por Roberto Torres
Há poucos dias Brand escreveu um artigo sobre a relação entre classe social e comportamento eleitoral. Na ocasião ele começou o debate apontando as dificuldades de pautar esta relação segundo à concepção marxista de classe social. De um modo resumido, a principal dificuldade é que, em Marx, a definição de classe, feita a partir da posse ou não dos meios de produção, não explica porque uma situação de classe específica nem sempre, ou quase nunca, corresponde à defesa política de certo interesse de classe. No decorrer do século XX, o que se viu foi que as classes mais radicalmente despossuídas, inclusive de tudo que era necessário para uma situação sistemática de exploração pelo capital, eram incapazes de sustentar posições políticas de transformação social ao longo do tempo.
A experiência das massas assustadas pela miséria durante o Nazismo foi apenas o caso mais extremado de como as classes cujos indivíduos não podem vislumbrar um futuro no contexto de uma dada sociedade tendem a buscar uma solução rápida para sua condição social, que ao invés de prover a transformação social no grau em que sua pauperização poderia nos sugerir a primeira vista, costumam eleger “bodes expiatórios” para explicar os males de que padecem. Ao invés de apoiarem a transformação, que se sabe lenta e gradual, de um regime de dominação econômico-social, os despossuídos de perspectiva no futuro sempre vão preferir preservar a “segurança possível do hoje” que eles supõem alcançável com a punição de alguns culpados, como foram os Judeus na Alemanha Nazista e como são os “encostos” no neopentecostalismo brasileiro.
O autor que, numa leitura generosa e crítica da obra de Marx, abriu caminho para repensar a relação entre classe social e comportamento político foi sem dúvida Max Weber. O principal insight de Weber é que a classe social só determina o comportamento político mediante o status social que ela assegura ao indivíduo como alguém que pode e desejar reproduzir sua “situação de classe” definia pelo seu “valor no mercado”. Este “valor no mercado” substitui o critério da posse dos meios de produção como dimensão fundamental capaz de pautar uma dinâmica de tomadas de posições políticas de caráter coletivo.
O que configura o valor dos indivíduos no mercado é, além da posse dos meios de produção, a posse do conhecimento, sobretudo de conhecimento técnico. A meu ver ai está toda a atualidade de concepção weberiana de classe social. Na medida em que ele percebe o conhecimento como critério de estratificação social no capitalismo moderno, ele é também capaz de perceber que o comportamento político de classe tende a obedecer a tentativa de valorizar ou evitar a desvalorização de saberes específicos de determinada situação de classe vivenciada pelos indivíduos. Ao mesmo tempo, como a posse diferencial deste conhecimento nunca cria uma oposição binária clara, como Marx imaginou ser possível, a luta se dá antes entre frações de classe. Porém, a posse diferencial deste conhecimento só pauta a luta entre frações de classe por referência ao tempo, ao futuro. As posições políticas de classe são posições tomadas por indivíduos que, a partir do conhecimento incorporado no presente, vislumbram em um determinado líder, proposta partidária etc. ou a possibilidade futura de sua qualificação ou de sua desqualificação no mercado.
A tendência sempre conservadora dos indivíduos em desvantagem para incorporar novos conhecimentos profissionais diante de plataformas políticas que pretendem abrir caminho para novos saberes na dinâmica de classificação e desclassificação social é um bom exemplo. Lembremos o conservadorismo dos usineiros campistas frente à possibilidade de que a atividade petrolífera viesse a desvalorizar sua posição social pondo em cena indivíduos com novos diplomas, uma “nova elite”. O caso do Cefet-Campos, que Brand sempre gosta de lembrar, é outro grande exemplo regional. Um tipo novo de qualificação e inserção profissional permite que um estrato social de professores e funcionários públicos possa assumir posições políticas tendo em vista o fato de que sua situação de classe não é diretamente ameaçada no futuro por causa destas posições políticas. Esta situação de classe é decisiva para que eles possam tomar posições de classe mais “revolucionárias”, esquecendo as sanções em termos de rebaixamento de status e renda, que para eles não é uma ameaça vivida no presente.
O contrário é o que ocorre com os “serventes” desqualificados da Prefeitura que, por terem seu futuro nas mãos de quem controla ou poderá controlar a máquina de empregos, não podem senão apoiar os candidatos que melhor lhes inspirem segurança quanto à manutenção destes empregos. Em resumo, a posse e o valor do conhecimento no presente definem se frações de classe têm ou não um futuro mais ou menos garantido, ou seja, se o status social de indivíduos em semelhante “situação no mercado” inspira ou não estabilidade ao longo do tempo. E ter ou não futuro é, por sua vez, a coordenada fundamental capaz de pautar posições políticas que levem em conta, por um lado, somente promessas mágicas de resolver problemas de vidas sem presente nem futuro ou, ao contrário, propostas para uma vida coletiva de pessoas que só podem planejar politicamente seu futuro na medida em que seu status social presente lhes confere alguma certeza de ter algum futuro.
