domingo, 28 de fevereiro de 2010

Notícias do Front: as tropas de Dilma já estão na margem do Oder, ou seria do Tietê?


A política é uma guerra, disto ninguém tem dúvida. Assim, através das metáforas da guerra podemos ver muito do universo da política. Seguindo esta linha, nós podemos imaginar que a “crise do mensalao” foi a “Stalingrado” das tropas do comandante Lula. Naquele momento, o golpe da direita parecia inevitável, foi caindo general por general e a iminência de uma tentativa de “impeachment” era o fantasma da capitulação que assombrava a esquerda. Uma derrota ali seria um atestado de rendição incondicional, a qual aniquilaria a esperança da esquerda por muitos anos, décadas talvez.
No entanto, o que parecia improvável aconteceu. Mesmo com um número de baixas terríveis, a cidade completamente destruída (90% dela ficou sobre controle alemão), a resistência russa impôs uma derrota inesperada ao então poderoso Wehrmacht (exército alemão). A “batalha de Stalingrado” tornou-se o símbolo do início da derrota do III Reich, e, daquele momento em diante as tropas de Hitler se orientaram por apenas uma tática militar: a retirada. Os russos foram retomando cidade por cidade do seu território, os tanques T-34 colocavam os alemães para correr nas planícies da Ucrânia, os países do leste eram libertados um por um do jugo nazista, até que as tropas do general Zhukov alcançaram as margens do rio Oder, o qual divide a Polônia da Alemanha. Naquele momento a história estava prestes a ver uma de suas mais épicas batalhas, alguns diriam que neste palco se encenaria o ato final da ópera de Wagner chamada “Die Götterdämerung” (o crepúsculo dos deuses). Enfim, ali começava a batalha de Berlim, a qual levaria a capitulação final dos nazistas.
Depois de sobreviver inesperadamente aos bombardeios intensos da “crise do mensalao”, Lula vê diante de sua frente apenas uma palavra: vitória. Suas tropas parecem as da Rússia após “Stalingrado”. Sua popularidade vai atingindo mês a mês níveis jamais vistos na história deste país, e fora dele também. Talvez apenas D. Pedro II foi tão admirado fora do Brasil. O nordeste se converte em “sua Ucrânia”, o DEMO(PFL) foi varrido de sua base nos sertões nordeste como os alemães foram varridos das estepes da Ucrânia. Agora, sua general Dilma, alcança inesperadamente as “margens do Oder”, seus exércitos avançaram mais rápido do que o esperado.
A última pesquisa do Datafolha mostra isso, o empate técnico entre Dilma e Serra mostra que a candidata do Lula já está pronta para a guerra, pronta para esta próxima eleição que já se mostra com ares épicos, parecidos com a de “89”. Enfim, os exércitos de Dilma já estão de guarda montada nas margens do “Oder-Tietê”, só não sabemos ainda se ocorrerá a capitulação final da São Paulo-Berlim.


Numa visao menos literária, veja o texto abaixo.




Dilma já empata com Serra


Por Rodrigo Vianna do blog escrevinhador


A "FolhaOnline", até tarde da noite, ainda escondia os detalhes da pesquisa. A idéia é forçar o povo a comprar o jornal. Ok. Gastei meus 4 reais. E tenho aqui o diário impresso.

Os números são avassaladores.

No cenário mais provável, a situação é a seguinte: Serra 32% (contra 37% em dezembro), Dilma 28% (23% em dezembro), Ciro 12% (13% em dezembro) e Marina 8% (tinha os mesmos 8% em dezembro).

A manchete do jornal destaca esse quadro: "Dilma cresce e já encosta em Serra".

Ok. Está correto.

Mas, quando digo que os números são avasaladores, refiro-me a outras variáveis. Vejamos...

1) Rejeição - Serra é agora o mais rejeitado: 25% não votariam nele de jeito nenhum, contra 19% em dezembro.

2) Voto espontâneo - Dilma está em primeiro lugar, com 10%; com os mesmos 10% aparece... Lula! Serra é apenas o terceiro, com 7%; em quarto aparece o "candidato de Lula", com 4%, em quinto está Aécio, com 1%.

Reparem que a soma de Lula/Dilma/"candidato de Lula" alcança 24%, contra 8% de Serra/Aécio.

3) Transferência de Voto - 42% dizem que votariam num candidato apoiado por Lula; 26% dizem que "talvez" votariam em quem Lula indicar; e só 22% afirmam que "não" votariam no candidato de Lula.

4) Conhecimento do candidato - Serra é conhecido por 96%, Dilma é conhecida por 86%.

Resumo da ópera: há uma avenida aberta para que Dilma siga a crescer.

À medida que ela se torne mais conhecida, a tendência é que a intenção de voto em Dilma se aproxime dos 42% - que é o total de eleitores inclinados a escolher um candidato indicado por Lula.

A "Folha" escolheu não brigar com os números. Com uma exceção: o jornal diz que "é impreciso dizer que o levantamento indica um empate estatístico". Êpa. Aí, não. Estamos, sim, diante de um "empate técnico", no limite da margem de erro.

Mas isso é detalhe. O que importa é a tendência, anotada também na simulação de segundo turno: a diferença entre Serra e Dilma desapareceu: Serra tem 45%, Dilma tem 41%. Em dezembro, a vantagem de Serra era de 15 pontos. Agora, evaporou.

Diante disso, a colunista Eliane Cantanhêde parece desesperada. Na página 2 do jornal, ela escreve o texto "Ou vai ou Racha", com destaque para a seguinte pérola: "a eleição atingiu o ponto ideal para a definição de Aécio Neves: sempre se soube, mas nunca tinha ficado tão evidente o quanto sua candidatura a vice é fundamental para a oposição".

"Ponto ideal" pra quem, cara pálida? Cantanhêde quer empurrar Aécio pro fogo. Quer que ele perca agarrado a Serra.

Vamos raciocinar friamente. Se Aécio aceitar ser vice, e Serra perder (o que parece provável, dado que a soma dos votos espontâneos nos dois fica em um terço do total de votos espontâneos para Dilma+Lula+candidato do PT), o mineiro perde junto. Se Aécio aceitar a vice, e Serra ganhar, Aécio vira sócio minoritário da vitória.

Os jornalistas serristas, depois de espalhar por aí que Aécio bate na namorada e tem hábitos pouco ortodoxos, agora querem a ajuda do mineiro para salvar Serra.

É ruim, hem!

Do jeito que a coisa vai, estaremos em breve diante do seguinte quadro: Serra segue até o fim, em queda, e aí parte para o desespero, recorrendo a dossiês e ao esgoto jornalístico contra Dilma; ou Serra desiste antes de abril, e estaremos diante da situação inimaginável de ver os tucanos implorando a FHC para concorrer, em nome da sobrevivência do partido.

Quanto a Dilma, devo lembrar como bom corinthiano, o ideal é escapulir do salto alto. A pior besteira do mundo seria acreditar no já-ganhou. Corinthianos costumam pensar assim: quando tudo parece ir bem, é sinal de que algo errado pode acontecer em breve.

Mas falando sério: Dilma precisa lembrar que a elite (incluindo boa parte da classe média urbana) segue contra ela. Especialmente no Sul e Sudeste. Os mais escolarizados apóiam Serra - isso também aparece na pesquisa.

A mídia detesta Dilma (apesar dos sinais de que Globo e Lula parecem ter conversado nas últimas semanas, em busca de uma trégua - volto a isso em outro texto...).

Jornalistas do esgoto desesperados. Demos desesperados. Tucanos desarvorados. Essa gente toda somada é capaz de muita sujeira até a eleição.

Dilma que se prepare. Com ou sem acordo com a Globo, muito chumbo virá.

P.S.: escrevi aqui, em texto anterior, que a pesquisa DataFolha incluía outras perguntas - entre elas uma sobre a influência do "Bolsa-Família" na escolha eleitoral - http://www.rodrigovianna.com.br/plenos-poderes/especialista-em-serra-datafolha-esta-em-campo. Esses números não apareceram na "Folha" deste domingo; o jornal pode ter guardado pra mais tarde, ou repassado os resultados só "a quem interessar possa". A conferir...

