Alguém já deve ter dito que o Brasil é a “Hollywood das novelas”. Não apenas somos campeões mundiais em produzir esse bem cultural, tanto para consumo interno como externo. Somos o País que consegue levar ao extremo a novelização da esfera pública, radicalizando uma tendência de “colonização” da esfera pública pela dinâmica mercadológica da indústria cultural. Em sua tese clássica sobre a “mudança estrutural da esfera pública”, Jürgen Habermas mostrou como a indústria cultural destrói os processos de aprendizado coletivo na esfera pública ao trazer soluções rápidas e fáceis para os dilemas e questões de todo tipo que surgem no debate público.
Esta patologia não seria provocada exatamente pela “confusão entre público e privado”. Esse jargão que a confusão intelectual de nossa sociologia rasa, espontânea e preguiçosa se vale para resolver todo tipo de questão ignora por completo que uma esfera pública vigorosa em sua tarefa de pautar o aprendizado de coletividades pressupõe de algum modo que haja esta mistura entre público e privado. Em seu contexto liberal, a esfera pública burguesa era exatamente a experiência comum de homens em trazer ao debate suas questões e dilemas da vida privada. Nesse sentido, a experiência literária servia de mediação para que a mistura entre público e privado se traduzisse em abstrações sobre a condição humana de certo coletivo de pessoas. Abstrações que encontravam em personagens, seus dramas e ambiguidades os bens culturais necessários para que o simplismo novelesco não resolve era justamete pra ficar em aberto: o debate.
As questões políticas ai seriam o resultado da tematização das questões humanas em geral, inclusive aquelas do âmbito privado. O problema da novelização não é a confusão entre público e privado, mas a resolução de todas as questões públicas ou privadas com o apelo aos clichês de bom e mau, mocinho e vilão. Esses clichês jogam do lado do torpor cognitivo e da estreiteza moral ao reduzirem dilemas complexos como os dramas afetivos da família moderna de hoje a intenções de um pai e uma madastra do mal que resolvem, por uma maldade que seria só deles, livrar-se de uma menina inocente. O sensacionalismo gerado na cobertura novelesca do “caso isabela” mostra como esses clichês se servem do narcisismo mais primitivo do público em “expulsar” os males de uma sociedade e sua época projetando-os em “bodes expiatórios” de todo tipo. A mídia oligopolista brasileira vive a procura desses “encostos” como os “políticos” para resolver o debate sobre questões difíceis do mesmo modo que a Igreja Universal aponta os “demonios” causadores dos dramas pessoas, associados quase sempre com questões difíceis como estas que a mídia transforma em novela.
Não tenho acompanhado a cobertura da imprensa sobre a “crise de campos”. Mas tenho certeza que a narrativa novelesca é a regra. No Brasil, a defesa cega da autonomia da imprensa nada mais é do que a defesa da dinâmica mercadológica que dá audiência e dinheiro para os dois ou três grupos que controlam quase tudo que as pessoas lêem, assistem e ouvem nesse país. No caso do debate acadêmico em sua interseção com o debate público esta tendência de novelização se mostra sobretudo na busca compulsiva por soluções e na negligência em compreender as razões complexas que constroem os problemas sociais. Os intelectuais quase sempre são chamados para responder a questões que a própria mídia coloca. E o pior é que ficam contentes com isso.
Esta patologia não seria provocada exatamente pela “confusão entre público e privado”. Esse jargão que a confusão intelectual de nossa sociologia rasa, espontânea e preguiçosa se vale para resolver todo tipo de questão ignora por completo que uma esfera pública vigorosa em sua tarefa de pautar o aprendizado de coletividades pressupõe de algum modo que haja esta mistura entre público e privado. Em seu contexto liberal, a esfera pública burguesa era exatamente a experiência comum de homens em trazer ao debate suas questões e dilemas da vida privada. Nesse sentido, a experiência literária servia de mediação para que a mistura entre público e privado se traduzisse em abstrações sobre a condição humana de certo coletivo de pessoas. Abstrações que encontravam em personagens, seus dramas e ambiguidades os bens culturais necessários para que o simplismo novelesco não resolve era justamete pra ficar em aberto: o debate.
