sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Dilma: por um verdadeiro pós-Lula

Roberto Torres


Em geral o termo „pós“ é usado quando nao se tem o que dizer. Mas as vezes serve para demarcar uma mudanca de paradigma, tanto na teoria quanto na prática. É o caso da expressao „pós-Lula“. O paradigma de Lula é a inclusao dos excluídos. Nunca antes na história deste país os esquecidos foram tao lembrados. Lembrados no simbolismo e na prática política. O paradigma Lula exemplifica (mostra como se faz) a entrada do povo na política, o processo de legitimacao dos interesses dos „negativamente privilegiados“ no espaco público. A grande marca desde paradigma é o olhar e a sensibilidade com esse povo, com seus dramas pessoais. É saber a importancia que tem para uma família poder fazer tres refeicoes por dia. O fato de Lula partilnhar uma história pessoal com os excluídos é central para a construcao do paradigma.
Portanto, „pós-Lula“ deve significar o acolhimento impositivo deste novo paradigma e a partir dele seguir em frente. Isso pressupoe duas coisas: 1) a institucionalizacao do paradigma, de modo que o „pós“ nao seja um „pré“ Lula; e 2) um projeto político de continuidade da mudanca, que alargue os horizontes deixados pelo presidente. O primeiro pressuposto nao está assegurado. Algo como a CLT precisa ser feito neste sentido. O segundo pressuposto é o tema das eleicoes deste ano. Quem mais usou a expressao „pós-Lula“ foi Aécio Neves. Ciro Gomes de algum modo faz o mesmo coro, embora com muito mais credibilidade do que Aécio.
Mas há algo que só Dilma tem, há uma potencialidade que só através dela pode se realizar. Ela representa a exaltacao do papel autonomo da mulher na política e na vida social como um todo. Muitos dizem que ela nao tem o „toque fenimino“ ou que nao tem o „charme da mulher brasileira“. Com isso só estao expressando o quanto nao entendem de mulher em geral e das brasileiras em particular. Assim como Lula, Dilma pode ser um exemplo pedagógico na posicao de maior líder nacional. Um exemplo pedagógico pode entrelacar histórias individuais com histórias coletivas. Os que nao reconhecem este mecanismo como forma legítima de mobilizacao estao do outro lado da disputa. O líder exemplar é produto da relacao que mantém com os liderados. Quem acha que ele somente manipula os liderados nao sabe nada nem de política e nem da vida. Quem acha que o „Lulismo“ é „culto à personalidade do líder“ nao quer ver que se trata da expressao de forca e de esperanca de uma gente ignorada pelas formulacoes racionalistas de intelectuais da elite.
Negar o carisma do exemplo é negar a forca criativa da política. É nao ver que o critério de „racionalidade comunicativa“ (anti-carisma, „anti-populista“) é uma fronteira de classe que excluí e deslegitima a forma de fazer politica do povo com o líder que escolheu. O exemplo é e fala como o povo, guarda no seu „habitus“ os dramas e alegrias que importam ao „homem comum“. Ao identificar-se com o exemplo de Lula o povo brasileiro aceitou a si mesmo. Esta dimensao do paradigma Lula nao se reduz ao realinhamento eleitoral e à racionalizacao de interesses muito bem discutidos por André Singer em seu brilhante artigo sobre o „Lulismo“. Trata-se de algo mais visseral do que votar e racionar sobre os próprios interesses: trata-se de afirmar o próprio valor através da identificacao com o exemplo, de aprender a andar de cabeca erguida como Lula faz diante de líderes mundiais.
Se na relacao de exemplaridade com Lula o povo constrói a crenca no próprio valor e na possibilidade de enfrentar o „regime de desvalor“ que reproduz a exclusao social, Dilma pode representar a „revolucao feminista“ desta relacao. Sua trajetória pessoal pode ser coroada no mais alto posto político da nacao, marcando um processo de autonomizacao da mulher nas relacoes sociais. De „secretária de luxo“ do presidente (ou „a mulher do Lula“ como muitos dizem nos meios populares) à mandatária do país: o salto que representa a mulher na dianteira, que exemplifica a pretensao da mulher de ocupar em pé de igualdade todas as posicoes sociais.
Com sua trajetória, Dilma pode cumprir este papel de lideranca política como ninguem. Ter arriscado a própria vida contra a opressao do regime militar a coloca num caminho parecido ao das maes solteiras que „aguentam todos os trancos“ para criar os filhos, ou seja, exemplifica a „forca moral“ das „mulheres do povo“. As classes dominadas sao também feminilizadas, a dominacao de classe se casa com a dominacao de genero. Na vida cotidiana as „mulheres do povo“ assumem grande protagonismo contra as mazelas da opressao social, buscando, por exemplo, de forma incansável, melhorar a qualidade da vida familiar. Daí em grande parte vem o protagonismo que assumem na vida religiosa.
Este esforco feminimo costuma ser decisivo para que a vida familiar seja uma plataforma capaz de salvar os filhos da exclusao. Neste contexto, a luta das mulheres é ao mesmo tempo luta contra a exclusao social, uma questao de „vida ou morte“ que nao envolve enfrentar somente a opressao dos homens, mas junto disso enfrentar a opressao social que produz a opressao masculina. Dilma pode trazer este debate como nínguem. Acredito que seja um dabate capaz de aperfeicoar a sensibilidae e o olhar social, capaz de ver como a questao de genero se entrelaca com a questao da classe. Ela pode se tornar um exemplo de como a mulher afirma seu valor assumindo a dianteira na luta contra a opressao em geral. Os „defeitos da Dilma“ sao as „virtudes da Dilma“, como disse Lula. Sua trajetória pode despertar grande interesse para as mulheres pobres que buscam protagonismo e grandeza na vida, sem ser reduzidas ao „toque feminino“ ou ao „charme da mulher brasileira“. Assim como Lula, Dilma pode ser um magnífico exemplo pedagógico de vencer preconceitos. O exemplo do que acontece com uma mulher quando ela nao se submete, quando nao „engole o dominador“ e as expectativas da dominacao. Este sim seria um grande salto civilizatório „pós-Lula“.

