quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

LULA – O MAIOR ESTADISTA BRASILEIRO


Fabricio Maciel e

Roberto Torres


Nenhum bom livro de história do Brasil celebrou algum estadista brasileiro, até agora, mais do que Getúlio. Talvez Juscelino tenha chegado perto, com seu super plano de desenvolvimento. Mas a questão central que marcou a era Vargas foi maior do que a questão do desenvolvimento. Ele precisou enfrentar a primeira questão social do Brasil moderno, ou seja, iniciar a institucionalização da condição da classe trabalhadora enquanto digna de respeito mínimo, através de direitos básicos. Esta grande ação estatal certamente incomodou as elites agrárias brasileiras da época, para as quais, boa parte de seus explorados davam com isso um passo a frente em sua condição social.

Atualmente, alguns rumores, tanto do bem quanto do mal, já comparam Lula a Getúlio. Nenhum outro presidente brasileiro provocou tão fortemente a comparação, nenhum outro ousou desafiar o lugar canonizado de Getúlio, “pai dos trabalhadores”, em nosso imaginário nacional. Por que tanto admiradores quanto inimigos não conseguem escapar da comparação? Por que Lula incomoda. É impossível não perceber sua singularidade como pessoa, homem público e principalmente líder político. A esta altura do campeonato, falar da trajetória pessoal de Lula já é o de menos. Não precisamos nos prender a esta propaganda ideológica. Podemos recorrer a realizações concretas deste grande estadista, para compreender porque ele já tomou o trono de maior estadista brasileiro de todos os tempos.

Depois da reabertura democrática institucional, o Brasil cambaleou por mais de uma década, apostando todas as fichas na política econômica derivada da reestruturação produtiva mundial das últimas três décadas. Agora, parece que o Brasil finalmente toma seu rumo. Não apenas por que a política econômica de Lula é melhor do que as anteriores, superando-as, e não simplesmente sendo mais uma continuidade, como maldosos críticos vêm tentando sugerir. O que mais incomoda a seus inimigos é que ele finalmente enfrentou a grande questão social brasileira desde a integração getulista dos trabalhadores: o abandono político de nossa ralé, a parte de nosso povo desqualificada pelo mercado, que há gerações vaga entre a miséria e o trabalho extremamente precário.

O Bolsa Família é apenas o começo de uma nova era, que busca integrar à nação brasileira sua classe mais carente. Afinal, este é o único sentido verdadeiro da idéia de nação. Este é o papel mais digno que um estadista pode realizar. Utilizar a força do Estado nacional, cuja idéia só faz sentido quando inclui proteção social de todas as classes, para compensar relativamente aqueles que perderam no mercado. Por isso Lula incomoda tanto, incomoda aos inimigos do povo, incomoda principalmente a frações privilegiadas de classes integradas que sempre utilizaram o termo nação ideologicamente, no sentido da brasilidade, no qual todos somos “um” apenas na alegria, e nunca nos privilégios.

Episódios recentes envolvendo a fúria irracional da grande mídia só comprovam o gigantismo de Lula. Pela primeira vez um estadista brasileiro consegue estabelecer um vínculo afetivo verdadeiro com sua nação, e principalmente com aqueles que mais precisam. Lula seria mais um ideólogo da nação se este vínculo fosse meramente um paternalismo afetivo, forte angariador de votos. Mas não é. Lula expressa sua preocupação com os mais carentes falando diretamente a eles e, mais do que isso, o que realmente importa, iniciando na prática a solução de seu problema.

