Fabrício Maciel
Os excelentes posicionamentos de Bill, Pescador e Roberto na parte 2 desta série deixam bem claro o valor do debate científico sobre a ciência. Isso por si só já prova que todos os envolvidos acreditam no valor científico do debate, pois apresentam sem neutralidade a crença em idéias de autores contextualizados em campos acadêmicos de poder específicos. Não vejo problema em garantir meu lugar ao lado de ícones como Marx ou Cristo. De fato, como Bill coloca, estou sustentando um discurso, coisa que todos estão fazendo aqui, que não é novo. A novidade deste discurso, o que o caracteriza como tentativa de fazer ciência social sobre um tema assumidamente considerado mais importante que os outros, desde Jessé, e isso por posição ideológica assumida, é reunir elementos analíticos para além de um marxismo ou de um materialismo vulgar, inclusive de forte influência weberiana, autor que considero em vários aspectos também conservador. Aqui estou assumindo como sociólogo que não acredita em neutralidade científica, mas sim em sistematização de idéias a partir de posicionamentos políticos, como fez e disse Bourdieu o tempo todo, a liberdade de chamar de conservador todo autor ou teoria que não tematize, dentro dos devidos contextos históricos, os conflitos sociais e as hierarquias de forma direta, sem abstrações demasiadas que criam uma sociedade ideal sem história e atores sociais.
Tal postura que assumo tentar realizar é o que me parece terem feito Marx e Bourdieu, principalmente. Nas críticas às suas respectivas tradições nacionais, ambos explicitaram, dando nome aos bois, as condições sociais de origem e possibilidade das idéias dominantes, derivadas de posições de classe dominantes. HOje em dia, resume-se tal postura sutilmente, nunca de forma corajosa e aberta, a ideologia, e não ciência. Tais leituras de correntes teóricas se tornam comuns e inquestionáveis. Assim com Parsons e Luhmann gozam do prestígio de grandes teorias que sintetizam o todo social.
Minha leitura direta de Parsons também é pequena, mas tenho acompanhado debates sobre ele e conheço muito de sua obra através de seu discípulo ainda vivo, considerado o maior vivo, Richard Münch, que por coincidência foi citado neste debate, e me aceitou para estudar com ele na Alemanha no ano passado. Isso prova que não desprezo a possibilidade de aprender com os conservadores, pois o considero um deles também. Nâo estou me doutorando com ele hoje apenas por que não ganhei a bolsa. Considero muito pertinente a avaliação de Alexander sobre a obra de Parsons como um todo. Contextualizando seu poder de influência e divulgação no contexto de poder norte americano do meio do século, Alexander considera que sua obra, em torno da noção abstrata de estrutura, inventa uma nova leitura do todo social, que não é neutra, ao invés de ser uma síntese neutra dos clássicos, que passa a ser predominante em toda a ciência social do resto do século, diretamente ou não, e principalmente na América, o que inclui o Brasil. Quanto a Luhmann que li junto com Roberto recentemente, vou partir de uma frase que Bill já me disse pessoalmente: "seu mérito é elevar a teoria a um nível de abstração ao máximo possível", algo mais ou menos assim, se me lembro bem. Bem, no livro básico que li dele, e em comentadores também, vejo que toda sua pretensão elogiável de reinventar a sociologia, imaginando conceitos para todas as dimensões da realidade e apresentando a possibilidade de concatená-los, me parece carecer do mais importante, a referência a fatos empíricos e observáveis da história social. Como sugere Honneth, uma teoria normativa, como queria Marx, precisa encontrar na própria realidade acuradamente observada, e isso não é senso comum, é a ciência tentando interpretá-lo, as expressões de cada classe ou grupo social sobre sua experiência, seja de sofrimento ou de privilégios.
Tal posicionamento significa a tentativa de formular uma teoria social que se adapte às mudanças históricas das sociedades observando-as constantemente, ou seja, é uma construção teórico-empírica, como tentamos fazer no grupo de pesquisa dirigido por Jessé. E não o contrário, como condenava Bourdieu, ou seja, tentar enquadrar qualquer realidade em modelos aprioristicos que não mudam com o avanço das mudanças sociais. Por isso considero muito pouco útil a obra de um Luhmann para compreender as contradições sociais contemporâneas. Enquanto se abstrai em conceitos puros, sem referências históricas, se esquece das relações de dominação entre grupos, classes e também entre nações, do norte e do sul, por exemplo, algo que a um alemão como ele ou a um americano como Parsons pouco interessa. Por isso assumo minhas escolhas. Que tenham alguma coisa de valor, concordo com Roberto. Mas como um todo considero muito pouco, e por questões de escolhas objetivas prefiro estudar autores que se preocupam diretamente com as relações de dominação, e buscam conceitualizações diretamente a partir desta o tempo inteiro. Explicitar as escolhas teóricas, sempre políticas, significa explicitar os lugares sociais sempre implícitos na academica, o que contribui para um debate franco e aberto, sem concessões por amizade e tentativas de sínteses que buscam um meio termo, que a mim parece não existir. Não acredito em diálogo entre Bourdieu e Luhmman, por exemplo. No fim das contas, ambos tinham posicionamentos opostos e isso sempre vem à tona em todo debate. Como estão vindo nossos posicionamentos agora.
Não sou seguidor ortodoxo de nenhum autor, mas cabe aqui uma palavra quanto ao marxismo ou a tentativas de seu uso de diversas formas. Falar em dominação, luta de classe, conflitos sociais, é considerado hoje sutilmente pelos paradigmas dominantes como ultrapassado, algo que está na verdade inventando seu desvalor ao invés de ser simplesmente uma constatação científica inocente, status este de que gozam sutilmente todas as teorias que não tematizam conflito. Se estigmatiza sutilmente as teorias do conflitos como esbravejantes, gritos ideológicos, ou algo do tipo. Quando Bill relaciona meu discurso, como se ele não tivesse um, com um posicionamento apenas ideológico ou religioso, ele também me preocupa, pois com seu bom humor quase sem querer e parecer associa minha tentativa teórica a este tipo de esbravejamento não científico, e é este tipo de posicionamento que me parece estar fugindo do debate, não o meu, que estou explicitando suas bases e motivações. Quero enfatizar que isso nada tem a ver com minha amizade pessoal com o xará mais inteligente que já tive. Conhecemos as posturas um do outro há tempo e agora apenas publicizamos algumas de nossas divergências, fundamentais para a compreensão do que é ciência social hoje em dia. Se faltou algum ponto tentamos juntos retomar ao longo do debate.
2 comentários:
xará, enviei a resposta para os e-mails dos coordenadores do blog. acho que esta discussão não cabe aqui.
Abraço.
Bill, não vejo motivo para não termos este debate aqui, mas respeitarei sua vontade. De todo modo, acho que os leitores já têm um panorama de ambos os lados, desde o texto anterior. Há duas concepções de ciência divergentes e inconciliáveis aqui. Em resumo, para mim todo posicionamento científico é antes um posicionamento político, pois é feito por pessoas com histórias e interesses identitários específicos, ainda que haja um metodo de sistematização e confronto de idéias que cerceia em parte o posicionamento científico como mera crença em valores particulares.
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