As questões políticas ai seriam o resultado da tematização das questões humanas em geral, inclusive aquelas do âmbito privado. O problema da novelização não é a confusão entre público e privado, mas a resolução de todas as questões públicas ou privadas com o apelo aos clichês de bom e mau, mocinho e vilão. Esses clichês jogam do lado do torpor cognitivo e da estreiteza moral ao reduzirem dilemas complexos como os dramas afetivos da família moderna de hoje a intenções de um pai e uma madastra do mal que resolvem, por uma maldade que seria só deles, livrar-se de uma menina inocente. O sensacionalismo gerado na cobertura novelesca do “caso isabela” mostra como esses clichês se servem do narcisismo mais primitivo do público em “expulsar” os males de uma sociedade e sua época projetando-os em “bodes expiatórios” de todo tipo. A mídia oligopolista brasileira vive a procura desses “encostos” como os “políticos” para resolver o debate sobre questões difíceis do mesmo modo que a Igreja Universal aponta os “demonios” causadores dos dramas pessoas, associados quase sempre com questões difíceis como estas que a mídia transforma em novela.
Não tenho acompanhado a cobertura da imprensa sobre a “crise de campos”. Mas tenho certeza que a narrativa novelesca é a regra. No Brasil, a defesa cega da autonomia da imprensa nada mais é do que a defesa da dinâmica mercadológica que dá audiência e dinheiro para os dois ou três grupos que controlam quase tudo que as pessoas lêem, assistem e ouvem nesse país. No caso do debate acadêmico em sua interseção com o debate público esta tendência de novelização se mostra sobretudo na busca compulsiva por soluções e na negligência em compreender as razões complexas que constroem os problemas sociais. Os intelectuais quase sempre são chamados para responder a questões que a própria mídia coloca. E o pior é que ficam contentes com isso.
20 comentários:
Faço minha suas palavras, Roberto. É no mínimo estranho o reiterado mote da "liberdade de expressão" de um dos grandes grupos de comunicação privados do país, sem nada opor à unificação da pauta jornalística em torno da dramatização da vida pública tal qual uma "novela". O enjaulamento dos corpos e da mentes - a burocratização que Weber abordou em mais de um ângulo - não passa mais apenas pelas estruturas de poder conhecidas do Estado mas, dentre outros meios, pela televisão e pela Internet. É o tempo do espetáculo, da mobilização total do exército de telespectadores e de internautas mediante a exortação das emoções primárias e do politicamente correto.
Mas, não é impossível, claro, outros usos e práticas dos meios de comunicação na desconstrução do discurso midiático.
Questão de ordem, senhor presidente: por que o anônimo é anônimo?
Excelente texto Roberto!
Mas, um ponto me parece estranho apenas...
A mídia não está descolada da sociedade e, por vezes, determinados debates também deveriam nos interessar não é? Nem que seja para uma tomada de posição em direção contrária justamente por ser reflexiva.
Ou não? Temos um caminho de mão única?
"(...)and it´s true we are imune, when battle is fiction, and TV is reality(...)"
U2-Sunday bloody sunday...
tem blog novo na área: www.razaoecritica.blogspot.com
Bem, caros amigos do blog. Primeiro, obrigado pelo interesse no texto. George, sem dúvida a mídia so existe por que se alimentada de demandas sociais, como a de uma cultura nacional narcísica. Tb concordo que nao podemos recusar os debates, nem mesmo esse do "caso isabela". Nosso esporto de combate, tomar esses debater e reestabelecer sua pauta. Algo assim. O senso comum e sempre o ponto de partida. Quanto ao anonimo, o esquecem. Ele ja e anonimo. Imaginem que tudo que ele diz e um banner daqueles que a gente aprende a fingir que nao tem ali.
Sim Roberto..
Inclusive ando pensando, tal qual boa parte dos setores progressistas no Brasil e no exterior, sobre formas de regulação desta prestação de serviço pública que é a produção e difusão de bens simbólicos.
Mas sem condenar in totum a mídia em si. É necessária a dialética também nesse caso, não só a negativa.
Abçs e seu texto está coberto de razão em muitos aspectos.
Prezad@s Comentadores(as) e leitores(as),
Decidi por bem fazer a limpeza parcial dos comentários que em nada se relacionavam com o post para não permitir a prorrogação de uma polêmica estéril.
Assim será feito com outros posts sempre que for necessário.
Respeitosamente,
George
Como diria o mestre Bourdieu, quando o sociólogo cai na ilusão de que é um profeta da sociedade, no mau sentido, ou seja, naquele em que é preciso prever rapidamente o que acontecerá no futuro, ele está fadado a dizer apenas o que o público deseja ouvir, ou seja: afagos ilusórios para almas ansiosas por respostas fáceis.
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