O PAC da superexploracao do trabalho
Superexploração dos trabalhadores na maior obra do PAC
Funcionários da usina hidrelétrica construída no Rio Madeira denunciam as condições de trabalho que os levaram à revolta
20/07/2010
Eduardo Sales de Lima, enviado a Porto Velho
O reajuste salarial foi apenas um dos motivos, dentre tantos outros da revolta e, consequentemente, da paralisação realizada entre os dias 17 e 29 de junho pelos trabalhadores da construção da usina hidrelétrica de Santo Antônio, em Porto Velho (RO). Os funcionários quebraram o silêncio e denunciaram o estressante dia-a-dia nos canteiros de obra da barragem. Um cenário repleto de acidentes, abuso e intimidação por parte do Consórcio Santo Antônio Civil (CSAC) – comandado pela empreiteira Odebrecht –, responsável pela construção da hidrelétrica.
A usina de Santo Antônio está orçada em R$ 13,5 bilhões e, ao lado da hidrelétrica de Jirau (que custará R$ 10 bilhões), compõe o Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, a obra mais cara do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A construção de Santo Antônio começou em setembro de 2008 e está prevista para terminar em 2015. Pelo projeto, a usina vai produzir 3.150,4 megawatts, o suficiente para atender 11 milhões de residências ou 44 milhões de pessoas – ainda que o principal objetivo da obra seja atender indústrias eletro-intensivas.
A suntuosidade das cifras, contudo, contrasta com as péssimas condições de trabalho nos canteiros de obras. Lá, a pausa para o almoço é de apenas uma hora. Pouco para quem leva vinte minutos para se locomover de ônibus até o refeitório e ainda aguarda mais alguns minutos na fila. Nas obras de Santo Antônio, para os que moram nos alojamentos, é obrigatório o pagamento de R$ 26 ao mês para o aluguel da moradia.
A própria concentração dos trabalhadores que vivem no alojamento, quente e sem ar-condicionado, é algo que, de acordo com o advogado Anderson Machado, propicia a escalada da tensão entre os funcionários e aumenta a insatisfação em relação ao trabalho. Machado foi interventor do sindicato que, em tese, representa os funcionários de Santo Antônio, o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Civil do Estado de Rondônia (Sticcero).“Concentrar os trabalhadores ali os mantém o tempo inteiro sob pressão. É um trabalho desgastante, tenso, e na hora em que você está descansando, não sai do ambiente da obra”, comenta. Para ele, a atual situação dos trabalhadores reflete, sobretudo, o desejo do consórcio de economizar com transporte e aluguel.
O trabalho é árduo. João* trabalha faz pouco mais de um mês na área de concretagem e reside na periferia da capital Porto Velho. Segundo ele, é comum a não-adaptação dos trabalhadores dentro daquele “buraco quente”. “Os desmaios a gente nem conta. Dentro do buraco é a rocha; e ela esquenta e seca o ar todo. Mandam para o ambulatório e, depois de 15 minutos, a pessoa está na frente do serviço de novo”, descreve. João conta que, nas obras, “parece que a nuvem foge do sol”.
A usina fica sete quilômetros a sudoeste de Porto Velho. Trabalham no empreendimento aproximadamente 7.030 pessoas. Cerca de 84% da mão-de-obra é original de Rondônia. Equipes de detonação e escavação moldam o leito e as margens do rio para receber a barragem. Outros grupos escalam até 50 metros para entrelaçar estruturas de aço que irão abrigar as turbinas da hidrelétrica. Concluída a armação metálica, começa a concretagem, serviço de João. Quando estiver pronta, a hidrelétrica terá consumido 3,1 milhões de metros cúbicos de concreto que circundarão as 44 turbinas aptas a gerar os 3150 MW.
Os trabalhadores em Santo Antônio, recebem salários que variam de R$ 700 a R$ 1000. Os protestos de junho revelam que eles também estão conscientes desses valores reduzidos.
“Éden”
Em Santo Antônio, os acidentes são recorrentes e, em muitos casos, até as mortes são abafadas pelo consórcio, segundo contam funcionários. João se recorda que os acidentes presenciados por ele ocorreram principalmente por dois motivos: o despreparo de funcionários inexperientes e o ritmo de trabalho imposto pelos funcionários responsáveis por gerir a obra, chamados de “encarregados”. “Por causa da pressa, há muitos acidentes com quedas de barras de ferro de 30 metros, ocasionando ferimentos”, conta.
Ir ao ambulatório, entretanto, parece não ser uma prática saudável. “Não vá lá, senão os encarregados vão achar que é proposital, que você não quer trabalhar”, afirma Antônio*, há cinco meses no setor de Terra e Rocha.
“Costumamos chamá-los [os encarregados] de sobrinhos de [Marcelo] Odebrecht [diretor-presidente da empresa], quer dizer, o mais interessado no sucesso da empresa. São os senhores de senzalas. É uma coisa comum, dentro da barragem, eles chamarem os trabalhadores de ‘filho da puta’”, denuncia João. Por causa da pressão por parte dos encarregados e do estresse gerado, ele afirma que alguns trabalhadores terminam por brigar verbalmente ou fisicamente com os supervisores ou entre si e “levam sua quita” (são demitidos) mais cedo.
Os “sobrinhos de Odebrecht” cobram bastante os trabalhadores e, segundo Joaquim*, ex-alojado e demitido, segundo a empresa, pelos protestos do dia 17 de junho, esquecem, também, de defender o “time” que lideram. “Não adianta pressionar uma equipe de 15 sendo que para cinco trabalhadores o pagamento não sai. E ele, como encarregado, não toma posição e não tenta resolver esse tipo de problema junto ao setor de recursos humanos da empresa. [Para ele,] o peão que se lasque”, critica.
Os encarregados, de acordo com os funcionários ouvidos pela reportagem, além de pressionar, também intimidam os funcionários. De acordo com João, o trabalhador em Santo Antônio não pode se posicionar reivindicando direitos junto à empresa. “Quem faz isso é despedido ou perseguido lá dentro”, revela. “Dá para ver encarregados fazendo filmagens para ‘dar quita’”, conta Antônio.
Ele garante que os acidentes que puderem ser abafados pela empresa, o são. Segundo Antônio, quando um cabo de aço se soltou do guindaste, no fim de junho, um rapaz da área de concretagem tirou fotos. Porém, rapidamente, seguranças e encarregados o cercaram e forçaram para que ele as apagasse.
João, que preenche as armações metálicas de concreto, conta uma história parecida. Após uma estrutura ter caído por cima de três operários, ocasionando duas mortes e deixando um trabalhador gravemente ferido, ele revela que a informação só vazou quando foram iniciados os protestos a partir do dia 17 de junho, em que alguns ônibus foram queimados por trabalhadores e parte do alojamento foi depredada. “A propaganda lá fora era que aqui seria o jardim do Éden e quando chega aqui só se encontra a serpente e nada mais. Nem a árvore do fruto proibido se encontra aqui”, ironiza o trabalhador.
* Com medo de represálias, os trabalhadores entrevistados solicitaram que a reportagem utilizasse nomes fictícios.
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