domingo, 23 de maio de 2010

Crise do Ira: Site Terra entrevista pesquisador frances

Com uma análise favorável à postura do Brasil face ao bloqueio das negociações sobre o programa nuclear iraniano, o pesquisador Thierry Coville, do Instituto de Relação Internacionais e Estratégicas (Iris), de Paris, aposta que nenhuma sanção econômica faria o Irã mudar de posição. No entender de Coville, a atitude do Brasil e da Turquia de dialogarem com o presidente Mahmoud Ahmadinejad deveria ter sido parabenizada com unanimidade e representa um passo importante na retomada das negociações.

O especialista, que estuda o Irã há mais de 20 anos e é autor de dezenas de obras sobre o país, considera essa via pelas sanções "um caminho perigoso" já que, na ineficácia da punição, a única alternativa que restaria aos ocidentais seria a via militar.

Terra - As potências nucleares (G5+1) se posicionaram favoráveis à ação do Brasil, mas isso não impediu que os Estados Unidos entrassem com um projeto de resolução prevendo sanções ao Irã. Afinal, o que esses países querem?
Thierry Coville - Não sei exatamente. É verdade que estamos um pouco chocados com a incoerência que os países do G5+1 demonstraram ao longo da semana. Me parece que a única resposta que a comunidade internacional está encontrando ¿ ou ao menos estes seis países ¿ é de querer aplicar as sanções.

Eles cansaram de negociar?
As explicações para isso são várias. Primeiro, os Estados Unidos estão negociando essa questão há muito tempo com os europeus, os chineses e os russos e haviam finalmente conseguido convencê-los a adotar sanções. Agora, os americanos querem capitalizar estes esforços, sem levar em conta qualquer outro tipo de avanço. Isso significa que eles não querem "queimar" a imagem deste esforço todo e, para isso, preferiram não reconhecer a abertura que este acordo mediado pelos governos brasileiro e turco poderia representar. Outro fator, mais perigoso, é que a comunidade internacional pode estar voltando atrás e querendo mais do que queria antes em relação ao Irã. Podemos compreender que os países do G5+1 mudaram de estratégia de negociação e agora, ao contrário do que aconteceu em outubro do ano passado nas negociações de Genebra, eles decidiram que não querem mais que o Irã possa enriquecer urânio. Podemos dizer que se instalou um certo radicalismo da parte do G5+1. E um terceiro fator é que o governo americano começa a entrar em processo de campanha para as eleições do Congresso e não quer desapontar o seu público interno. O Congresso já vinha preparando sérias sanções ao Irã, então o governo pode estar jogando com as sanções mais leves para não desapontar os americanos. A ideia é de não dar a impressão de fraqueza face ao Irã, de não ser compreensivo demais. O Congresso e o Senado poderiam querer exigir sanções ainda mais graves se nada for feito agora.

Quais as consequências dessas sanções econômicas e comerciais que estão sendo discutidas agora?
O risco é que, aplicadas as sanções, os iranianos não queiram nunca mais ceder em nada. Se, quando eles cedem, eles recebem em troca este tipo de resposta, por que eles cederiam mais?

Lula afirmou que os países do G5+1 não aceitam mais nenhuma outra alternativa a não ser as sanções. Você concorda?


É exatamente isso. É um cenário de absoluto radicalismo pela parte do Ocidente. Hoje, eles agem como se a conferência de Genebra jamais tivesse existido porque o discurso é: ou vocês param completamente de enriquecer urânio ou haverá sanções. O fato é que estamos retornando à estaca zero nesta negociação, um ponto que já sabemos que não avança porque o Irã se acha no direito de ter o seu programa nuclear. A conferência de Genebra visava a sair deste impasse.

Ainda existe alguma chance de se evitar as sanções?
Eu ainda confio na inteligência dos protagonistas (risos). Me parece que este acordo Irã-Brasil-Turquia, mesmo se não é perfeito, representa um primeiro passo para se sair do impasse, restabelecendo um mínimo de confiança e retomando as negociações. Mas se as sanções são aplicadas, a reação normal do Irã vai ser de apertar ainda mais na queda de braço, nos levando para aquele velho caminho sem saída.

