Quem é o inimigo?: novo blog busca colaboradores
por Djamilla Olivério &
Roberto Torres
Este pretende ser um blog com intencao política: definir quem sao os inimigos do povo brasileiro. Povo aqui sao todos aqueles cujas vidas nao podem ser trilhadas na base de privilégios herdados: os pobres que anseiam uma vida menos sofrida e menos humilhante, sem muita esperanca de deixar de fato a pobreza, e os trabalhadores pobres que sobem na vida sem poder entrar na complexa rede de privilégios dos estabelecidos. Numa „sociedade competitiva“ como a nossa, privilégios sao oportunidades economicas e edudacionais transmitidas em segredo entre uma minoria, criando um grave paradoxo dentro de uma sociedade que se diz democrática: o modo de vida dos que representam o país como classe dominante é valorizado como algo que nao pode ser desfrutado por pessoas comuns. A classe dominante nao acredita nos ideais que ela prega através da mídia para os outros. A boa vida consiste em desprezar tudo que nao seja exclusivo. A „boa nova“ nao pode ser transmitida para quem teve o azar de nascer do „lado de lá da vida“.
A atividade política pode ser dividida em duas dimensoes fundamentais: a profecia e a estratégia. Como profecia a política é o esforco de imaginar e caminhar rumo a um outro mundo, a uma outra forma de vida comum capaz de contemplar intesses ainda ignorados. Sem profecia, a política é amesquinhada na reproducao indefinida dos interesses vigentes, sem crédito dos excluídos, que nela nao veem nenhuma saída, e sem crédito dos incluídos, que nao querem que uma alternativa ao regime de privilégios seja sequer sonhada.
A ditadura da falta de alternativas desqualifica todo tipo de profecia como delírio e atrevimento de quem busca aventuras que nao valem a pena. O procedimentalismo instituído (a máxima de que devemos preservar as instituições) precisa destruir o poder da lideranca carismática para impedir que a simbiose entre os liderados e o líder produza um discurso capaz de se impor na vida democrática. A primeira grande batalha para que a democratizacao signifique mudanca é reagir ao poder da opiniao pública instituída que tenta calar as vozes que ela nao pode dirigir. A mídia hegemonica e seu público é o autoritárismo privado que deseja manter a heranca do autoritarismo público do regime militar.
Precisamos de uma imaginação de mundo que encontre no presente tanto as prefigurações do novo como a forca viva do autoritarismo conservador. Aí surge a outra dimensao da política, a estratégia. As forcas sociais que podem sustentar o surgimento do novo tendem a estar mais desarticuladas, e seu interesse no novo é um fato a ser construído pela credibilidade da profecia. Já as forcas sociais que sustentam o regime de privilégios reagem com muito mais coesao a tudo que possa ameacar o seu mundo, pois sao o produto deste mundo de privilégios. A política como estratégia é a tentativa de mostrar para o público desarticulado dos "sem privilégio" que existe uma forca articulada que é eficaz em defender os seus privilégios. Este blog quer ser um espaco para definir, redefinir, discutir como vive e funciona a forca social interessada em manter o mundo de privilégios no Brasil, ou seja, o inimigo de todo e qualquer projeto popular.
O Brasil é complexo, e os "sem privilégio" nem sempre percebem e sabem que estao do mesmo lado, de modo objetivo. Existem duas classes sociais que nao participam da rede de privilégios, da "Franca tropical" que é o Brasil para os herdeiros legítimos de uma certa classe média estabelecida: 1) a ralé de indivíduos pobres que no máximo conseguem levantar a cabeca para o alívio relativo de viver uma pobreza menos humilhante, menos expostos ao aguilhao da fome. Estao completamente alijados de sucesso escolar, economico, influencia política, e vida afetiva livre de necessidades imediatas. Depois 2) os trabalhadores pobres "batalhadores", indivíduos e famílias que conseguem uma estratégia minimamente bem sucedida para planejar o futuro, estimular o sucesso dos filhos e constuir a identidade a partir de um interesse moral no trabalho e nas relacoes de confianca e afeto. Os primeiros sao aqueles a quem grande parte da classe média estabelecida acha um absurdo o Estado assistir com menos de 200 reais por mes para a satisfacao das necessidades básicas através do Bolsa Família. Os vê como preguicosos, acomodados. Um estorvo que, no fundo, só deveria existir para fornecer empregadas domésticas e prostitutas. Os segundos, embora tendo sucesso na escola, no trabalho duro e honesto, é o sucesso incomodo para a classe média, que possui mencanismos para evitar que este sucesso chegue às posicoes sociais de maior prestígio e influência. A ascencao social dos pobres é vista como a aparicacao dos brasileiros que os legítimos estabelecidos nao querem convidar para seus círculos e apresentar aos amigos de bom gosto. Nao frequentam as mesmas escolas, nao possuem o mesmo lazer e creem em deuses tidos como menos autenticos pelos que creem no dom legítimo do privilégio. O forte crescimento das igrejas evangélicas é o melhor exemplo de como os batalhadores vindos de baixo buscam construir uma cultura de classe que marca uma distancia consciente com o mundo de privilégios e prazeres da classe média estabalecida.
A questao é que esta cultura de classe dos batalhadores parece estar sendo insuficiente para perceber que o privilégio que os separa da classe média estabelecida é mais nocivo para seus interesses do que a assistencia que o Estado pode dar ao núcleo duro da pobreza. É frequente se manifestarem contra o Bolsa Família, em nome de uma moral do trabalho que expressa a verdade cotidiana de seu modo de vida, mas que é uma mentira quando vem da boca dos privilegiados de sempre.
