Texto de um colega, sobre o que se pode esperar de um governo Serra em relação à educação.
Li e subscrevo o Manifesto de Professores pela Educação Pública.
Acho que pode ser interessante a leitura do texto aos colegas
professores ou a quem já pode desfrutar do ensino público superior,
algumas palavras sobre a situação do ensino em São Paulo a partir dos
profissionais com ela envolvidos.
Não tenho a menor pretensão de alterar a opinião de ninguém. Mas dado
o obscurantismo neomedieval no qual se vê reduzido o debate destas
eleições no segundo turno, acredito que valha a pena a leitura, bem
como relembrar um personagem estranhamente evitado pelo discurso do
candidato José Serra, que mencionarei abaixo.
http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=571&msg=Coment%26aacute%3Brio%20enviado%20com%20sucesso!&CFID=22034581&CFTOKEN=5d6e59d451cdf576-BB689EBC-C0F1-6883-96AD0FD611E3730C
Educação é um assunto sério, e basta procurar o que tem sido noticiado
sobre a atuação do famigerado ministro da educação do governo Fernando
Henrique Cardoso, o senhor Paulo Renato Souza, para ver com que
seriedade ele tem tratado o assunto no atual governo do estado de São
Paulo:
http://www.pt-sp.org.br/noticia.asp?p=Opini%E3o&acao=verNoticia&id=1397
Claro que um texto na página disponível na página do próprio PT só
poderia ser de crítica ao Serra e seus aliados, pode-se pensar em uma
primeira leitura.
Felizmente, o senhor Paulo Renato Souza é um sujeito de honestidade
impar. Ele realmente fala o que pensa sobre o ensino superior e a
partir disto, pode-se antever claramente um projeto de ensino com
nuances claras de elitismo. As palavas do provável ministro da
educação de um eventual presidente José Serra deixam isto claro:
Em uma entrevista concedida à revista Veja, há cerca de um ano:
http://veja.abril.com.br/281009/contra-corporativismo-p-019.shtml
A visão de Paulo Renato não é mal intencionada ou execrável, longe
disto. A instauração de critérios de avaliação para o ensino,
especialmente o superior (o que ele critica com maior veemência), tem
sido realizada nas últimas duas décadas e se encontra em estágio
bastante avançado, haja vista as avaliações periódicas do MEC aos
cursos de graduação; o gargantuesco relatório CAPES, tormento de todo
coordenador de Programa de Pós-Graduação; que contribuem para que os
professores sejam, cada vez mais, tanto pesquisadores quanto
profissionais vinculados ao ensino (deve-se ter em vista que o papel
da extensão universitária ainda precisa ser formalizado de um modo
mais objetivo). Adicionalmente, a instauração de classificações para
periódicos, mesmo com os problemas que possuem, quebram a lógica da
publicação por compadrio e obrigam os periódicos a terem conselhos
editoriais e revisores para a publicação de artigos acadêmicos,
melhorando a qualidade do que se publica no país; por fim, cada linha
do currículo Lattes é valiosa, o que leva a geração de uma
considerável neurose produtivista, que por mais perniciosa que seja,
com certeza é preferível ao marasmo e a um pradão anterior, no qual
apenas produzia-se pesquisa nos grandes centros, nas grandes
universidades (leia-se, no eixo RJ-SP), sendo as demais instituições
meros "colegiões" de ensino superior.
O estranho é que o que Paulo Renato parece clamar pela instauração de
uma meritocracia que já existe, em boa parte, no ensino superior. Seu
argumento é o de que as resistências a instauração de critérios
"meritocráticos" no ensino são fruto do "corporativismo" dos
professores. Tudo decorre da sobreposição indevida de ideologia à
racionalidade, segundo ele, que parece identificar as universidades
públicas com o que qualifica como "um marxismo de segundo ou terceiro
nível" e em sua análise, possivelmente a concepção liberal de que a
concorrência e competição são "em si" positivas não é ideológica; a
pecha de "idelógico" como sinônimo de "não racional" parece ser
exclusividade do pensamento marxista. A despeito das inclinações
pessoais dos professores pelo liberalismo ou pelo marxismo, um
imperativo básico (se existe algum) para qualquer diálogo realmente
produtivo sobre educação é um pluralismo mínimo, uma certa humildade
em se admitir que talvez (apenas talvez) que nem sempre a competição e
a concorrência sejam produtivas (imperativo liberal); assim como a
educação não deve reduzida a um meio para uma revolução socialista.
