segunda-feira, 22 de junho de 2009

Recontagem


No momento em que o Irã experimenta uma grande indefinição em sua sucessão presidencial, talvez seja interessante lembrarmos de um evento ocorrido em 2000 no Estado da Florida nos EUA.

O filme “Recontagem” (Recount, 2000) traz uma descrição bastante razoável das 5 semanas de batalha judicial americana até o desfecho final que todos conhecemos. Mesmo para os pouco afeitos a discussões políticas o filme pode ser aproveitado para um debate acerca dos conceitos de validade e confiabilidade utilizados na metodologia de pesquisa social. Ou mesmo para discutir as potencialidades dos usos e abusos dos contrafactuais.


domingo, 21 de junho de 2009

A quem interessa o conservadorismo


O esforço da mídia hegemônica para deslegitimar o Congresso é a prova de que ela não gosta da Democracia.
Por Tales Faria, do Jornal do Brasil

Sempre gostei do jornalismo investigativo. E nunca fiz coro com aqueles que taxam como denuncismo aquilo que é simplesmente denúncia. E não vejo por que denunciar erros e desmandos em instituições seja uma forma de derrubá-las. Acho que, no mais das vezes, ajuda a aperfeiçoá-las.

Mas lembro muito bem um tempo em que sociólogos iluminados e arautos do conservadorismo defendiam arduamente a tese de que precisávamos parar com as denúncias. Que denuncismos não servem para preservar as instituições. Vi também o PT de um lado do balcão, bradindo o megafone das denúncias e, depois, na época do mensalão, atacando a irresponsabilidade dos acusadores. O mundo é assim, tudo depende de que lado cada turma está. Hoje tucanos e ex-pefelistas do DEM não falam mais em denuncismo. Resolveram bater pesado no Congresso. Como acho que DEM, PSDB e PMDB controlaram a maior parte do tempo o Congresso, especialmente o Senado, não posso deixar de concluir que essas denúncias vão acabar recaindo sobre eles próprios. Aí fico meio sem entender por que, então, insistem.

Para tentar compreender um pouco, resolvi dar um passeio pela internet. Naveguei por comentários dos blogs de política. Nos que reproduzem meus artigos, vi coisas como a do leitor que se assina Helvécio Pinton (hpinton@aurortextil.com.br):
“Há muito tempo defendia a ideia de que só uma bomba de nêutrons consertaria esse país. Começo a achar que, do jeito que andam as coisas, nem várias bombas de nêutrons dariam mais jeito... Estamos definitivamente arruinados em matéria de credibilidade”.

O internauta de apelido Beto (paraty47@bol.com.br) enviou:
“Todos os que criticam o período da ditadura militar lamentam a falta de oportunidade daquele período para os escândalos a que estamos assistindo no Executivo e no Legislativo. O limite do brasileiro é realmente muito grande. Em qualquer país civilizado esse Congresso já teria caído fora. Somos todos bobos porque não sabemos defender a nossa nação. Vivemos de jeitinho e somos conhecidos por isso lá fora. A cadeia está cheia de pequenos ladrões enquanto os grandes ladrões mandam no país. Quem manda concordar que as decisões sejam tomadas em Brasília, um verdadeiro arraial de Festa de São João”.

Vi até coisas como este comentário de Zilnard Carvalho (carvalho-43@hotmail.com):
“Quando Collor era candidato à Presidência, declarou certa vez que o Senado era um ninho de ratos e que iria acabar com isso. Ganhou, com uma avalanche de votos e foi deposto pelas intrigas do próprio Senado que soube comprar as declarações do irmão do Collor e, aproveitando-se da força da mídia, inventou, ensinou e incitou os caras pintadas de verde e amarelo a depor o presidente. Aquilo lá já deu até, como cria, chefe de quadrilha de matadores no Norte e Nordeste. Ali é o verdadeiro ninho ‘de tudo que é furto no país’, que o povo e a mídia, se querem uma nação passada a limpo, devem investigar mais ainda, e não fazer como o senhor Lula, que sempre passa a mão na cabeça deles como fez agora com o Sarney e suas trapalhadas. Será que o povo e a mídia já esqueceram que o Sarney, quando presidente do Brasil, esteve à beira do impeachement? Lembram-se quem, e o que o salvou? Pois aí está. Collor agora é da quadrilha e nós, quando povo, e a mídia continuamos a suar a camisa e fazer papel de palhaço às custas desta camarilha instalada em Brasília. O Brasil não é um país sério, disse um presidente francês. Aqui devia ter a guilhotina como teve a França. E a nossa política devia ser como no Líbano: roubou, perde a mão, estuprou é capado, e assim por diante”.

