Nunca antes na história eleitoral deste país uma derrotada saiu mais vitoriosa do que a Marina. Em países parlamentaristas a importância de terceiras forças é bastante conhecida, no Brasil este é um fato novo. E bastante complexo dado a miríade de clivagens sociais envolvidas no fenômeno. A onda marinada com seus quase vinte milhões de votos mais parecem uma paella descrita por Antonio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum ainda nos “Originais do Samba”. Mas em quantos grandes grupos podem ser divididos? Eis a questão central. Até o momento poucas análises estatísticas sérias e confiáveis foram realizadas.
Apenas à título de exercício podemos identificar ao menos quatro grupos não-excludentes, quais sejam: neoudenistas de classe média urbana, jovens desiludidos, ecodesenvolvimentistas e religiosos conservadores. Cada qual com diferentes tipos e intensidades de preferências e capacidade de organização. Não precisa leitura profunda de Olson para captar que os dois últimos grupos são aqueles que possuem maior capacidade de coordenar ações coletivas.
Os ecodesenvolvimentistas além da homogeneidade das preferências possuem tamanho diminuto, duas características que os privilegiam a coordenação. Os religiosos conservadores, não obstante a heterogeneidade dos credos, todos são unificados quando se deparam com temas relativos à legalização do aborto e da união de indivíduos do mesmo sexo. Ainda contam com a intensidade das preferências e uma estrutura organizacional incrível, posto que comandam dezenas de emissoras de TV e rádios que abrangem todo o território nacional e contam com uma cadeia de templos religiosos com extraordinária capacidade de comunicação. Em resumo, estes são os únicos dois grupos dos quatro em questão que podem ser mobilizados e coordenados por uma elite dirigente a ponto de formarem um movimento coeso e disciplinado.
Do ponto de vista eleitoral apenas os religiosos conservadores possuem número suficiente para entrar na mesa de negociações. E assim já o fazem desde a primeira rodada. Aos ecoambientalistas faltam número, aos neoudenistas e jovens desiludidos faltam capacidade de mobilização e coesão interna – ambos são fluidos e desorganizados.
Marina foi a líder capaz de organizar e dar um verniz de coesão aos quatro grupos. A cúpula do PV tem absoluta consciência desse fato. Sabe também que não tem vocação nem condições para enfrentar (e controlar) movimento religioso da marinada, que independe de partido. Não somente por afinidades ideológicas o PSDB tem a candidatura preferida pelos verdes. É ao PSDB que o PV pode oferecer algo, como a indignação neoudenista. Ainda assim, um grupo que goza de pouca disciplina e coesão interna. Por isso a grita geral da cúpula do PV com o fato da Marina se espantar com 4 ministérios oferecidos pelo PSDB!
Ao PT interessa reverter a cruzada religiosa contra sua candidata, nesta tarefa a cúpula partidária do PV não tem como auxiliar, e se não tem o que oferecer, também não tem como pedir. Contra a cruzada somente se negocia com a elite dirigente dos conservadores. Pelo que se pode observar nas últimas movimentações do PT, foi exatamente esta a estratégia adotada – basta ver o acordo com a Rede Vida que cedeu 8 minutos como direito de resposta à campanha da Dilma sem necessitar de judicializar a questão.
Nunca uma derrota foi tão vitoriosa quanto esta dos conservadores! Ingenuidade é a daqueles que não perceberam que os votos dos ecodesenvolvimentistas e jovens desiludidos foram absolutamente tragados pelo movimento religioso contra o aborto. Ou alguém acredita que das propostas da Marina a mais sublinhada nessas eleições não foi exatamente a que se refere a este tema?
Na onda marinada, surfaram os religiosos conservadores e os vegetarianos tomaram a vaca! Jovens desiludidos e ecodesenvolvimentistas se esqueceram da velha máxima que "mar não tem cabelo".
5 comentários:
Vitão, caro amigo,
saudades de vc.
Teu texto é uma pérola poética em pleno momento de campanha eleitoral na qual os tucanos tem usado palavras das quais qualquer poeta de botequim sentiria vergonha.
Concordo com os quatro grupos marinistas que vc identificou. só para não perder o trocadilho e o tom quase poético, os surfistas devem fazer parte dos jovens desiludidos. é claro que me refiro ao esteriótipo do surfista hehe.