7 comentários:

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

Torres, meu filho! Você não nega que é Morro de Côco. De onde vai sair muita coisa linda, sabia? Não? veja o blog do Ciro!

Suas palavras claras e sem ranço nos mostra um Fernando sem torre... sem orgulho, sem soberba. É isso aí,Fernando.

Vai assim que vai bem. O orgulho está sendo confrontado no Brasil.
Sabe, Fernando, podem não acreditar, mas "Jesus veio para ser aceito como Rei, mas os que creram nEle provavelmente esperavam um reino político. com proveito para os que o aderissem; seus pensamentos estavam no material; Jesus falava do espiritual o todo tempo".
Por que estou dizendo isso? bem, o negpócio é o seguinte: Ordem e Progresso são as leis do Reino, e se Lula e Dilma não se voltarem para as leis do Reino, vai tomar um tiro no pé.
Sem ordem e sem progresso, só andamos para trás. E aí, fernando, o "pós" vai virar "era..."
Que Lula e Dilma acordem enquanto é tempo.Deus pode contar com eles.

Um abraço, desta simples ex jumentinha porque o Rei já aqui... E olha Morro do Côco... é um Diadema Real. Quem diria, né Torres? Ou melhor... Quem diria, né Fernando?

Pois é...

Anônimo disse...

Fernando????????

Brand Arenari disse...

Bela análise Roberto (ou Fernando sei lá!)! É a melhor análise que eu já vi sobre o papel simbólico do Lula.
Apenas acrescentando algo à sua análise, gostaria de dizer que de uma forma ou de outra o pós-Lula se faz também por suas mudanças estruturais. A ascensão de 28 milhões de pessoas para a classe C é uma revolução que atinge todas as instâncias do país, nada mais será o mesmo no país após isso. 28 milhões de pessoas equivale a três suécias, quase três portugais, quase uma Espanha e por aí vai. O pós-lula será de alguma maneira marcado por essa classe, quem governar terá de “dialogar” com os interesses dela, por menos mobilizada politicamente que seja.

Roberto Torres disse...

Certamente Brand. Essa nova classe é o fruto mais sólido para o "pós-Lula" e a transformacao do país precisa do suporte dela.

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

Oi.

Nasceu outro blogue em Campos. Obrigada por divulgar:
http://acridoce-oil.blogspot.com/

Anônimo disse...

Lula e muito bom mesmo. Aproveita da popularidade do seu excelente governo para eleger a Dilma como tampao. Depois volta para ser o presidente das olimpiadas.

A escolha da Dilma passa pela sua falta de empatia/popularidade. Assim sendo, ela nao pode passar a perna no chefe depois.

Offtopic: E o mestrado na UNICAMP, rolou ou nao ?

PS: o Ciro seria muito melhor...

Roberto Torres disse...

Caro anonimo,

será esta falta de empatia e popularidade um dado na natureza? Ou empatia e popularidade se fazem em processos de identificacao com o povo?

Eu acho que Dilma tem um potencial enorme para isso. E o fato de ser mulher pode ser decisivo.

Admiro muito o Ciro Gomes. Acho que ele deveria ser candidato para discutir questoes que a Dilma talvez nao vá discutir. Se por acaso fosse ele o escolhido acho que teríamos uma grande lideranca para aprofundar o paradigima Lula.