E veja o que postou o Paulo Fernando da Fonseca (paulofonseca60@yahoo.com.br) sobre artigo de outro colunista de política:
“Caro, improdutivo, escandaloso, portanto, nosso Congresso é de todo desnecessário. Sairia mais barato pagar a esses ladrões para que ficassem em suas bases”.

Pior. Em outra coluna, um internauta, dito Sergio-paulista (smassera@terra.com.br), postou a seguinte pérola:
“Este é o governo que permite tudo, desde que o apoie. Uma bomba H em Brasília resolveria todos os nossos problemas!”.

Bem, em política não há espaço para a ingenuidade. Vale perguntar por que quem resistia a dar eco a qualquer denúncia hoje finge não ouvir gritos de guerra como os dos desavisados comentaristas acima.


sábado, 20 de junho de 2009

I CONFERENCIA LOCAL DE CONTROLE SOCIAL

Prezad@s,

Divulgo com entusiasmo a programação da "I Conferência Local de Controle Social" em Campos dos Goytacazes, RJ, cidade no Norte Fluminense usualmente dotada de somas vultuosas de recursos e baixíssimo nível de "controle social" ou de "controles democráticos" sobre o erário.

Tanto o é que usualmente as ações de maior impacto político na cidade são deflagradas na esteira do que a literatura contemporânea chama de "judicialização da política", o que significa que o aparato judicial do Estado, mediante seu braço repressivo, desbarata e criminaliza práticas nefastas e ilegais contra o bem público. Mas, como venho argumentando, o revés da judicialização é a inércia dos atores atuantes na sociedade civil que tanto depositam sua fé cívica na ação da justiça quanto aguardam, placidamente, que o poder judiciário faça aquilo que deveria ser sua prerrogativa: a fiscalização do Estado e da classe política.

Por tudo isso a ousada tentativa, mais uma vez capitaneada pelo professor Hamilton Garcia de Lima (Laboratório de Estudos da Sociedade Civil e do Estado - UENF), deve ser acompanhada de perto pelos interessados nas tramas ocorridas no espaço público local. Afinal, fóruns e conferências como as que ele tem promovido são vias de injeçao de reflexividade e crítica em um espaço público carente de intervenções de alto nível (vide os miseráveis debates no legislativo local como um dos nossos exemplos mais patéticos).

Em suma, divulguem e prestigiem. Justamente por se tratar de um projeto de extensão universitária podemos ter aí deflagrados aprendizados políticos e gramáticas morais de grande valia para uma sociedade acostumada com dois móveis rastaquera da ação política: a ação carismática de um lado ou o poder sistêmico e instrumental do "dinheiro fácil" no outro.


I CONFERENCIA LOCAL DE CONTROLE SOCIAL

A Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) convida todas as entidades civis organizadas e demais interessados na articulação de um movimento de controle dos poderes públicos locais, a participar da I Conferência Local de Controle Social, que será realizada no próximo dia 24/06, às 18h30, no auditório do IFF (antigo Cefet - Campos), localizado na Rua Dr. Siqueira, 273 - Parque Dom Bosco - Campos dos Goytacazes. O evento contará com a presença de técnicos e representantes de movimentos sociais do Rio de Janeiro, Maringá e Campos, além de um representante da CGU, e fornecerá certificado de participação.


