Gomes Coutinho disse...

Prezado Xacal,

Concordo mais uma vez.

A grande questão é que todos precisamos justificar discursivamente nossas ações. Dotá-las de algum tipo de sentido.

O problema é que mesmo o argumento técnico jamais é neutro como aprendermos com a teoria crítica. O argumento "técnico" é seletivo em suas opções.

E o Renato Barreto em entrevista ao blog do Roberto Moraes fez uma colocação que me parece a mais acertada: qual o número "ótimo" do funcionalismo para uma cidade como Campos?

Enquanto não se chegar a este consenso tudo parecerá, como vc mesmo aponta, estratégia discursivamente informada para um clientelismo transclassista.

Não mais e não menos...


Abçs!