quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010


Gildo Marçal Brandão (Nota Póstuma)


Marco Antônio Coelho - Fevereiro 2010


Amigos e companheiros, Simone, Joana, Carolina e Lucas, Dona Eva, dr. Brandão e demais parentes de Gildo

Aqui estamos para prantear o desaparecimento de um personagem singular. É interessante assinalar que Gildo antes de tudo era um sobrevivente na batalha pela sua existência. Segundo o relato de sua mãe, dona Eva, na infância os médicos não acreditavam que o primogênito daquela família, nascido no inóspito sertão de Mata Grande, iria sobreviver. Os diagnósticos eram irrefutáveis. O garoto padecia com a chamada tetralogia di Fallot que afetava de forma total seu sistema cardíaco.

Todavia, dona Eva, com o apoio total de seu esposo, não se curvou diante desse prognóstico. Recorreu a tudo que a medicina naquela época poderia fazer para salvar seu filho. Assim, teve início uma batalha que durou quase sessenta anos, porque exatamente hoje Gildo completaria 61 anos de idade.

Mas essas seis décadas foram sobretudo uma sequência de sofrimentos e sacrifícios inauditos desse alagoano fisicamente fraco, mas com fibra de aço. Volta e meia era internado em hospitais e sempre estava preso a dietas intoleráveis. Duas vezes seu músculo cardíaco teve de ser aberto e na primeira delas sua vida dependeu da perícia do doutor Zerbini. Recentemente, recorreram à implantação de um marca-passo, que, afinal, não impediu o enfarte que o derrotou anteontem. Sua grande amiga, cardiologista do Incor, a doutora Ana Maria Braga, sempre nos advertiu: “Fiquem preparados para o que pode acontecer com Gildo”.

Então, na verdade, o sucedido anteontem foi um fato absurdo, mas anunciado, pois a falência de seu sistema cardíaco fora adiada durante seis décadas. Em primeiro lugar pelo extremo cuidado recebido na infância e na mocidade, graças ao carinho de seus familiares.

Outros fatores básicos foram essenciais na formação dessa figura excepcional como teórico e militante político em nosso país. Em segundo lugar contribuiu decisivamente seu profundo amor à vida, ao trabalho que realizava como cientista político, sua convicção de que suas pesquisas seriam de enorme importância para o futuro do país. Note-se que fugiu de São Paulo para uma praia a fim de poder terminar a aula que deveria prestar na segunda semana de março. Todos sentiam como seus deveres como professor o consumiam, embora sempre apreciasse as coisas boas da vida. Não por acaso seu último de vida foi um passeio maravilhoso numa praia.

O outro fator básico que permitiu essa atividade espantosa foi o apoio absoluto, total e vigilante de Simone, sua companheira que tudo fazia para que Gildo pudesse viajar, tomar parte na vida social e manter em sua residência um afetuoso e acolhedor clima de amizade com inúmeros amigos, com estudantes estrangeiros que ali se hospedavam, e auxiliando os pós-graduandos orientados por Gildo. A contribuição de Simone também foi essencial para garantir um melhor padrão de vida da família.

Pois bem, esse alagoano travou essa batalha sem se submeter às normas impostas a uma pessoa fisicamente frágil. Sua vida é um exemplo de um envolvimento permanente com toda a sorte de dificuldades financeiras, políticas, policiais, e de extremo amor a diversas instituições de pesquisa, particularmente a Universidade de São Paulo. Agora a fatalidade o derruba quando dentro de um mês iria disputar o mais alto posto na academia, a função de professor titular da USP.

O ponto de partida de Gildo na universidade foi o estudo sistemático de filosofia, o que lhe deu uma base teórica que sempre lhe permitiu fazer análises profundas na ciência política e na sociologia. Daí suas posições ao lado dos que no movimento comunista assumem uma atitude firme na defesa do valor universal da democracia e da firme disposição de aprofundar a correção dos erros cometidos pelos que se engajam na luta por uma sociedade mais justa.

Com orgulho Gildo Marçal Brandão relatava sua qualidade de militante comunista. Relembro sua disposição de participar ativamente da rearticulação da direção comunista em São Paulo, quando a repressão policial assassinou diversos dirigentes comunistas em 1974 e 1975. Naquele ambiente de absoluto terror, Gildo cuidou de reorganizar a direção estadual dos comunistas e participou do lançamento do semanário Voz da Unidade, que circulou durante vários meses. Essa atuação criou um problema para ele, porque o afastou durante vários meses da vida acadêmica. Assumiu o compromisso de uma participação teórica mais intensa no lançamento da revista Temas de Ciências Humanas, abordando aspectos essenciais da atividade comunista no Brasil e no mundo. Para sobreviver viu-se forçado a trabalhar em várias publicações, na qualidade de free-lancer, inclusive na Folha de S. Paulo, quando foi acolhido por Cláudio Abramo.

