sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009
Desilusões de Nosso Tempo II
Ao chegar aos 50 posts o texto do Fabrício mereceu uma homenagem, um “re-load”, porém ao fazê-lo vi que estava falando de outra coisa que não tem nada a ver com seu texto. Perdoe-me Fabrício, mas é urgente sistematizar aquele debate que você desencadeou. Fica então assim: a homenagem é pelo desencadeamento da discussão. A forma que darei será a mesma dos diálogos platônicos, só que ao contrário do mestre de Aristóteles, eu usarei o “ctrl C” e “ctrl V”, já que este é o formato de raciocínio preferido dos filósofos atualmente. Minha referência é o “Crátilo”, diálogo em que tenta fundamentar o pensamento filosófico. Espero que cada participante do debate vista a carapuça por si mesmo, se identifique com os personagens do diálogo, Crátilo, Sócrates e Hermógenes. Como o nosso, “o diálogo chega ao final sem que Sócrates defina uma posição clara em favor das teses defendidas por Hermógenes, que vê os nomes como o resultado de uma convenção, nem das de Crátilo que defende que os nomes são estabelecidos em conformidade com a natureza das coisas” (Dietzsch, 2007).
Inícios
Torres - Foi um artifício retórico para marcar posição. Nossos adversários não são imbecis.
Pescador - Considero pertinente, sim, situar como pseudo-científico o discurso de Demétrio Magnoli, pois o mesmo carece de uma "dupla ruptura epistemológica", necessária para a produção do conhecimento verdadeiramente científico (Pausa).
- Ora, esses senhores não colocam em questão nem mesmo as categorias do senso comum - princípio durkheiminiano básico (Irritado).
- Os outros citados deixaram de fazer ciência a muito tempo, agora o negócio deles é acumular capital simbólico entre a elite paulista conservadora e os demais leitores da revista Veja (bate na mesa de mármore).
Torres - Isso mesmo pescador. Quem faz pelo menos a primeira ruptura, situando-se no campo escolástico da filosofia, ainda consegue manter um mínimo de altivez epistemológica. E talvez estes, com um choque constante de realismo sociológico, sejam nossos adversários respeitáveis. Os outros, que nem prezam pela "pureza" do "pensamento", estes merecem ser escachados. Nós temos direito a nossa dose justa de intolerância.
Bill – (em tom solícito) O que estou dizendo é que há uma confusão dos espaços dos discursos. Não os vejo na veja fazendo discurso para o campo científico, pelo contrário, ali eles fazem política, com as informações que tem. Como nós. Alguém aqui acha que faz ciência ou que vai acumular este capital aqui?
Torres - Jamais a Veja vai dar espaço para a busca do entendimento, a não ser para reproduzir intocadas as pré-compreensões do senso comum (levanta o dedo).
Bill - Este negócio de dizer que fulano esconde o que quer e cabe a sociologia denunciar é criar uma KGB sociológica. Nós desvelamos, eles velam (Ri, no final).
Torres – (Tom Professoral) Mais o desvelar sociológico é outra coisa. Ela tem a ver com a razão científica, com a objetivação das posições que interpretam a realidade de modo a mostrar a relação inconsciente entre interesses e idéias. Concordo que isso não pode cair no sectarismo. Mas abrir mão disso, ou seja, fingir que não existem afinidades veladas (para todos os envolvidos) entre visões de mundo e reprodução de regimes de satisfação de interesses em conflitos, afinidades que podem ser percebidas pela método sociológico da dupla objetivação, não faz mesmo sentido para mim.
Pescador – (Balança a cabeça concordando) todo e qualquer intelectual (principalmente, homens de ciência) se apresenta como portador de um discurso com pretensões de “objetividade” (pelo menos no sentido de manter razoavelmente sob controle suas crenças subjetivas). Aliás, é justamente essa crença no discurso desinteressado do intelectual, a fonte de sua autoridade. Crença essa compartilhada pelos intelectuais.