O que significa o papel que o Brasil desempenhou nesta negociação? O Brasil pode querer ser um negociador internacional de peso ou ainda é cedo para isso?
Não, de forma alguma. Mas não se pode esquecer que, por trás desta questão do programa nuclear, existe uma tensão entre Irã e Estados Unidos que já dura mais de 30 anos. Os dois países vivem em estado de quase guerra há muito tempo. No final das contas, se transformou em um afrontamento entre o Irã e o Ocidente. A ação de novos intermediários, como a Turquia ¿ um grande país muçulmano ¿ e o Brasil ¿ um grande país emergente, que além do mais tem o seu próprio programa nuclear e tem o direito de enriquecer urânio ¿ pode permitir restabelecer a confiança entre as duas partes. Os países emergentes podem desempenhar um papel de ponte: adquirindo a confiança do Irã e, do outro lado, mantendo a confiança dos grandes países desenvolvidos. O papel destes países, portanto, pode se transformar em fundamental para resolver esse tipo de questões. O paradoxo é que os países industrializados chamam a colaboração dos emergentes e depois dizem "não, mudamos de ideia".

Os países ricos estão prontos a aceitar novos negociadores nas questões-chave da política internacional?
Existem áreas mais suscetíveis para que isso aconteça. A questão nuclear é uma delas porque estava bloqueada. O esquema do Conselho de Segurança das Nações Unidas foi definido após a Segunda Guerra Mundial e agora vivemos um outro esquema. Os países europeus e os americanos ainda não sabem como lidar com isso. Ficam se perguntando: "mas sempre fomos nós! Nós sempre decidimos tudo sem perguntar a opinião de mais ninguém".

Você acha que a atitude do Brasil foi mais positiva ou negativa para a sua imagem no exterior?
No meu ponto de vista, foi certamente positiva. Em uma negociação que estava bloqueada, deveria haver uma unanimidade em parabenizar a iniciativa destes dois países que permitiu de reabrir uma porta e restabelecer um pouco de confiança neste problema todo. Além do mais, ninguém sabe se as tais sanções vão funcionar. Todos os anos, quando se fala de sanções, os países que as defendem são incapazes de dizer se elas serão eficazes. Eu acho que elas não funcionariam.

Você não acha que a ação do Brasil poderá despertar a desconfiança do G5+1 face ao país, que afinal acabou dialogando de perto com um Estado dito "inimigo"?
Não, não acho. Eu acho que o descontentamento contra o Irã é tão grande que os países ocidentais entram em uma estratégia em que eles perderam o controle. A política de sanções é muito perigosa, porque se o braço de ferro continua, Irã tem todos os meios de dizer simplesmente "não, vamos continuar a enriquecer urânio". E neste caso os países ocidentais vão se dar conta, daqui a um ano, de que as sanções não adiantaram de nada. Então eles terão de encontrar uma outra solução. Ou seja, estamos adicionando tensão a um problema que já é tenso o suficiente. Quanto mais tenso fica, mais difícil é de voltar atrás.

E qual seria o passo seguinte?
Só restaria a opção militar. Eu acho que a iniciativa brasileira e turca dá novamente um caminho de negociação que já estava esquecido. Como vai se dizer que as sanções são o melhor caminho se o Irã acaba de fazer concessões a um novo mediador?

Você acha que, no fundo, o que os países do G5+1 querem é de fato uma intervenção militar?
É difícil de prever e ninguém pode dizer. Mas, para mim, está claro que este tipo de sanções que eles estão prevendo não vão jamais fazer o Irã mudar de ideia. Eu acho que estamos entrando direto em uma via bem perigosa. Tenho a impressão de que os governos ocidentais gastaram tanta energia convencendo os chineses e os russos sobre a política de sanções que eles esqueceram de refletir sobre eficácia dessa política.

Você acha que a ação do Brasil pode ter consequências na sua relação com os Estados Unidos?
Acho que existe um certo constrangimento americano pelo fato de o Brasil e Turquia, dois aliados deles, terem colocado o nariz naquele que sempre foi um domínio reservado deles (americanos). Como existe essa tensão histórica entre o Irã e os Estados Unidos, pode-se compreender o nervosismo dos americanos quando dois países que não vivem esse histórico chegam e desbloqueiam a situação desta forma. Eles perturbaram, de certa forma, um caminho em direção às sanções que já estava previsto.

Um comentário:

Roberto Torres disse...

Pois é, e o Alon ainda acha que seguir o roteiro americano é fazer a coisa certa: sancoes ou guerra.
No roteiro proposto pelo Brasil, antes de chegar às sancoes ainda tem a possibilidade do acordo.