Retornando à atuação na academia, Gildo jamais deixou de lado sua atuação destacada como um dos teóricos que dedica parte de seu tempo à elaboração programática do ideário comunista no Brasil e no mundo.

Comecei meus contatos com Gildo depois da minha saída da prisão, em 1979. De início era um relacionamento distante, mas que foi se estreitando cada vez mais. Com o passar dos anos diariamente debatíamos problemas e desafios. Tudo o que eu fazia submetia a ele. E ele sempre exigia minhas opiniões. Raramente discordávamos. Agora fico meio perdido sem saber como vou trabalhar sem antes ouvir suas observações.

Assim minha sensação é de perplexidade e de insegurança.

Mas tenho clareza em relação a um ponto. A contribuição de Gildo foi poderosa e profunda, deixando dois importantes legados. De um lado, foi sua colaboração intensa para a criação na USP — principalmente nos Departamentos de Ciência Política e de Sociologia — de um clima de renovação entre os professores, visando o aggiornamento do ensino superior no Brasil nas ciências humanas. De outro lado, pode-se medir a repercussão de seu trabalho na USP através da formação de um grupo de doutores e mestres que leva em conta suas análises críticas.

Encerro minhas palavras fazendo um apelo para que esforços sejam feitos a fim de ser publicado o memorial preparado por ele para o concurso de professor titular da USP. Documento que, no dizer dele, é um resumo de suas opiniões. Assim, a divulgação dessa derradeira reflexão será a maior homenagem a um mestre cujo exemplo é um orgulho para a comunidade acadêmica brasileira.

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Fala de Marco Antônio Coelho, crematório da Vila Alpina em São Paulo, 17 de fevereiro de 2010. Uma das últimas intervenções públicas de Gildo Marçal Brandão, uma das figuras centrais deste sítio, é a entrevista sobre Gramsci e a esquerda brasileira, hoje.

Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil. Disponível em http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=1196. Acesso em 18 de fevereiro de 2010.

19 comentários:

Fabrício Maciel disse...

Sem duvida um grande professor. Apenas o conhecia de vista, li recentemente a introdução de seu Linhagens do pensamento político brasileiro, que me dera boas idéias para um trabalho posterior. Obrigado Gildo, vc foi muito importante.

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

Ótima postagem e foi muito bom encontrar esse trecho da entrevista do Gil, ( nunca ouvi falar dele...):

"Alguns liberais e pessoas de extrema-esquerda também interpretaram as obras de Gramsci, de maneira diferente. Gramsci foi importante na construção da esquerda, porque justificava, delineava e trazia elementos de reflexão para uma esquerda que tentava fazer uma política de frente democrática contra o regime militar. Várias categorias de Gramsci e do eurocomunismo foram usadas no Brasil por uma parte da esquerda que estava se reconciliando com a democracia e que achava que não se devia lutar pela derrubada da ditadura, mas sim pela derrota da ditadura. A ideia era fazer uma política de frente para isolar o regime militar. Então, categorias de Gramsci, como a guerra de posição e a ideia de que o País já era ocidentalizado e não oriental, comportavam a luta política institucional, luta de massa, reivindicação da democracia. Esse foi o Gramsci importante para a reconstrução da esquerda brasileira. Isso influenciou no começo o velho comunismo e depois se propagou pelo petismo, que tinha muitos elementos em contradição com a velha esquerda comunista. Mas Gramsci foi particularmente influente nos dois casos, porque, em ambos, a atenção à luta democrática, institucional e eleitoral, era importante".

A importância de podermos interpretar de forma diferente...
...até que um dia: "EUREKA!"

Tudo tem um começo. Tudo tem um meio. Tudo tem um fim.

Argus disse...

sinceramente, meus caros, eu esperava que os comentários da jumentinha tivessem tido seu fim, há tempos.

mas como eu já disse, quem determina o que é relevante no blog são vocês.

na minha opinião, esse nonsense que ela pratica não tem nada de inocente ou acidental. tem um propósito: desqualificar os fóruns de debate.

um abraço

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

Desculpa-me Argus, mas sua palavra não tem sentido, afinal, desqualificar um local de debates é não trazer o oposto.