Mais do que Getúlio, Lula realmente incomoda a maior parte dos privilegiados e a todo o pensamento conservador, liberal e meritocrático, que há tempo já se tornou religião civil no Brasil. Ele consegue driblar todo o egoísmo institucionalizado das elites e classes médias com suas medidas práticas e legítimas de transferência de renda. A força de Lula é tamanha que ele se comunica com a nação cotidianamente, usando em seu favor o potencial de um de seus maiores inimigos, a grande mídia. O atual mal-caratismo indutivista e reducionista desta instituição não consegue impedir que Lula diga sempre a verdade sobre o egoísmo de todos os que se sentem incomodados com sua política social. Esta atitude faz com que ele não seja apenas um governante institucional e um administrador, apenas mais um presidente, mas que incorpore o verdadeiro sentido de um estadista, a saber, o daquele que age concretamente em favor da segurança social de todos os seus representados. A inclusao no patamar de seguranca social de um cidadao digno (algo para o que a política social de Lula aponta no horizonte) é para o Estado Nacao chamado Brasil a questao mais visionária que se pode colocar na agenda política. E nisto Lula foi até hoje o maior.

A importancia de Lula como chefe de Estado é a sua forma inovadora, revolucionária de se fazer representar como tal. Ao invés de entrar no falso endereco do homem público que seria capaz de por as questoes de Estado àcima dos interesses políticos, Lula é o chefe de Estado mais importante da nossa história até aqui justamente porque mostra o outro lado desta fórmula: colocar questoes de Estado acima de interesses políticos é fazer com que determinados interesses, antes na completa berlinda, possam ser vistos como interesses de Estado. Se Getúlio foi grande por colocar os interesses dos "setores médios" na agenda nacional, Lula foi maior justamente porque fez isso com os excluídos.


(Aproveitamos para desejar um feliz 2010 a todos os nossos amigos e a todos os amigos do povo brasileiro. Desejamos que 2010 e os anos seguintes no Brasil vivenciem a continuação progressiva das mudanças sociais e da melhora de vida dos mais carentes. Dedicamos este texto a todas as pessoas que já sofreram privações materiais e morais no mundo. Dedicamos também a nossos pais, eternos batalhadores. A eles, nosso muito obrigado.)

18 comentários:

Paulo Sérgio Ribeiro disse...

O artigo de Fabrício e Roberto é uma exposição clara das preocupações deste blog quanto ao mais político dos temas: a construção de um imaginário sobre a nação brasileira e os diferentes fins pelos quais se recorre ao mesmo para retratar (ou detratar) a personagem pública Lula. Este é um tema que, sem dúvida, será tratado por nós mais vezes em 2010 a partir de outros ângulos como, por exemplo, a persistência dos usos (e abusos) de uma categoria tão ambígua como o "populismo" que, apesar de já ter sido dissecada em sua irrelevância analítica por alguns historiadores brasileiros, vigora em algumas versões sobre a política social do Governo Lula produzidas por "pensadores carentes de poder" e "poderosos carentes de pensamento". Nossa tarefa continua a mesma: tentar romper com esse senso comum na blogosfera e nas demais esferas de participação com efeito vinculante nas tomadas de decisão.

Um excelente post. Parabéns!

Fabrício Maciel disse...

Paulo Sérgio retoma em seu comentário um ponto que já sofre as consequencias nocivas de se tornar lugar comum de debate: a simplificação de sua construção intelectual e de seu uso político. Trata-se do populismo. Os inimigos do povo não se cansam em recorrer a seu uso, pois a adesão imediata é simples, na mídia e no imaginário. Transformar políticas públicas sistematizadas, em favor dos carentes, como faz Lula, em políticas dispersas orientadas para fins eleitoreiros será sempre um artifício imediato para omitir a transformação interna que o governo lula operou na administração dos recursos públicos do Estado. Estes são patrimônio nacional, e a verdadeira denúncia deve ser contra seu uso implícito para favorecer classes integradas. Abraços Paulo, saudade de vc companheiro.

Claudio Kezen disse...

Na minha opinião, o grande mérito do Lula tem sido a capacidade para se locomover na esfera político partidária com maior capacidade do que seus predecessores.

Além disso, o viés popular inegável e cativante que emana da sua conduta pessoal contrasta de forma gritante com a soberba do tucanato.

Em relação ao Lula estadista, tenho minhas reservas, e cito o estudo do professor da UFRJ Claudio Salm no Aparte, espaço da mesma UFRJ dedicado à discussão da Inclusão Social.