Promoção: PROEX/UENF, PROEX/IFF e FPECCR1

Apoio: CCH/UENF, FENORTE/TECNORTE e ANOREG/RJ2

Coordenação:

Hamilton Garcia (Cientista Político/UENF)

PROGRAMAÇÃO

Abertura:

Silvério Freitas (UENF), Roberto Moraes (IFF) e José Francisco (FPECCR)

Palestrantes:

RONI ENARA

Diretora executiva do ICF - Instituto da Cidadania Fiscal, órgão disseminador e gestor da Rede de Observatórios Sociais, que são entidades da sociedade civil que trabalham em favor da transparência e da qualidade na aplicação dos recursos públicos através do controle e da vigilância social no monitoramento das licitações públicas e de ações de educação fiscal.

DÉBORA SANTANA DE OLIVEIRA

Representante do movimento Rio Como Vamos, que integra a Rede cidadã por Cidades Justas e Sustentáveis, cujo objetivo é monitorar e aprimorar a qualidade de vida na cidade. O movimento nasceu inspirado na experiência bem-sucedida de Bogotá,, na Colômbia. No Brasil, a rede começou com o movimento Nossa São Paulo, que acompanha os principais indicadores e metas do Executivo e do Legislativo municipais, a fim de contribuir para a eficácia e transparência das políticas públicas.

FÁBIO FELIX DA SILVA - GERENTE DE FOMENTO AO FORTALECIMENTO DA GESTÃO E CONTROLE SOCIAL DA CGU

Servidor de carreira da Controladoria-Geral da União (Analista de Finanças e Controle), é responsável pela gestão das ações de estímulo ao controle social, das ações educacionais para ética e cidadania dirigidas a crianças e adolescentes, e das ações de fortalecimento da gestão pública.

FRANKLIN DIAS COELHO - PRÓ-REITOR DE EXTENSAO DA UFF

Professor e Assessor da Pró Reitoria de Extensão da Universidade Federal Fluminense – UFF. Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em estudos do poder local, atuando, principalmente, nos seguintes temas: desenvolvimento local, políticas públicas, administração municipal, cadeias produtivas, pequenos empreendedores, inovações tecnológicas e cidades digitais.

DÉBORA SANTANA DE OLIVEIRA - RIO COMO VAMOS

Representante do movimento Rio Como Vamos que integra a Rede cidadã por Cidades Justas e Sustentáveis, com objetivo de monitorar e aprimorar seus indicadores de qualidade de vida. Tem como inspiração a experiência bem-sucedida iniciada na cidade de Bogotá, na Colômbia. No Brasil, a rede começou com o movimento Nossa São Paulo, que acompanha os principais indicadores e metas do Executivo e do Legislativo municipais, a fim de contribuir para a eficácia e transparência das políticas públicas .

RODRIGO VALENTE SERRA - Economista da Agencia Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.

Professor/pesquisador do Mestrado em Engenharia Ambiental do IFF e Especialista em Regulação da ANP, possuindo experiência na área de Economia Regional, com pesquisas nos seguintes temas: cidades médias, desenvolvimento regional, royalties do petróleo: distribuição, desenvolvimento urbano e crescimento econômico.

PARTICIPAÇÃO ESPECIAL: CLEBER TINOCO - Servidor publico, advogado e membro da rede blogs de Campos dos Goytacazes. Tem experiência na área de direito administrativo, com ênfase em licitação e contratos administrativos.

Debatedores:

Fábio Siqueira (Diretor Municipal do SEPE)

Geraldo Coutinho (Diretor Regional da FIRJAN)

Sobre as regras:

O formato das conferências que pretendemos realizar ao longo desse projeto comporta dois momentos: o da palestra-debate (em auditório) e da reunião deliberativa (em sala).

Como essa 1ª Conferência tem um certo caráter inaugural desse processo, até pela importância estrutural do tema, como subsídio p/ escolhas institucionais que faremos mais adiante, a mesa ficou grande e o espaço p/ o debate menor. Visando o melhor equilíbrio possível entre exposição/debate, adotamos o critério aproximadamente simétrico da distância p/ balizar a primeira rodada de exposição: quem vem de outros estados terá mais tempo do que os fluminenses e esses mais que os campistas.