Mas embora Weber tenha percebido essa dimensão temporal na configuração do comportamento político dos indivíduos a partir de sua “situação de classe” no mercado, ele não realizou nenhum estudo específico sobre o tema. No entanto, suas analises sobre a racionalização da conduta de vida mostram bem como a prisão ao “reino das necessidades imediatas”, seja a necessidade econômica de garantir a comida do amanha, seja o “interesse ideal” de livrar estilos de vida do risco iminente do rebaixamento de status, é um fator impeditivo de qualquer forma de posição política que precise do futuro com uma referência fundamental. Bem, eu queria apenas continuar as reflexões de Brand, mostrando como o raciocínio aberto por Weber, que inclusive inspirou teóricos contemporâneos da classe social como Pierre Bourdieu e Klaus Eder, é indispensável para pensarmos o tema do comportamento político nas próximas eleições municipais (considerando que é impossível pensar qualquer tipo de comportamento sem levar em conta a “situação de classe” dos indivíduos). Se Weber estava correto sobre a necessidade causal de um “sentido” para que haja ação social, o sentido de futuro parece ser o “pano de fundo” de todos os outros. Acho que nossas legitimas especulações sobre a possibilidade de uma mudança política na Cidade precisam apontar os potenciais estratos condutores da desejada mudança, cuja visão de futuro precisa não só existir como também existir por referência a uma “outra Campos” para que faça algum sentido imaginar uma posição política pro mudança.
Há poucos dias Brand escreveu um artigo sobre a relação entre classe social e comportamento eleitoral. Na ocasião ele começou o debate apontando as dificuldades de pautar esta relação segundo à concepção marxista de classe social. De um modo resumido, a principal dificuldade é que, em Marx, a definição de classe, feita a partir da posse ou não dos meios de produção, não explica porque uma situação de classe específica nem sempre, ou quase nunca, corresponde à defesa política de certo interesse de classe. No decorrer do século XX, o que se viu foi que as classes mais radicalmente despossuídas, inclusive de tudo que era necessário para uma situação sistemática de exploração pelo capital, eram incapazes de sustentar posições políticas de transformação social ao longo do tempo.
A experiência das massas assustadas pela miséria durante o Nazismo foi apenas o caso mais extremado de como as classes cujos indivíduos não podem vislumbrar um futuro no contexto de uma dada sociedade tendem a buscar uma solução rápida para sua condição social, que ao invés de prover a transformação social no grau em que sua pauperização poderia nos sugerir a primeira vista, costumam eleger “bodes expiatórios” para explicar os males de que padecem. Ao invés de apoiarem a transformação, que se sabe lenta e gradual, de um regime de dominação econômico-social, os despossuídos de perspectiva no futuro sempre vão preferir preservar a “segurança possível do hoje” que eles supõem alcançável com a punição de alguns culpados, como foram os Judeus na Alemanha Nazista e como são os “encostos” no neopentecostalismo brasileiro.
O autor que, numa leitura generosa e crítica da obra de Marx, abriu caminho para repensar a relação entre classe social e comportamento político foi sem dúvida Max Weber. O principal insight de Weber é que a classe social só determina o comportamento político mediante o status social que ela assegura ao indivíduo como alguém que pode e desejar reproduzir sua “situação de classe” definia pelo seu “valor no mercado”. Este “valor no mercado” substitui o critério da posse dos meios de produção como dimensão fundamental capaz de pautar uma dinâmica de tomadas de posições políticas de caráter coletivo.
O que configura o valor dos indivíduos no mercado é, além da posse dos meios de produção, a posse do conhecimento, sobretudo de conhecimento técnico. A meu ver ai está toda a atualidade de concepção weberiana de classe social. Na medida em que ele percebe o conhecimento como critério de estratificação social no capitalismo moderno, ele é também capaz de perceber que o comportamento político de classe tende a obedecer a tentativa de valorizar ou evitar a desvalorização de saberes específicos de determinada situação de classe vivenciada pelos indivíduos. Ao mesmo tempo, como a posse diferencial deste conhecimento nunca cria uma oposição binária clara, como Marx imaginou ser possível, a luta se dá antes entre frações de classe. Porém, a posse diferencial deste conhecimento só pauta a luta entre frações de classe por referência ao tempo, ao futuro. As posições políticas de classe são posições tomadas por indivíduos que, a partir do conhecimento incorporado no presente, vislumbram em um determinado líder, proposta partidária etc. ou a possibilidade futura de sua qualificação ou de sua desqualificação no mercado.
