A última vez que fui a Campos tive a oportunidade de conceder uma entrevista (que saiu hoje no jornal o diário http://www.odiarionews.net/wordpress/?page_id=35) ao simpático e inteligente jornalista Paulo Renato Pinto Porto. Aproveito este espaço para agradecer-lhe o convite, e ainda dizer que tivemos um interessante papo. Falamos de vários assuntos, desde a política local, passando pela nacional e internacional. Mas como o jornal impresso é limitado materialmente, ou seja, o espaço do papel é pequeno para análises mais profundas, é sempre impossível transmitir para leitor todo o conteúdo da conversa, a qual serve de base para a entrevista. Devido a isso, aproveitando a gancho me concedido pelo jornalista Paulo Renato Pinto Porto na entrevista, lançarei mão de nosso blog para alongar as minhas análises feitas na conversa que tive com ele.
Dedicar-me-ei aqui a respeito de três eixos da entrevista que considero importantes. O primeiro se refere às relações entre a UENF e a cidade de Campos (Parte1), e o segundo ao movimento político muda Campos e as transformações políticas deste movimento, assim também como sobre a figura de maior destaque político deste movimento, i.e., Garotinho (Parte 2), e um terceiro referente às experiências de um goytacá na Prússia, os choques culturais da vida num país tão diferente culturalmente (Parte 3).
Parte 1: A UENF e a cidade de Campos
Ao tentar entender esta difícil relação, não podemos nos furtar de analisar a sua gênese. O processo de implantação da UENF, como nos conta a bela pesquisa feita pelo sociólogo Glauber Rabelo, foi um processo traumático, dentro do qual, uma série de disputas políticas estavam em jogo. De um lado estava a “elite intelectual” local, representada pelas universidades particulares do município, sobretudo aquelas ligadas às humanidades, como a FAFIC e a faculdade de Direito de Campos. Estas tinham um projeto de universidade do norte fluminense, que seria mais ou menos a união delas, formando o que temos hoje na Uni-Flu. Do outro, estava Darcy Ribeiro, um homem cheio de sonhos e vontades titânicas que queria criar no interior do Rio de Janeiro uma universidade de patrão internacional. A partir deste ponto o conflito já estava posto, uma “elite intelectual” local que não queria perder seu poder, e do outro um político sonhador, dado a certos autoritarismos, que não reconhecia qualquer traço intelectual mais profundo na elite local, porque não via neles a vocação para a pesquisa e assim a possibilidade de se formar uma esfera propriamente acadêmica.
O segundo ponto do conflito se dá coma chegada dos professores da UENF. Ocorre aí um estranhamento mútuo, deles para com a cidade e da cidade para com eles. Muitos setores do município, assentados nos seus temores de perder o seu poder, estimularam na população um xenofobismo provinciano de ódio aos professores da UENF. Como se estes fossem forasteiros a sugar algo do município sem ter qualquer relação com ele, ou dar algo em troca. Ou espalhar a falácia que estes recebiam salários faraônicos à custa da pobreza da população local. Por outro lado, muitos professores não mostraram o menor interesse em ter um contato mais estreito com a cultura local, assim de algum modo, estimulando os preconceitos lançados contra eles. Esses dois quadros formaram uma cisão entre a cidade e a universidade de difícil reconciliação.
E é sobre esta reconciliação que queria enfatizar. O desafio das gerações presentes é o de dar novos contornos a essa história. A cidade com um todo, mas em especial as elites intelectuais e políticas locais, precisa entender que a UENF faz parte de Campos, a história de sucesso que a UENF vem construindo é sucesso também de Campos dos Goytacazes. E por outro lado será importante a incorporação de um quadro de professores e funcionários que tenham uma identificação afetiva com a universidade. Isso não quer dizer que seja eu contrário àqueles que não a tenham, mantendo uma relação tão somente profissional com a universidade, porém, só com estes é impossível construir o papel atuante na vida social e política que eu creio que uma universidade deve ter.
Eu sou muito otimista quanto a isso. Eu acredito muito como também espero que, em breve, poderemos olhar para a UENF e ver nela um papel decisivo para a história da cidade e da região no século XXI, tal como a escola de aprendizes e artífices (Escola técnica, CEFET, IFF) teve ao longo do século XX em Campos e na Região.