Dos palestrantes, o que esperamos é uma carga condensada de informações e problematizações acerca de suas experiências/estudos, dos debatedores, que sistematizem as preocupações locais, à partir das exposições dos convidados, de forma a sistematizar as principais questões p/ a platéia e os palestrantes na 3ª rodada.



domingo, 14 de junho de 2009

Tragédia no Céu e na Terra

Fabrício Maciel


Antes do comentário quero publicizar os pêsames do Outros Campos, ainda que atrasados, a todos aqueles que neste momento sofrem a perda de algum ente querido em nossa última tragédia no ar. Acabo de ver o Fantástico e a novela midiática sensacionalizante da tragédia humana continua. O episódio atual é sobre um casal que aguarda notícias do filho. Com o coração apertado escrevo estas linhas. Após a tragédia no céu, na terra ela continua. Continua para as famílias, em particular, e para uma sociedade débil com seus dilemas sociais e humanos. A morte sempre foi ritualizada nas sociedades humanas. Nas modernas, ou avançadas, como gostamos de dizer, algo novo parece ocorrer. Os rituais, típicos da ação humana, naturalizam a dimensão sem precedentes das tragédias que vivemos. Naturalizam também suas causas, sempre omitidas ou simplificadas em nosso imaginário, o que explica a edição sensacionalista da mídia, seu reality show da tragédia.
A solidariedade de classe, em particular, da classe média, e a solidariedade nacional com as classes integradas, no geral, se completam. Não que a classe média seja boazinha, mas suas perdas humanas são sensacionalizadas de modo diferente daquelas da ralé. Nas primeiras são pessoas de verdade que morrem, alguém que fez algo de bom por sua sociedade, a ajudou a desenvolver, e está certo. No segundo caso, as mortes que surgem na mídia geralmente são de delinquentes, que só viram celebridades póstumas por serem considerados inimigos da mesma sociedade construída pelos primeiros. Está errado.
No geral, o triste fato permite algumas constatações igualmente tristes. Primeiro, para não sermos simplistas, a dimensão de perigo fora do alcance da tecnologia, sempre incompleta, fenômeno este mundial. Depois, a debilidade de uma esfera pública e de um imaginário nacional que geralmente funcionam por osmose, como paliativos, geralmente incapazes de se colocarem previamente com análise e ações práticas certo padrão de previsibilidade sobre a segurança nacional de todas as classes. Efeitos de um aprendizado moral e político historicamente fraco, queu só aprendeu a naturalizar certas desgraças como inevitáveis ou como espetáculos de dor. Tristes são estas famílias, com todo o direito. Triste é a nação brasileira agora, pela sensibilidade que o sensacionalismo ainda suscita, e pela incapacidade política. Triste sou eu escrevendo agora. Um abraço forte a todos que sentem agora diretamente ou não com tais perdas.

domingo, 7 de junho de 2009

Segundas Debates: Estudos Acadêmicos Complementares à Graduação

Prezad@s,

Divulgo evento promovido pela professora Ana Maria A. da Costa da UFF Campos.

Por conta da correria nem sempre consigo postar os avisos.. mas, desta vez foi possível!

Divulguem e prestigiem:

MEC - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

ESR - INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE E DESENVOLVIMENTO REGIONAL

COORDENAÇÃO DE EXTENSÃO

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

Projeto de Extensão: “Segundas Debates: Estudos Acadêmicos Complementares à Graduação.”

CONVITE

O Projeto de Extensão Segundas Debates, convida você a participar da Mesa-redonda Os Assentamentos Rurais e a Inclusão Produtiva: um caminho possível, no 15 dia de Junho - segunda-feira, no horário de 16:00 às 18:00 h no ESR/UFF-Campos – sala 01. Convidados:

David Barbosa – Coordenador Geral da COOPERPROCIC( Cooperativa de Produção e Comercialização dos Assentados de Ilha Grande e Che Guevara - Marreca);

Fábio Cunha Coelho – Professor e pesquisador da UENF-CCTA/LFIT .

