quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Boaventura, quilombolas e o Brasil

Prezad@s,

Venho divulgar entrevista da Revista virtual independente "NovaE", com 10 anos de existência, realizada com o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos.

Boaventura de Sousa Santos é certamente um dos sociólogos mais importantes atuantes em lingua portuguesa na atualidade. Seus estudos no campo da sociologia do direito, ainda insuficientemente divulgados entre nós, e trabalhos sobre epistemologia são lidos pelo mundo todo. A despeito da virulência dogmática de muitos de seus desafetos.

Eu mesmo sou bastante crítico ao trabalho do português. O que não implica que eu deva incentivar o banimento de suas idéias e tampouco o desaparecimento truculento, artificial e autoritário dos dissensos, como parte da academia brasileira insiste em fazer. Interessante como os perseguidos tornam-se perseguidores facilmente....

De toda maneira divulgo esta entrevista pensando objetivamente na questão quilombola. É preciso desconstruir os elementos reacionários da grande mídia sobre a questão fundiária e sobre as populações tradicionais brasileiras. E Boaventura é um reforço importante em mais esta batalha.

Boa leitura!

George

PS: Recomendo ao acompanhamento da revista NovaE. É fundamental o incentivo à produção de idéias para além dos viciados esquemões da grande mídia e seus seguidores práticos.

http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=1323 (acesso em 13 de agosto de 2009)


Para Boaventura, política ambiental do governo Lula é um desastre.


Foto: Wilson Dias/ABr

Bruno Moreno

Passados cinco séculos do início da colonização portuguesa no Brasil, o filho de um cozinheiro português quer ajudar a resolver um dos maiores problemas criados pelos próprios ibéricos: a escravatura e as perversas formas de dominação de raça e classes após a Lei Áurea, que ficou devendo muito aos negros – aceitou a liberdade física, mas negou a econômica e a social, dentre tantas outras. Quem está se propondo a ajudar na questão é o sociólogo e escritor Boaventura de Sousa Santos, que frequentemente vem ao país e até se intitula um “brasileiro adotado”.

Ferrenho defensor das ecologias de saberes populares, Boaventura esteve em Brasília, em julho, e encontrou com a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, que, juntamente com outros dez ministros, compõe o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Pois é justamente lá, no STF, que está em curso um dos processos mais importantes para os negros no Brasil.

Vale lembrar que outro ministro que compõe o elenco de magistrados é o presidente do tribunal, Gilmar Mendes. Mas Gilmar não deve estar muito feliz com a ida de Boaventura em seu plenário. Isso porque o professor português o definiu como "uma figura patética", destacando sua publicidade excessiva na imprensa. "Nos Estados Unidos, o presidente do Tribunal não aparece na mídia como o Gilmar. No máximo, ele vai dar uma palestra em uma universidade, de vez em quando", criticou.

E deverá ser Gilmar que presidirá uma sessão que poderá ter seu resultado influenciado por Boaventura. Desde que, em 2003, o
presidente Luís Inácio Lula da Silva assinou o decreto 4.887, em 20 de novembro, a vida dos quilombolas poderia ter ganhado outros vieses, com a agilização da demarcação de suas terras. Entretanto, o então PFL, atual Democratas, tradicionalmente ligado à bancada ruralista, não gostou da proposta, e resolveu entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, contra o projeto.

Aí entra o professor Boaventura. Ele se dispôs, um pouco incomodado, a ir ao STF dar uma aula sobre a história da colonização portuguesa no Brasil, seus efeitos e injustiças históricos, para sensibilizar os ministros para a causa. Entretanto, não entende bem porque isso é necessário. “Falei com ela (Cármem Lúcia) que posso vir, mas há muito material produzido no Brasil. É só ler, é só querer ler”, questionou o professor, em palestra realizada em Belo Horizonte, dia 4 de agosto, em Belo Horizonte, a convite do Sinpro Minas.

