sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A grande mídia e sua fantástica fábrica de escândalos

A grande mídia e sua fantástica fábrica de escândalos*

George Gomes Coutinho

Talvez a notícia do maior crescimento econômico brasileiro desde 1996 (aqui) , em um ambiente de profunda crise do capitalismo, nos forneça pistas sobre mais um escândalo fabricado. Afinal, o Brasil figura como um dos poucos países que irão sair desta crise estrutural com uma economia aquecida. Cabe acompanhar o derretimento da União Européia por exemplo.

Prosseguindo. Lhes pergunto se em um ano esta notícia sobre a filha de Serra retornará aos holofotes. Ainda, se a mídia dará o devido crédito para as investigações da Polícia Federal, lócus adequado para a investigação séria de crimes desta natureza. Afinal, em algum momento a grande mídia decidiu por eleger seus réus e apresentar respostas “conclusivas” em questão de minutos neste caso e em tantos outros. Deve ser alguma habilidade sobrenatural de jornalistas que faz com que investigações minuciosas de meses tenham soluções do tipo “fast food” em minutos... Me parece que estamos em mais um alarde do tipo “gripe suína”, gripe esta que matou tanto quanto a gripe comum mas que nos foi apresentada com um potencial mais destrutivo do que uma bomba de alguns zilhões de megatons.

Desculpem-me pela ironia. O problema é que não vejo mais como lidar sem desprezo com a grande mídia brasileira e seu séqüito de “fast thinkers”, aqueles intelectualóides darlings da mídia que repetem aquilo que os patrões dos jornalistas desejam que seja confirmado sob a égide de algum capital acadêmico. Não irei listar os nomes, que envolve historiadores, sociólogos e filósofos de quinta linha da universidade brasileira ávidos por minutos de estrelato em virtude de não terem em seu campo seja poder secular ou poder simbólico (prestígio) gerado por grandes contribuições. Aos fast thinkers adestrados, aqueles que constam no caderninho de telefones dos jornalistas queridos dos jornalões, devemos dedicar um outro momento de atenção. Voltemos ao “escândalo”.

Estou a me perguntar perplexo como tantos outros:

a) Qual o interesse de um grupo político que trafega num cenário de céu de brigadeiro, tendo todas as análises sérias indicado a vitória deste grupo há mais de um ano atrás, em expor elementos da vida particular da filha do cabeça de chapa da oposição? Se justamente a maioria dos analistas das "ciências da política" trabalhavam com uma verdadeira "lavada" eleitoral do PT? Estas informações apresentadas implicariam em algum tipo de vantagem comparativa para o PT no convencimento de seu eleitorado? Qual seria esta "vantagem"? Creio que a própria oposição deva esta explicação para o Partido dos Trabalhadores. Gostaria que as respostas fossem dirigidas para o cidadão comum como eu que sequer tem filiação partidária formal na medida que o “escândalo” tem sido tratado como fato político de grande monta para a democracia brasileira.

b) Se o vazamento das informações, que sem dúvida deve ser investigado com rigor e apuro, ocorreu no ano de 2009, porque justamente neste momento veio a tona? Quais os interesses estão postos a não ser o de fabricar um escândalo em um cenário de altíssima popularidade do executivo atual e de uma eleição com tom plebiscitário?

Ao ler o tom nitidamente golpista do grupo ao redor da família Marinho e dos Frias, e de seus "war dogs" como o infame Josias de Souza, percebo um certo frisson....

O próprio "jornalista" Josias de Souza em seu blog, altamente seletivo na hora de permitir comentários (sou um dos banidos por ele naquele espaço que se arroga democrático), declara que "Serra recupera uma postura oposicionista". Esbravejar, babar verde e disseminar calúnias sem investigação é um discurso "oposicionista" que esta direita considera defensável ou mesmo desejável? Pessoalizar debates é a meta desta "política de oposição" defendida pela mídia?

Evidente que recebi e-mails perguntando sobre o "marido" da Dilma... Mas, a estes não respondi.. na medida em que ainda não compreendi qual a conexão existente entre o que um candidato faça com a sua vida particular tenha a ver com sua eficiência na gestão da máquina pública... Justamente não respondi por considerar o elemento apresentado desprovido de inteligência e nada mais. Ainda, se os elementos exigidos da biografia da candidata seriam encontráveis dentre aqueles que estão a disseminar as tais perguntas que teriam importância decisiva no perfil do chefe do executivo. Seriam dotados de tal postura cívica de tamanha grandeza?