Mineiro – ( Assentamento Antônio de Faria – Lagoa de Cima).

Profª Ana Maria Almeida da Costa

Coordenadora do Projeto


Informações: Rua José do Patrocínio, 71 – Centro – Tel. 27220622 e 27330319, Ramal 4104 e 4112 no horário de 14:30 às 17:30h. Os certificados poderão ser solicitados na Secretaria da Coordenação de Extensão.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

"Anjos e Demônios": possibilidades de nossos tempos

Fabrício Maciel
Ontem fui ver "Anjos e Demônios", do diretor Ron Howard, baseado na obra de Dan Brown. Não li o livro e por isso não sei se é fiel, mas de todo modo o filme inspira uma discussão central sobre a modernidade. Trata-se da velha guerra entre ciência e religião, ou talvez entre formas dintintas de fé. O filme mostra dificuldades e ambiguidades dos dois lados, e no final faz uma alusão típica dos últimos tempos, ou seja, a necessidade e a possibilidade positiva de união de ambas.
A trama se desenrola no estilão clássico de serial killer. Com a descoberta de uma teconologia que permitiria um uso sem precedentes da força da anti-matéria, a "partícula de Deus", por parte da ciência, é despertado o interesse de uma sociedade secreta, os Illuminati, repudiada na idade média pela Igreja católica, por conta dos interesses científicos que ameaçavam a mesma. Na ocasião da morte do papa e da fragilidade da igreja com sua cadeira de lider vazia, os Illuminati aproveitam para se vingar ritualmente, repetindo o assassinato de quatro homens importantes da igreja, como foi feito com eles no passado, e para destruir totalmente a Igreja, com a força da tal tecnologia, roubada por eles no filme.
É interessante a tensão e ambiguidade em toda a trama. Mostra o quanto há ou pode haver de ciência na religião e vice-versa. A grande descoberta científica em jogo pode ter desdobramentos desastrosos quando em mãos de fanáticos. Do mesmo modo que cientistas podem virar fundamentalistas religiosos, como os Illuminati, pois na verdade trata-se de uma guerra entre duas religiões, no filme, tendo uma delas a ciência como deus. Uma coisa é fazer uso do saber científico, que até um interesse religioso moderado pode fazer. Outra é trata-lo como deus, o que não supera em nada a radicalidade do pensamento religioso.
Para nossa época esta discussão, que apenas levanto aqui, é fundamental, pois todas as combinações são possíveis, e algumas são melhores do que outras. Falo das combinações entre saberes científico-tecnológicos e usos moderados ou radicais. As descobertas em si não garantem um mundo melhor. Seu uso é determinado por forças em tensão, dentre elas a esboçada na guerra secular entre ciência e fé. O dado que parece novo nas últimas décadas pós guerra fria é a tendência crescente de conciliação. Este parece ser o valor destes tempos, o que não garante o fim de conflitos e maus usos de saberes.
O que define também os usos é a moral. E esta parece agora abrir boas possibilidades de combinações moderadas, o que não está garantido, mas possibilitado, e depende de posicionamentos moderados para ganhar força. Talvez uma força da moderação para se chegar a uma moderação de forças. A ciência tem essa possibilidade, se for auto-crítica, sem deixar seu próprio ofício virar deus. Não é por acaso que uma obra de arte tão aceita pelo público faça alusão à união entre ciência e fé. Este tipo de síntese já está presente em nosso imaginário atual. Já ficou claro durante o século XX que forças fundamentalistas em tensão, científicas, religiosas, ou combinadas, geram muitas mortes. Temos agora uma porta aberta para um mundo melhor. Mas ainda é apenas uma possibilidade para uma nova história.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Para rir um pouco... com todo o respeito!

Segue a entrevista do Sr. Francisco de Oliveira publicada ontem pelo Valor Econômico. Impressionou-me a capacidade criativa ilusionária do depoente.