Ou não?

E ao trazer este "oposto" fazê-lo com respeito.

Quando ao "nonsense", sinto muito, mas o Lula é querido da camada CIENTÍFICA com toda a sua "nosensisse" diluindo qualquer pensamento preconceituoso que possa vir de qualquer lado.

Quanto a dizer que não é inocente e nem acidental minha participação, deixo claro que não é. Uma jumenta nunca está em algum lugar acidentalmente. Se fosse burra sim, pois o burro leva o outro para o buraco do nada e não está nem aí.

Acho este espaço aqui importantíssimo sim.

Não entendo esta coisa de alguns "de fora" virem colocar cabresto no espaço tão importante para debates.

Se o que estou falando é fora de contexto, mostre isto usando os seus argumentos e separando a pessoa de suas idéias.

Isso só denota uma coisa: "MILITARISMO E TOTALITARISMO não está apenas debaixo de um uniforme".

Isso é o que penso, Argus.

Obrigada,
Rosângela, uma da danielas timóteas.

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

Já pensou se todo forum de debates não quisesse opinião contrária? Como teria o debate??

Em 2005 eu participei de um forum de pastores. Sabe o que eles fizeram? Acabaram com o forum.

Pensei que os Intelectuais não fariam isso.

Sinceramente... não dá para entender...

Afinal, essa questão de "partir para o debate" nasceu com o PT que achava a linha militar dura e não queriam o diálogo.

Eu trabalhei com um professor de História "debatedor" para caramba, ( desculpa minha nonsense), e que dizia que o direito a "poder debater" só viria mesmo quando os intelectuais deixassem de ser "odorico paraguaçu".

E tínhamos altos diálogos. E com vários "viéis"... viéses??? Sei lá... só sei que eram muitos...

Argus disse...

Senhores,

os fascistas reclamam o espaço democrático de debate(liberdade de expressão)para impor o ódio racial.

os religiosos(não todos, mas essa imbecil sim)reivindicam a tolerância religiosa e a mesma liberdade para impor autoritariamente seus postulados impregnados de uma "verdade" que nunca será comprovada, e portanto, impossível de ser submetida a qualquer discussão séria, uma vez que é questão de fé.

vejam que no primeiro comentário dela, ela descontextualiza parte do texto, para adaptar a um ataque velado a condição de setores da esquerda e desse blog, como se dissesse: "viu, gramsci ensinou com vocês devem se comportar?"

depois continua, sem oferecr nenhuma contribuição ao tema tratado, mas simplesmente reproduz sua cantilena contra isso, ou contra esse ou aquele que a desmascara.

já discutimos isso aqui.

essa mulher é um carcinoma estágio 07, com metástase universal.

leiam as entrelinhas do discurso:

ataque a intelectualidade, simplificação e reducionismo.

categoriza os outros, os interlocutores, mas se nega a fazer parte de qualquer categoria de posicionamento de seu discurso, com o apelo simplório à liberdade.

sinceramente, meus caros, enquanto esse lixo permanecer por aqui, eu não permaneço.

simples assim.

boa sorte, vocês vão precisar.

Argus disse...

PS:

Para fechar o caixão, deixo essa pérola de "conversão" de vocês a religião "os últimos jumentos dos últimos dias":

"(...)Quanto a dizer que não é inocente e nem acidental minha participação, deixo claro que não é. Uma jumenta nunca está em algum lugar acidentalmente. Se fosse burra sim, pois o burro leva o outro para o buraco do nada e não está nem aí."


Pois é, meus caros, a "jumenta" quer levar vocês até a luz, pois ela não é burra.

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

Vou ser bem sincera, o que me fez comentar aqui foi este comentário que trago. Na mesma hora me lembrei, quando acabei de ler a postagem aqui.

Se não tem nada a ver, desculpa a vergonha que passei:
http://urgente.blogspot.com/2010/02/radio-nf-musica-brasileira-na-web-sem.html

Ah, fiquei muito tempo sem vir comentar e o espaço tem estado vazio. Não é a minha participação aqui que impede de ninguém vir. Muito menos o Argus, que para mim é gente nova.

Desculpa,"Argus", mas seu "mento" está deixando a desejar.

Se é assim: FIM.