Prosseguindo, com este "escandâlo", onde ainda não entendi quais fins práticos seriam almejados para que a chapa com grandes chances de liquidar a fatura no primeiro turno buscasse tal recurso, vemos a despolitização dos rumos do país nos últimos anos da Nova República. Este sim seria o debate razoável e inteligente para um momento de eleição plebiscitária. Foram levantadas as simpatias ideológicas ou políticas do PT (talvez mais de suas divisões internas do que do partido como um todo) em inúmeros momentos. Mas, não creio que tenham sido discutidas com a justa atenção a gestão do conclave ao redor do executivo nacional, este sim um ponto fundamental na concepção de Estado que está em jogo.

No pais do futebol o debate político trafega como um debate sobre preferências do tipo "fla X flu"... Perdemos mais uma oportunidade histórica fundamental para discutirmos projetos e a sanha irracionalista ora raivosa, ora moralista parece se contentar com sua indisfarçável mediocridade ao ver sangue na arena.

Lamentável. Lamento ainda mais pela senhora Marina Silva que mancha seu currículo ao despolitizar seu discurso ao participar deste verdadeiro movimento de manada inflado pelos veículos de comunicação de massa. Perdeu uma ótima oportunidade de apresentar a questão de uma agenda "verde" para o eleitor comum.

Mais um momento "gripe suína" da grande mídia. O que hoje está nos grandes jornais em letras garrafais será minimizado muitíssimo no curto prazo. Justamente porque sinto um certo odor de enxofre desprezível, anti-republicano e golpista em mais este escândalo. Daquela gente de sempre que não sabe ainda a conviver com a democracia e está nos umbrais anti-diluvianos da política mesmo hoje. A concepção de que o “povo não sabe o que faz” é aquela mesma que não permitiu vergonhosamente a realidade do sufrágio universal até a Constituição de 1988.
Cabe notar que todos temos interesse em saber sobre o vazamento de dados de quem quer que seja enquanto uma questão fundamental de defesa e manutenção de nossa liberdade civil sempre em frangalhos. Digo nós, a esquerda ou a direita esclarecida. Mas, reitero, porque um vazamento de 2009 só chega a tona neste momento nos veículos de comunicação de massa e no discurso do candidato pré-derrotado para a presidência?

Jamais irão confessar o inconfessável.

Em outro momento discutirei com um pouco mais de parcimônia também a conexão entre grande mídia e a idéia de verdade. Porém, cabe lembrar rapidamente o insuspeito Niklas Luhmann que utiliza “o caso Bernardo Ricupero” como uma forma de demonstrar de forma cabal a desconexão entre “verdade” e mídia. O sociólogo alemão recupera este caso para lembrar que quando finalmente alguém emite uma sentença tida por “verdadeira” a própria mídia, segundo seus interesses, oculta aquele fato, distorce ou ignora em acordo com seu interesse maior: a sua própria auto-reprodução. Arrisco a dizer, portanto, que o discurso da “busca pela verdade” apresentada pela grande mídia enquanto via de legitimação de suas prátixa, e também pela pequena mídia seqüestrada por interesses tantos, é um discurso ficcional, hipócrita e desonesto.
Por fim, lembro-me de mais um alemão. O filósofo e sociólogo Jürgen Habermas há muito clama por uma regulação republicana da produção de informação, com regras próprias de ética e de produção de conteúdo. Afinal, lembra Habermas, a produção de informação nas sociedades de massa é algo de profundo interesse público. Questão esta séria demais para ficarmos reféns dos proprietários dos veículos de mídia e de seus empregados.


* Dedico este texto ao nobre visitante que assina por Décio Vieira da Rocha – grato pelo incentivo ao debate!





12 comentários:

Mr Gayrrisson disse...

Oi Georginho, tudo bem ?

Por que vocês do PFH não colocam um link fofo no blog de vocês para o meu... ? Blog, é claro ...rs

Cadê a luta por reconhecimento, ficou nas as constelações pós-nacionais?

Bjxs !

George Gomes Coutinho disse...

Prezado Sr. Alegrerrisson,

Muito nos honra com sua visita.

Discutiremos vossa justa reivindicação.

Cabe notar que as lutas por reconhecimento teriam lugar nas constelações pós-nacionais... na ótica do próprio Habermas :)

Att.

douglas da mata disse...

hummm, que "santas eruditas", rsrsr!

quero um "cachorrinho dessa ninhada", hein?

George Gomes Coutinho disse...

q isso inspetor Clouseau...

Come on join us!

morganaprofana disse...

ui, ui, ui,

um menage-a-trois, teórico!!!

ulá-lá

Anônimo disse...

A grande mídia deveria denunciar estes fatos!!
Vcs sabem como estão sendo feitas as pesquisas do IBOPE????
Darei um exemplo simples....
Em cada 20 cidades pesquisadas 18 eram reduto do PT, isso mesmo, mas se quiserem ver com os própios olhos vão ao google e digitem "AGORA TÁ EXPLICADO A SUBIDA DA DILMA NAS PESQUISAS".