Estas duas concepções, levadas a seu extremo, ainda cheiram ao
determinismo científico próprio do fim do século XIX.
Sua versão liberal que, apropriando-se dos conceito de "luta pela
vida" e "sobrevivência dos mais aptos" apresentados por Darwin em seu
revolucionário "A Origem das Espécies", aplicava-o às sociedades
humanas, justificando as desigualdades de renda e a existência de
diferentes classes sociais com base nas desigualdades naturais
(qualidades ou defeitos pessoais) e naturalizando a sociedade
vitoriana: é o famoso "evolucionismo liberal", que ainda está vivo e
saudável em muitas esferas políticas e possui fortes afinidades
eletivas com boa parte do discurso de Paulo Renato. Um exemplo claro
foi uma polêmica recente com Lula, que segundo Paulo Renato "Lula não
estudou porque não quis; porque não valoriza a educação" (o texto
completo pode ser lido no site do próprio Paulo Renato:
http://www.paulorenatosouza.com.br/reportagemnoticia.asp?id=776).
A versão marxista desde progressismo vitoriano não é muito diversa.
Marx e Engels eram admiradores confessos da obra de Darwin e o modo
como é concebida a sucessão necessária entre os modos de produção, em
especial, a ênfase dada, pelo materialismo histórico (portanto, após a
morte de Marx, especialmente na sua vertente soviética) quanto à
inevitabilidade do colapso do capitalismo lembram muito do espírito da
Belle Epoque, aquele saudoso período no qual realmente se acreditava
que a ciência conduziria ao melhor dos mundos. Numerosos exemplos, ao
longo do século XX, permitiram ver que o colapso do "capitalismo"
talvez não fosse tão inevitável. Possivelmente porque "capitalismo"
não defina a mesma coisa que era designada por Marx, como modo de
produção, e as diversas metamorfoses que este conceito sofreu nos
últimos 160 anos.
Em suma, o debate sobre a educação, em especial no que tange ao ensino
superior, não pode ser reduzido a uma questão de fé. Explico: tanto a
posição liberal estrita defendida por Paulo Renato, quanto neste
marxismo (bastante raro, diga-se de passagem) que ele critica padecem
do mesmo problema - sustentam-se na "crença" na "fé" em sobrevivências
de um progressismo racionalista de fins do século XIX. O estágio no
qual se encontram os debates sobre a ciência e a razão no âmbito do
ensino superior não nos permitem admitir simplificações grosseiras
como estas duas posições extremas. É preciso que haja debate entre
propostas para a educação e o ensino, não promessas ou fórmulas
prontas como a apresentada por Paulo Renato.
Serra promete a criação de 1000000 de vagas no ensino técnico. O
número impressiona. Mas o cobertor é curto, de onde sairão verbas para
isto?
Tudo indica que o projeto de um eventual governo Serra seria retomar a
idéia aventada no governo Fernando Henrique e defendida abertamente
por Paulo Renato Souza. Ensino Superior, produção de tecnologia,
pesquisa não devem ser investimentos prioritários do Estado. As
universidades são para uma minoria da população brasileira, o que deve
ser oferecido para o povo é ensino técnico: mais barato, massificante
e rápido. Evidenciam-se os contornos de um projeto da educação de um
governo Serra, ninguém melhor do que Paulo Renato Souza para nos
explicar um dos pontos fundamentais dele:
"Pergunta:Em muitos países, as universidades públicas cobram
mensalidade dos estudantes que têm condições de pagar. Seria bom
também para o Brasil?