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Dilma: por um verdadeiro pós-Lula

Roberto Torres


Em geral o termo „pós“ é usado quando nao se tem o que dizer. Mas as vezes serve para demarcar uma mudanca de paradigma, tanto na teoria quanto na prática. É o caso da expressao „pós-Lula“. O paradigma de Lula é a inclusao dos excluídos. Nunca antes na história deste país os esquecidos foram tao lembrados. Lembrados no simbolismo e na prática política. O paradigma Lula exemplifica (mostra como se faz) a entrada do povo na política, o processo de legitimacao dos interesses dos „negativamente privilegiados“ no espaco público. A grande marca desde paradigma é o olhar e a sensibilidade com esse povo, com seus dramas pessoais. É saber a importancia que tem para uma família poder fazer tres refeicoes por dia. O fato de Lula partilnhar uma história pessoal com os excluídos é central para a construcao do paradigma.
Portanto, „pós-Lula“ deve significar o acolhimento impositivo deste novo paradigma e a partir dele seguir em frente. Isso pressupoe duas coisas: 1) a institucionalizacao do paradigma, de modo que o „pós“ nao seja um „pré“ Lula; e 2) um projeto político de continuidade da mudanca, que alargue os horizontes deixados pelo presidente. O primeiro pressuposto nao está assegurado. Algo como a CLT precisa ser feito neste sentido. O segundo pressuposto é o tema das eleicoes deste ano. Quem mais usou a expressao „pós-Lula“ foi Aécio Neves. Ciro Gomes de algum modo faz o mesmo coro, embora com muito mais credibilidade do que Aécio.
Mas há algo que só Dilma tem, há uma potencialidade que só através dela pode se realizar. Ela representa a exaltacao do papel autonomo da mulher na política e na vida social como um todo. Muitos dizem que ela nao tem o „toque fenimino“ ou que nao tem o „charme da mulher brasileira“. Com isso só estao expressando o quanto nao entendem de mulher em geral e das brasileiras em particular. Assim como Lula, Dilma pode ser um exemplo pedagógico na posicao de maior líder nacional. Um exemplo pedagógico pode entrelacar histórias individuais com histórias coletivas. Os que nao reconhecem este mecanismo como forma legítima de mobilizacao estao do outro lado da disputa. O líder exemplar é produto da relacao que mantém com os liderados. Quem acha que ele somente manipula os liderados nao sabe nada nem de política e nem da vida. Quem acha que o „Lulismo“ é „culto à personalidade do líder“ nao quer ver que se trata da expressao de forca e de esperanca de uma gente ignorada pelas formulacoes racionalistas de intelectuais da elite.
Negar o carisma do exemplo é negar a forca criativa da política. É nao ver que o critério de „racionalidade comunicativa“ (anti-carisma, „anti-populista“) é uma fronteira de classe que excluí e deslegitima a forma de fazer politica do povo com o líder que escolheu. O exemplo é e fala como o povo, guarda no seu „habitus“ os dramas e alegrias que importam ao „homem comum“. Ao identificar-se com o exemplo de Lula o povo brasileiro aceitou a si mesmo. Esta dimensao do paradigma Lula nao se reduz ao realinhamento eleitoral e à racionalizacao de interesses muito bem discutidos por André Singer em seu brilhante artigo sobre o „Lulismo“. Trata-se de algo mais visseral do que votar e racionar sobre os próprios interesses: trata-se de afirmar o próprio valor através da identificacao com o exemplo, de aprender a andar de cabeca erguida como Lula faz diante de líderes mundiais.
Se na relacao de exemplaridade com Lula o povo constrói a crenca no próprio valor e na possibilidade de enfrentar o „regime de desvalor“ que reproduz a exclusao social, Dilma pode representar a „revolucao feminista“ desta relacao. Sua trajetória pessoal pode ser coroada no mais alto posto político da nacao, marcando um processo de autonomizacao da mulher nas relacoes sociais. De „secretária de luxo“ do presidente (ou „a mulher do Lula“ como muitos dizem nos meios populares) à mandatária do país: o salto que representa a mulher na dianteira, que exemplifica a pretensao da mulher de ocupar em pé de igualdade todas as posicoes sociais.
Com sua trajetória, Dilma pode cumprir este papel de lideranca política como ninguem. Ter arriscado a própria vida contra a opressao do regime militar a coloca num caminho parecido ao das maes solteiras que „aguentam todos os trancos“ para criar os filhos, ou seja, exemplifica a „forca moral“ das „mulheres do povo“. As classes dominadas sao também feminilizadas, a dominacao de classe se casa com a dominacao de genero. Na vida cotidiana as „mulheres do povo“ assumem grande protagonismo contra as mazelas da opressao social, buscando, por exemplo, de forma incansável, melhorar a qualidade da vida familiar. Daí em grande parte vem o protagonismo que assumem na vida religiosa.
Este esforco feminimo costuma ser decisivo para que a vida familiar seja uma plataforma capaz de salvar os filhos da exclusao. Neste contexto, a luta das mulheres é ao mesmo tempo luta contra a exclusao social, uma questao de „vida ou morte“ que nao envolve enfrentar somente a opressao dos homens, mas junto disso enfrentar a opressao social que produz a opressao masculina. Dilma pode trazer este debate como nínguem. Acredito que seja um dabate capaz de aperfeicoar a sensibilidae e o olhar social, capaz de ver como a questao de genero se entrelaca com a questao da classe. Ela pode se tornar um exemplo de como a mulher afirma seu valor assumindo a dianteira na luta contra a opressao em geral. Os „defeitos da Dilma“ sao as „virtudes da Dilma“, como disse Lula. Sua trajetória pode despertar grande interesse para as mulheres pobres que buscam protagonismo e grandeza na vida, sem ser reduzidas ao „toque feminino“ ou ao „charme da mulher brasileira“. Assim como Lula, Dilma pode ser um magnífico exemplo pedagógico de vencer preconceitos. O exemplo do que acontece com uma mulher quando ela nao se submete, quando nao „engole o dominador“ e as expectativas da dominacao. Este sim seria um grande salto civilizatório „pós-Lula“.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Doação de sangue para prof. Mário Galvão

Prezad@s,

A maioria dos escribas deste blog foi aluno do professor Mário Galvão. E mesmo se não fossemos ex-alunos desta grande figura teríamos que ser solidários por princípio.

Vai aí recado da ASCOM/UENF. Cabe notar que os estoques do Hemocentro são sempre muito baixos dado que o mesmo abastece não só Campos. Na verdade o Hemocentro do Hospital Ferreira Machado atende boa parte da região Norte/Noroeste Fluminense.

Sejamos solidários! E para os que nunca doaram procurem se informar sobre as restrições alimentares momentos antes de realizar a doação.

Por fim, longa e produtiva vida ao professor Mário!

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O professor Mário Galvão, do CCH/Uenf, precisa ser submetido com urgência a uma transfusão de sangue. A família pede a quem puder ajudar que faça a doação, em seu nome, no Hemocentro do Hospital Ferreira Machado. **

Mário Galvão, que passou recentemente por uma cirurgia, atua no Laboratório de Estudos da Educação e da Linguagem (LEEL) da Uenf.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Mais uma mentira da Folha de S. Paulo é desmarcarada

SE mentira sempre teve perna curta, depois dos blogs ela perdeu as pernas! Veja o que saiu hoje no blog do Azenha:

por Luiz Carlos Azenha

A Folha de S. Paulo acaba de tomar mais uma surra dos fatos. A denúncia que o jornal fez, em primeira página, com manchete de ponta a ponta, não resistiu nem mesmo ao ciclo de 24 horas. O tema parece confuso e, nesse caso, a confusão favorece o acusador.

O jornal apresenta uma fórmula simples no seu caldeirão de maldades: juntar uma bruxa (José Dirceu), o nome de um paraíso fiscal (Ilhas Virgens Britânicas), um dado chamativo (um empresário gastar 1 real para comprar participação em uma empresa) e mistura bem misturado com fantasias, como a lenda de que o negócio "renderia" ao empresário esperto um lucro de 200 milhões de reais (sem qualquer prova ou documentação, assim, no chute).

O problema é que as premissas da denúncia são falsas: 1) como esclareceu a Advocacia Geral da União, "a retomada desse patrimônio, por via judicial, não gerou direitos aos sócios da Eletronet ou qualquer outro grupo empresarial privado", ou seja, se José Dirceu recebeu 620 mil reais para gerar um lucro de 200 milhões de reais que não existe, ou ele é muito esperto, ou o empresário que pagou a ele para não ganhar nada é trouxa; 2) o ponto 7 da nota da AGU -- "a eventual reativação da Telebrás não vai gerar receitas ou direitos de crédito para a massa falida da Eletronet, seus sócios, credores ou qualquer grupo empresarial com interesses na referida massa falida" -- derruba a premissa da Folha de que a reativação da Telebrás pelo governo Lula de alguma forma beneficiará o empresário que pagou consultoria a José Dirceu.



O que me leva a concluir:

1) A Folha errou inocentemente;

2) A Folha tem interesses escusos nos negócios da banda larga;

3) A Folha faz campanha eleitoral;

4) A Folha serviu ao DEM e ao PSDB para jogar uma cortina de fumaça no inferno astral de José Serra.