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

Em tempo, só para mostrar ao ARgus que os donos do Blog não estão contra o que estamos fazendo aqui:

De george Coutinho:

"Se pensarmos no caso dos blogs, particularmente, veremos demonstrações narcísicas de toda ordem, com elementos do mais puro fascismo ou demonstrações de ódio e ameaças aos agrupamentos que se rebelam contra o establishment (ou o anti-establishment igualmente vociferando de maneira viril contra o status quo). N

o outro lado da moeda os blogs informam as “outras versões” dos fatos, rompem o cerco do oligopólio das informações em âmbito local e até mesmo nacional ou internacional. Este último ponto explica parcialmente o crescimento quantitativo dos blogs em Campos, visto que havia inegável discrepância entre o que se discutia em determinados momentos no espaço público e o que a midia tradicional de fato divulgava. Com esta esquizofrenia informacional os blogs apresentaram-se como válvula de escape destes anseios e destas informações alijadas . E é neste sentido contra-hegemônico que os blogs conquistam sua legitimidade, ao propagarem leituras de realidade que até então eram solenemente ignoradas."


Aqui:http://dr-strange.blogspot.com/search/label/Blogs

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

Só mais essazinha:

Blog faz parte da Imprensa? Ou não?

Veja:
"Nós preferimos as vozes oposicionistas, ainda quando mentirosas, injustas ou caluniosas, ao silêncio da ditadura.” Frase de Dilma Rousseff, no lançamento de sua candidatura à presidência da República, durante o Congresso do PT.


Este blog aqui é de viéis petista linha Dilma, não é?
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Então?
^^
~~
??

Eu só quero entender direitinho a coisa.

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

Ah! "Gil" no grego significa: "Alegria".

"Gil"do

Alegria dou...

Brand Arenari disse...

O carnaval nao quer terminar. . .

Anônimo disse...

Dessa vez a jumentinha deu um coice feroz no Argus. Mermao, para de perseguir a mulher. Se ela é narcísica, quem nao é? Se ela é movida por uma fé, quem nao é? Ou acreditar que a política pode transformar a realidade também nao é uma fé?

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

Brand, você tem razão. E foi uma lição para mim:
Sendo carnaval um "festival da carne", eu nem deveria estar aqui falando essas coisas pois estando "na carne" não é bom.

Obrigada pelo aviso e que Jesus me perdoe, pois Ele não gosta de nada feito pela carne, e sim pelo Espírito Santo.

Obrigada pelo aviso.
Só não vou deletar porque não quero agir pela carne outra vez. Mas fique à vontade para fazê-lo, pois considerarei como uma grande lição para mim.

E eu não deveria esquecer disto, pois isto é posição sine qua non.

Um abraço,

Rosângela.

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

O que tem de profecia para mim aqui!

Na Bíblia, os inimigos de Jesus falavam coisas dEle que depois se concretizavam. Já pensou se as palavras de Argus se concretizarem??? Fora, claro, aquele "carcinoma", pois estou no coração de Jesus e quero ser bênção para todos por onde for.

Perdoo o Argus pelas palavras e abençôo a ele e toda a sua família, não querendo sobre ele nenhuma maldição. Muito pelo contrário, as bênçãos do Senhor sobre ele e família toda com saúde é cheio da sabedoria do Todo Poderoso.

Um abraço,

Rosângela

Anônimo disse...

Socorro !! Para o mundo que eu quero descer...

Esse blog precisa de duas coisas:

1- moderadores
2- desativar essa merda de pop-up que abre quando entramos na pagina.

Anônimo disse...

Coitado do Gildo, não esperava esta "homenagem"...

Argus disse...

caro comentarista anônimo,

eu estou me lixando para o que a jumenta fala ou deixa de falar, ou se você considera ela isso ou aquilo, ou se levei ou não um coice.

não disputo campeonato de vaidade.

a minha preocupação é com o espaço, com a qualidade do debate, e os editores do blog(que me conhecem)sabem disso.

agora, se você acha que esse lixo que ela produz contribui em algo para o tipo de debate que tentamos fazer aqui, paciência.

o problema não é ter "fé", o problema é expressar essa "fé" com um dogma, e ainda assim, querer esconder isso atrás de reivindicações de "tolerância", mas que não permitem que se discuta e questione esses dogmas de fé.

é só isso.

discursos como da jumetinha é que impregnam esse mundo de "guerras santas".

Argus disse...

Ahh, e antes que eu esqueça,

Sei que o espaço merece respeito, mas eu tenho o direito de repudiar essa falsa comiseração cristã hipócrita e autoritária:

jumenta enfie suas bençãos e o perdão no fundo do seu cú. no seu e de toda sua família.