sábado, 24 de julho de 2010

Anistia para quem abandonar o tráfico; pelo menos três candidatos defendem o perdão como forma de estimular jovens a deixar o comércio de drogas

Publicada em 24/07/2010 às 00h00m, no site http://oglobo.globo.com

RIO - Candidatos às eleições de outubro defendem no Rio uma nova e polêmica anistia: para traficantes de drogas. A proposta - uma bandeira do coordenador do AfroReggae, José Júnior, para tirar jovens do tráfico e reinseri-los na sociedade por meio de políticas públicas de geração de empregos - já faz parte da campanha de pelo menos três candidatos, dois deles líderes comunitários da Rocinha e do Complexo do Alemão, onde também estão situados os quartéis-generais das duas maiores facções do estado.

Amigo de José Júnior e candidato do PRP a deputado estadual, Cristiano Santos apoia o projeto.

Trabalhando nas comunidades, vemos a quantidade de jovens que querem sair do crime, mas não veem como

- O José defende essa bandeira há muito tempo e concordo com ele. Trabalhando nas comunidades, vemos a quantidade de jovens que querem sair do crime, mas não veem como. Têm medo de ser presos e não conseguem emprego devido ao estigma que sofrem - conta Cristiano, servidor licenciado da Câmara Municipal de Belford Roxo e que atua em ações sociais em comunidades, como Alemão, Jacarezinho e Manguinhos.

Cristiano conhece na pele o estigma que o tráfico deixa para a vida de envolvidos e familiares. Ele é irmão de Márcio Nepomuceno dos Santos, o Marcinho VP, preso no presídio de segurança máxima de Catanduvas e apontado pela polícia como um dos chefes da facção que domina cerca de 60 comunidades na capital do Rio. Em 2006, quando saía de uma festa, Cristiano foi preso e acusado de tráfico de drogas. Segundo ele, após tentar extorqui-lo, a polícia forjou provas para trancá-lo por 30 dias num presídio de segurança máxima:

- É duro você ser acusado de algo que não fez. Você ser privado da liberdade e parar num lugar para onde vão os presos mais perigosos do estado. E me botaram na galeria onde ficavam os presos mais perigosos do presídio. Com certeza, foi a pior experiência da minha vida.

Cristiano foi absolvido a pedido do próprio Ministério Público. Mesmo com a ficha limpa, ele conta que foi detido para averiguação outras seis vezes depois disso.

Outro candidato a deputado estadual que defende a anistia para traficantes é o membro do Conselho Comunitário de Segurança Pública William de Oliveira, que amargou nove meses de cadeia, acusado de associação para o tráfico:

Eu defendo anistia para os traficantes que gostariam de largar essa vida e não o fazem por falta de oportunidade

- Fui solto e hoje ando de cabeça erguida. Mas enquanto fiquei preso vi como é o sistema, que não recupera ninguém. Eu defendo anistia para os traficantes que gostariam de largar essa vida e não o fazem por falta de oportunidade. Eles confessariam seus crimes, entregariam as armas e entrariam para um programa onde seriam acompanhados por um período até serem reinseridos na sociedade. O projeto das Unidades de Polícia Pacificadora é bom mas vai demorar décadas para pacificar as comunidades. A anistia daria uma oportunidade de tirar esses jovens do crime e aceleraria o processo.

O fundador e coordenador do AfroReggae comemora a reinserção no mercado formal com carteira assinada de 1.050 jovens, 685 deles saídos do tráfico ou de presídios, através do programa de empregabilidade, que já reúne 24 empresas. Para ele, a anistia é o instrumento que falta para mudar a situação de jovens:

- Estamos produzindo o programa "Anistia", que vai ao ar em outubro. Nele, ouvimos um ex-guerrilheiro colombiano anistiado e que hoje participa de grupos de convencimento para tirar outros jovens da guerrilha. Também ouvimos vários chefes do tráfico que estão no presídio e disseram que largariam o crime. Na Colômbia, a anistia funciona assim. Eles confessam os crimes. Nos casos mais graves, pagam cinco anos de prisão e entram em programas de ressocialização, com direito a uma ajuda de custo durante um período.

Segundo Júnior, é grande a procura de jovens que querem largar o tráfico.

Se houvesse um instrumento jurídico que lhes desse garantia, eles largariam. Vivem com medo

- Se houvesse um instrumento jurídico que lhes desse garantia, eles largariam. Vivem com medo. Quando cumprem pena e saem, sofrem extorsões e preconceitos - contou José Júnior, que já procurou o apoio de vários políticos.

José Júnior busca apoio por parte de deputados

Um dos procurados foi o deputado federal e delegado federal Marcelo Itagiba (PSDB), candidato à reeleição:

- Defendo perdão para aqueles que querem se regenerar, mas não para aqueles que usam armas e que participam de bondes. Tenho inclusive um projeto para tornar hediondo o crime para quem usa arma de guerra.

O deputado estadual e candidato à reeleição pelo PSOL Marcelo Freixo também foi procurado:

- Apesar de não ser legislação estadual, seria fundamental para o país que tem a quarta população carcerária do mundo, com 30% crimes leves. Mas não acho que seja um assunto para ser explorado durante o período eleitoral. Defendo em princípio a anistia, mas esta não pode ser encarada como um perdão religioso. Tem que ser um programa de governo. Um preso hoje custa ao estado R$ 1.700 por mês.