Hoje, a mudanca social que pode transformar radicalmente a estrutura da sociedade brasileira só pode acontecer se esta classe de batalhadores em ascencao perceber que o inimigo que vive do privilégio Estatal e privado, da rede que perpassa mercado e Estado, nunca foi e nem será a ralé do Bolsa Família, mas a grande parcela da classe média estabelecida que produz e consome a opiniao pública liberal que acusa o Estado e os "senhores feudais do Maranhao" para esconder o poder de sua complexa oligarquia. É preciso mais do que nunca identificar e investigar o inimigo político de todos que desejam um país onde ao menos deixe de ser natural a heranca de classe definir quem é gente e quem é instrumento e lixo de gente.
Partimos de tres pressupostos, que podem ser revistos ou nao ao longo da empreitada aqui proposta: 1) que esta forca social nao pode ser definida nem como os "políticos de brasília", os "senhores feudais" que a revista Veja aponta como o inimigo; e nem 2) como os grandes empresários e especuladores que se reuniriam com os políticos para montar uma rede simples e pequena de privilegiados. Esta forca do privilégio tem a participacao de políticos, empresários e especularodes, mas sua vitalidade nao é a soma da forca de cada um destes atores. A vitalidade da forca que mantem o privilégio é mais complexa do que isso e também é capaz de incluir um público que quase nunca se encontra com empresários, políticos ou especuladores. É um público que recebe os privilégios acreditando que se trata de mérito e que encontra na opiniao publicada da imprensa hegemonica o seu maior meio de aderir à rede complexa, impessoal, dos privilegiados. Mas os mecanismos que dao coerencia e forma a esta rede impessoal de privilégios sao se resumem à imprensa. Eles perpassam toda a vida cotidiana, de modo muito sútil e discreto ao olhar desatento. Mas, 3) apesar de nao ser "tramado de cima", existe, por parte dos privilegiados, um forte interesse em manter a rede de privilégios. Este blog quer ser um espaco para descrever e analisar os meandros do privilégio; nao somente os de Brasília, a ponta do iceberg. Mas tambem os de nossa cidade, nosso cotidiano, nossa escolas, nosso lazer, e, como interesses aparentemente díspares ou "inocentes", que sao trazidos nestes espacos cotidianos, se coordenam para manter a rede fechada.
Convidamos a todos os que tiverem o mesmo interesse a participarem desta empreitada. Antes de mais nada, ajudando a escolher um nome para o novo blog, que pretende se alocar na rede campista de blogs, mas que busca um alcance maior. Depois, para quem estiver disposto a escrever de vez em quando, a contribuir com textos, descriçoes, analises, cronicas, contos etc, sobre o modo de vida e meandros do privilégio de classe no Brasil. Penso, no enorme material que temos nos comentários de leitores da imprensa hegemonica, o que podemos selecionar de acordo com os temas ; nas experiencias de vida de cada um de nós; nos dramas dos privilegiados que a grande mídia exibe para produzir compaixao por parte dos dominados. Este nao é um trabalho para especialistas. Este é um trabalho para interessados, para quem tem vontade ao menos de mostrar quem sao como realmente vivem os que nao precisam de nenhum esforco para ganhar a vida neste país.
14 comentários:
Tô dentro...Contem comigo...só não sei se posso somar algo...
Tenho certeza de que voce vai somar muito Xacal!
apoiados, com certeza.
Entao, alguém sugere um nome? Tinhamos pensado em que é o inimigo, mas nao sei se fica legal.
Roberto, eu tinha pensado próximo da idéia de "luta de classes"... Mas nada avancei além disso.
O Fabrício é melhor em batizar blogs.... Foi ele que deu a idéia de "outros campos" ;)
Roberto, eu gostei muito da idéia do inimigo, pois é disso mesmo que se trata. "Quem é o inimigo?" está bom, sugestivo e desperta curiosidade. Poderia ser tb "inimigos públicos", jogando com o trocadilho, se o inimigo somos nós que denunciamos ou eles que se escondem. Ou talvez "o inimigo oculto", que nunca se mostra como tal, sempre evocando o jargao contrário de amigo do povo.
gostamos de "inimigo oculto"..
Viu? Não disse? ;)
Inimigo oculto é bacana, mas "inimigos públicos" é irresistível. (rs)
Eu estou dividido, Adriana vota em "Inimigos públicos".
"Inimigos públicos" corre o risco de ser confundido com o filme dirigido por Michael Mann e baseado no livro de Brian Burrough("Public Enemies: America's Greatest Crime Wave and the Birth of the FBI").
Não li o livro, mas o filme é bem mais ou menos.
Se bem que trata da caça ao Dillinger (Johnny Deep faz o papel no filme) e a instituição da inteligência contra o crime. Mas não sei se combater roubo a banco tem muito a ver com a inteção de vocês.
Bom, fica a dica.
Abraços e bom trabalho.
ps: Pelo jeito que a coisa vai, o panfleto da cidade já parece que se quis como o primeiro a ser o motivo da mobilização.
entao vamos votar todo mundo de novo: inimigo oculto ou inimigo publico, blz
Me decido por "O inimigo oculto", pra enfatizar a necessidade de identificá-lo como nunca se mostra.
Inimigo oculto!
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