Em texto anterior (Subsídios Agrícolas: quem ganha?) expressei uma série de argumentos contrários à política de subsídios agrícolas ao setor canavieiro na região norte fluminense, dentre os quais destaquei: (1) o emprego de mão-de-obra em condições subumanas, (2) o momento inoportuno dado os valores internacionais históricos do açúcar alcançados nos últimos meses (o maior em 27 anos, não obstante, a difícil situação que se encontram as usinas por falta de crédito), (3) irresponsabilidade ambiental, posto que as queimadas são formas primitivas de cultivo que permanecem na região, (4) inapetência administrativa das usinas, explicado pelo fato de que, apesar de terem sido alvos de políticas de fomento durante décadas, permaneceram dependentes do Estado, e (5) independentemente do fato do alvo direto do subsídio ser os pequenos produtores, os verdadeiros beneficiados são os compradores (as usinas), pois a determinação dos preços não seguem a lógica de jogos simultâneos de uma única rodada com informações igualmente distribuídas – além do mais, os compradores (em menor número e organizados) estão em situação estratégica em relação aos pequenos produtores (em maior número e desorganizados).
Em comentário ao mesmo texto, afirmei claramente ainda que há um preceito normativo subjacente ao ponto (1), qual seja, de que não importava o tamanho do empregador da mão-de-obra no canavial, e sim o que estava em causa era as condições do trabalho empregado. Dito de outra, não importa se o trabalho é realizado por trabalhadores assalariados ou por membros de uma pequena família produtora (e aqui entram também os assentados), importam sim as condições daquele trabalho por demais demonstradas que superam os limites físicos dos seres humanos. Nesta questão, considero desnecessário lembrar desastres recentes que ludibriaram não pessoas sem qualificação técnica, mas sim especialistas experimentados no assunto, ou seriam estes fatos como os tais que ainda “preenche[m] o imaginário de militantes de esquerda”?
Com o convite para debater a questão no blog do Xacal, o professor Fábio Siqueira apresentou novos argumentos. Não obstante o profundo respeito e admiração que cultivo ao professor, classifico os argumentos como um “culturalismo inadvertido e incauto”. E explico: inadvertido porque irreflexivo, posto que afirmara ser o cultivo da cana-de-açúcar entranhado na cultura dos agricultores o motivo justificador para uma intervenção Estatal reforçadora. Nas palavras do próprio:
“Hoje, uma década depois [das políticas de incentivo à diversificação de culturas], e apesar da desvalorização da cana, é inegável o apelo que tal cultura continua a ter junto aos produtores locais.”
Classifico como irreflexivo o argumento culturalista, pois está subjacente a concepção de um Estado que deve reforçar comportamentos culturais dos cidadãos, e não uma concepção de Estado transformador. O primeiro se rende a um dado cultural e o reforça (neste caso, um ultrajante destino); o segundo, o Estado reformador, traz para si a responsabilidade de mudanças culturais, ainda que perceba a cultura como parte constituinte do comportamento e possíveis entraves para modificações, sem jamais renunciar ou prevaricar na sua missão transformadora.
Ainda que se tratasse de uma concepção normativa consciente de um Estado culturalista reforçador, em geral, esta modalidade pretende reforçar as boas condutas culturais, no que não se pode classificar as políticas implementadas para reforçar a cultura de cana-de-açúcar na região. No caso em tela, reforça-se o que há pior na cultura da região.
O segundo adjetivo empregado ao culturalismo (incauto) se refere à própria causalidade empregada para classificar a falência das políticas públicas voltadas para a diversificação de cultivos. Aqui caberia perguntar se o malogro destas políticas não foi causado por motivos intrínsecos à própria política, seja na formulação seja na execução. Afirmar que a política pública faliu por um fator cultural significa afirmar que estes fatores culturais não foram devidamente considerados na formulação da política, por conseguinte, uma política mal formulada. Ora, como se elabora uma política pública e não se dimensiona os entraves culturais para sua execução? O culturalismo incauto, ao fim e ao cabo, declara a incompetência do formulador e/ou do executor da política.