E não é à toa que Boaventura se arrisca nessa intentona. Para ele, que lutou contra o imperialismo português que persistiu até 1975 em colônias africanas e no Timor Leste, a maior herança do colonialismo é a pífia distribuição fundiária e o racismo. Olhe um pouco à sua volta e verá que o professor tem razão.

A data da audiência pública em que Boaventura irá participar no STF ainda não está marcada. Mas parte do recado já foi dado. Quem sabe, agora, os brasileiros não estudam um pouco mais o tema em vez de rejeitá-lo?

Em entrevista exclusiva à NovaE, Boaventura detalhou seus argumentos, e também falou do governo Lula, de suas políticas ambiental e social, do agronegócio e da crise econômica mundial do capitalismo. Além disso, afirmou que o Brasil está pronto para ter uma mulher na presidência. Entretanto, ele prefere o ministro da Justiça, Tarso Genro. Confira abaixo.

Qual é a participação do senhor na defesa da demarcação das terras dos quilombolas?

Como trabalho bastante com os advogados populares, que trabalham com os quilombolas, tive notícia de que eles iriam pedir à ministra Carmem Lúcia uma Audiência Pública em face daquela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), que foi impretada pelo antigo PFL, os Demos.

Essa ADI visa fundamentalmente considerar inconstitucional muitos dos processos de regulamentação dos territórios de remanescentes de quilombos – que ultimamente têm sido uma grande transformação, digamos assim, na vida do campo do Brasil devido ao reconhecimento e à organização dos afrodecendentes para reaverem as terras que foram desapropriados, onde viveram muitos anos. Essa é uma luta muito importante, uma vez que sou conhecido e os ministros conhecem as minhas posições.

Eu quis sensibilizar, basicamente, o Supremo Tribunal Federal, para a importância da questão quilombola, sobre a qual existe tanto desconhecimento no Brasil, o que é uma coisa que me surpreende. Uma vez que há muita informação disponível sobre esse movimento, e as razões históricas, fundamentalmente justiça histórica, que está por trás dele. Mas a verdade é que há muita ignorância a respeito disso. A ignorância, no meu entender, pode ser altamente prejudicial ao movimento, e à reivindicação dos quilombolas. Porque pode mudar os critérios dos códigos livrais, que atravessam toda uma parte de direito civil que tem uma concessão privatística da propriedade, e são muito renitentes a reconhecer os direitos históricos sobre a terra. Nesse caso dos remanescentes e também no caso dos indígenas.

Como o senhor vê a questão de um português vir ao Brasil para ter que falar sobre esse tema, já que (a escravidão no Brasil) foi uma criação de Portugal?

É uma pergunta interessante. Obviamente, não me sinto responsável pelo colonialismo. Por contrário, ainda tive a oportunidade de lutar contra o colonialismo, porque ele durou até tão tarde. Desde os anos 1960 lutei contra ainda as colônias que existiam no império e que só se libertaram em 1975. Mas é verdade que a minha ligação a eles e com outras causas que tenho abraçado no Brasil não tem muito a ver com essa responsabilidade, porque não a reconheço.

É fundamentalmente porque eu tenho trabalhado no Brasil. Há muita gente que pensa, nos círculos internacionais, que sou brasileiro. Sou um brasileiro adotado. Fiz aqui meu trabalho de campo, meu doutoramento foi feito numa favela do Rio de Janeiro. E participo da vida social, acadêmica e também política, com os movimentos sociais. Num processo que se intensificou muito depois do Fórum Social Mundial. Para mim, é na decorrência disso que eu me dispus a tomar essa ação e vou fazer mais. Também fui o primeiro signatário de um abaixo assinado em defesa da Reserva Raposa Serra do Sol. Também trabalho bastante com o movimento indígena no Brasil, no Equador e na Bolívia, porque também é um caso de justiça histórica que deve ser resolvido.

Mudando o foco da conversa, o senhor acha que o capitalismo, se conseguir passar bem por esta crise, sairá mais forte ou mais fraco?

