quarta-feira, 21 de julho de 2010


Carta em favor das mulheres


Foto: José Leomar,

disponível em: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=816663


Caros e Caras,


Esta carta tem caráter aberto, público e democrático. Uma carta simples, porém grande em intenções, e a escrevo, não somente como socióloga, mas como uma mulher, na condição de mulher e mulheres, ser humano subjugado e submetido, em muitos casos a situações de barbárie e atrocidade. Escrevo e escrevo com a mais profunda dor que possa arrebatar um ser humano por tantas Leocádias, Margaridas, Mércias, Eloás, Elisas, Ritas, Marias, Patrícias, Sandras, Isabeis e inúmeras outras que a nossa falha e diria tendenciosa imprensa não divulga. Assombroso, meus caros e minhas queridas. Os dados são assustadores, só no Ceará, segundo o jornal “Cidade: diário do Nordeste”[1], 76 mulheres foram mortas por seus companheiros no primeiro semestre de 2010. No Brasil, 10 mulheres são assassinadas por dia e a suspeita sempre recai sobre namorados, maridos, ex-maridos e companheiros[2]. Casos que desafiam não apenas a polícia, mas a própria imaginação de nós expectadoras/es, casos que nos remetem às práticas de punição do século XVI e XVIII, descritas por Foucault[3], como o caso de Damiens, que era homem. Imaginemos, agora, se fosse uma mulher: os membros decepados, um a um, a dor, a angustia e finalmente o sofrimento que leva ao desejo da morte. Elisa foi Damiens em pleno século XXI.


Ainda no século XX, em 1932, a mulher brasileira conquistava efetivamente o direito ao voto, a participação política de fato, que viria seguido dos direitos trabalhista. Em 2010, 78 anos depois, mais do que a luta para a manutenção de direitos (empregos, salários, participação política, educação, saúde, etc.) em igualdade aos homens, nos vemos a lutar pelo direito inalienável, a própria vida e a justiça que garanta a integridade física de todas nós. Por isso pergunto:


Até quando nos submeteremos a uma cultura machista que promove a desigualdade entre homens e mulheres? Quantas mais morrerão para que o sistema de justiça cumpra seu papel e garanta a vida, cumpra leis que nos assegurem a dignidade? Quantas Eloás... pereceram? Até quando teremos o corpo mutilado por aquilo que se diz “cultura”, e os antropólogos que me perdoem, cultura que oprime e normatiza a sociedade, que regula nosso próprio prazer, nosso corpo. Não devemos esquecer que três milhões de meninas, sofrem mutilação genital anualmente em 28 países da África, além de muitas outras em comunidades imigrantes na Europa, na América do Norte e na Austrália, de acordo com dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF[4]. Essa mutilação é sem qualquer tipo de anestésico.


Até quando - ainda meninas, meio milhão de meninas para ser exata - seremos prostituídas por nossos guardiões, pais, mães e outros, movimentando cerca de 120 milhões de dólares[5] ao ano (dólares que não nos pertencem), nesse Brasil que teimamos em chamar de casa? Até quando não seremos donas de nosso corpo, sendo obrigadas a procurar clínicas clandestinas de aborto, que sem a devida higiene mata 250 mulheres ao ano no país, em geral negras?[6] Uma realidade triste que se esconde sob a máscara de um país “democrático” e “laico”, que se submete à hipocrisia da religião.


Assim minhas caras amigas e prezados amigos, vivemos em um mundo que criminaliza e mata mulheres, que não são apenas números, são nomes, são vidas, são humanas repletas de afeto, sensibilidade e desejos!


Eu digo basta! Precisamos ser justiçadas!


Lívia Maria Terra - brasileira, cidadã, mulher e ser humano.


[1] http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=816663

[2] http://www.dgabc.com.br/News/5821727/no-brasil-dez-mulheres-sao-assassinadas-por-dia.aspx

[3] FOUCALUT, M. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.

[4] http://noticias.terra.com.br/mundo/interna/0,,OI862549-EI294,00.html

[5] http://www.adital.com.br/site/noticia2.asp?lang=PT&cod=2809

[6]http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/aborto+mata+250+mulheres+por+ano+no+brasil/n1237620888275.html


O verdadeiro revolucionário é aquele que tem amor à humanidade, à justiça e à verdade (E. Guevara).

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