Aviso aos navegantes: Qualquer semelhança com o mundo não-real é absolutamente proprosital. Quiçá, traço que caracteriza boa parte dos analistas tradicionais, que confundem a construção de mundos possíveis com diagnósticos da realidade.

Sem condições de aconselhar nem a mim mesmo, assumo o risco para chamar vossas atenções para a forma que o depoente confessa o desconhecimento acerca das sobreposições de clivagens sociais, ao recusar reconhecer os progressos obtidos nas clivagens de gênero e cor ou raça nos últimos anos.



"Entrevista: Cientista político eleitor de Lula diz que a disputa de 2010 será esvaziada de política e regionalista"Consenso despolitiza sociedade e coloca Lula à direita de FHC""

César Felício, de Belo Horizonte
27/05/2009

Davilym Dourado/Valor
Chico de Oliveira: "Lula tenta se legitimar por consensos que passam pela cooptação dos pobres. Bolsa Família não é direito, é dádiva"

Intelectual historicamente identificado com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tendo sido filiado ao PT até 2003, o professor aposentado de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) Francisco de Oliveira tornou-se ao longo do atual governo um dos mais cáusticos críticos à esquerda do lulismo. Para este ano, o acadêmico pernambucano de 75 anos, conhecido como Chico de Oliveira, prepara um livro que irá retratar a construção de uma hegemonia às avessas. Ou seja: como um líder popular carismático trabalharia no sentido contrário aos interesses da base que o elegeu.

No ano em que rompeu com o PT, Oliveira desferiu no front literário um dos mais contundentes ataques sofridos por Lula, ao escrever "o Ornitorrinco", um posfácio ao seu livro "Crítica da Razão Dualista", editado pela primeira vez em 1972.

Neste posfácio, Oliveira procurou fazer uma aproximação entre a elite dirigente do PT e a da oposição tucana, que teriam como grande traço de união o controle do acesso a fundos públicos.

Em setembro de 2004, Oliveira participou da criação do P-SOL, formado por dissidentes do PT que discordavam da moderação econômica do governo Lula, particularmente da reforma da previdência. Meses depois, o partido receberia outra maré de adesões de desiludidos com o petismo depois da eclosão do escândalo do mensalão.

Com a eleição de 2006, ocorre um novo afastamento. Oliveira discordou da condução da candidatura presidencial da então senadora Heloísa Helena (AL), sobretudo da decisão da sigla de permanecer neutra no segundo turno da eleição presidencial, e declarou voto pela reeleição de Lula. Chegou a definir a campanha da candidata do P-SOL, calcada nas denúncias contra o governo federal no plano ético, como um "udenismo de esquerda".

No início da crise econômica global, em janeiro deste ano, Oliveira propôs que o governo federal radicalizasse suas políticas de desenvolvimento, sugerindo que se criassem "cinco Embraer por ano", uma maneira de defender a maior participação do Estado na economia. Mas a ausência de mudanças na estratégia governamental ao longo deste ano fez com que o sociólogo voltasse à posição crítica dos últimos tempos.

Nesta entrevista, concedida por telefone ao Valor, Chico de Oliveira demonstra ceticismo em relação a mudanças no quadro político com as eleições presidenciais do próximo ano. Eis a entrevista:

Valor: Qual a avaliação que o senhor faz do governo Lula, já em seu penúltimo ano? O senhor rompeu publicamente com o PT em 2003, mas depois declarou voto pela reeleição de Lula em 2006...

Francisco de Oliveira : A minha declaração de voto em 2006 foi uma atitude política. Lula estava sob ataque de forças opositoras naquele momento e havia a esperança, uma palavra que nem gosto de usar, de que um segundo mandato fosse promotor de mudanças, mas hoje podemos ver que não houve nenhuma mudança e essa chance passou. O governo de Lula, concretamente, não demonstrou nenhum avanço social no plano dos direitos. Do ponto de vista da condução econômica é uma administração medíocre, que pensou que se salvaria da crise global e percebe-se que não tem nenhum domínio da situação. Economicamente o governo Lula é um barco à deriva, que se as ondas forem boas chega a um bom porto, e caso contrário, não.