PAUSA DRAMÁTICA
Pescador - Conforme critica Alan Sokal, Pierre Bourdieu e Bernard Lahire, o que se vê com essa história de que os agentes são mais competentes para falarem sobre si mesmos (pois seriam reflexivos) e do discurso de “respeito aos atores comuns” e suas culturas, é a difusão em massa nas ciências sociais do total desrespeito com o espírito verdadeiramente cientifico, que exige uma atitude realista e racionalista, não essas formas de obscurantismo como, por exemplo, o discurso pós-moderno (o que não é o caso de Boltanski).
Bill – (Retornando do banheiro) eu concordo com a teoria das formas de vida do Wittgenstein. Assim, Nós experimentamos o mundo por meio da linguagem e nós nos diferenciamos por meio de seu uso. É por isso que considero a ciência diferente do senso comum e da política, porque cada forma de vida vai especificar seus próprios termos, valores e motivações. Deste modo, não acho que cabe à sociologia estabelecer "a relação inconsciente entre interesses e idéias", porque na verdade isso seria pressupor que a sociologia tem consciência, cairíamos em um círculo vicioso, pouco científico, né?
Torres - Talvez o termo afinidade eletiva do Weber seja melhor do que afinidade inconsciente. Só para enfatizar que são afinidades entre posições em campos diferentes e não entre escolhas pessoais. O que estudamos, tem um efeito de modo a constituir uma nova informação na comunicação, no social tematizado, e acho importante tomar isso como objeto. Ai se funde um interesse político com o cognitivo, significa um novo horizonte de nossa atividade que se abre, da atividade cientifica mesmo (olha para o lado - entediado).
A DISCUSSÃO FICA CHATA (PLATÉIA VAI EMBORA)
Peixoto (o único que sobrou da platéia - bocejando) - O problema ocorre quando a academia lança mão de armas típicas da arena estritamente política, não o contrário. E nesse sentido, retorno ao ponto de onde gostaria que vocês partissem: até onde o ativismo político da academia pode ir sem que altere suas próprias características que a distingue de outros campos de embates ideológicos?
TODOS CONCORDAM (!!)
Bill – Bem, pelo menos concordamos com a pergunta.
Torres – Já é alguma coisa...
Pescador – é...
VÃO EMBORA EM TOM SOLENE (PEIXOTO CONVIDA-OS PARA O CARNAVAL E UMAS CERVEJAS )
FIM
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11 comentários:
Bill querido, em resumo, eu acho que você é um positivista sofisticado. Todo este seu dialogo imaginado é só para dizer uma única coisa: temos que buscar um meio termo científico, com metodo e tal, e isso nao existe amigo.
Este posicionamento é conservador, é o que os opositores de Marx, bourdieu, e Jessé, hoje, em seus respectivos tempos, sempre fizeram. Buscam sempre categorias abstratas e vagas que nao tematizam nenhum conflito ou hierarquia com recursos históricos, como ensinou o velho Marx, e como não faz um Parsons ou Luhmann que você tanto preza. Eu cansei dessa enrolação toda xará, vamos ao ponto, tem uma ralé mundial morrendo de fome e nenhuma mega teoria sistemica abstrata resolve analiticamente isso.
É xará, sua recusa desta discussão me preocupa. O texto é uma sátira, mas tentando coplocar pontos de vista. sinceramente, chamar o que eu digo de positivismo me preocupa também. mais positivista aqui é o Pescador, e eu o respeito. foi isso. resumir uma discussão que muito me agradou, agradou a eles também. O seu discurso eu já conheço. ficar afirmando que as pessoas estão morrendo de fome é um salto científico sem precedentes. Vai colocar comida na mesa de uma por uma e no final vc ainda vai ganhar um lugar no céu e reconhecimento acadêmico no meio de Marx, Bourdieu, Jessé e Cristo. Posturas como a sua existem aos milhões, de Madre Teresas a padre cícero.