Na investigação, os números da Pnad foram estudados de 1996 - 2002 (tucanato) e até 2008 (petismo). Ele verificou que estimando-se que nas camadas mais desprovidas da população estejam 50 milhões de pessoas, ou seja, 25 % da população, o que se vê nas tres Pnads é uma linha de progresso contínuo, sem grande influência petista.

De 1996 a 2002, fim do 1º mandato tucano, o número de lares estudados que tinham água encanada subiu de 48,5 para 59,6%, ou seja, 11,1%. Em 2008, no petismo se deu uma alta de 8,7% atingindo 68,3% dos domicílios.

O mesmo se deu em relação ao crescimento do saneamento básico. No tucanato, houve uma expansão de 9,1% atingindo 41,4% dos lares. Com Lula, 52,4% dos domicílios receberam saneamento avançando 11,3%.

Em relação à luz elétrica,o avanço passou de 79,9% em 1996 para 90,8% em 2002. Em 2008, 96,2% dos lares estudados tinham luz elétrica.

Vários outros indicadores neste estudo mostram que um avanço gradativo e sem viés petista tem acontecido no Brasil, o que deixa claro que o momento não é de glória tucana ou petista, mas dos dois.

Como escreve o Elio Gaspari sobre este estudo: "nunca antes na História deste país um governante se apropriou das boas realizações alheias, e nunca antes na História deste país, um partido político se envergonhou de seus êxitos junto ao andar de baixo com a soberba do tucanato.

Fabrício Maciel disse...

Cabe lembrar alguns pontos. Números podem ser sempre parciais e editados, ou seja meias-verdades, e não mentiras completas, pois seriam óbvios em suas intenções implícitas.
É um lugar comum que nenhum governante, exceto o primeiro de uma naçao no momento de sua fundação, pega o país no zero. Entretanto, isso é diferente de se reproduzir o argumento da continuidade, que tem a intenção de dizer que LUla apenas continuou o legado dos tucanos. Isso é mentira deslavada e mal intencionada. Os avanços em torno do Fome Zero e das políticas de transferencia de renda são sistematizações de Lula. Outro ponto mal intencionado é o velho e fraco argumento de que PT e PSDB são iguais. OUtra mentira. Basta observar as orientações públicas e o posicionamento ideológico dos ícones de cada lado. É simples: para os tucanos, primeiro administração, depois administração, e se der, o povo. Para o governo Lula, administração, em função do bem estar de todos da nação. em resumo, a ordem dos fatores altera o resultado.

Roberto Torres disse...

Caro Claudio,


Que existe certa continuidade, nao há como negar. Numeros como estes mostram isso. Mas, por outro lado, olhando outros números, como o salário mínimo, a disponibilidade de crédito, e o alcance da política social fica clara a descontinuidade. Se nao existe esta descontinuidade nao teria nenhum sentido "eleger", como fabrício e eu fizemos, o Lula o melhor estadista de todos os tempos.

Mas a idéia de falar assim, nesse tom de idolatria, foi também para por em questao o que é ser um grande estadista, o que é se por como um líder que traz para o centro da agenda uma questao de Estado. Nesse sentido, nao so por ter e enfrentado na prática o problema da exclusao melhor do que qualquer outro, mas também por representar, no seu "habitus", o tipo de gente, de "corpo", que sao os excluídos. Claro que Lula nao é excluído a muito tempo.

A questao é que, mesmo nao sendo mais, ele torna visível no passado incorporado e presentificado em sua "hexis corporal" e linguística a mera existencia de um modo de vida, que costuma ser tao invisível quanto a exclusao que o produz.

Acreditamos que existe um incomodo conservador contra Lula que é justamente o incomodo de nao querer ver o que ele representa. Que existem contradicoes enormes no governo, com certeza... a comecar pela política economica de tentar conciliar a vida toda os interesses do "campo financeiro" tradicional com a dinamica de inclusao social posta em marcha.