Valor: Que comparação pode-se fazer com o governo FHC?

Oliveira: Lula está à direita de Fernando Henrique [Cardoso] ao não recompor as estruturas do Estado e não avançar na ampliação de direitos. O presidente tenta se legitimar promovendo consensos que passam pela cooptação dos mais pobres. O Bolsa Família não é um direito, mas uma dádiva. Neste sentido, vivemos na gestão dele uma regressão política, porque no governo Lula houve uma diminuição do grau de participação popular na esfera pública. E quando se projeta o cenário de 2010 percebe-se como Lula resulta regressivo. Com a força perdida pelo PT e a ausência de alternativas de Lula, uma vez que a doença de sua candidata mostra sinais de gravidade, aparece o terceiro mandato.

Valor: O senhor acha que o governo está criando um caldo de cultura para o terceiro mandato?

Oliveira: Sim, porque Lula aparece, para os olhos de determinados segmentos do meio político e popular, como o homem providencial. E neste sentido a possibilidade de um terceiro mandato é perigosa. Getúlio [Vargas] ensaiou isso com o queremismo, em 1945. Agora, pode muito bem surgir um queremismo lulista: o povo ir às ruas para pedir a continuidade do governo.

Valor: E o senhor acha que o povo irá às ruas?

Oliveira: Não digo o povo, uma categoria imprecisa, mas o PT e a CUT ainda têm capacidade para promover barulho, e barulho é o que é decisivo em uma questão como essa.

Valor: Porque no campo da esquerda nem o P-SOL, nem outras siglas conseguiram se firmar como alternativas a Lula?

Oliveira: Nada surgiu porque, ao tornar-se um mito popular, Lula tornou-se infuso à política. Ele produz um consenso de forças sociais, que estão todas muito contentes com o governo, e assim torna impossível ao eleitorado fazer escolhas reais. Isto explica porque Heloísa Helena, apesar do apelo popular que teve e tem, não se tornar uma alternativa. Vivemos um consenso conservador, no sentido de não se transformar nada, mesmo com a presença das massas populares neste consenso.

Valor: Ao romper com o PT, o senhor disse que o partido poderia ter o mesmo destino do peronismo, tornando-se uma força política que não consegue ter referências ideológicas e prende-se ao espólio de uma liderança...

Oliveira: Se fiz esta aproximação, foi um equívoco meu. A mídia brasileira por vezes passa uma ideia equivocada do que foi [Juan Domingo] Perón na Argentina. O Perón não despolitizou o país. Sob o vezo do autoritarismo, em seu período se produziu uma ampliação de direitos tal que a tradicional oligarquia argentina jamais se recuperou. No caso de Lula, está ocorrendo exatamente o contrário, a diminuição do espaço da política na sociedade.

Valor: O governo Lula não investiu na inclusão de minorias nos espaços de poder, por meio de políticas de ação afirmativas para negros e mulheres?

Oliveira: Ele tomou os vestígios de um discurso sociológico fajuto para negar o conflito de classes. Veja, com a análise da questão das classes se mata as charadas no Brasil. Quando a gente pensa a sociedade por meio destas clivagens de gênero e raça, não se mata charada nenhuma. O problema do Brasil é de uma grande maioria, virtual totalidade mulata, e não pode ser resolvido por políticas afirmativas étnicas, diferentemente do que ocorre na Bolívia e na Venezuela, onde a chave étnica é decisiva. Para resolver os problemas de exclusão social no Brasil, é preciso enfrentar problemas de classe. A política de cotas só faz reafirmar a exclusão. Qual as chances concretas que um negro com grau universitário obtido graças às cotas ampliação de direitos combatem a discriminação.

Valor: O senhor analisa o governo Lula como o autor de uma guinada conservadora, mas, com instrumentos como a Carta ao Povo Brasileiro, Lula já não se elegeu sob este signo?