Os argumentos do professor Fábio ainda desconsideram completamente as externalidades negativas provocadas pela queimada da cana-de-açúcar na saúde da população (acrescente a isto também os efeitos ambientais); sonega solenemente a medíocre produtividade deste cultivo na região (especialistas afirmam que não chega a metade da produção/hectare das regiões de São Paulo); nada diz a respeito das décadas de incentivos governamentais investidos sem resultado na região.
Por fim, gostaria muito de acreditar que estas políticas de subsídios são simplesmente mal elaboradas, que são ingênuos os propositores, que desconhecem o que fazem, que estão ofuscados pelo voluntarismo e boas intenções em ajudar os pequenos produtores. Caso contrário, terei de me render aos argumentos próprio da Ciência Política destinados à explicação de distribuição de benesses aos grupos de interesses privados com fins eleitorais.
8 comentários:
grande debate!
O texto de Vitor é uma referência cara a este debate, sem dúvida.
com todo o respeito ao Fábio, creio que esse debate não se encaminhará de uma forma "desejável"...
a julgar pelas suas respostas, temo que as ressalvas do Vítor, sobre o viés eleitoreiro dessas medidas, descoladas de toda e qualquer análise de impacto sócio-ambiental, ou ainda, da análise sobre "natureza" e do objetivo desses recursos, a "fomentarem" formas degradantes e modelos de produção anacrônicos com o dinheiro público...
os trabalhadores, o ambiente, enfim, o "histórico" da atividade não foram levados em conta...
o cálculo foi só esse: bom, o auxílio ao pequeno produtor tem apelo...basta para colocarmos dinheiro do contribuinte na jogada, e ampliarmos a base eleitoral...
é triste...mas é verdade...
Xacal,
Eu tendo a concordar com você, mas caberia questionar, mesmo partindo dessas premissas, portanto uma crítica interna, se essa forma é eficiente eleitoralmente a longo prazo.
Sem qualquer sistematização acadêmica, o que se pode perceber à primeira vista é determinadas estratégias são míopes. Dito de outra, podem até valer no curto prazo, mas não se sustentam com eficiencia por mais do que duas eleições.
Os riscos são muitos e altos, para surgir um novo movimento que se proponha a realizar os sonhos de outrora não custa muito. Os últimos acontecimentos no cenário nacional demonstram claramente isso.
Abraços,
Vitor Peixoto
Caríssimo Vitor,
Creia que a demora em estar aqui desenvolvendo um respeitoso diálogo nada tem a ver com desatenção ou algo que o valha. Na verdade, o trato cuidadoso que pretendo empreender aqui requer uma consideração atenta de seus pertinentes argumentos e algum tempo para ponderar quanto à diferença de foco com que observamos a extensão da política de preço mínimo da cana para esta região, a meu juízo caracterizada como uma ação pontual e circunstancial do mandato do deputado Chico D’Angelo(PT/RJ), com quem colaboro politicamente.
Veja bem que não tenho reparo algum a fazer à maioria dos pontos que você apresenta como argumentos contrários a uma política sistemática de subsídios ao setor canavieiro local, salvo algumas divergências no que se refere aos pontos 2 e 5, que não chegam a determinar contradição na análise. E aqui digo que seus argumentos poderiam nortear uma política sistemática do Estado, via Ministério da Agricultura, para o desenvolvimento econômico do norte e noroeste fluminense, regiões empobrecidas e de vocação agrícola. Quanto às diretrizes que a gestão do professor Luciano D’Angelo deixou na Secretaria de Agricultura de Campos há dez anos atrás, no sentido da diversificação agrícola, de fato vc tem razão ao identificar seu fracasso na execução – ou melhor, no seu abandono – ao longo das gestões que se seguiram. Típico caso de descontinuidade administrativa que caracteriza a falta de planejamento das políticas públicas no Brasil.