É muito difícil responder a essa questão. As crises do capitalismo são sempre multifacetadas porque têm diferentes temporalidades. Esta crise financeira, por exemplo, é de uma temporalidade curta. Ela explodiu em agosto de 2008. Obviamente que essa crise não é de agora. Ela já vem de meados da década de 1980 e depois de 1990. Rússia, Brasil, Indonésia e Tailândia foram vítimas disso. A especificidade desta é que ela aconteceu no coração do sistema. E esta é uma crise de curta duração, que é sinal de outras, provavelmente mais profundas, mas que pode ser resolvida a curto prazo, sem em grandes transformações sistêmicas. Mas há outras crises que são muito mais de longa duração. Essa tem a ver com os limites ambientais e esse tipo de desenvolvimento. Eu penso que essa é a grande crise do capitalismo. Ela vai surgir duma ou doutra forma. É aquela que vejo que vai haver mais dificuldades para sua resolução. Não só porque ela toca nos fundamentos do capitalismo, enquanto nesta crise financeira não estamos a por em causa um certo tipo de capitalismo, o neoliberal, que se propôs desvencilhar do Estado, e que em momentos de crise volta ao útero do Estado.

Temos outra crise mais profunda, que atinge a todos nós, na medida em que ela, como no aquecimento global, como em todas as crises que decorrem dos limites ambientais desse tipo de desenvolvimento, vem de nossos próprios hábitos do cotidiano. São os nossos carros, o nosso conforto, daqueles privilegiados no mundo que têm acesso a esses bens.

Eu penso que o capitalismo vai entrar numa crise civilizacional. E essa vai se manifestar de diversas formas, algumas das quais estamos a ver. É muito difícil de ver qual o tipo de crie. Já muitas vezes foram anunciadas as crises finais de capitalismo, que afinal não foram. A questão ambiental tem tantos prolongamentos. Ao nível da questão social, das pandemias, da fome, da seca, das mudanças climáticas. Eu prevejo que aqui haja uma maior turbulência porque a articulação sistêmica que pode impedir que isso ocorra é muito mais complicada.

Com a crise, o governo Lula isentou os carros do IPI, e também produtos da construção civil, como o chuveiro elétrico. Se houvesse uma mudança de viés de desenvolvimento, haveria um estímulo à produção de aquecedores solares para as residências, por exemplo. Como o senhor vê a questão ambiental no governo Lula? Ele está perdendo a chance de mostrar ao mundo que o Brasil poderia ser uma potência ambiental?

A política ambiental deste governo é um desastre. Isso nota-se pela sucessão dos ministros do Ambiente. Este que está agora (Carlos Minc), também já em dificuldades, e sendo uma pessoa muito mais tolerante para o tipo de desenvolvimento atento na idéia do agronegócio, com todas as suas consequências ambientais. Ele próprio sente dificuldades. Obviamente que a ministra Marina Silva teve muito mais dificuldades. Portanto, eu penso que tem sido realmente um desastre. E isso se intensificou ao longo dos anos.

O governo Lula ficou preso a um desenvolvimentismo que já não é o do século XXI. Por exemplo, poderia ter apostado nas energias renováveis. Ao invés disso, aposta no agrofuel, que não é biofuel. Não tem nada a ver com biologia, com a preservação do meio ambiente, ao contrário. É uma outra cultura de plantação. E entrou dentro da cultura genética dos líderes que neste momento governam o país. Num país com essa dimensão, com esta riqueza e com essa diversidade biológica, que tem uma responsabilidade mundial, eu penso que isso é um desastre.

O que está a passar na Amazônia é de proporções inadmissíveis. Nós estamos a assistir, ao contrário do que se diz, uma destruição da Amazônia, com crimes ambientais a ponto de criar a destruição do encontro das águas. Há realmente uma cultura desenvolvimentista, que no meu entender está a minar toda aquela potencialidade de esperança que o Brasil veio trazer ao mundo, no momento em que resolveu ter uma liderança regional, e eventualmente global, ao lado de Rússia, China e Índia (BRIC). É bem que o sistema se torne policêntrico, é mal se esses países, ao entrar, venham a reproduzir o pior do sistema

Apesar da questão ambiental, Lula está fazendo um bom governo?