George Gomes Coutinho disse...

Caro Anônimo.

Recomendo ler sobre como as pesquisas funcionam... antes de sair torpedeando leviandades.

Inclusive cabe lhe perguntar se o Vox Populi e o Datafolha estão fazendo pesquisas nas cidades que vc cita... se é que é capaz de citá-las.

Sinto muito... factóide aqui não.

Décio Vieira da Rocha disse...

Olá, Bom dia

Estava viajando e só tive tempo de chegar ao debate hj.

A questão da grande mídia é fato,porém eu desconheço uma mídia que poderia ter algum tipo de pudor ético já que ela serve as grandes demandas capitalistas e que portanto nem privatizadas nem estatizadas fariam um trabalho tão honesto.
Mas porque somente em 2010 aparece uma tragédia de 2009?devemos lembrar-nos que o Serra estava na frente até pouco tempo, a Dilma passou foi agora nos 45 do segundo tempo.O Serra quer ganhar no tapetão?É lógico que sim,o PT não o faria?Em um país como o Brasil que está cada vez mais querido e revisto pelos olhos estrangeiros, ganhar a presidência é um caso aos olhos dos reis partidários(PT,PMDB,PSDB,DEM)um caso de glória.
Então o problema da mídia é realmente sim um caso sério,é reflexiva demais na política?Sim, mas foi assim tbm no caso dos Nardoni, no caso Bruno e em tantos outros.
O mais interessante desse debates foram outros tantos pontos destacados pelo George como a falsidade da academia brasileira.

douglas da mata disse...

Eu creio, metendo minha colher suja de estupidez em tão erudito debate, que não cabe procurar uma "midía isenta e asséptica".

Isso parece consenso que não existe.

Então, como estabelecer uma legitimidade, ou uma instância "confiável" de comunicação, sem que os interesses de cada estrato prevaleçam sobre o "chamado interesse público".

Ora, antes é preciso determinar o que "é esse interesse público", e a que público ele servirá.

Isso determinado, e só a esfera política define isso, cabe a sociedade ampliar os canais e as possibilidade de informação produzida nos mais diversos grupos de interessse, ampliando o mosaico de opiniões disponíveis, ao contrário do processo de concentração oligipolizante que experimentamos em nossa curta jornada democrática.

Por derradeiro, é necessária a compreensão que esses patamares de definição do público e do seu interesse são sempre suscetíveis de alteração, conforme mudam as estruturas e conjunturas nas quais estão inseridos.

Um abraço a todos.

Anônimo disse...

Relmente essa noção do Douglas da Mata de uma dada estratificação dos meios de comunicação que atenda as várias camadas de interesse e de comunicação seria o essencial, embora houvesse uma explosão de informação onde o saber já nem sei mais se seria poder(e não que isso seja ruim) e todos teriam acesso aos seus interesses de forma tranquila.

Mas o interesse da indústria cultural não é e nem nunca foi esse.A comunicação moderna foi criada para atender a um estado moderno.Quando Napoleão dizia:"Uma mentira contada mil vezes torna-se verdade"!ele sabia muito bem o que estava falando, só que talvez não soubesse queestivesse criando um novo patamar de interesse social que por algum tempo conseguiu se estabelecer até mesmo como ciência.Que conhecimento a comunicação social produz?Eu creio na minha santa ignorânca que nenhum.

Só para concluir o pensamento, a mídia atual é tão forte sobre nós que até mesmos nós que nos dizemos esclarecidos nesse debate, só discutimos sobre os dois candidatos que a globo mostra.Por que ninguém fala sobre a s ideias do Plínio que são bem interessantes?Por que a mídia já tirou ele da competição a muito tempo.

Décio Vieira da Rocha disse...

Eu que comentei acima , mas saiu como oculto sem querer.

douglas da mata disse...

Décio, essa possibilidade é dada pela grande rede, embora esteja fadada ou não, de acordo com o desenrolar da luta por seu controle, a tornar-se voz e meio de quem detém a hegemonia.

Foi assim na França napoleônica com os camelôs e seus panfletos tipo cordel, mas que depois, dada a sua própria essência "perigosa" foi substituída pela sistematização empresrial dos meios de mídia, que afinal, atendiam bem melhor os interesses de quem estava e estaria do poder dali por diante.

A rede e a blogosfera são a possibilidade dialética de outra realização liberal(lato sensu)da produção, transmissão e apreensão se conteúdo, nascida nas entranhas do "monstro".

Mas a síntese disso só a luta política, como disse, definirá.

Um abraço.