Acredito que há uma tendencia, inclusive entre os setores de esquerda e críticos, a minimizar o fato de Lula representar os excluídos, a "ralé". Além de nao se ver o problema desta classe de indivíduos como central para o desenvolvimento nacional, costuma-se até a nao ver estes indivíduos como constituíndo uma classe, ou seja, como possuíndo uma origem e um destino comum, ainda que isto nao se expresse numa autodescricao de classe.

O ótimo artigo do André Singer, publicado no último número da revista do Cebrap, analisa como a reeleicao de Lula foi o produto de uma reorientacao eleitoral do que ele chama de subproletariado, que ele considera uma "fracao de classe" e nao uma classe. No fundo seria apenas um pedaco da classe trabalhadora, como dizem os Marxistas tradicionais tipo Ricardo Antunes, cujo grande problema seria a exploracao. A questao é que estes indivíduos sequer podem ser explorados, porque eles nao tem o que explorar, nao podem produzir mais valia em termos significativos.

Enfim, acredito que Lula nos lega um novo horizonte para a questao social, horizonte este que sequer é compreendido pelo tucanato, quem dirá poder endossado por eles.

Claudio Kezen disse...

Roberto:

Espero que o frio não esteja te maltratando muito aí, rs.

Bem, o que me assusta um pouco, é passarmos do "complexo de cachorro vira-lata" para o "gravatinha", para ficar no imaginário do Nelson Rodrigues.

É claro que o Lula resgatou a imagem de líder em um país de negros, mulatos, mestiços e de todos nós. Esta auto estima é fundamental. Coisa que ao "príncipe" FH parecia desnecessária, já que a anuência da clientela da Daslu, a ele lhe parecia bastar, aquele mala.

Isso, em si só é impagável!

Mas me preocupa o uso político, compreensível, mas em alguns casos movidos por má fé mesmo destes avanços sociais.

Ainda vivemos um abismo de classes, e na minha visão, não é saudável alimentar esta onda de ufanismo burra que assola a discussão política atualmente.

Um abraço do calor campista,
Claudio.

Fabrício Maciel disse...

Caro Claudio,

ufanismo é outra coisa. tentamos dizer no texto por que lula é exatamentre o contrario. ufanismo é um uso ideologico de perspectivas universalistas com fins particularistas. tentamos mostrar que a politica de lula é o oposto, ou seja, politicas universalistas contra a visao particularista de mundo, liberal, que predomina no debate hoje, e é a marca tucana. nao há nenhum ufanismo no debate atual, ele só surge como palavra manipulada maldosamente contra lula, numa acusação de ufanismo injusta exatamente por desconsiderar o uso universalista que tenta fazer do Estado em seu governo.

bill disse...

A discussão a respeito do que Lula é hoje e as consequências para a política, parece ser o ponto das discussões acima. Acho o texto dos colegas "exagerado na medida certa" de suas intenções, quais sejam, apresentar Lula como aquele estadista (temos poucos) que realizou o último "turning point" do estado brasileiro,ao absorver as camadas historicamente abandonadas pelo reconhecimento estatal. Este reconhecimento transbordou para a opinião pública (não só midiática) implicando a tematização, em círculos ainda opacos, de questões relativas à desigualdade humilhante, à falta de acesso à educação superior de uma maioria calada, aos privilégios históricos, ao racismo, à parcialidade irresponsável da imprensa, e, mais recentemente, à chaga aberta da anistia. Nunca antes na história deste país um estadista ousou trabalhar esta pauta tão ampla quanto necessária. O problema é que tematizar pode acessar somente o âmbito simbólico, impedindo por questões mais de fundo a intervensão prática. Acho que nisso Lula falhou. E acho que os motivo são políticos: Lula esmagou seu partido, esmagou lideranças emergentes, caminha no limiar do populismo irresponsável, e, o que é pior,parece ter arranjado uma laranja para manter por mais tempo sua sombra soberana. E parece que volta em 2014. Os ganhos que tivemos com Lula deveriam vir acompanhados de uma estratégia política que superasse o "estadista Lula" para aí sim entrarmos no século XXI mais maduros. Com Lula, parece que todas estas conquistas muito bem ressaltadas pelos colegas, são coladas a ele e não ao estado. Isto é um risco.
abraço.

