quarta-feira, 14 de julho de 2010

Copa de 2014: um desastre ou um triunfo?

por Lamia Oualalou

A tristeza provocada pela derrota da Seleção na Copa do Mundo não vai passar tão cedo. Em questão, está bem mais que o sonho do sexto campeonato. A Copa do mundo de 2014 será sediada no Brasil, seguida dois anos depois pelos Jogos olímpicos no Rio de Janeiro. A escolha foi celebrada pelas autoridades e pelos empresários como um triunfo político, e um grande negócio.

Logo ao assumir seu primeiro mandato o presidente Lula criou o Ministério do Esporte. “A criação inédita de um ministério exclusivo para o esporte sinalizou a relevância que eventos deste setor viriam assumir progressivamente como política pública no país”, explica Nelma Gusmão de Oliveira, pesquisadora do (Ippur) Instituto de planejamento urbano e regional da UFRJ (Universidade federal do Rio de Janeiro).

Com os eventos, o país terá a oportunidade de adiantar obras que demorariam décadas. Além da criação de empregos nas áreas de hotelaria, turismo, serviços, transporte, construção civil e informática, também terá impacto indireto da presença do Rio e do Brasil na mídia internacional, que poderá ajudar a alavancar negócios. Pelo menos, foi o que aconteceu na Espanha. Em 1992, Madri foi eleita capital da Europa, enquanto Sevilha foi a sede da Exposição universal e Barcelona abrigou as Olimpíadas. A partir disso, o país ibérico conseguiu uma renovação maciça de sua infraestrutura, que abriu o caminho para quase duas décadas de crescimento.

Os principais setores da economia já começaram a calcular os benefícios. Segundo as primeiras estimativas, a Copa vai necessitar de 12 bilhões de reais. A previsão para as Olimpíadas é ainda mais impressionante: 28,8 bilhões de reais.

ESTRUTURA

As exigências da FIFA em relação aos estádios são drásticas. Elas devem comportar cerca de 40 mil espectadores sentados e devem ser dotadas de áreas para o publico VIP e imprensa. A construção e reforma dos estádios tem a disposição uma linha de crédito especial do BNDES de 4,8 bilhões de reais. Mas não será suficiente.

O Brasil espera receber 600 mil turistas para a Copa, o que requer investimentos no setor hoteleiro. O transporte, especialmente aéreo, deverá ser modernizado. A Infraero já antecipa que serão investidos 8,65 bilhões de reais e o governo se comprometeu a terminar o trem-bala que deverá conectar Campinas a São Paulo e Rio de Janeiro.


O governo federal espera um impacto forte na economia brasileira. Um estudo da FIA (Fundação Instituto de Administração) de São Paulo estima que os jogos olímpicos deixarão um impacto na economia brasileira que pode ultrapassar 100 bilhões de reais. O Rio de Janeiro seria o maior beneficiário.

INCERTEZAS

Diante de um cenário, aparentemente, tão promissor, surgem dúvidas. “É muito emprego e publicidade mas a que preço?”, pergunta Alberto de Oliveira, economista especialista em planejamento urbano. “Embora o esporte deva ser prestigiado, somos um país emergente. E a grande maioria do dinheiro que será investido é público. Nesse contexto: quais seriam as alternativas?”. As autoridades podiam gastar mais em estradas, hospitais, melhor sistema de transporte, investimentos que teriam mais impacto sobre a qualidade de vida. “Como também são obras de construção civil, do ponto do emprego, o efeito é idêntico”, responde.

Há exemplos de cidades que perderam mais do que ganharam com a organização dos jogos olímpicos. É o caso de Atenas em 2004. No Brasil, a única experiência comparável foi a do PAN (Jogos Panamericanos) no Rio de Janeiro, em 2007. E não há muito que comemorar. O governo federal bancou 50% dos gastos, o Estado do Rio 15% e a Prefeitura do Rio um terço. Mas como sua capacidade de endividamento não aumentou, a cidade teve que cortar investimentos em outras áreas.