Mas falando serio, queria acrescentar que o grupo dos jovens desiludidos e o dos neoudenistas sao muito parecidos e quase se fundam. estes sao voto tucano certo.
tb temos um quinto grupo, de desiludidos tb, nao só jovens, mas que eu chamaria de ingênuos, sem conotação, no sentido de que votaram nao pelo caminho religioso, mas por gostarem da carinha de boazinha de marina e de um gabeira, e que talvez sejam numerosos, nao tenho este dado.
Estes podem acabar votando no PT, pois me parece que a cúpula petista finalmente está encontrando o bom tom para desmentir com informações as mentiras deslavadas divulgadas contra Dilma. Assim talvez o voto bem intencionado deste quinto grupo possa migrar para o lado petista.
forte abraço amigão
Vitor,
muito bom seu texto, bem escrito, claro na minha humilde opiniao. Além da boa análise. Como diria um professor meu, um texto bem escrito é igual um gramado bom, a bola corre fácil, as idéias não tem muita dificuldade de correr, não ficam quicando num campo esburacado, difícil de dominar e passar. Obrigado pela leitura agradável.
Gostaria de ouvir sua avaliacao sobre a estratégia pessoal de Marina. Acho que ela está numa sinuca de bico em relacao ao seu futuro político, correndo o risco de virar uma caricatura rídicula e patética de si mesmo, ou seja, entrar num processo de gabeirizacao.
Meus caros amigos,
Obrigado pelos elogios, mesmo sabendo que quando vem de amigos devemos sempre duvidar e fazer os 99,9% de descontos.
Para apenas continuar a discussão levantada pelo Fabrício, e na minha opinião, relacionada com a provocação do Brand, sobre a sobreposição dos grupos de desiludidos e neoudenistas acredito que existe em todas as quatro categorias. Por isso afirmei são serem não-excludentes. Na ausência dos microdados é impossível fazer uma distinção clara, talvez nem seja mesmo possível faze-la.
Acredito também que um dos poucos pontos que liga estes dois grupos (jovens desiludidos e neoudenistas) seja exatamente a insatisfação com a polarização política entre PT e PSDB. O ponto paradoxal é que estes mesmo grupos revoltam-se contra o multipartidarismo brasileiro, com a velha conversa de que se deveria reformar o sistema eleitoral para evitar os pequenos partidos. Ora, nada mais próximo do bipartidarismo almejado do que série histórica de eleições presidenciais. Há uma incongruência lógica entre exaltar o bipartidarismo e ser contrário à polarização PT X PSDB simplesmente por ser bipolarizado.
O futuro da Marina é incerto, mas se formos julgar pelo que já aconteceu com Brizola, Ciro, Garotinho e Heloísa Helena, o espaço politico dos terceiros colocados é minguado após as eleições. Ainda mais uma terceira força tão heterogenea quanto a da Marina. Não foi um movimento de base, nem mesmo se aproximou de opiniões com coerencia interna entre os grupos. Mariana foi uma das poucas candidatas que começou uma campanha com um grupo e terminou sustentada por outro completamente distinta. Este último grupo foi o que se destacou no segundo turno: os religiosos. O movimento verde já entendeu isso e corre para tentar reconquistar a agenda ecodesenvolvimentista (observem a movimentação do Greenpeace e ONG's ambientalistas).
Mas tenho que ser sincero, não sei como avaliar essa questão para além de especulações como as que fizemos até aqui. Ainda estou muito confuso com o embaralhamento destas questões.
Grande abraço,
Vitor, sobre os religiosos: foram de fato decisivos na votacao de Marina? Ou é uma tendencia que se mostrou crescente no fim do primeiro turno e que pode se ampliar mesmo é no segundo turno?
Também gostei mt do texto.
abs
Obrigado Vitor,
me esclareceu em alguns pontos e me parece muito boa sua percepção sobre a ambiguidade acerca da bipolarização.
Tb achei boa a hipótese de Brand sobre a Gabeirização de Marina e muito lúcido que Vitor tenha lembrado o histórico recente dos terceiros colocados.
forte abraço meus caros
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