Prosseguindo,
O fato é que me parece útil definir parâmetros para o que se discute aqui, na medida em que nossas perspectivas me parecem distintas. Enquanto você colhe o debate sobre uma ação que já classifiquei como pontual e circunstancial para discutir uma diretriz ideal para as políticas públicas para o setor – no que posso afirmar estaríamos de acordo eu, você e o Deputado Chico D’Angelo – onde o Xacal identificou uma “defesa” da medida, eu apenas pontuei a importância da mesma para os pequenos produtores de cana locais.
Assim, é bom destacar que “o PT” lidera um governo de composição, com as contradições que todos conhecem, e que a pasta da Agricultura encontra-se a cargo do PMDB. Logo, a despeito de liderar o governo, nem o partido, tampouco o mandato do Chico D’Angelo, tem ingerência decisiva sobre algumas diretrizes políticas eventualmente equivocadas – o que é o caso aqui em tela, segundo sua opinião – desenvolvidas pelo Deputado Reinhold Stephanes (PMDB/PR). A política do preço mínimo da cana aqui em debate não foi concebida para esta região. O que se deu foi uma reivindicação concreta, uma demanda específica apresentada ao Deputado Chico D’Angelo, para que este subsídio – já garantido a partir de alguns critérios pré-estabelecidos a produtores de cana em outras áreas de baixa produtividade – se estendesse aos pequenos e médios produtores locais. No que o mandato se mobilizou por compreender que a representatividade conferida pela expressiva votação do Deputado aqui em 2006 não se restringe a uma determinada classe social ou categoria profissional.
O êxito da mobilização inegavelmente representa aquecimento da atividade econômica local.
Tudo isso não nega a pertinência de seus argumentos nem contesta a necessidade de:
1- Políticas públicas a serem desenvolvidas pelo Estado em suas diversas esferas administrativas, seja local ou federal, no sentido de fomentar a diversificação na atividade agropecuária local;
2- Incentivo – e, talvez, mais subsídios para o setor canavieiro – para que os pequenos e médios produtores possam investir na mecanização da colheita eliminando os graves problemas que se apresentam no aspecto ecológico e na presença do trabalho degradante.
Enfim, não discordamos na essência dos problemas ligados ao setor canavieiro aqui denunciados. Consideramos que é, de fato, responsabilidade do PT refletir sobre o tema a fim de possivelmente incluir essa agenda no programa de governo a ser proposto pela candidatura do partido à sucessão de LULA. Mas não identificamos contradição entre tais propósitos e a responsabilidade do parlamentar em buscar atender demandas da sociedade local, complexa e plural, e até mesmo, dos “inimigos de classe”, muito embora, conforme já argumentei anteriormente, não considere razoável a associação entre pequenos e médios produtores – inclusive assentados – favorecidos pela política de preço mínimo da cana e usineiros e “coronéis” de outrora.
Um abraço.
o problema é que a escolha do deputado e do mandato, e conseqüentemente, do ministro, foi mobilizar os recursos para atender uma demanda específica...
logo, o partido dos trabalhadores, e seu deputado que deveriam, ao menos em tese, deveriam, privilegiar esse debate pela lógica dos trabalhadores não o fez...
bom, ao pequenos, médios e outras categorias de "proprietários" restam o embate em suas entidades de classe, a dos "proprietários", mas e aos trabalhadores o que resta....???
contrabandear esse argumento de que o privilégio(subsídio) é para pequenos e assentados é grave...
então, como já disse, abramos as burras do BNDES para que pequenos comerciantes e outros pequenos de outros setores da cadeia produtiva esfolem seus empregados até a morte...
O PT, como toda a esquerda, parece nao ter um discurso para os "pequeno -produtores". Assim, quando é o caso de tomá-los como base, só resta seguir o pragmatismo vigente. O PT precisa ter uma proposta para os pequeno produtores, para que nao lhes reste apenas seguir o caminho fácil da herança escravista.
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