Façam suas apostas.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Livres, desiguais, porém fraternos
Alberto Aggio
Liberdade, Igualdade, Fraternidade — a tríade clássica da República nascida com a Revolução Francesa de 1789 continua a ser iluminadora para pensarmos a nossa república bem como a situação brasileira atual, especialmente motivados pela comemoração dos 120 anos de instalação do regime republicano entre nós. Mas a nossa referência aqui deve ser mais ampla e parte do princípio de que uma expressão real daquela tríade em uma determinada situação histórica garantiria o estabelecimento de uma “república democrática”, atestando que tal sociedade estaria a viver sob instituições e animada por uma cultura política democrática digna desse qualificativo. Infelizmente não é essa a situação brasileira, ainda que na atualidade estejamos seguindo um curso alentador naquela direção, a despeito de todas as nossas dúvidas, críticas e inseguranças. Depois de ultrapassarmos os pesados anos do autoritarismo, de estabelecermos as grandes referências para o exercício de uma cidadania moderna entre nós, com a promulgação da Constituição de 1988, e de conseguirmos vencer as complicadas teias da inflação e da estagnação econômica, a sociedade brasileira dá mostras efetivas de que pode ser capaz de avançar rumo a uma república efetivamente democrática, mas sabe que há ainda um longo e complicado caminho a seguir.
De maneira provocativa, a reflexão que segue está concebida a partir da hipótese geral expressa na fórmula: livres como nunca, desiguais como sempre, porém mais fraternos. Nela, mais do que as contingências que marcam as conjunturas políticas atuais, interessa-nos o fio condutor de crenças e sentimentos que movimentam, legitimam e influenciam a consciência e as decisões tomadas pelos cidadãos. Trata-se, pois, de uma reflexão em torno da dimensão simbólica da sociedade brasileira, em torno de como pensamos e de como agimos politicamente ao reconhecermos e interagirmos com os principais componentes da tríade republicana. Nossa hipótese parte do seguinte pressuposto: se a democracia parece-nos inconclusa e incompleta — talvez porque, de alguma forma, ela sempre o será —, especialmente na sua dimensão social, a nossa república, a despeito de todas as nossas incertezas, parece viver um momento de vigorosa ampliação, dando sinais de que acompanhará, ainda que não no mesmo ritmo, os passos do exitoso movimento de estabelecimento das bases materiais proporcionada pela dinâmica do capitalismo que aqui vem se estabelecendo. Conscientemente ou não, nós brasileiros avançamos para uma situação na qual, repito, somos livres como nunca, ainda que desiguais como sempre, porém mais fraternos. Esses são os termos na nossa hipótese.
A questão central dessa reflexão pode ser colocada a partir do seguinte ponto. Utilizando os critérios do cientista político Zander Navarro (2009), haveria três dimensões importantes na composição de uma “democracia ampliada” — isto é, de uma república democrática, no sentido que estamos usando aqui — que se deveria pensar para definir o lugar alcançado por uma sociedade em termos democráticos. A primeira dessas dimensões seria o pluralismo, garantidor das liberdades individuais e civis, assegurando aos cidadãos tolerância e diversidade, em todos os sentidos. A segunda seria o civismo, que visa construir uma cidadania bem formada, consciente e exigente. Enraizado na prática social, o civismo daria uma consciência tanto de direitos quanto de deveres, conduzindo os cidadãos, de acordo com Navarro, à “pujança democrática”. A terceira seria o plebeísmo, responsável pela inclusão cada vez mais progressiva de indivíduos na esfera político-social dos direitos.
As possibilidades de combinação dessas três dimensões são infinitas, o que torna algumas sociedades mais plebeias que cívicas, outras menos cívicas que plurais e assim por diante. É isso que explicaria as diferenças de níveis e de qualidade das democracias contemporâneas. Como se articulariam então essas três dimensões na atualidade brasileira? Pode-se concordar com Navarro em que o Brasil é uma democracia na qual o pluralismo é “vibrante e forte”, ainda que o civismo e o plebeísmo padeçam de anemia e desfiguração. Das elites aos pobres, as condutas cívicas são, em geral, deploráveis, e, por outro lado, nosso plebeísmo arrasta-se de maneira errática, sendo mais objeto de marketing político do que uma realidade em verdadeira e real expansão. O Brasil continua um campeão na extrema concentração de renda como atestam os últimos índices: cerca de 1% dos brasileiros mais ricos (1,7 milhão de pessoas) detêm renda equivalente à dos 50% mais pobres (86,5 milhões). Assim, conclui Navarro, mesmo que “os níveis de pobreza venham caindo, a desigualdade social parece uma rocha irremovível”.
E, mesmo que seja assim, sabemos que a ênfase na resposta a respeito do grau ou da qualidade da democracia brasileira não é capaz de equacionar todas as questões a respeito do pacto republicano que foi se sedimentando entre nós. São dimensões que se cruzam, mas não são necessariamente as mesmas. Assim, da tríade republicana, o avanço seguro que a sociedade brasileira deu nas ultimas décadas foi efetivamente em relação à liberdade, enquanto a igualdade permanece problemática, e a fraternidade — uma dimensão esquecida na maior parte das sociedades ocidentais — até bem pouco tempo sequer figurava como uma dimensão digna de nota.
Nossa república guarda traços bastante particulares, e aqui vamos explorá-los sumariamente. Como se sabe, a construção da “coisa pública” entre nós se fez no mais das vezes sem afirmar a “linha ascendente” de direitos, dos civis aos sociais, passando pelos políticos. Em alguns momentos da nossa história eles se invertem, em outros, alguns deles foram suprimidos, especialmente os políticos, num processo nem sempre fácil de reconhecimento. Inicialmente oligárquica, nossa república viveria um processo importante de ampliação de corte autoritário a partir da década de 1930, que marcaria sua trajetória até os dias que correm. Extremamente paradoxal, o caminho para a construção da nossa república democrática é, assim, bastante complexo e, no mais das vezes, pouco compreendido. A conexão entre modernidade e caminho democrático é algo que não fez parte da nossa construção republicana, a não ser em poucos e determinados momentos, mesmo que tenha apenas visitado a imaginação criadora dos nossos intelectuais e políticos mais vocacionados a enfrentar tal desafio. Poderíamos dizer, com Luiz Werneck Vianna, que o processo político que constrói o Brasil moderno se caracteriza por uma “ampliação autoritária da República”. Para esse autor, o Estado Novo varguista pavimentou, de fato,
[...] o caminho para a modernização econômica do país, assim como refundou a República, “ampliando” o escopo do Estado a fim de abrigar os novos personagens sociais nascidos do mundo urbano-industrial. Mas o preço da modernização autoritária e da “ampliação” por cima da cidadania importará a perda de autonomia da sociedade quanto ao Estado e uma herança do autoritarismo político a pesar sobre a nossa história republicana — como no regime do Ato Institucional n. 5 de 1968, que obedeceu, em linhas gerais, ao seu modelo —, deixando para trás, como um elo ainda a ser retomado, mas já facultado pelas instituições da Carta de 1988, as fecundas possibilidades, entrevistas na década de 1920, de um alargamento do pacto republicano sob condições democráticas (Vianna, 2001: 152).
Nossa república não se instalou nem ganhou os corações e as mentes dos brasileiros pela adoção de condutas e métodos da democracia política. Não conseguimos “conciliar política democrática com sociedade democrática”, isto é, a “vigência de um sistema de governo baseado em ampla representação e exercido em ambiente de liberdade”, com uma sociedade na qual “as desigualdades sociais são reduzidas e em que há uma ampla mobilidade social”, na síntese muito bem formulada por José Murilo de Carvalho (2002). Por essa razão, há uma fratura entre democracia política e democracia social em nossa trajetória, que passou a ser colocada em questão no período mais recente de superação do regime autoritário no Brasil.
Nas últimas décadas, é inegável que a sociedade brasileira vem demonstrando disposição no sentido de encontrar um novo caminho para a construção democrática da nossa República. Nos dias que correm, parece aprofundar-se, entre os brasileiros, a consciência de que o esforço de cada um e da sociedade em seu conjunto para enfrentar esse desafio depende de como se comportam os indivíduos e as instituições públicas. Essa nova situação evidencia a necessidade cada vez mais presente de consolidação de uma nova cultura cívica valorizadora do espírito público, da conduta republicana, do respeito à lei e aos direitos individuais e coletivos.
Mas essa vontade difusa não é capaz de se fazer valer integral e definitivamente. Pesam sobre ela o movimento dos atores políticos, a força das instituições e os valores assentados na vida sociocultural. Há, portanto, uma história política e cultural que atravessa o âmago desse desafio. Mesmo que em nosso país não se tenha reproduzido um cenário histórico similar ao da Revolução Francesa de 1789, não estivemos isentos da influência marcante da tríade republicana nascida nesse evento histórico. Nossa referência de valores políticos e culturais foi a europeia, marcantemente francesa e, por extensão, ibero-americana, sem nenhuma rejeição, contudo, da influência anglo-saxônica, particularmente norte-americana, mesmo que tais influências tenham sido vistas de maneira polarizada e, em alguns casos, até mesmo antagônicas.
Essa disjuntiva é decisiva quando examinamos o tema da república, e é a partir dela que começamos a desenhar a nossa hipótese. Deve-se anotar, antes de mais nada, o fato de que o republicanismo norte-americano, nascido com sua revolução de independência, em sua versão conservadora ou democrática, não necessitou mobilizar a tríade republicana na sua integralidade. Como afirma John Rawls:
Comparando liberdade e igualdade, a ideia da fraternidade teve um lugar menor na teoria democrática. Foi concebida para ser um conceito politicamente menos específico, que não define por si mesmo nenhum dos direitos democráticos, mas que canaliza precisamente determinadas atitudes mentais e formas de conduta, sem as quais perderíamos de vista os valores que são expressos nos direitos (2008: 125).
Nosso argumento se desenvolve no sentido de mostrar a distintividade da realidade brasileira diante da teoria democrática formulada a partir dos fundamentos expostos acima por Rawls. No interior da tríade republicana, parece-nos que, entre nós, há algo que faz transbordar o liso equacionamento liberal anglo-saxônico que solda o nexo entre liberdade e igualdade: trata-se da noção de fraternidade. É em torno dela que nos parece importante afiarmos nossa reflexão para jogar alguma luz no entendimento da nossa atualidade e buscar compreender a emergência de uma cultura política que tem demonstrado capacidade para dar sustentabilidade ao governo atual, bem como um nível de apoio jamais visto à sua liderança maior, garantindo-lhe tão extraordinária quanto aparentemente indestrutível popularidade.
A noção de fraternidade emergiu historicamente pela primeira vez em 5 de dezembro de 1790, na Assembleia Nacional Revolucionária, ao final de um discurso proferido por Robespierre no qual ele defendia a legitimidade de todos os franceses pertencerem à Guarda Nacional que então se reestruturava. A metáfora da fraternidade generalizou-se no processo da Revolução Francesa, ao cristalizar o fato de que se havia estabelecido uma luta frontal contra a loi civil vigente. E isso se faria combatendo o absolutismo, no plano da loi politique, e o domínio patriarcal, no plano da loi de famille. No plano político, as noções de liberdade e igualdade foram os valores predominantes na luta contra o absolutismo real, enquanto no plano da família será a questão da fraternidade entre os homens o móvel mais expressivo da mobilização dos franceses.
