domingo, 1 de fevereiro de 2009

JustificarPorque odiamos tanto a crítica? A experiencia de Mangabeira Unger no Governo Lula

Por Roberto Torres


A entrevista concedia em 22 de Janeiro no O Globo condensa muito bem tudo que a experiencia de Mangabeira Unger à frente do Ministério de Assuntos Estratégicos representa. Da longa entrevista, onde Mangabeira faz uma análise de como a vazio intelectual e político dos problemas sociais do Nordeste é uma amostra da falta de imaginação ideológica (necessariamente conservadora) do País como um todo, teve destaque de manchete “Mangabeira crítica bolsa família”. A estratégia de Jornal em desqualificar o governo, que já conhecemos bem, alcança com sucesso seu objetivo quando se exibe o “fogo amigo” em direção ao desempenho dos programas sociais. Além de saborear a assim interpretada desqualificação do Bolsa Família, o partido O Globo contava ainda com um sintoma da falta de unidade do governo. Mas esses dois critérios de desqualificação só fazem sentido porque nossa “esfera pública” é treinada para rejeitar a crítica. O afastamento da crítica no fundo é percebido como mérito, desde que seja um resultado “espontâneo”, sem a coação visível da forca.
Muitos militantes do PT, nutridos pela inveja de também expressarem a falta de imaginação diariamente criticada por Mangabeira, reagiram prontamente ao chamado do O Globo e logo bradaram: “esse sujeito pensa que sabe mais que os outros, que pode ficar criticando o desempenho do Governo em público”, “ele pensa que é o primeiro ministro dos ministros, ocupando esse ministério sei lá do que?”. O coro conservador e autoritário forma-se com o consentimento de todos que buscam conforto na boa imagem conveniente do momento. Nem O Globo nem essa parte considerável da esquerda (cada dia mais atolada em sua burrice e má-fé) podem compreender o que significa um Ministério de Assuntos Estratégicos porque ambos não sabem e nem querem saber o que são assuntos estratégicos.
Alimentada por esta cumplicidade supra-partidária, nosso treinamento coletivo para odiar a crítica vai sempre denunciar como autoritarismo toda e qualquer posição que busque se destacar e fugir da burrice oportunista que predomina em nossos debates públicos. Assim, se recusam convictamente em conviver com a idéia de que um Governo possa ter um Ministério cuja tarefa seja justamente incentivar a crítica e o debate na elaboração de projetos de longo prazo para enfrentar os maiores problemas do País, mesmo que as políticas do próprio Governo sejam também alvo das críticas. Se recusam a aceitar que alguém tenha coragem para expressar seu descontentamento com os termos em que se pensa o desenvolvimento social não só por causa de má vontade política, como também por preguiça intelectual dos homens de boa vontade.
Mangabeira é filho de família endinheirada e influente do Nordeste. Com certeza isso tem alguma influencia sobre sua visão de mundo. O que não quer dizer que ele entenda menos de Brasil e de pobreza do que nossos antigos militantes que, além de também não serem filhos da pobreza (como Lula), tem na presunção mediócre de não serem da “elite” um poderoso estímulo para passarem a vida inteira acomodados nos clichês e na idealização da pobreza.
Lula demonstrou a grandeza de um Estadista cujo desejo é mais o de contribuir para transformar o País depois de sua saída do Planalto do que louvar o sectarismo de um Governo. Mas nos seus arredores tem muita gente que não engole o fato de um homem descomprometido com o sectarismo ser convocado para coordenar o debate de estratégias de desenvolvimento de um modo que o tom partidário das vozes seja contrabalanceado pela própria disposição de se abrir a crítica, de mostrar em público as divergências que a esquerda autoritária, atendendo ao chamado da mídia de direita, está sempre disposta a rejeitar com sua recusa populista da imaginação intelectual como ferramenta fundamental para transformar a sociedade. As mulheres e homens de esquerda que aprenderam o valor da democracia não podem deixar de reconhecer o sentido grandioso de termos um Ministério de Governo cuja tarefa é fomentar o debate, cujo ministro ganha para ouvir, falar, e nutrir a rotina burocrática e cerimonial do governo com idéias e polemicas novas, que incomodam na medida em que desvelam a nossa cegueira.