É um bom governo porque tem um alto nível de aceitação. Beneficiou-se obviamente do carisma de Lula, que desfez todas aquelas idéias estereotipadas que havia no tempo do Fernando Henrique Cardoso, de que a esquerda é burra, que um metalúrgico não pode governar o país. Ele pôde governar o país, atrás de uma conjunção de razões externas e internas que foram muito favoráveis. Foi muito favorável o desenvolvimento da China.

Ao nível interno houve algumas políticas que tiveram um efeito redistributivo. Não só sistemas de ação afirmativa, obviamente foram criadas formas de acesso à universidade pública, mas principalmente o Bolsa-Família. Foi ele que alimentou o mercado interno que veio acabar por ser uma almofada de proteção contra a crise financeira. Este governo tem coisas muito positivas do ponto de vista social. Soube distribuir uma migalha a populações que estavam muito desprovidas. Mas permitiu que o capital financeiro, sobretudo o capital agrário, tivesse as possibilidade de lucro como nunca tinha tido no passado.

O Brasil está pronto para ter uma mulher na presidência?

Eu penso que a Dilma está obviamente. Não sei se a Dilma é realmente a candidata ideal da esquerda. Se estivesse no Brasil eu teria outros candidatos. Mas é a candidata que vamos ter, aparentemente. É uma incógnita para todos saber em que medida o peso e a aceitação que o presidente Lula tem hoje se pode transferir para o apoio à candidata Dilma. É problemático, é uma grande jogada de grande risco da parte do presidente Lula. Mas acho que seria muito bom para o Brasil ter uma mulher como presidente.

Quem seria o melhor candidato para o senhor?

Obviamente, Tarso Genro.

11 comentários:

Brand Arenari disse...

Com todo respeito George, as vezes acho que esse cara tem mais vocação para padre ou político do que para um sociólogo. É muito fácil ganhar a vida em cima de valores “bonitinhos” quando vc não tem nada a perder (quando o “seu” não está na reta). Mas posso estar enganado, conheço muito pouco dele, isso são apenas impressões.
Abraço

Brand Arenari disse...

E quanto a questão ambiental, eu acho que devemos pensar em cobrar um imposto mundial as nações ricas para que nós não destruamos a nossa floresta. Se eles não quiserem pagar. . . nós vamos ser desenvolvimentistas, assim como eles, que ficaram ricos e dominaram o mundo destruindo a floresta deles ( e as nossas também). Pq nós temos que arcar com todo o ônus do processo?

George Gomes Coutinho disse...

Caro Brand,

Eu achei suas observações muito pertinentes. Embora me parece um pouco um convite a um inferno ambiental na medida em que o planeta está chegando a um limite muito objetivo de capacidade.

Nada de neomalthusianismo e precisamos sim de desenvolvimento... A questão é promover um acréscimo de reflexividade neste processo em prol da própria humanidade.

Um desenvolvimento cego é tão incômodo quanto um ambientalismo dogmático. Ambos geram um cenário de soma menor do que zero.

Quanto ao Boaventura eu o acho provocativo no debate epistemológico e, não poucas vezes, afora o caso das comunidades tradicionais negras, eu costumo discordar do autor. E a entrevista tinha o objetivo de apontar para o debate ao invés de trazer um pacote fechado.

Abçs

Roberto Torres disse...