Esse é um aspecto relevante, uma vez que demonstra que o movimento da revolução atravessava a dimensão pública e penetrava a dimensão social e até mesmo privada da sociedade francesa da época. No contexto revolucionário de 1789, os pobres — aqueles que eram vistos pelas elites como a “canalha”, nas palavras de Marat — “queriam assumir, com plenos direitos, a condição de uma vida civil de homens livres e iguais”, em suma, a condição plena de cidadãos e, para isso, deveriam acabar com a “configuração senhorial, tutelar e paternalista característica da sociedade civil europeia do Antigo Regime” (Doménech, 2004: 13). A metáfora da fraternidade se tornaria efetivamente o móvel pelo qual o enigma da completude e da integridade da república seria enfrentado em contexto revolucionário e se generalizaria como uma cultura política pelos confins da Europa e da América Ibérica.
Mas aqui nos interessa enfatizar a seiva que a compõe. A fraternidade está essencialmente assentada na dimensão familiar e privada da vida e, a partir dos acontecimentos franceses, se torna um signo fortíssimo da cultura política republicana, mesmo que posteriormente ela tenha sido esquecida por revolucionários de todos os quadrantes e ideologias. Tratava-se de “emancipar” — mais uma metáfora da vida familiar — a população humilde das várias situações de dependência patriarcal. Emancipar-se significava irmanar-se com seus iguais em liberdade e direitos; emancipar-se, enfim, da dominação (que vem de domus, outra metáfora familiar) patriarcal, senhorial, privada, e irmanar-se na nação e na pátria (mais uma metáfora familiar). Assim, a fraternidade torna-se inexplicável sem a compreensão da luta e do avanço histórico que significou esse embate contra a sociedade senhorial do Antigo Regime europeu. Como se sabe, seguindo Alexis de Tocqueville, uma questão que a sociedade nascida na América do Norte não teve que enfrentar. E, por isso, como dissemos, o republicanismo norte-americano não tinha razões para incorporá-la em seu pensamento democrático. Também se deve notar que essa é uma distinção importante entre a revolução de Independência norte-americana e a Revolução Francesa, distinção mencionada de forma negativa por Hannah Arendt, já que, para essa autora, o ingresso da questão social, via manifestação de les malheureux na Revolução Francesa de 1789, acabaria por complicar e, em certo sentido, inviabilizar por muitos anos a conquista de um patamar expressivo e estável de liberdade e igualdade na França.
Pois bem, e o que isso tem a ver com a atualidade brasileira? A primeira observação é a de que, quase integralmente eclipsada em toda nossa história republicana, a metáfora da fraternidade invadiu o imaginário político da sociedade brasileira a partir da vitória eleitoral de Lula, em 2002, e teve condições de sustentabilidade tanto em razão da situação socioeconômica conquistada até aquele momento, quanto devido àquilo que se implementou em seguida como política social, soldando a figura e a liderança de Lula a esse avanço sem precendentes da nossa república. Haveria assim um movimento político-cultural de mão dupla a sustentar a emergência da fraternidade: ele é tanto uma representação que a sociedade constrói a respeito da ampliação dos direitos possibilitados pelo avanço da cidadania, quanto uma identificação promovida pelo poder de comunhão entre líder e massas, ambos num contexto democrático que não pode ser desconsiderado.
Nossa hipótese é que a cultura política que sustenta a altíssima popularidade de Lula está baseada nesse movimento. Com ele emerge a cultura política da fraternidade como um elemento integralizador da nossa república que, até o momento da transição democrática, havia sido sempre claudicante no que se refere à sua completude, recusando-se ou não sendo capaz de reposicionar, a partir da metáfora da fraternidade, os nexos entre liberdade e igualdade. O advento de Lula como presidente — por tudo o que ele é e representa — jogou a temática da fraternidade para dentro do processo de construção da nossa república. Mas houve ai uma astúcia digna de nota: Lula derivou de um quase assumido jacobinismo de sociedade civil para um moderantismo instrumental que joga de muitas maneiras com a problemática da fraternidade. O contexto democrático exige isso do ator e é, ao mesmo tempo, a suprema garantia para impedir devaneios de corte autoritário que rondam o personagem e seu ímpeto discursivo.
Apesar de não fazer parte do seu vocabulário (Kamel, 2009), ela é, contudo, central no seu discurso e um poderoso elemento de legitimidade política. Não é outra a razão para o discurso político lulista estar recheado de metáforas do mundo familiar e privado. Diuturnamente, desde que alcançou o poder, o presidente faz referências às figuras da família, nos filhos e na figura da mãe, realçando os sentimentos populares inclinados à ideia de irmandade. No seu discurso de posse, em 2002, esse chamamento não deixava dúvidas: “Os homens e as mulheres, os mais velhos e os mais jovens estão irmanados num mesmo propósito de contribuir para que o país cumpra o seu destino histórico de prosperidade e justiça”. Trata-se de um discurso no qual se objetiva ressignificar o país como uma “comunidade fraterna”, num contexto de democracia. Como um coroamento dessa estratégia, Lula aparece agora, ele próprio, como “o filho do Brasil”.
Outro elemento derivado da noção de fraternidade é a permanente oposição entre o “nós”, os irmãos, os pobres, o coração e alma do Brasil, e o “eles”, os “senhores”, os patrões, as elites, que nos governaram e nos dominaram por cinco séculos, embora seja forçoso reconhecer que aqui não se instalou e parece que não se instalará a disjuntiva amigo/inimigo, sob o critério da luta de classes, com sua consequente lógica de exclusão e supressão das liberdades. Assim, o discurso lulista não explicita um “pobrismo” de classe e, sim, uma operação simbólica eficaz que quer aludir à situação social geral dos brasileiros, dando-lhes esperanças de melhoria. Analisado esse discurso no seu conjunto, trata-se de uma ruptura — não revolucionária, é verdade — com a nossa trajetória republicana; mas também se trata de uma continuidade, já que estabelece um nexo com o nosso imaginário familiar e com a cordialidade brasileira que nos marca desde os tempos coloniais. A fraternidade lulista é vermelha (a cor do PT), mas ela é difusa. Certamente não é comunista e nem mesmo quer ser vista como de esquerda. Não é o Graal da utopia social, mas também não segue as frias linhas do interesse privado daquele “liberalismo dos de baixo” que frequentou a origem da sua trajetória. Amplia nossa república subordinando-se a processos políticos democráticos, socialmente pouco universalistas e estruturantes, mas está franqueada ao mercado e se sustenta numa legenda de estratégias inclusivas por meio de processos sociais moleculares de duvidosa eficácia.
A hipótese que aqui se levanta argumenta, portanto, no sentido de que todo o arcabouço conceitual até agora mobilizado para qualificar o “poderio” lulista tem se mostrado incapaz de formular uma síntese convincente. O qualificativo “populista” é flagrantemente débil. Ele não é mais do que jornalístico e essencialmente não corresponde às características e possibilidades institucionais da democracia brasileira da ordem constitucional de 1988. Além disso, peca por mobilizar um conceito fracassado na ciência social brasileira e latino-americana. Por outro lado, o estigma do catolicismo contradita a capacidade de ampliação e de diversificação na composição de seus apoios e de sua legitimidade. Assim, Lula também não pode ser visto como expressão do catolicismo de esquerda à Teologia da Libertação e tampouco como um personagem subalterno politicamente à hierarquia da Igreja Católica, como alguma vez se cogitou. Lula rejeitou a “política de rebanho”, optando pela valorização de cada individuo como pessoa, no plano societário, e, no plano político-cultural, adotou a perspectiva de uma revalorização da tradição republicana brasileira: um Brasil de todos, um Brasil da fraternidade, onde todos somos irmãos na democracia que construímos, mas sem estarmos subsumidos a uma definição ideológica distintiva. Por fim, a inclusão de Lula na “nova esquerda” também peca porque não é possível qualificar claramente esse “movimento” sem riscos profundos de avaliação. Lula não pode ser equiparado a Chávez, porque lhe é impossível aceitar e assimilar a beligerância política e ideológica com a qual o presidente venezuelano busca se legitimar todo tempo. Lula sabe que a sua legitimidade tem que passar pelo filtro das instituições da democracia brasileira e é nela que até agora tem apostado todas suas fichas.
Não há como não concordar que temos avançado muito em termos de liberdade. A igualdade se faz ainda merecedora de um projeto coletivo mais aprofundado e contemporâneo que possa ser assumido como uma grande política compartilhada por todos os brasileiros e produzir resultados duradouros. Nesse campo de expectativas, faz sentido o slogan do atual governo: “Brasil um país de todos”, ainda que não esteja assegurado que a “coisa pública” seja assimilada como uma dimensão afeta à responsabilidade “de todos nós”. Mas é precisamente a cultura cívica referente a esse “todos nós” que se apresenta agora como a grande questão da nossa república.
Com Lula, a metáfora da fraternidade é tanto uma representação que se construiu quanto uma identidade que se construiu. Daí a sua força aparentemente inquebrantável. Com ele, sem revolução, a tríade Liberdade, Igualdade, Fraternidade, mesmo que não integralmente, passou a fazer parte da nossa república pela primeira vez. Sob o contexto democrático que o condiciona, Lula procura mobilizá-la para encontrar a solda com a nossa tradição de modernização. Mesmo com todo seu “poderio”, movimenta-se como um equilibrista, muitas vezes à beira do vazio. Não foi o paladino da construção institucional da democracia brasileira das últimas décadas, mas se serve dela como se a fizera nascer. Para isso mobiliza o que nenhuma engenharia institucional é capaz de operar: um sentimento difuso de fraternidade do qual ele tem sido um protagonista convincente.
A fraternidade de Lula não é a mesma de Vargas, submetida aos ditames organicistas e solidaristas da ideologia nacional que dirigia o destino dos brasileiros como uma “comunidade fraterna”. Lula também quer o Brasil como uma “comunidade fraterna”, mas trata de ressignificá-la a seu modo, conformando-se ao contexto que lhe possibilitou a fortuna por onde se move, avança e busca politicamente se sustentar e se reproduzir. Tudo parece ser igual, mas não é. Na hipótese aqui desenhada há uma inovação em curso que precisa ser acompanhada atentamente e questionada de forma produtiva, para que não se fixe a máxima negativa que marca nossa tradição política na qual “tudo muda para seguir como antes”. Ao final de dois mandatos, haverá que se perguntar se esse importante avanço terá continuidade, garantindo, no seio da nossa república, isonomia aos componentes da sua tríade original. Incompreendida, a fraternidade estará subordinada e se perderá no jogo aritmético das eleições. Conspurcada, ela não passará de um joguete na composição da mitologia que se quer fabricar para o grande líder. Ambas as coisas não servem nem à democracia nem à república.
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Alberto Aggio é professor titular de História da Unesp/Franca.
Fonte: Gramsci e o Brasil