Paulo Renato: Sem dúvida. Só que esse é um tabu antigo no país. Se
você defende essa bandeira, logo o identificam como alguém que quer
privatizar o sistema. Preservar a universidade gratuita virou uma
questão de honra nacional. Bobagem. É preciso, de uma vez por todas,
começar a enxergar as questões da educação no Brasil com mais
pragmatismo e menos ideologia." (Extraído de entrevista a revista Veja
de 28/10/2009, acima citada).
Com certeza o governo atual está cometendo equívocos, omissões, etc.
Mas está investindo na educação, a partir de um modelo que visa
expansão do ensino, da pesquisa e da extensão. Conheço melhor o âmbito
do ensino superior, por isso me concentrei nele ao apresentar as
idéias acima.
Se há uma coisa que não tenho é certeza, mas isso não quer dizer que
algumas coisas não sejam certas. Uma delas me parece ser o fato de que
é melhor investir em educação, no ensino superior e em pesquisa e
extensão, mesmo sob pena de eventuais excessos, equívocos ou
similares, do que considerar isto algo como algo fora da competência
do estado ou justificar cortes de gastos públicos com educação com
base na "incompetência" de professores e gestores responsáveis pelas
instituições federais e estatais. Os critérios da iniciativa privada
são diversos das competências do governo em matéria de educação.
Exemplos simples: os laboratórios, capital pesado em pesquisas em áreas
vinculadas a desenvolvimento de medicamentos, alimentos, etc. Há
afinidades de interesses envolvidas, logo, colaboração. Em muitos
outros âmbitos observa-se o mesmo. Contudo... dificilmente uma empresa
privada (qualquer que seja) financiará uma pesquisa em filosofia, em
ciências sociais ou mesmo em história (embora, timidamente, este
quadro esteja mudando). O movimento é de mão dupla, de nada adianta
dizer que as universidades demonizam a iniciativa privada, se esta
mantém uma imagem de que o conhecimento produzido na universidade é
bacharelesco, portanto inútil. Paulo Renato, provável ministro da
educação em um governo Serra, defende uma visão tão extremista e
simplificadora quanto a que critica nos marxistas mais extremados
(talvez se irrite com eles pela identificação de suas posições
extremas): iniciativa privada é bom, sinal de competência; ensino
público é ineficaz, arredio à instauração da meritocracia de cima para
baixo, logo ruim.
Talvez uma alternativa para este aparente dilema entre extremos seja
retomar a base de qualquer democracia: o diálogo. Sem posições
irredutíveis. Sem fés inabaláveis (ou inatacáveis). Evitando
fundamentalismos de qualquer ordem.
Agradeço a atenção do(a) eventual corajoso(a) que tenha se disposto a
ler estas idéias e espero que ajudem a pensar e argumentar.
Um abraço a todos(as).
Francis Almeida – Professor/UFSM
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4 comentários:
O texto eh muito bom, mas eu realmente detesto o termo "Darwinismo social" e me sinto na obrigacao de postar uma nota.
O conceito de "fitness" empregado por Darwin remete a genetica de populacoes e eh fundamentado na frequencia de um determinado gene numa populacao, o que por sua vez esta intimamente vinculado a capacidade REPRODUTIVA do individuo/grupo que possui o gene em questao.
O termo acabou sendo posteriormente usado por nazistas e fascistas para massacrar milhares de pessoas, posteriormente usando da credibilidade de Darwin no meio cientifico.
E a historia mantem sua inexoravel capacidade de se repetir, agora na versao tupiniquim...
Isso mesmo Thiago.
O "darwinismo social" tem sentido sociológico que transcende o da biologia, principalmente após a síntese da "evolução por seleção natural", a partir da década de 40. Acontece que, ainda no século XIX, o termo foi transferido para a filosofia social, por Herbert Spencer, e desde então vem sendo mal empregado. Este emprego livre está muito próximo de concepções liberais, que creio, presentes na fala do Paulo Renato.
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