20 comentários:
Achei muito engracado quando o jornalista falou da pouca presenca de campistas na Universidade como uma possível justificativa para o estranhamento com a Uenf. Parece que esta baixa representatividade nem procede, mas mesmo se fosse o caso, é muito inusitado ver um jornalista no fundo sugerir que e a Uenf teria alguma culpa nisto.
acho que um bom exemplo disso é o próprio blog.. formado por uma maioria de campistas e companheiros de localidades do noroeste fluminense.
uenfianos, go home...!!!
ahahahaha
A questao nao é só numerica, é qualitativa tb.
Mas mesmo assim acredito que a maioria é da regiao.
No meu ano era assim.
Tenho curiosidade sobre o modo como a representação dos professores e estudantes da Uenf como seres extra-terrenos, vide a imagem do "disco voador", é pensada pelas gerações de egressos (campistas ou não) dos diferentes cursos dessa universidade. Talvez desse uma boa pesquisa reconstruir essa memória.
Pensar a UENF como fator de influência para além de Campos é fundamental. Para Itaperuna é muito importante, agora imaginem para "Ritiru du Muriaé". Bastam os antigos membros da Tutanheta para Ritiru alcançar índices educacionais proporcionais ao da Suíça!
Abraços,
Vitor Peixoto
Brand... deixaram voce bombardear o patrao ?
E mais... o ingresso na universidade eh meritocratico.
Se nao ha tantos campistas la (o que eu duvido), o problema esta com os proprios, e nao com a UENF.
Por volta de 1994/96 corria na FDC um sentimento de antipatia pelo fato de se instalar em Campos as Universidades privadas UCAM, Universo, Estácio. No tempo da UENF estas Universidades ainda não tinham se estabelecido em Campos. Hoje são mais representativas que a própria FDC. Investimento privado? Marketing? Hoje, estas mesmas Universidades contemplam atores campistas, o que não ocorre com a seletiva UENF. Talvez não seja apenas culpa da intelectualidade campista o ostracismo da UENF. A História a serviço da ideologia.
UCAM ? Universo ? Estacio ?
Voce eh um fanfarrao...
A questão é saber quais são os critérios para contemplar tais "atores campistas" nas referidas instituições. Ora, os compromissos formais que balizam a organização do trabalho científico (na Uenf ou em qualquer outra IES) não se confundem, necessariamente, com o particularismo dos grupos de interesse privado do ensino superior local. Ao menos, essa premissa crítica foi e ainda é, a meu ver, inalienável do "Projeto Uenf". A despeito do desmonte de parte significativa de seu projeto, é louvável a autonomia relativa da Uenf face à política local e os seus inconfessáveis compromissos.
Ao debate por uma limpeza de terreno dessa ideologia regionalista e barrista que postula a (falsa) dicotomia Uenf x Campos.
A questão proposta por Paulo é muito pertinente! Um debate sobre essa ideologia regionalista que sustenta a falsa dicotomia UENF x Campos talvez contribuísse para a superação do que acredito ser nada mais do que senso comum, ou tradição inventada mesmo. A quem interessa promover tal pensamento, visto que os dados apresentados pelo próprio entrevistado apontam para um número considerável de alunos, não apenas do município, mas de toda a região norte e noroeste fluminense?
O que parece mais aceitável é a idéia de que a UENF, como fator de influência para Campos, pode representar uma ruptura com a hegemonia de algumas instituições privadas de ensino superior na formação da elite-intelectual-dirigente no município.
A propósito do comentário das 06:28, qual a representatividade da Faculdade de Medicina de Campos para a população do município? Em que medida a FMC vem possibilitando a inserção de alunos campistas nos seus cursos durante décadas de atuação na região? A qual classe pertencem os contemplados?
Seria a UENF um verdadeiro disco-voador que possibilitaria a formação de uma elite dirigente local, não apenas por médicos ou engenheiros graduados na capital, mas também sociólogos, biólogos, agrônomos e cientistas políticos? Cabe destacar ainda que os critérios de inserção na UENF garantem a inclusão de classes sociais distintas, por mais improvável que pareça, diferentemente da instituição privada citada anteriormente.