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Campos na busca por um novo PT

No último dia 18, Eduardo Peixoto se tornou o novo presidente do PT de Campos, prometendo unificar as tendências internas do partido e construir um projeto alternativo para a cidade. Certamente, estes são alguns dos desafios para superar uma história marcada por fracassos vergonhosos no que se refere às estratégias eleitorais, com alianças e participações em governos de caráter duvidoso, como também em relação à pouca expressividade do partido na vida política da cidade. Porém, ambos, embora difíceis, valerão de muito pouco, se o partido não for capaz de se reinventar, trazer novos quadros e se tornar mais robusto.

Com isso quero dizer que, as forças internas do partido, mesmo que unidas, ainda são poucas para sustentar um projeto genuinamente alternativo para a cidade, por isso o PT precisa voltar a sua tradição de conquistar e trazer para o partido os setores da sociedade capazes de sustentar um projeto genuinamente alternativo para a cidade. Embora eu também não saiba qual é o melhor caminho para alcançar tal objetivo, acredito que a formulação de um discurso claro, com um público alvo claro, possa ser um bom começo. O que é mais importante num projeto alternativo para a cidade? Para quem é este projeto (quais classes)? Enfim, quem é e o que é o PT de Campos?

Com essas perguntas, o blog “Outros Campos” deseja ao Eduardo Peixoto e a nova diretoria muita sorte e sucesso nesta nova empreitada, que esperamos ser uma espécie de “re-fundação” do partido na cidade.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010


Gildo Marçal Brandão (Nota Póstuma)


Marco Antônio Coelho - Fevereiro 2010


Amigos e companheiros, Simone, Joana, Carolina e Lucas, Dona Eva, dr. Brandão e demais parentes de Gildo

Aqui estamos para prantear o desaparecimento de um personagem singular. É interessante assinalar que Gildo antes de tudo era um sobrevivente na batalha pela sua existência. Segundo o relato de sua mãe, dona Eva, na infância os médicos não acreditavam que o primogênito daquela família, nascido no inóspito sertão de Mata Grande, iria sobreviver. Os diagnósticos eram irrefutáveis. O garoto padecia com a chamada tetralogia di Fallot que afetava de forma total seu sistema cardíaco.

Todavia, dona Eva, com o apoio total de seu esposo, não se curvou diante desse prognóstico. Recorreu a tudo que a medicina naquela época poderia fazer para salvar seu filho. Assim, teve início uma batalha que durou quase sessenta anos, porque exatamente hoje Gildo completaria 61 anos de idade.

Mas essas seis décadas foram sobretudo uma sequência de sofrimentos e sacrifícios inauditos desse alagoano fisicamente fraco, mas com fibra de aço. Volta e meia era internado em hospitais e sempre estava preso a dietas intoleráveis. Duas vezes seu músculo cardíaco teve de ser aberto e na primeira delas sua vida dependeu da perícia do doutor Zerbini. Recentemente, recorreram à implantação de um marca-passo, que, afinal, não impediu o enfarte que o derrotou anteontem. Sua grande amiga, cardiologista do Incor, a doutora Ana Maria Braga, sempre nos advertiu: “Fiquem preparados para o que pode acontecer com Gildo”.

Então, na verdade, o sucedido anteontem foi um fato absurdo, mas anunciado, pois a falência de seu sistema cardíaco fora adiada durante seis décadas. Em primeiro lugar pelo extremo cuidado recebido na infância e na mocidade, graças ao carinho de seus familiares.

Outros fatores básicos foram essenciais na formação dessa figura excepcional como teórico e militante político em nosso país. Em segundo lugar contribuiu decisivamente seu profundo amor à vida, ao trabalho que realizava como cientista político, sua convicção de que suas pesquisas seriam de enorme importância para o futuro do país. Note-se que fugiu de São Paulo para uma praia a fim de poder terminar a aula que deveria prestar na segunda semana de março. Todos sentiam como seus deveres como professor o consumiam, embora sempre apreciasse as coisas boas da vida. Não por acaso seu último de vida foi um passeio maravilhoso numa praia.

O outro fator básico que permitiu essa atividade espantosa foi o apoio absoluto, total e vigilante de Simone, sua companheira que tudo fazia para que Gildo pudesse viajar, tomar parte na vida social e manter em sua residência um afetuoso e acolhedor clima de amizade com inúmeros amigos, com estudantes estrangeiros que ali se hospedavam, e auxiliando os pós-graduandos orientados por Gildo. A contribuição de Simone também foi essencial para garantir um melhor padrão de vida da família.

Pois bem, esse alagoano travou essa batalha sem se submeter às normas impostas a uma pessoa fisicamente frágil. Sua vida é um exemplo de um envolvimento permanente com toda a sorte de dificuldades financeiras, políticas, policiais, e de extremo amor a diversas instituições de pesquisa, particularmente a Universidade de São Paulo. Agora a fatalidade o derruba quando dentro de um mês iria disputar o mais alto posto na academia, a função de professor titular da USP.

O ponto de partida de Gildo na universidade foi o estudo sistemático de filosofia, o que lhe deu uma base teórica que sempre lhe permitiu fazer análises profundas na ciência política e na sociologia. Daí suas posições ao lado dos que no movimento comunista assumem uma atitude firme na defesa do valor universal da democracia e da firme disposição de aprofundar a correção dos erros cometidos pelos que se engajam na luta por uma sociedade mais justa.