Sou um leigo nesta questao dos quilombolas, mas desconfio que os especialistas partilhem do "pobrismo comunitarista". O que eles chamam de comunidades, quando dao os pareceres? Sera que nestas comunidades tem espaco pra quem possui ambicoes economicas e que, por isso, pode querer deixar a comunidade, ou isso e reproduzir o lado mal do sistema, como disse o Boaventura? Eu so quero ver se a Marina for presidene, com o Cristovan vice e boaventura como consultor, se eles vao achar as comunidades que eles tem na cabeca. Esse povo precisa aprender que, sem resignificar o valor do individualismo e do mercado como espaco da liberdade e da producao de estilos de vida em sociedades complexas, e bom que a esquerda fique mesmo fora do poder.

Roberto Torres disse...

Aqui vai a opiniao de Candido Mendes sobre a politica ambiental de Marina: “Sua passagem no Ministério do Meio Ambiente não capturou as prioridades de uma nova forma de desenvolvimento: a visão de uma Amazônia produtiva, a eficácia no licenciamento de obras relevantes, a atenção necessária do país para a geração de emprego, ampliação da renda e correção das injustiças sociais. Foi ultrapassada inclusive pelo realismo responsável da política de Carlos Minc (sucessor de Marina no ministério)”.

George Gomes Coutinho disse...

Roberto,

A questão quilombola envolve um debate fundiário importante em uma realidade que ainda não experimentou de forma massiva a reforma agrária. E não sei se algum dia teremos essa experiência...

Inclusive eu ´participei de um edital do Ministério do Desenvolvimento Agrário voltado para Assistência Técnica e Extensao Rural para comunidades negras tradicionais... O que torna insustentável o argumento de apologia do "pobrismo" para estas mesmas comunidades. Pelo contrário, acredito que são políticas de reconhecimento mesmo pensando em integrá-los em circuitos produtivos. Acredito que nem o mais torpe antropólogo de shopping center analise comunidades humanas da mesmíssima maneira que ecólogos olhem espécies raras da botânica: devem ser preservadas como são para estudos eternos. O debate sobre quilombola avalia e enfrenta a exclusão de coletividades inteiras.

Por fim as construções sociais e simbólicas das sociedades centrais são absolutamente contingentes. Nos servem para pensar e não muito mais do que isso. Não funcionam como um elemento modelar em um neoevolucionismo simples... Não há um destino. Inclusive desconfio que o individualismo a que você se refere gerou um sem número de patologias modernas. Talvez da mesma forma com que tenha gerado virtudes e um patrimônio sempre ameaçado pelo niilismo mercadocêntrico.

Abçs

Roberto Torres disse...

George, onde eu falei em destino? O que e neoevolucionismo simles? Mas um rotulo de efeito ou isso tem algum sentido?
Eu disse que nenhum projeto progressista de sociedade, caso deseje ter algum lastro na realidade, pode abrir mao do individualismo enquanto valor, e do mercado como "utopia", no sentido de uma esfera onde o merito individual tenha espaco. A contingencia das construcoes sociais dos paises centrais decorre de que sua emergencia historia foi possivel, mesmo nao tendo sido uma necessidade historica. No caso dos paises perifericos, isso quer dizer que fomos tomados pelo mundo criado no centro sem que isso fosse uma necessidade historica. O individualismo moderno nao e uma construcao para se pensar, que podemos usar ou nao; e um fato da vida social e escolher pensar sem ele e inocuo

George Gomes Coutinho disse...

Roberto,

Calma lá.

Apostar que a conjunção de um tipo de qualificação da ação (o individualismo moderno) + um mercado "livre", fórmula de um suposto sucesso de determinadas arquiteturas civilizatórias como o único caminho, a verdade e a vida, se não é algo de neoevolucionista unilinear e simples, com o estabelecimento sim de relações necessárias.. Oras, não saberia então o que você está dizendo.

Não disse em nenhum momento que não se deve estudar esse tipo de ação específica. Todavia entenda que o paradoxo de Mandeville é furado, ou seja, nem sempre vícios privados produzem virtudes públicas. Vide o caos inflacionário da década de 1980 que tomou lugar inclusive nos países centrais.