Oi
Fabrício, numa boa! Não entendi muito bem a sua crítica ao Talcott Parsons e a Niklas Luhmann. Sobre particularmente Parsons, o fato desse trabalhar com categorias analíticas não invalida a sua teoria (lembre-se que Pierre Bourdieu também trabalhava com categorias analíticas ou pré-construídas, como ele gostava de chamar). Da mesma forma, considero um erro tratar Parsons como um autor preocupado apenas com o problema da ordem. Existem textos de sua autoria onde é tematizado a questão da estratificação social ( o que pressupõe o reconhecimento de relações de poder e a existência de hierarquias) numa perspectiva conflitualista e histórica. Embora eu também seja um crítico de Talcott Parsons, ainda assim não posso compartilhar com certos pré-conceitos a respeito de suas idéias. Em vez de tachá-lo como conservador ou ideólogo, considero mais produtivo dirigir o olhar a uma crítica que me parece, sim, justificável: sobre a aplicabilidade empírica de seu arsenal teórico). Outro ponto do qual não concordo é a sua opinião sobre qual tema é cientificamente legitimo ( segundo você, desigualdade social e relações de dominação). É justamente esse tipo de atitude que Bourdieu combateu durante toda a sua empresa teórica. Para Bourdieu, o sociólogo precisa, acima de tudo, suspeitar dos chamados temas “nobres” ou nas palavras dele: “socialmente legítimos”. Não por acaso, ele vai sempre fazer menção a metáfora da lente de óculos embaçada que precisa, às vezes, ser trocada a fim de desviar o olhar sociológico em outras direções, nada ou pouco exploradas. Sem falar da sua citação clássica de uma frase atribuída a Flaubert: “é preciso pintar bem o medíocre”. No que refere ao positivismo, realmente eu não me sinto nenhum pouco agredido em ser situado nessa corrente de pensamento (tal como Bill me reconhece). Pelo menos na maneira como eu entendo o positivismo, embora me considere mais próximo do realismo científico e do racionalismo aplicado. Mas certamente isso renderia uma grade inteira de cervejas, rsrsrs. Ademais, gostaria apenas de deixar uma perguntar (sem maldade) ao Vitor. Como que o pessoal de ciência política do IUPERJ tem avaliado as “sofisticadas” análises de política feitas por Lúcia Hipólito? (rsrs)
Abraços
O positivismo hoje vem passando por uma bem vinda renovação sim Pescador, e acho que a sua discussão expõe isso. Graças aquele que rediscutiu o positvismo lógico, Popper, e que vc faz sempre referência. Quando o xará diz que o Luhmann é positivista, acho que ele comete uma injustiça com os dois... A questão do Parsons é aquilo, já existe uma carga de preconceitos, que somente um olhar teórico (como o seu acima) pode dirimir. Tenho muitas críticas ao Parsons, principalmente sua leitura de Weber, mas nenhuma dela passa pelo crivo (como o xará faz) de que isto pensa a ordem, aquilo o conflito. precisamos observar sobre um ponto de vista mais abstrato, se bem que para isso se necessite de um pouco mais de trabalho e esforço (e um pouquinho de boa vontade também).
Abraço.
Pescador,
A Lúcia Hipólito fez seu doutoramento no IUPERJ com uma tese sobre partidos na República de 46 a 64. Diga-se de passagem, muito recomendada até hoje. Não obstante o brilhantismo da tese, suas atividades profissionais não mais se destinam ao mundo acadêmico. São emissões de opiniões no mundo jornalístico-opinativo, sem pretensão alguma de rigor metodológico. É isso.
E para ser bastante sincero, seria muito interessante ver muitos ditos cientistas políticos assumirem a mesma postura. No mínimo, seria mais honesto, já que emitem opiniões sem rigor mesmo na academia, melhor seria fazer no lugar mais apropriado.
Grande abraço,
Bill
Muito bem lembrado! Realmente a leitura “sincrética” dos clássicos feita por Talcott Parsons é sem dúvida o principal alvo de polêmicas teóricas. Ainda assim, acho bastante interessante que grandes nomes da sociologia contemporânea ( Richard Münch, Jeffrey Alexander, Anthony Giddens, Luhmann, Turner e, claro, Habermas) recorram a sociologia parsoniana para pensar a realidade social atual. Vejo isso como amadurecimento cientifico em relação àquela época passada que se escolhia os autores por suas opções ideológicas - o que é patético. Lamentavelmente ainda é possível encontrar esse tipo de postura de dividir as teorias conforme posições ideológicas (o que eu creio, não seja o caso do Fabrício). Reiterando novamente, Bourdieu também bateu pesado nesse tipo de postura – a impossibilidade de estabelecer sínteses teóricas entre tradições e autores devido às “falsas” oposições metodológicas e ideológicas nos mesmos. Não por acaso, ele vai fazer uma síntese teórica entre Durkheim, Lévi-Strauss, Marx, Weber, Wittgenstein, Merlau-Ponty muitos outros...! Além disso, Bourdieu não escolheu estudar o tema da estratificação e da dominação por uma decisão política. Mas sim, por opção teórico-científica. Ao estudar as relações matrimoniais na Argélia, ele descobriu o papel da “doxa” no mascaramento da hierarquia social. E a prova de que se trata de uma opção teórico-científica é que em toda a obra de Bourdieu, o mesmo procura justificar teoricamente a suas escolhas metodológicas (além do fato de ele não separar teoria e prática – outra oposição fictícia).