Membro da Comissão de Segurança da Câmara dos Deputados, Marina Maggessi quer apresentar uma proposta de anistia após o recesso do Congresso:

- O projeto prevê anistia apenas para pequenos traficantes e aqueles que não têm também crimes de homicídios. Movimentos, como o AfroReggae e a Cufa, estão crescendo e já têm o apoio de empresas importantes para tirar jovens do tráfico de drogas e dar a eles oportunidade de emprego. Um exemplo que simboliza esse momento é a entrada do Banco Santander no Complexo do Alemão, para onde também estão indo todos os traficantes que ficaram "desempregados" pelas UPPs. Precisamos aproveitar esse momento para reintegrar esses jovens.

Com a legalização do jogo do bicho e dos bingos já imaginou quantos empregos criaríamos?

Já Paulo Almeida, candidato a deputado federal pelo PDT, pretende propor um projeto de lei de anistia mais amplo para grupos armados e bicheiros:

- Você se lembra que nos anos 60 não havia guerra de bicheiros? Eles se juntaram e dividiram as regiões e não houve mais problemas. Os grupos armados foram sendo anistiados em todo mundo. Na Colômbia, eles fizeram a anistia e estão resolvendo o problema da violência. A minha proposta é anistiar os grupos armados e dar a eles uma condição de se reintegrar. Com a legalização do jogo do bicho e dos bingos já imaginou quantos empregos criaríamos?

8 comentários:

douglas da mata disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
douglas da mata disse...

Há apenas um senão no ractiocínio:

A anistia não seria um desestímulo àqueles que em meio ao mesmos problemas, resistiram, bravamente, e que como sabemos, são a imensa maioria?

Não sou a favor de anistias. Que se reintegre com penas alternativas.

Mas o Estado Democrático de Direito está sedimentado no fato de que a sociedade torna Lei e crime o que considera reprovável, e a segurança da regra pressupõe que essa norma atingirá a todos(erga omnis).

Lógico que o legalismo hipócrita esquece que há mediações ideológicas e políticas na aplicação e formulação das Lei, mas não vejo outro caminho senão legitimar a normatização de condutas, pois o oposto é a anomia!

A luta é tornar a Lei e a punição mais "democráticas", mas nunca extinguí-las.

Um abraço.

Roberto Torres disse...

Oi Douglas,

mas porque uma Lei de Anistia precisa deixar de ser uma Lei e assim atingir a todos?

Nao é de modo algum uma área em que eu tenha seguranca para argumentar, mas se a seguranca tem a ver com auto-referencia da Lei - sua própia capacidade de universalisar a diferenca entre lícito e ilícito - a Lei da anistia nao significa ignorar essa diferenca. Será que com essa Lei se estaria abrindo mao de normatizar condutas? Aí nao da mesmo. Mas nao se se é bem assim.

De todo modo nao tenho nenhuma posicao clara sobre isso. Falo como leigo.

Outro ponto. Como a lei poderia desestimular os que resistem? Será que essa resistencia tem a ver tanto assim com as consequencias da lei? Será que nao é muito mais uma acao moral?

um abraco

Roberto Torres disse...

Claro, sem dúvida a luta é democratizar a aplicacao da lei.

douglas da mata disse...

Caro Roberto,

MInha opinião baseia-se em experiência. No empirismo laboral, mas o cumprimento da Lei atende a várias questões, e a ação moral não é a maior delas, pois vejamos:

1. Impunidade x benenfício: se não houver punição possível, o cara faz as contas e comete a conduta;

2. Universalidade: se não é "para" todos, cada grupo procura "seus meios" para transgredir e "negociar" punições mais leves, ou a impunidade;

3. enfim, não é rigor da Lei(entendido como apenamento)que determina sua eficácia, mas a certeza de que será cumprida.

A anistia funciona em uma realidade em que o restante dos atores sociais envolvidos(os não criminosos)estejam de acordo de que:

A lei incriminadora era injusta;
Ou não havia outra chance para o criminoso senão burlar a lei.

Nossa legislação penal já possibilita esse tipo de entendimento, sem que sejam necessárias falácias desse tipo, que servem mais como referência eleitoral.

O debate é amplo, muito mais amplo: o que a sociedade deve valorar ou não como crime, e que conseqüências essa valoração traz para todos, criminosos ou não, como é o caso da proibição do tráfico de substâncias psicoativas.

A escalada da guerra ao tráfico é um embuste, mas o descontrole do uso e abuso de substâncias psicoativas também não ajuda, e o alcoolismo e os incidentes de trânsito e violência familiar estão aí para nos lembrar.

Um abraço., e segue o debate. De leigos, rsrsr, pelo menos esse eu me equiparo, rsrs.

Roberto Torres disse...

Concordo. Acho que sua empiria sobre as motivacoes do cumprimento da lei é um argumento muito forte.

Esse negócio de leigo, nao-leigo é, na verdade, muito engracado. A gente pode pular de um ladro a outro de acordo com a estratégia discursiva ne?

Eu é que nao sou besta de evocar qualquer tipo de lugar científico com quem ta acostumado a destronar análises científicas do "controle social".

Jeferson Cardoso disse...

Gostei desse debate de comentários, não sei se anistia seria o melhor caminho. Penso que muitos entram para o crime, justamente, por falta de oportunidades. Garantir uma educação de qualidade, incentivar o esporte, música, oferecer apoio psicológico às famílias; e por que não uma educação religiosa? Seria um bom começo para afastar crianças e jovens da criminalidade.
Jefhcardoso do
http://jefhcardoso.blogspot.com

douglas da mata disse...

Caro Jefh,

Bem-vindo ao debate, e acho que você captou seu espírito:

Não se trata de enfrentar um problema multidisciplinar a multifacetado como esse(a violência e a criminalidade)com remédios únicos ou simplificados.

Ainda que discorde de você quanto às soluções, principalmente no tocante a questão de ensino religioso como política pública em um Estado laico, concordo que o enfrentamento deve ser variado, sistêmico e encadeeado.

Um abraço.