Roberto Torres disse...

Bill, será que a forca e o carisma pessoal de Lula que explicam o fato de sua agenda nao ter se transformado em agenda do Estado? O que Lula fez contra esse processo de institucionalizacao? A questao dos direitos humanos agora será que nao mostra o contrário, ou seja, que é o tipo de Estado de direito que temos, sua estrutura e funcionamento, o que pode explicar a ausencia de institucionalizacao da agenda da inclusao social.

bill disse...

Robertão,

acho que quando pôde, Lula cedeu aos processos, intrínsecos ao processo político de qualquer país, de personalização do governo. A meu ver, isto se deu no pós mensalão, quando teve de abandonar seu partido e ser blindado. E devo dizer o contrário, quando seu partido teve de abandoná-lo para se sustentar no governo. Para mim este processo criou o lulismo, a doença tardia do petismo, colocando partido e liderança em posições distintas no entender da opinião pública. O resultado, após resultados (a meu ver)incontestáveis de eficiência administrativa, é o isolamento do líder e o esvaziamento de alternativas, a não ser que elas aceitem pedir benção ao "painho" Lula. Todo um movimento que vem se desenrolando após a redemocratização com a pluralização do espectro político e a renovação das lideranças teve em Lula um refluxo. o perigo do vazio é a incerteza. Parece que este é o preço de nosso caminho rumo a maior igualdade social.

Roberto Torres disse...

Bill,

a falta de alternativas à lideranca de Lula se mede pela própria extensao da lideranca de Lula. Nao surgiu um outro político que consiguisse chegar perto da legitimidade que ele tem junto aos pobres, que conseguisse representar tao bem a inclusao destes na vida nacional. Isso é um problema da democracia, como voce disse: quando mais exigente é a agenda melhor tem de ser o partido, ou o líder. E se estes estao esassos, ficamos diante de um dilema. Mas isto só acontece porque estamos diante de um parâmetro de comparacao muito exigente, o "Lulismo", com "L" maísculo e sem nenhuma conotacao negativa, rs.

Outro ponto que eu acho importante ser tematizado é a questao do carisma, do "populismo". Porque a representacao carísmática tem de ser vista sempre como anti democrática? Porque se render diante deste critério arbitrário segundo o qual a identificacao de um público para além de mediacao racional discursiva com um líder é sempre um atraso para a democracia? Porque des-estabiliza a democracia? Ué, mais como haver mudanca sem haver des-estabilizacao?

Ok, ai a questao volta a ser como despersonalizar a lideranca carismática. Um dilema que só se poe porque houve uma lideranca carísmatica capaz de des-estabilizar a ordem simbólica vigente.

Nisso precisamos de tempo para fazer um julgamento direto sobre Lula, sobre se ele, por exemplo, vai ou nao deixar que um processo de esmaecimento de sua lideranca em nome da institucionalizacao de uma agenda siga curso livre.

bill disse...

Bem,

colocado assim, robertão, voltamos ao problema partido/liderança. Jamais disse que meu parâmetro não é arbitrário, ele também parte de seleções contingentes, e por isso tenho que mostrar de onde eu parto: um país melhor é aquele que não precisa de glorificar seu líder, muitas vezes irrefletidamente, mas de instituições, tradições, símbolos comuns. Estes, como você bem disse enfrenta problemas menores de reprodução. A partir deste ponto de partida acho que Lula representou um retrocesso.
Obs. Sobre o decreto dos direitos humanos, nosso líder já disse que a questão da anistia deve fica de fora...

abraço.

Roberto Torres disse...

Bill,

o seu ponto de partida pode ser abrangente demais. Se o critério de facilitar a reproducao for tomado de um certo modo ele pode até significar tomar o fato como norma. A ordem social que melhor se reproduz é a que é a melhor. A questao é quais instituicoes, qual tradicao e quais simbólos estao sendo reproduzidos. A mera estabilizacao de expectativas é somente uma parte do que pode realizar a vida social. Também pode haver a anti estrutura, a des estabilizacao de expectativas, sem a qual, inclusive, nao se pode constituir novas estruturas.