Pois é... alguém faça um censo na FMC para ver de onde vem os estudantes..
E compare com os dados da UENF onde já antes da política de cotas contemplava tanto uma maioria de estudantes de escolas públicas quanto alunos de Campos e regiões próximas (baixada fluminense, Noroeste Fluminense, sul capixaba). Digo isso em todos os centros. Isto sem falar do recorte de classe..
Há um ressentimento onde o fracasso pessoal (não ter conseguido entrar na universidade com as próprias pernas) se traduz nesse pensamento mesquinho de uma UENF quase formada de alienígenas! Vão estudar oras!
Ja em achar que haja uma vontade coesa chamada "campos", "sociedade campista" é uma mistificacao sem tamanho.... A relacao com o conhecimento, com a ciencia, varia segundo condicoes que independem de Campos. Acho que houve um ressentimento inevitável por parte das organizacoes de ensino superior privadas locais no comeco, mas hoje e coisa insignificante.
Senhores,
Não é preciso que ninguém se exalte... Nem que utilize as próprias frustrações de uma forma tão improdutiva.
Mas os últimos comentários tem todo sentido. Um dos únicos locais da região onde predomina uma gramática do mérito é a UENF. Nestes termpos pouco importa a origem regional dos estudantes e professores dado que uma universidade deve ser avaliada em:
a) sua capacidade de produção de conhecimento (algo inegável no caso da UENF);
b) em sua possibilidade de criação de círculos virtuosos de inclusão.
Eu trabalhei no Serviço Social da UENF, que como é sabido opera com a chamada "questão social" e naquele período (entre 1999 e 2001) tínhamos de fato uma maioria de estudantes de escolas públicas. Inclusive a UENF, dada a chamada "demanda social", mantém um número elevado de bolsistas para este fim. A UENF, assim, além de ter conexão com a economia do municipio gera inclusão direta de estudantes que apresentam dificuldades materiais para prosseguirem em sua qualificação.
Não vou discutir a produção de conhecimento com um montante expressivo de teses, dissertações e monografias sobre Campos e região pois me alongaria demais...
De todo modo considero o epíteto de instituição "elitista" uma demonstração do mais abissal desconhecimento sobre a realidade da instituição. A UENF optou por muitos cursos que não constituem o rol das "profissões imperiais", afora as engenharias, o que também pode explicar o desinteresse por parte dos jovens campistas. Mas, como eu disse, por uma parte apenas.
Todos os que aqui escrevem ou são de Campos ou do Noroeste. Para o dissabor do apressado leitor nenhum de nós é tão "alienígena" assim..
E se referem-se ao "isolamento" da UENF em termos de direção, ora, a entidade gêmea da UENF foi administrada por muitos quadros oriundos da cidade, a FENORTE. Mas, sobre esta nada posso responder pois não conheço seu funcionamento. Só soube que hoje o filho de um vereador local, não exatamente associado às artes ou à ciência, irá assumí-la.
Abçs
George
A maioria das universidades privadas em Campos (e no Brasil como um todo) nem deveriam ter tal classificacao, dada a produtividade pifia da maioria dos seus docentes e o desempenho insatisfatorio dos seus estudantes quando comparados com as publicas.
Claro que isso eh uma regra geral, pois ha particulares boas e publicas ruins.
O que eh peculiar em Campos eh a supervalorizacao da sociedade com relacao as faculdades particulares frente a UENF (especialmente medicina e odonto). A molecada do segundo grau diz que as meninas em Campos sofrem de ASMA (Agarre Seu Medico Agora).
Quem foi que lenvatou essa porra de "campos" x "uenf" que nos estamos discutindo? O jornal do Garotinho, onde o Brand deu a entrevista. Eu acho que ninguem em Campos tem mais ódio da Uenf do que ele, transmitido aos seus capangas.
Se ele pudesse destruiria a Universidade. Quem tiver dúvidas sobre isso procure se informar sobre a luta pela autonomia da Uenf contra a Fenorte, na época em em que Garotinho era governador.
Exato, Roberto. Este é o ponto no que toca a postura reacionária diante de uma instituição de ensino e pesquisa autônoma. Daí o recurso a esse bairrismo canhestro que, como você bem diz, não convence mais ninguém.
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