Fabrício Maciel
Ontem fui ver "Anjos e Demônios", do diretor Ron Howard, baseado na obra de Dan Brown. Não li o livro e por isso não sei se é fiel, mas de todo modo o filme inspira uma discussão central sobre a modernidade. Trata-se da velha guerra entre ciência e religião, ou talvez entre formas dintintas de fé. O filme mostra dificuldades e ambiguidades dos dois lados, e no final faz uma alusão típica dos últimos tempos, ou seja, a necessidade e a possibilidade positiva de união de ambas.
A trama se desenrola no estilão clássico de serial killer. Com a descoberta de uma teconologia que permitiria um uso sem precedentes da força da anti-matéria, a "partícula de Deus", por parte da ciência, é despertado o interesse de uma sociedade secreta, os Illuminati, repudiada na idade média pela Igreja católica, por conta dos interesses científicos que ameaçavam a mesma. Na ocasião da morte do papa e da fragilidade da igreja com sua cadeira de lider vazia, os Illuminati aproveitam para se vingar ritualmente, repetindo o assassinato de quatro homens importantes da igreja, como foi feito com eles no passado, e para destruir totalmente a Igreja, com a força da tal tecnologia, roubada por eles no filme.
É interessante a tensão e ambiguidade em toda a trama. Mostra o quanto há ou pode haver de ciência na religião e vice-versa. A grande descoberta científica em jogo pode ter desdobramentos desastrosos quando em mãos de fanáticos. Do mesmo modo que cientistas podem virar fundamentalistas religiosos, como os Illuminati, pois na verdade trata-se de uma guerra entre duas religiões, no filme, tendo uma delas a ciência como deus. Uma coisa é fazer uso do saber científico, que até um interesse religioso moderado pode fazer. Outra é trata-lo como deus, o que não supera em nada a radicalidade do pensamento religioso.
Para nossa época esta discussão, que apenas levanto aqui, é fundamental, pois todas as combinações são possíveis, e algumas são melhores do que outras. Falo das combinações entre saberes científico-tecnológicos e usos moderados ou radicais. As descobertas em si não garantem um mundo melhor. Seu uso é determinado por forças em tensão, dentre elas a esboçada na guerra secular entre ciência e fé. O dado que parece novo nas últimas décadas pós guerra fria é a tendência crescente de conciliação. Este parece ser o valor destes tempos, o que não garante o fim de conflitos e maus usos de saberes.
O que define também os usos é a moral. E esta parece agora abrir boas possibilidades de combinações moderadas, o que não está garantido, mas possibilitado, e depende de posicionamentos moderados para ganhar força. Talvez uma força da moderação para se chegar a uma moderação de forças. A ciência tem essa possibilidade, se for auto-crítica, sem deixar seu próprio ofício virar deus. Não é por acaso que uma obra de arte tão aceita pelo público faça alusão à união entre ciência e fé. Este tipo de síntese já está presente em nosso imaginário atual. Já ficou claro durante o século XX que forças fundamentalistas em tensão, científicas, religiosas, ou combinadas, geram muitas mortes. Temos agora uma porta aberta para um mundo melhor. Mas ainda é apenas uma possibilidade para uma nova história.
Um comentário:
Também vi o filme e gostei muito. Na verdade, retrata os iluminati num período após a idade média, já na esteira do que seria o pensamento iluminista, pois situa o movimento no século XVII. Assim também como mostra a crença no poder destrutivo da tecnologia da anti-matéria, por parte da Igreja, visto que o Carmelengo que desejava ser papa forja toda a situação dos iluminati para garantir seu plano de chegar ao poder máximo da Igreja católia, barrando o diálogo entre ciência e religião, que supostamente teria sido aberto pelo papa morto. Ou seja, o filme aborda mais de perto a questão de disputa pelo poder político entre ciência e religião.
Excelente!
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