Com orgulho Gildo Marçal Brandão relatava sua qualidade de militante comunista. Relembro sua disposição de participar ativamente da rearticulação da direção comunista em São Paulo, quando a repressão policial assassinou diversos dirigentes comunistas em 1974 e 1975. Naquele ambiente de absoluto terror, Gildo cuidou de reorganizar a direção estadual dos comunistas e participou do lançamento do semanário Voz da Unidade, que circulou durante vários meses. Essa atuação criou um problema para ele, porque o afastou durante vários meses da vida acadêmica. Assumiu o compromisso de uma participação teórica mais intensa no lançamento da revista Temas de Ciências Humanas, abordando aspectos essenciais da atividade comunista no Brasil e no mundo. Para sobreviver viu-se forçado a trabalhar em várias publicações, na qualidade de free-lancer, inclusive na Folha de S. Paulo, quando foi acolhido por Cláudio Abramo.

Retornando à atuação na academia, Gildo jamais deixou de lado sua atuação destacada como um dos teóricos que dedica parte de seu tempo à elaboração programática do ideário comunista no Brasil e no mundo.

Comecei meus contatos com Gildo depois da minha saída da prisão, em 1979. De início era um relacionamento distante, mas que foi se estreitando cada vez mais. Com o passar dos anos diariamente debatíamos problemas e desafios. Tudo o que eu fazia submetia a ele. E ele sempre exigia minhas opiniões. Raramente discordávamos. Agora fico meio perdido sem saber como vou trabalhar sem antes ouvir suas observações.

Assim minha sensação é de perplexidade e de insegurança.

Mas tenho clareza em relação a um ponto. A contribuição de Gildo foi poderosa e profunda, deixando dois importantes legados. De um lado, foi sua colaboração intensa para a criação na USP — principalmente nos Departamentos de Ciência Política e de Sociologia — de um clima de renovação entre os professores, visando o aggiornamento do ensino superior no Brasil nas ciências humanas. De outro lado, pode-se medir a repercussão de seu trabalho na USP através da formação de um grupo de doutores e mestres que leva em conta suas análises críticas.

Encerro minhas palavras fazendo um apelo para que esforços sejam feitos a fim de ser publicado o memorial preparado por ele para o concurso de professor titular da USP. Documento que, no dizer dele, é um resumo de suas opiniões. Assim, a divulgação dessa derradeira reflexão será a maior homenagem a um mestre cujo exemplo é um orgulho para a comunidade acadêmica brasileira.

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Fala de Marco Antônio Coelho, crematório da Vila Alpina em São Paulo, 17 de fevereiro de 2010. Uma das últimas intervenções públicas de Gildo Marçal Brandão, uma das figuras centrais deste sítio, é a entrevista sobre Gramsci e a esquerda brasileira, hoje.

Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil. Disponível em http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=1196. Acesso em 18 de fevereiro de 2010.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

PT quer impedir que música que fala do Bolsa Família seja cantada no carnaval“




Com esse título me repassaram um e-mail denunciando a tentativa de censura do PT de Pernambuco. Vejam abaixo como a „marchinha“ „fala“ do Bolsa Família. A música é de autoria de Vasco Vasconcelos, o grande homenageado pelo Bloco Carnavalesco Siri na Lata do Recife durante o 31º Baile do Siri na Lata, no Clube Português da capital pernambucana.


“Chega de trabalho, basta de tanto "lero-lero", não vou mais encher minhas mãos de calo, vou viver da bolsa do "Fome Zero".
Minha mulher está muito feliz, já pediu dispensa do trabalho. Não quer mais ser uma faxineira pra viver dessa bolsa brasileira.
Por isso, eu canto "Obrigado Presidente!" Por o senhor ter estendido a mão, distribuindo esmola via cartão, retribuído com a sua reeleição.
Este é o país que vai pra frente com essa massa ociosa e contente, vivendo na ociosidade, ainda diz que isso é brasilidade.
Por isso, eu canto "Obrigado Presidente!" Por o senhor ter estendido a mão, distribuindo esmola via cartão, contrariando o nosso "Rei do Baião"
Chega de trabalho, basta de tanto "lero-lero", não vou mais encher minhas mãos de calo, vou viver da bolsa do "Fome Zero".
Minha mulher está muito feliz, já pediu dispensa do trabalho. Não quer mais ser uma faxineira pra viver dessa bolsa brasileira.
Por isso, eu canto "Obrigado Presidente!" Por o senhor ter estendido a mão, distribuindo esmola via cartão, retribuído com a sua reeleição.
Este é o país que vai pra frente com essa massa ociosa e contente, vivendo na ociosidade, ainda diz que isso é brasilidade.
Por isso eu canto "Obrigado Presidente!" Por o senhor ter estendido a mão, distribuindo esmola via cartão, contrariando o nosso "Rei do Baião"
Por isso, eu digo "Obrigado Presidente!" Por o senhor ter estendido a mão, distribuindo esmola via cartão, retribuído com a sua reeleição.
Por isso, eu digo "Obrigado Presidente!" Por o senhor ter estendido a mão, distribuindo esmola via cartão, contrariando o nosso "Rei do Baião".
Por isso, eu digo "Obrigado Presidente!" Por o senhor ter estendido a mão, distribuindo esmola via cartão, retribuído com a sua reeleição.
Por isso eu digo "Obrigado Presidente!" Por o senhor ter estendido a mão, distribuindo esmola via cartão, contrariando o nosso "Rei do Baião".

Ora, ora, ora.... entao buscar impedir uma música que é puro preconceito de classe („massa ociosa e contente“) é tentativa de censura? Entao é tentativa de censura condenar um Boris Casoy por reproduzir com a cara lavada que os garis nao sao gente para desejar feliz ano novo pra alguém?

O que aconteceria se tivéssemos uma „marchinha“ que falasse das „paradas gays“ no mesmo tom? Seria certamente tratada na mídia e por todos nós como preconceito contra as „minorias“, e com toda razao. Quem chamaria de tentativa de censura o esforco de impedir uma „marchinha“ anti-semita, cantada em meio a bonecos de Judeus com os olhos do Tio Patinhas? Tenho certeza que niguém chamaria de censura o apelo inquestionável à Justica para impedir prática de preconceito contra os Judeus. Quais sao as razoes para que, no caso da música que chama os brasileiros pobres atendidos pelo Bolsa Família de ociósos contentes, se fale em censura e nao em direito a nao ser vítima de preconceito? Porque ainda se naturaliza que dinheiro do Estado para os pobres é „esmola“ e para os outros é „direito“? Porque ninguem fala que nós estudantes, que recebemos bolsas muito maiores, somos ociósos contentes?

A razao é muito simples: os atendidos pelo Bolsa Família fazem parte de uma classe social. que é socialmente desvalorizada, reduzida à „mero corpo“, cujo destino deve ser o de servir à classe média ao preco mais baixo possível. O desvalor dos indivíduos precisa sempre corresponder à sua disposicao para servir a quem vale mais. Se a mulher pobre recusa uma faxina a preco muito baixo porque, com o Bolsa Família, tem a possibilidade de pelo menos comer, trata-se de um absurdo. É uma „inversao de valores“ eles nao obederem logo quando chamamos!

O preconceito de classe é tanto mais duro quando menos ele é percebido como tal. Se os privilegiados deste país, entre os quais nós estudantes-bolsistas devemos nos incluir, já sabem que devem aprender a sentir vergonha, e assim „censurar“ o preconceito contra „minorias“, sobretudo porque quase sempre estas minorias estao nos lares da propria minoria privilegiada, estao longe de se sentirem obrigados a se livrar do ódio que tem contra os pobres.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Aviso aos navegantes

O janeiro arrastou-se preguiçoso, como se quisesse lembrar um tempo de nossas vidas em que havia tempo para tudo e para todos. O fevereiro já segue outro ritmo. Ora, é difícil estar alheio aos apelos (muitos!) da estação do ano que tem um sol para cada cabeça e que nos anima com a proximidade das festas do Rei Momo a nos saudar com seus excessos. Conosco não seria diferente, mesmo que alguns de nossos companheiros estejam batendo queixo com saudades da terrinha (saudades muitas aqui também). Lá e cá recarregamos nossas baterias para um 2010 que não deixará margem para adiar as tarefas do “homem de ação” e do “homem de ciência”. Desejamos que o diálogo entre ambos favoreça uma intervenção no debate público que não omita conflitos em sua dimensão material e moral, porque apesar dos tantos pesares cremos que a vida merece ser vivida por cada um conforme sua capacidade e, não menos, ser assegurada para cada um conforme sua necessidade. Essa bela frase de Karl Marx nos inspira a socializar os recursos de nossa formação como um artesanato intelectual feito a muitas mãos na blogosfera e, sem dúvida, aprendemos muito nesses quase dois anos de Outros Campos.

Assim seguimos esquentando os tamborins com nossos companheiros de jornada neste 2010 que promete!

