quarta-feira, 17 de março de 2010

Mais do Mesmo

Roberto Torres


Há poucos dias postei um texto sobre a hegemonia do tema corrupcao no debate político nacional e local. Gostaria de continuar o assunto.

No último domingo o jornal Folha de Sao Paulo publicou uma reportagem http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u706596.shtml) sobre „consórcios paralelos“ criados por grandes empreiteiras a fim de neutralizar a concorrencia das licitacoes públicas. Segundos consta nos documentos do inquérito da Polífica Federal, construtoras acertam quem vai executar uma obra e entao participam separadamente da licitação. Escolhida a vencedora, a partilha é feita por fora, no tal „consórcio paralelo“.

O envolvimento de empreiteiras em casos de corrupcao nao é nenhuma novidade.Financiando campanhas, entre outras métodos, grandes empreiteiras conseguem anular a concorrencia na luta por recursos economicos através de relacoes de favor com políticos poderosos. Percebemos este fato como uma prova empírica de que o Estado corrompe a economia. A corruptibilidade do setor público seria a expecativa de ganho de agentes economicos dispostos a enriquecer sem competir. Ao fim e ao cabo se reproduz a visao de que a política é o reino do vício e da corrupacao e o sistema economico o das virtudes do trabalho e da concorrencia aberta.

Esta visao de mundo nao é nova e muito menos brasileira. Sua premissa fundamental é que o „capitalismo moderno“ seria um „capitalismo de direito“, como se houvesse uma tendencia evolutiva de que os „consórcios paralelos“ (um belo eufemismo pra máfia) cedessem lugar à transparencia dos programas de investimento economicos de „agentes privados“. Enfim, haveria uma afinidade fundamental entre a diferenciacao/expansao do sistema economico e o cumprimento da lei. Todo tipo de „relacao privilegiada“, „tráfico de influencia“, etc. seria uma fase de transicao para o „capitalismo moderno“. A relacao entre máfia e economia seria uma „sobrevivencia do passado“, um anacronismo, algo fora do lugar, sem razao de ser no presente. A realidade nao seria ela mesma.

Ao lado dessa projecao temporal, que desloca para o passado tudo aquilo que nao se adequa à uma compreensao ruim do presente, temos a regionalizacao: o passado está no Brasil, a corrupacao é patologia da América Latina, do Nordeste, de Campos, de Guarús etc. A razao é uma só: falta de moralidade no Estado ou pelo menos nos políticos „realmente existentes“.

Nessa visao está excluída a possibilidade de que a patologia seja gestada na economia mesmo. Nao se dispoe, com essa semantica que só enxerga corrupcao no Estado, a observar as estratégias que os próprios agentes economicos dispoem para driblar a lei, para neutralizar os pressupostos legais da concorrencia, atecipando-se a eles. É exatamente isso que mostra a reportagem do jornal, é exatamente isso que mostra a "regulacao" exergida pelas empresas de telecomunicacoes sobre as agencias reguladoras, e é exatamente isso que mostrou sobejamente a crise do capitalismo financeiro em 2008 nos EUA. Mas a vinculacao automática de corrupacao com política contínua em vigor.

3 comentários:

Paulo Andrade disse...

sobre a sua narrativa de " "regulacao" exergida pelas empresas de telecomunicacoes",
recoloco o que escrevi, sob a forma de comentário, p/ o texto de domingo, 7 de março de 2010 - A miséria moral de ex-esquerdistas, neste blog :
"Perante a grandes redes de comunicações do senhor Edir e Jonny Saad (bandeirantes e suas relações umbilicais com Oi/iG) e seus contratos estatais (CAIXA , playTV e BR Petrobras - entre inúmeros - na band e record)"

poderíamos dialogar sobre as relações do governo federal c/ as empresas de telecomunicações.
Paulo Andrade.

George Gomes Coutinho disse...

decididamente é pouco provável que consigamos compreender esse tipo de linguagem cifrada.

Roberto Torres disse...

Paulo Andrade,

podemos sim dialogar sobre os contratos estatais com Band/Oi/IG etc. Eu sei muito pouco do assunto, mas se voce quiser inclusive postar um texto a respeito aqui em nosso blog será interessante. Parece que Luis Nassif tem boas análises sobre o tema.