Vitor
Também boas referências do trabalho de Lúcia Hipólito. Mas, sinceramente, as suas análises atuais passam bem distante da ciência política. Vai da psicologia de buteco (quando descreve o perfil psicológico do presidente da republica) ao moralismo político (quando cobra uma atitude moral condizente com os valores da classe média). A mulher parece que nunca leu os teóricos da “RealPolitk”.
Abraços
Podemos sim dizer que o tema precisa ser justificado cientificamente, e isso Bourdieu tentou fazer sempre. Mas com certeza havia motivacao política nos temas que ele estudou, por exemplo, A dominacao masculina. Alias, voltamos ao mesmo ponto do debate anterior, rsrs. A questao é que limpar o terreno na ciencia, para Bourdieu, ou seja, ter a possibildiade de escolher temas e questoes, passa inexoravelmente por um enfrentamento político, desde que a ciencia á vitima de interdicoes extra-científicas.
Claro Roberto!
Evidente que Bourdieu se posicionava politicamente. Mas tomar "partido" para Bourdieu é se situar em determinado campo social ( no caso dele, o campo científico). Bourdieu tinha plena consciência de que fazer ciência também era atuar politicamente, visto que a ciência (entendida enquanto sistema simbólico) pode produzir efeitos sociais concretos na realidade a partir de suas descobertas. Porém, isso não significa assumir gratuitamente certas bandeiras ideológicas. Nesse sentido, ele mesmo comenta o papel "ingrato" e de "desmancha-prazeres" que o sociólogo assume, muitas vezes, quando diante de uma atitude realista. O fato é que dificilmente Bourdieu concordaria com algum tipo de hierarquia qualitativa entre os temas sociológicos. Provavelmente, ele indagaria cientificamente as próprias condições sociais de produção dessa hierarquia.
Ela indagaria sim. Mas acho que ele admite uma hierarquia de temas, que inclusive decorre do método que o levaria a indagar pelas condicoes sociais das hierarquiais temáticas: sociologia da dominacao e sociologia do conhecimento. O tema da dominacao tá em tudo que ele fez, o que, para mim, se poe a partir de sua heranca weberiana, muito mais que a marxista. Acho que, junto com esse tema, se entralaca um outro também fundamental, que é a questao do próprio conhecimento e como ele contribui para legitmar ou deslegitimar a ordem.
E também quero dizer que nao concordo com as colocacoes do Fabrício sobre a importancia de Luhmman e Parsons para a sociologia, inclusive com teor político, quando ele respondeu o post do Bill. Bem, Parsons eu nao conheco, entao é melhor nao falar. Mas sobre Luhmman, que comecei a estudar bem devagar a uns tres meses, acho que ele pode ser usado com todo o proveito para o propósito de analisar os regimes simbólicos onde se codifica a diferenciacao de classes e a dominacao social, além de sua crítica severa ao culturalismo, o que li num texto dele sobre a Itália e o "mundo mediterraneo". Eu adoro colocar os autores em relacao com as afinidades políticas de suas idéias. Mas acho que isso aplicado a Luhmman nao nos leva a reduzi-lo ao seu próprio contexto. Confesso que estou tentando fazer isso, e um primeiro chute seria que ele cai no nacionalismo metodológico ao definir a modernidade pela diferenciacao funcional, do modo como ele define.
Caros, desculpem a demora, em breve respondo a tudo com calma. Obrigado
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