O que concordamos é que neste momento um dos pontos de diferenciação entre centro e periferia perpassa estes dois elementos (mercado - apenas um dos aspectos constituintes da realidade social + individualismo). A questão é que não creio ser uma fórmula única.. Foi nesse contexto que disse "neoevolucionismo simples". Nesse ponto que deve entrar o mínimo de imaginação política com o máximo de análise empírica. Certamente o que estamos a ver na China ou na India não perpasse o binômio free trade e individualismo tão simplesmente assim de ser decalcado.

Roberto Torres disse...

George, antes de mais nada, reconheco minha precipitacao com a questao quilombola. Preciso saber mais do assunto para dizer o que eu disse.

Quando a questao do mercado e do individualismo, nao tem nada de fórmula única, como voce advertiu. A coisa dos vícios privados, virtudes publicas tb nao tem nada a ver com o que eu falei, foi voce quem disse. O que eu disse foi em ressignificar, inclusive em termos institucionais, a relacao entre individualismo e mercado, de modo que a via neoliberal nao seja a única versao possível de se imaginar contextos institucionais para a nocao de autonomia individual em decisoes economicas. O componente inovador possível tem a ver com os termos da coopercao, do controle do excedente.

É fora de questao que, na história recente, pudemos ver diferentes experiencias tentando produzir a relacao entre individualismo, mercado, evidenciando o mercado como estrutura social, cujos elementos (competicao, cooperacao, consenso valorativo) podem ser comninados de modos diversos. O que eu nao acredito é que seja possível para qualquer projeto civilizatório abandonar a tarefa de construir uma experiencia particular da relacao entre individualismo e mercado, e ai sou assumidamente evolucuinista. Uma vez que atinginmos certos patamares de complexidade da vida social nao há como retroceder com formulas que nao possam lidar com esse patamar de comlexidade. E voce, tambem nega este tipo de evolucionismo? que é nao etapista, mas que pressupoe ser altamente improvável girar para traz a espiral de história. Voce acredita em algum projeto de sociedade que possa abrir mao da nocao de autonomia individual?

George Gomes Coutinho disse...

Caro Roberto,

Não, eu não acredito em projetos de sociedade que não tenham por objeto privilegiado o indivíduo e sua constituição plena.

Eis o sentido de "cada um segundo a sua capacidade e cada qual segundo a sua necessidade".

Da mesma forma que, dentro de sua linha de raciocínio, eu consigo compreender perfeitamente como é possível a construção de um moral pós-convencional. Tampouco no modelo habermasiano de esfera pública é sequer possível imaginá-la sem esferas privadas intactas.

Não se trata disso.... A minha questão é, retomando a idéia de contigência e de faticidade, não imaginar a possibilidade desta construção em todas as realidades, em todos os projetos civilizacionais. Aí não sei mesmo se teremos isso nessa parte da periferia...

Na verdade só explicar porque não temos esferas privadas intactas ou mesmo uma gramática que não perpasse invariavelmente pelo mérito já é revolucionário. Temos que tornar evidente isso, concentrar nossos esforços na explicação das assimetrias na periferia e sua trágica persistência.

O problema é o que virá depois disso. Sinceramente eu desejo uma realidade menos assimétrica. A questão é que faticamente não consigo ser de todo otimista, em um sentido evolucionista.... E tampouco desejo retornar a uma realidade pretérica, idílica e inexistente (risos). Fica aí o futuro sob o signo da incerteza.

Por fim citei o paradoxo de Mandeville como uma via de pensar a contra-face do individualismo. Ele não é um pacote de elementos estritamente positivos e é raiz, ao mesmo tempo, de movimentos tão díspares quanto o anarquismo e o neoliberalismo. É uma mesma fonte moral para apostas diferentes de civilização. Foi mais a problematização e uma provocação na sua aposta.

Abçs

George Gomes Coutinho disse...

Ah cara, claro, acho igualmente importante o trabalho de ressignificação do individualismo e do mercado q vc aposta.