Bom carnaval a tod@s!

O Brasil canta para FHC

Olhos nos Olhos


Quando você me deixou, meu bem
Me disse pra ser feliz e passar bem
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci
Mas depois, como era de costume, obedeci

Quando você me quiser rever
Já vai me encontrar refeita, pode crer
Olhos nos olhos
Quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais

E que venho até remoçando
Me pego cantando, sem mais, nem por quê
Tantas águas rolaram
Quantos homens me amaram
Bem mais e melhor que você

Quando talvez precisar de mim
Cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim
Olhos nos olhos
Quero ver o que você diz
Quero ver como suporta me ver tão feliz

Composicao: Chico Buarque

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010



O oráculo de Montenegro

Não caros, não se trata da religiosidade mágica dos cidadãos da república de Montenegro, mas de uma “previsão” de Carlos Alberto Montenegro, presidente do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), alardeada aos quatro cantos no ano passado sobre o teto eleitoral de Dilma Rousseff, Chefe da Casa Civil e pré-candidata à Presidência da República pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Segundo Montenegro, o teto até então estimado em 15% seria facilmente suplantado pelo eleitorado do também pré-candidato José Serra, governador do Estado de São Paulo pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e principal adversário de Dilma na corrida presidencial. Da previsão ao “imprevisto”: a TV Bandeirantes divulgou em 29 de janeiro pesquisa da Vox Populi que demonstrava diminuição da diferença entre Serra e Dilma. Em 01 de fevereiro a CNT / Sensus confirmava empate técnico entre ambos [1]. Ao contrário de telejornais como Bandeirantes e Record, o Jornal Nacional (Rede Globo) não fez qualquer menção àquelas pesquisas. O blogueiro Rodrigo Vianna nos ajuda a desnudar esse “silêncio ensurdecedor” ao tomar por referência o blog “Balaio do Kotscho” (29/04/2009) o qual considera as declarações de Montenegro como tributárias da tese (e do desejo) de que a transferência de votos de Lula para Dilma ou quaisquer outros candidatos da situação teriam um limite intransponível em face de uma candidatura de oposição, sobretudo se for a de José Serra, numa eleição plebiscitária como a de 2010.

Não nos cabe repercutir pesquisas eleitorais senão pensarmos o seu significado a partir do estelionato jornalístico acima mencionado. Diante da possibilidade de todo indesejável, mas nem sempre ponderável, dos resultados das pesquisas contrariarem determinada perspectiva de uma problemática dominante – as eleições de 2010 – opta-se, simplesmente, por não divulgá-los, posto vigorar um movimento de opinião que não coaduna com as preocupações políticas de quem paga as pesquisas. Noutros termos: a Rede Globo divulga há anos as pesquisas eleitorais do IBOPE, que, por sua vez, mede regularmente a audiência dos programas televisivos, sendo a audiência um dos critérios para a destinação das verbas públicas de publicidade. Eis um jogo do tipo “cara eu ganho, coroa você perde”, não acham? Uma problemática é dominante por interessar os agentes com poder decisório que pretendem estar informados sobre os meios de organizar a sua ação política, concentrando-os de modo a dificultar a produção de “contra-problemáticas”, como lembra Bourdieu. Desse modo, a mera variância de resultados das pesquisas eleitorais implica que o objeto de luta de hoje e de sempre das forças progressistas é difundir os meios pelos quais seja facultado aos eleitores de todas as classes formular seus próprios instrumentos de defesa contra um consenso manipulado, ademais porque a transferência de votos de Lula para Dilma exige uma elaboração renovada de temas e problemas que correm o risco de serem traduzidos, para prejuízo da maioria, pelo ethos de classe de uma imprensa tradicional desapegada de qualquer pudor ao atuar como partido de oposição.

No mais, não se pode acusar Montenegro de incoerência. Afinal, seus exercícios de futurologia, mesmo que frustrados pela realidade, não desmentem o Jornal Nacional no seu “modo de fazer” [2].

[1] Informações divulgadas pelos blogs “Rodrigo Vianna” e “Vi o Mundo”. Disponível em http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16382. Acesso em 08 de fevereiro de 2010.
[2] Uma alusão ao título do livro de Willian Bonner sobre o JN, publicado ano passado.

O sapo e o príncipe




Sem medo do passado,

por Fernando Henrique Cardoso*

O presidente Lula passa por momentos de euforia que o levam a inventar inimigos e enunciar inverdades. Para ganhar sua guerra imaginária, distorce o ocorrido no governo do antecessor, autoglorifica-se na comparação e sugere que se a oposição ganhar será o caos. Por trás dessas bravatas está o personalismo e o fantasma da intolerância: só eu e os meus somos capazes de tanta glória. Houve quem dissesse “o Estado sou eu”. Lula dirá, o Brasil sou eu! Ecos de um autoritarismo mais chegado à direita.

Lamento que Lula se deixe contaminar por impulsos tão toscos e perigosos. Ele possui méritos de sobra para defender a candidatura que queira. Deu passos adiante no que fora plantado por seus antecessores. Para que, então, baixar o nível da política à dissimulação e à mentira?

A estratégia do petismo-lulista é simples: desconstruir o inimigo principal, o PSDB e FHC (muita honra para um pobre marquês...). Por que seríamos o inimigo principal? Porque podemos ganhar as eleições. Como desconstruir o inimigo? Negando o que de bom foi feito e apossando-se de tudo que dele herdaram como se deles sempre tivesse sido. Onde está a política mais consciente e benéfica para todos? No ralo.

Na campanha haverá um mote – o governo do PSDB foi “neoliberal” – e dois alvos principais: a privatização das estatais e a suposta inação na área social. Os dados dizem outra coisa. Mas os dados, ora os dados... O que conta é repetir a versão conveniente. Há três semanas Lula disse que recebeu um governo estagnado, sem plano de desenvolvimento. Esqueceu-se da estabilidade da moeda, da lei de responsabilidade fiscal, da recuperação do BNDES, da modernização da Petrobras, que triplicou a produção depois do fim do monopólio e, premida pela competição e beneficiada pela flexibilidade, chegou à descoberta do pré-sal. Esqueceu-se do fortalecimento do Banco do Brasil, capitalizado com mais de R$ 6 bilhões e, junto com a Caixa Econômica, libertados da politicagem e recuperados para a execução de políticas de Estado. Esqueceu-se dos investimentos do programa Avança Brasil, que, com menos alarde e mais eficiência que o PAC, permitiu concluir um número maior de obras essenciais ao país. Esqueceu-se dos ganhos que a privatização do sistema Telebrás trouxe para o povo brasileiro, com a democratização do acesso à internet e aos celulares, do fato de que a Vale privatizada paga mais impostos ao governo do que este jamais recebeu em dividendos quando a empresa era estatal, de que a Embraer, hoje orgulho nacional, só pôde dar o salto que deu depois de privatizada, de que essas empresas continuam em mãos brasileiras, gerando empregos e desenvolvimento no país.

Esqueceu-se de que o país pagou um custo alto por anos de “bravata” do PT e dele próprio. Esqueceu-se de sua responsabilidade e de seu partido pelo temor que tomou conta dos mercados em 2002, quando fomos obrigados a pedir socorro ao FMI – com aval de Lula, diga-se – para que houvesse um colchão de reservas no início do governo seguinte. Esqueceu-se de que foi esse temor que atiçou a inflação e levou seu governo a elevar o superávit primário e os juros às nuvens em 2003, para comprar a confiança dos mercados, mesmo que à custa de tudo que haviam pregado, ele e seu partido, nos anos anteriores.

Os exemplos são inúmeros para desmontar o espantalho petista sobre o suposto “neoliberalismo” peessedebista. Alguns vêm do próprio campo petista. Vejam o que disse o atual presidente do partido, José Eduardo Dutra, ex-presidente da Petrobras, citado por Adriano Pires, no Brasil Econômico de 13/1/2010. “Se eu voltar ao parlamento e tiver uma emenda propondo a situação anterior (monopólio), voto contra. Quando foi quebrado o monopólio, a Petrobras produzia 600 mil barris por dia e tinha 6 milhões de barris de reservas. Dez anos depois, produz 1,8 milhão por dia, tem reservas de 13 bilhões. Venceu a realidade, que muitas vezes é bem diferente da idealização que a gente faz dela”.

O outro alvo da distorção petista refere-se à insensibilidade social de quem só se preocuparia com a economia. Os fatos são diferentes: com o Real, a população pobre diminuiu de 35% para 28% do total. A pobreza continuou caindo, com alguma oscilação, até atingir 18% em 2007, fruto do efeito acumulado de políticas sociais e econômicas, entre elas o aumento do salário mínimo. De 1995 a 2002, houve um aumento real de 47,4%; de 2003 a 2009, de 49,5%. O rendimento médio mensal dos trabalhadores, descontada a inflação, não cresceu espetacularmente no período, salvo entre 1993 e 1997, quando saltou de R$ 800 para aproximadamente R$ 1.200. Hoje se encontra abaixo do nível alcançado nos anos iniciais do Plano Real.