Nao se pode conciliar a agenda da inclusao no Brasil com uma proposta de aderir à agenda da estabilidade tal como ela é ditada pela semantica vigente que reproduz cegamente as estruturas da exclusao em massa.

A denuncia do "populismo" sempre serviu para prescrever que o melhor é optar pela estabilidade em detrimento da inclusao.. Ou seja a constatacao de que sociologiamente é mais provável que as expectativas vigentes (estruturadas pelo fato de exclusao)sejam mais estáveis no presente do que a busca por um outro horizonte de expectativas acaba sendo levada como norma para a legitimidade política.

bill disse...

Robertão,

para mim optar pela estabilidade e a permanência é o que é mais desestabilizador e transformador. A construção de expectativas normativas sustentadas na reprodução da dimensão temporal alongada é o que, a meu ver, parece ser o singular em nossa história. Para isso, o personagem Lula não serve. Para isso a encarnação do símbolo no homem Lula morreria quando seu coração deixar de funcionar. Falo de expectativas normativas e cognitivas estáveis, parâmetros reproduzíveis por elementos mais abstratos que a barba e a língua presa de nosso presidente. Não acredito mais, como muitos acreditaram, em liderança (intelectuais, empresários, líder sindical). Estes elementos pseudo-desestabilizadores tem prazo de validade...

Roberto Torres disse...

Bill,

Para mim existe uma simbologia mais abstrata encarnada no personagem Lula, a de uma classe de pessoas que nao foi incluída nas principais dimensoes da vida nacional (economia, política, direito). O personagem Lula ajuda a dar visibilidade a esta classe, e eu acredito na possibilidade de que esta simbologia nao morra com o corpo fisíco do presidente, até porque ela nao foi inventada em Lula, mas sim atualizada nele.

Nao sei qual o sentido da formula geral de que a estabilidade gera condicoes para a "verdadeira des estabilizacao" se nao se explicita o que precisa ser estabilizado para haja mudanca.

A construcao de expectativas normativas e cognitivas em dimensao alongada pode significar muito bem a reproducao da exclusao, de tudo que se espera do funcionamento da sociedade a partir da divisao entre incluídos e excluídos, somente com o "detalhe" de que os excluídos nao sao endereco de nenhuma expectativa e nem devem esperar nada da sociedade.

abraco

bill disse...

Acho, robertão, que o que precisa ser estabilizado é a expectativa de que as transformações operadas nesta década devem-se a elementos que são anteriores a Lula e que, portanto, haverá um pós-Lula. Estes elementos tem a ver com uma sensibilidade maior do estado para com os excluídos, por exemplo. Não resta dúvida que o governo Lula não caiu no discurso fácil do mercado, embora nunca antes empresas e bancos ganharam tanto. Não temos mais que construir a personagem Lula, creio que até a globo já o fez, temos agora que localizá-lo, desconstruí-lo, nas dimensões que o tornaram possível, a social e a temporal. Creio que só assim operaremos qualquer transição.

Roberto Torres disse...

Interessante Bill. Para além dos julgamentos sobre o personagem, como poderia entao comecar a desconstrucao e a localizacao do personagem nas dimensoes social e temporal?

Constatando que há uma continuidade com o período anterior?? Para criar um consenso sobre a política de inclusao?

bill disse...

Para mim, áté as políticas de inclusão transcendem o período Lula, embora tenham sido, neste período, melhor conduzidas e com resultados mais práticos. Isso tem a ver com a redemocratização e a sociedade brasileira que vem se construindo desde então. As forças políticas novas (PT, PSDB), os novos movimentos sociais, o ministério público, a sucessão presidencial, entre outros. O único senão destas transformações, para mim, é o comportamento da justiça, como o texto anterior do blog nos mostra.

abraço.