Por outro lado, o argumento segundo o qual o investimento público atrai o privado não tem comprovação na realidade. “No caso do Pan, o setor privado pagou apenas 4,3% do custo de organização dos Jogos”, lembra Oliveira. Além disso, ele considera que este dinheiro foi destinado à construção da Vila do PAN, um conjunto de prédios de classe media que constituíam um ótimo negocio para o setor imobiliário, com o sem a organização dos jogos.

A África do Sul também não parece ser um exemplo promissor. O governo decidiu construir dois novos estádios na Cidade de Cabo e em Durban, que não ficaram prontos a tempo, e a Copa foi jogada nas velhas estruturas – ambas com mais de 50 mil assentos.

Além do dinheiro desperdiçado, tem o risco das cidades herdarem “elefantes brancos” – construções que só servem para a curta época dos jogos. O documentarista americano Craig Tanner, acaba de realizar o filme “World Cup Soccer in África – Who really wins?” (Copa do Mundo de futebol na África – Quem realmente ganha?), destaca, em um artigo publicado pelo site Global Research, a maneira com a qual o poder político sul-africano “sequestrou uma oportunidade nacional a fim de se engajar em despesas”.

DESESTÍMULO

A historia do PAN no Rio de Janeiro também dá razões para desconfiança. O estádio em Deodoro, que custou mais de 130 milhões de reais foi abandonado. O estádio João Havelange foi alugado para o Botafogo por cerca de 30 mil reais por mês, “o que livra as autoridades do custo de manutenção, mas não dá conta da importância do investimento”, avalia Guilherme Marques. “É como se fosse um presente do Estado para o clube”.

O risco de também existe no setor hoteleiro, especialmente em cidades pouco acostumadas a receber turistas. É o caso de Manaus e Cuiabá, que apresentam um déficit de respectivamente 4 e 4,8 mil leitos. Se esta capacidade necessária fosse adicionada para a Copa, a taxa de ocupação do setor hoteleiro depois do evento poderia cair para 30%, no caso de Manaus, e 15%, no caso de Cuiabá, quebrando a indústria turística local.

“Este risco é menos importante no caso dos hotéis, já que depende exclusivamente do setor privado ao contrario do que acontece para os estádios”, avalia Sérgio Magalhães, o presidente do IAB (Instituo de Arquitetos do Brasil). Segundo ele, é possível evitar uma herança maldita, inclusive com as instalações esportivas.

Segundo o arquiteto, o sucesso, contudo, depende de onde os investimentos serão localizados. “Colocar a maior quantidade de instalações na Barra da Tijuca, como é previsto no dossiê de candidatura, seria muito desproporcional. Não existe a densidade necessária para que os investimentos sejam usados”. Magalhães defende a concentração de boa parte do esforço no centro da cidade e na região portuária, para voltar a dar dinamismo à Zona norte do Rio. “A conexão entre o trem, o metrô e os barcos que vão para Niterói poderia ser melhor. A rodoviária poderia ser colocada junto a uma estação de metro”, sugere. “Se os investimentos forem bem aplicados, têm chance de potencializar outros. A Copa e os jogos podem fazer uma revolução urbanística no Rio de Janeiro”, conclui.

IMPACTO SOCIAL

Esta revolução é uma grande fonte de preocupação dos moradores de bairros vizinhos às futuras instalações. A comunidade da Vila Autódromo, localizada na Barra da Tijuca, vem se mobilizando para garantir sua permanência, já que o projeto das Olimpíadas de 2016 prevê a saída das famílias do local.

“Não é a primeira vez que a prefeitura nos ameaça”, lembra Inalva Mendes Britto, moradora da comunidade há trinta anos. A primeira tentativa data de 1992, na época da organização da Cúpula da Terra da ONU. Em 2005, dois anos antes dos Jogos Panamericanos, as autoridades tentaram outra vez.

Inalva não acredita nas promessas do prefeito Eduardo Paes de que as Olimpíadas levarão transformação social e melhorias concretas para toda a cidade. “Eles construíram o Parque Maria Lenk e o Velódromo com dinheiro público, bem perto de nós, mas não gastaram nem um centavo para a urbanização da comunidade, que ainda não tem saneamento básico”.

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