A tendência sempre conservadora dos indivíduos em desvantagem para incorporar novos conhecimentos profissionais diante de plataformas políticas que pretendem abrir caminho para novos saberes na dinâmica de classificação e desclassificação social é um bom exemplo. Lembremos o conservadorismo dos usineiros campistas frente à possibilidade de que a atividade petrolífera viesse a desvalorizar sua posição social pondo em cena indivíduos com novos diplomas, uma “nova elite”. O caso do Cefet-Campos, que Brand sempre gosta de lembrar, é outro grande exemplo regional. Um tipo novo de qualificação e inserção profissional permite que um estrato social de professores e funcionários públicos possa assumir posições políticas tendo em vista o fato de que sua situação de classe não é diretamente ameaçada no futuro por causa destas posições políticas. Esta situação de classe é decisiva para que eles possam tomar posições de classe mais “revolucionárias”, esquecendo as sanções em termos de rebaixamento de status e renda, que para eles não é uma ameaça vivida no presente.
O contrário é o que ocorre com os “serventes” desqualificados da Prefeitura que, por terem seu futuro nas mãos de quem controla ou poderá controlar a máquina de empregos, não podem senão apoiar os candidatos que melhor lhes inspirem segurança quanto à manutenção destes empregos. Em resumo, a posse e o valor do conhecimento no presente definem se frações de classe têm ou não um futuro mais ou menos garantido, ou seja, se o status social de indivíduos em semelhante “situação no mercado” inspira ou não estabilidade ao longo do tempo. E ter ou não futuro é, por sua vez, a coordenada fundamental capaz de pautar posições políticas que levem em conta, por um lado, somente promessas mágicas de resolver problemas de vidas sem presente nem futuro ou, ao contrário, propostas para uma vida coletiva de pessoas que só podem planejar politicamente seu futuro na medida em que seu status social presente lhes confere alguma certeza de ter algum futuro.
Mas embora Weber tenha percebido essa dimensão temporal na configuração do comportamento político dos indivíduos a partir de sua “situação de classe” no mercado, ele não realizou nenhum estudo específico sobre o tema. No entanto, suas analises sobre a racionalização da conduta de vida mostram bem como a prisão ao “reino das necessidades imediatas”, seja a necessidade econômica de garantir a comida do amanha, seja o “interesse ideal” de livrar estilos de vida do risco iminente do rebaixamento de status, é um fator impeditivo de qualquer forma de posição política que precise do futuro com uma referência fundamental. Bem, eu queria apenas continuar as reflexões de Brand, mostrando como o raciocínio aberto por Weber, que inclusive inspirou teóricos contemporâneos da classe social como Pierre Bourdieu e Klaus Eder, é indispensável para pensarmos o tema do comportamento político nas próximas eleições municipais (considerando que é impossível pensar qualquer tipo de comportamento sem levar em conta a “situação de classe” dos indivíduos). Se Weber estava correto sobre a necessidade causal de um “sentido” para que haja ação social, o sentido de futuro parece ser o “pano de fundo” de todos os outros. Acho que nossas legitimas especulações sobre a possibilidade de uma mudança política na Cidade precisam apontar os potenciais estratos condutores da desejada mudança, cuja visão de futuro precisa não só existir como também existir por referência a uma “outra Campos” para que faça algum sentido imaginar uma posição política pro mudança.
3 comentários:
Quero discordar um pouco sobre a incapacidade de Marx em resolver afalta de "identificação" das classes populares com teses que lhe favoreçam...
Essa lógica não pode ser contextualizada com o intrincado aparato tecnológico e ideológico que diferencia nossa sociedade e os embates de classe do século XIX...
Porém Marx, limitado pela teoria da política econômica e pelo materialismo histórico, decifra essa questão com a alienação do trabalhador frente a questão da mais-valia...
Quando os estratos da base da pirâmide se incorporam ao processo produtivo, há uma tendência a massificação... ideológica, que produz uma cultura de conformismo...
Marx supervaloriza o papel da contradições capitalistas, afinal era um filósofo, mas economicista...como boa parte do debate filosófico pós-revolução... industrial
190 anos do nascimento de Marx, deu no blog razão e crítica...
deixe a alma do bom ateu em paz...!
Caro xacal, como já somos de casa vou ser direto. Sua discordãncia sobre a incapacidade de Marx em resolver o problema da identificação das classes populares sobre teses a seu favor foi apenas retórica. Porque vc discorda? Onde Marx resolveu isso? Além do mais o termo classes populares é o mais elastico e indefinido possível. Classe opeŕaria é uma coisa e subproletariado, por exemplo, é outra. O operariado historicamente mostrou-se capaz de sustentar plataformas politicas de longo prazo em torno de seus interesses. O subproletariado nunca fez isso. falar em classes populares é confundir essas duas coisas. Nem consciência critica nem politica de esquerda se fazem com conceitos deste tipo. Lenin, pra citar so um exemplo, sempre soube que o subproletariado russo tinha que ser conduzido para a revolução, pois era incapaz de conduzir qualquer coisa sobre o futuro. Eu também nao acho que Marx supervalorizou as contradições do capitalismo. Ele apenas substimou a capacidade do capitalismo de aprender com suas contradições. E acho que o velho era corajoso demais para querer que sua alma fique em paz, rsrs. Sou um marxista que nao quer deixar Marx em paz.
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