6 comentários:

Unknown disse...

É interessante como uma parte da imprensa está mais preocupada em arrumar munição para desqualificar políticas sociais do que promover um debate crítico rico na esfera pública. O viés liberal de grande parte do nosso campo jornalistico que considera qualquer forma de política social como assistencialismo ou populismo é muito evidente. Parece que tudo que se refere ao social é visto de menor valor. O mais absurdo é como nossos intelectuais ( à esquerda ou à direita) compartilham do sofisma tosco de que "é mais importante ensinar a pescar do que dar o peixe" - sem levar em consideração a dimensão estrutural da produção e reprodução da probreza. Todos partidários do que Richard Sennett chamava de tese do parasitismo estatal, isto é, uma visão negativa da dependência social como traço de decadência humana. E portanto perdem de vista a perspectiva histórica da transvaloração acerca da idéia de dependência social que vai ocorrer no século XVIII e XIX. Parabéns pelo texto e abraços!

Roberto Torres disse...

Também gosto bastante da forma como o Sennet ataca o problema. O liberalismo nos ensina a naturalizar que depender de incentivos externos e que a producao coletiva de incentivos é algo ruim e decadente, mas a esquerda, pelo que me parece, ainda está muito longe de apresentar com desenvoltura uma crítica a essa narrativa.

Fabrício Maciel disse...

Concordo totalmente com seu posicionamento Roberto. Cabe acrescentar que o ambiente político no sentido estrito que voce apresenta muito bem, reflete o senso comum brasileiro como um todo, avesso ao conflito e imerso na cordialidade. Deste modo só resta imaginar governabilidade como compra de apoio por dinheiro e outras vantagens. Tudo que não seja isso será fogo amigo.

xacal disse...

Belo texto,

Acho que vc acertou em cheio quando fala da opção do Lula pelo Mangabeira...

Essa é uma das principais virtudes do molusco-mor...

Sem perder as rédeas, permite o arejamento do governo com estímulo a figuras com mais autonomia...

Assim, dá certo balanço ao governo: de uma lado os orgânicos, militantes sectários, mas não menos necessários...de outro, interlocutores com capacidade de formular conceitos...

Como vítima de toda sorte de preconceito, Lula sabe que não poderia ceder a essa visão tacanha de "rotular" o outro pela simples impossibilidade de contrapor os argumentos...

Aliás, esse fenômeno de odiar a crítica tem sido recorrente nessa planície pantanosa...

Anônimo disse...

O problema não é desqualificar políticas sociais, essas de grande importância em qualquer esfera de governo, mas sim na mão de quem está se fazendo essa política.
Existem diferenças entre os políticos, Lula e Garotinho? Os dois são adeptos em seus governos de bolsas, cheques,vales, restaurante e farmácias populares.
E aí! Em quem vcs. votam?
Eu particurlamente não voto em nenhum dos dois!

Roberto Torres disse...

Anonimo,

igualar o Bolsa Família com o assitencialismo eleitoreito de Garotinho nao tem nenhum sentido. Recomendo a voce que procure no nosso blog o texto de Renato e Vitor onde eles discutem essa diferenca. Alias, o único sentido dessa comparacao é denegrir toda e qualquer política redistributiva, direcionada às classes sociais que se encontram em posicao estrutural impeditiva de competir no mercado em busca de renda digna, como populismo e algo politicamente atrasado. Significa se negar a reconhecer que o Brasil é sociedade mais injusta e desigual das sociedades complexas do ocidente e que por isso o liberalismo economico só pode ser uma ideologia portadora de má-fé. Voce é contra que o Estado e a sociedade assuma a responsabilidade de enfrentar com políticas redistributivas nossa brutal desigualdade? Com que política e candidatos voces tem afinidade?