Por fim, os programas de transferência direta de renda (hoje Bolsa-Família), vendidos como uma exclusividade deste governo. Na verdade, eles começaram em um município (Campinas) e no Distrito Federal, estenderam-se para Estados (Goiás) e ganharam abrangência nacional em meu governo. O Bolsa-Escola atingiu cerca de 5 milhões de famílias, às quais o governo atual juntou outras 6 milhões, já com o nome de Bolsa-Família, englobando em uma só bolsa os programas anteriores.

É mentira, portanto, dizer que o PSDB “não olhou para o social”. Não apenas olhou como fez e fez muito nessa área: o SUS saiu do papel à realidade; o programa da aids tornou-se referência mundial; viabilizamos os medicamentos genéricos, sem temor às multinacionais; as equipes de Saúde da Família, pouco mais de 300 em 1994, tornaram-se mais de 16 mil em 2002; o programa “Toda Criança na Escola” trouxe para o Ensino Fundamental quase 100% das crianças de sete a 14 anos. Foi também no governo do PSDB que se pôs em prática a política que assiste hoje a mais de 3 milhões de idosos e deficientes (em 1996, eram apenas 300 mil).

Eleições não se ganham com o retrovisor. O eleitor vota em quem confia e lhe abre um horizonte de esperanças. Mas se o lulismo quiser comparar, sem mentir e sem descontextualizar, a briga é boa. Nada a temer.

*Ex-presidente da República

Fonte: jornal ZERO HORA
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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Os PIGS e a oposição em Campos


O jornalista e blogueiro Paulo Henrique Amorim cunhou o termo “PIG”, uma sigla que significa Partido da Imprensa Golpista, para retratar o papel que a grande imprensa desempenha no cenário nacional. A grande imprensa, ao invés de informar, age como um partido político, direcionando e construindo a pauta da oposição ao governo Lula, oposição esta em frangalhos devido ao estrondoso sucesso do Governo. A cada dia esta imprensa inventa crises e sonha com um golpe que retire Lula do poder. Vale lembrar que a verve golpista não é conjuntural, mas sim estrutural na casta da grande imprensa brasileira, ela sempre foi golpista, elitista e conservadora.

Assim, sabemos que, se meter descaradamente em política e ter vocação golpista não são nenhuma novidade nesta imprensa, porém essas suas características essenciais se radicalizaram nos últimos tempos, fazendo com que ela se aproxime mais de um partido do que de jornais ou emissoras de televisão, e é nisso que a sigla de PHA faz muito sentido. Num olhar rápido, poderíamos dizer que isso se deve a duas principais causas: (1) o desafio de uma instituição (grande imprensa nacional) chafurdada na ditadura de ter agora de sobreviver numa sociedade democrática (segundo o historiador Eric Hobbsbawm a democracia no Brasil começa com a eleição de Lula); e (2) também lidar com a repentina perda de poder diante a expansão da informação via internet, ou seja, perda do monopólio da informação, sua principal fonte de poder.
Mas afinal, poderíamos dizer que este processo do PIG nacional tem algo a ver com a situação sócio-histórica da planície pantanosa que pertenceu um dia aos índios goytacá? Acredito que, embora com muitas diferenças, há algumas semelhanças valiosas, as quais nos permitem essa comparação. De alguma maneira podemos pensar que o jornal campista Folha da Manha tem exercido um papel semelhante no que se refere à construção da pauta da oposição em Campos. No entanto, para transformar essa afirmação acima em algo sustentável, e não numa denuncia típica do “denuncismo terrorista” sem conteúdo do “garotismo”, precisamos olhar, mesmo que sucintamente, as possíveis diferenças e semelhanças com o quadro nacional.

Quanto às principais diferenças, a primeira delas é que a democracia ainda não chegou em Campos. Muito embora o movimento “muda Campos” tenha sido um robusto suspiro de democracia, o qual rompeu com o poderio das elites tradicionais agrárias, isso foi dissolvido pelo personalismo megalomaníaco do seu líder, a saber, Garotinho. Assim, o nosso PIG nunca teve de enfrentar um governo democrático, mas por seu lado, enfrentou um processo semelhante no que se refere ser expulso das barbas do poder. O governo Garotinho, com quem estes se aproximaram num primeiro momento, devido sua vocação por ser situação, lhe virou as costas e criou seus próprios meios de lidar com a imprensa, desse modo, com a vitória recente de Rosinha foram obrigados a ser oposição.

Já o fenômeno do declínio de poder da imprensa em virtude da expansão da internet é um episódio global, em qualquer canto desse mundo, sobretudo os jornais impressos, estão sendo impactados por isso. Não podem mais impor impunemente suas opiniões e às vezes sua versos distorcidas e mentirosas dos fatos para uma população passiva. A velocidade e a democratização da informação e da crítica oferecida pela internet, em especial os blogs que formam uma guerrilha foquista contra a grande mídia, destronam aos poucos os ex-latifundiários da informação. Do mesmo modo, a Folha da Manha é obrigada a enfrentar a rica blogsfera campista.
Assim como faz o PIG nacional, o PIG local quer compensar seu assombroso declínio de poder com o “aparelhamento” da oposição. Tentam dirigir e controlar a vida política do que poderia ser a oposição. Se no cenário nacional o PIG tenta reorganizar e levantar o moral das tropas Demo-tucanas que vem sendo massacradas pelos exércitos do presidente, e também procura inventar uma pseudo-esquerda, como é o caso do apoio a Marina Silva, na planície Goytacá a história não é muito diferente.
Depois da derrota do seu candidato nas últimas eleições, o PIG campista vive sobre o temor de perder seu braço político no Estado, devido ao fenômeno que sempre ocorre em Campos, ou seja, os vereadores querem ser sempre situação, não importa quem esteja no poder. Assim ela busca dar uma cara à oposição, e como faz o PIG nacional, chama os vereadores de oposição às falas. Um exemplo disso foi a última entrevista com a vereadora Odisséia, na qual a folha exige uma unidade e cara da oposição. A “Folha” alardeia que foi ela que colocou a pauta da luta contra o aumento do IPTU, o qual os vereadores aprovaram unanimemente (um exemplo sintomático do que estamos mostrando, a folha inventa uma oposição).

Mas a “Folha” também procurar construir e aparelhar uma pseudo-alternativa à esquerda, como faz o PIG Nacional com Marina Silva, ambos na tentativa de inviabilizar uma verdadeira alternativa. Nas últimas eleições, quando a rede blog campista começou a especular sobre a possibilidade de uma alternativa genuína aos arnaldistas e garotistas, dando espaço e fazendo entrevistas com os setores mais progressistas do PSDB e PT em Campos, a “Folha” logo respondeu dando espaço e também fazendo entrevistas aos setores mais conservadores destes partidos, querendo se apropriar de uma possível alternativa. Mas vale lembrar, que a “Folha” nunca deixou de apoiar a bloco arnaldista.
Ainda na tentativa de se apropriar e controlar uma pseudo-alternativa à esquerda, agora a “Folha” distribui espaços em seu jornal e na sua rede blog para setores do PT de Campos. Um outro exemplo sintomático disto que falamos é que como nas últimas semanas a rede blog se agitou cobrando uma postura mais à esquerda da vereadora Odisséia, exigindo dela uma clareza de postura em relação aos tradicionais blocos políticos de Campos, a “Folha” responde concedendo uma entrevista à vereadora. Desse modo, não foi a vereadora que respondeu em seu blog, ou por qualquer outro meio seu, as demandas da população, mas sim a “Folha” que dita quando e como a vereadora deve responder.

Isso é apenas um aperitivo para pensarmos o papel que a mídia busca exercer na política local, um convite para que possamos analisar e entender este processo, e até mesmo, através do debate, refutar algumas idéias que aqui postei.
Como última nota, vale lembrar que é muito clara a posição do PT e do governo Lula em relação ao PIG nacional, porém ainda não é muito clara a posição que o PT de Campos tem em relação ao PIG local.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Uenf se mantém entre as melhores do Brasil

Saiu no site da UENF:

Pela segunda vez consecutiva, a Uenf é apontada pelo MEC como uma das 15 melhores universidades do Brasil. A nova versão do Índice Geral de Cursos da Instituição (IGC) - o mais completo indicador de qualidade das instituições de ensino superior - aponta a Uenf como a segunda melhor universidade pública do Estado. No Rio de Janeiro, a exemplo do que ocorreu no índice divulgado em 2008, só a UFRJ e a PUC-Rio somaram mais pontos.

Os dados sobre a nova edição do IGC foram divulgados em 31/08/09, pelo ministro da Educação, Fernando Haddad. Na planilha do MEC, a Uenf é a universidade estadual brasileira com melhor pontuação. Numa escala de zero a 500, a Universidade obteve 369 pontos no IGC, posicionando-se em 14.º lugar. Depois da Uenf, a estadual com melhor pontuação é a Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho), em 17.º lugar, com 363 pontos.