Oliveira: Pelo contrário, Lula foi eleito em um processo de força popular crescente de um movimento político, que acumulou energia de eleição em eleição desde os anos 80. Não foi um episódio que se resume à crônica de 2002, foi um processo longo. Lula foi eleito com uma base progressista. Não houve nenhuma chancela do eleitorado para o que ele faria a seguir.

Valor: Além de sua gestão econômica até certo ponto surpreendente, o primeiro mandato de Lula foi marcado pelos escândalos na área ética, dos quais o do mensalão foi o mais emblemático. Por que a ressonância popular destes problemas foi zero?

Oliveira: Há uma tendência popular de nivelar a todos. Historicamente, a questão ética só estigmatiza políticos de estatura menor, como os exemplos recentes de [Paulo] Maluf e [Orestes] Quércia. Gostaria que tivesse sido diferente, mas este fator jamais foi decisivo em eleições brasileiras e não será na próxima.

Valor: Qual o balanço que o senhor faz da oposição brasileira nestes últimos sete anos?

Oliveira: Que crítica a oposição pode fazer ao governo Lula? Objetivamente nenhuma. Os governadores José Serra e Aécio Neves estão do mesmo lado. Em termos concretos, já há tempos a oposição deixou de existir. Isto porque a política no Brasil perdeu a capacidade decisória.

Valor: Que diferenças o senhor identifica entre Serra e Aécio?

Oliveira: Rejeito ambos por motivos diferentes. Aécio parece mais um político superficial que se faz sob a herança política familiar. Nunca vi uma opinião dele que impressionasse. Serra é uma surpresa. Faz um governo gerencial e até reacionário, ao lidar com o funcionalismo e com a universidade pública. É um político que gradualmente se converteu, quando vemos o passado dele e o local onde atua agora. É o grande líder conservador.

Valor: Sob que signo será disputada a eleição presidencial do próximo ano?

Oliveira: A eleição de 2010 será despolitizada e regionalista. Vejo agora a articulação entre São Paulo e Minas. Antes era o café com leite, hoje talvez seja o café com leite de um lado, a cana e a indústria do outro... a eleição caminha para ser uma disputa entre a confluência de São Paulo com Minas em contraposição à confluência do Nordeste e do Norte. É uma disputa que se dá em termos regionais, sem nenhum ponto político, nenhuma discussão de concepção propriamente política. Ao criar um consenso, Lula foi fortemente despolitizador. É uma dinâmica diferente do tempo de Fernando Henrique. Fernando Henrique buscou subjugar as forças contrárias, Lula as desmobiliza.

Valor: E que papel jogam atualmente os movimentos sociais?

Oliveira: Os movimentos sociais estão apagados, porque tratam-se em sua maioria de articulações em torno de objetivos pontuais, o que tornam limitadas as possibilidades de crescimento. O mais importante deles, que é o MST, busca saídas para a sobrevivência.

Valor: Esta desmobilização política não é um fenômeno global?

Oliveira: Ela é um fenômeno mundial. A França elegeu [Nicolas] Sarkozy, um direitista que se disfarça. Nos Estados Unidos, temos [Barack] Obama, que está recuando de suas posições iniciais. Na Alemanha, Ângela Merkel faz uma conciliação que junta sociais democratas e conservadores. E na Rússia, há um florescer do autocratismo. Todo mundo está convergindo para um ponto médio, que é uma espécie de anulação das posições. Mas no Brasil é mais grave, porque aqui a desigualdade é muito maior.

domingo, 24 de maio de 2009

CF 88, PMDB, Judiciário....

Prezad@s,

Neste momento em que os "Outros Campistas" estão demasiado enredados em suas tarefas de preparação para concursos, elaboração de ajustes finais de teses e dissertações ou tão simplesmente tentando sobreviver ao final do semestre em suas realidades, trago um vídeo interessante para o debate.




Trata-se de entrevista concedida pelo professor Marcus Nobre (Unicamp/CEBRAP) sobre os 20 anos da Constituição Federal Brasileira. Todavia o repertório é mais variado com um cardápio envolvendo PMDB, STF, Sarney, Plano Real, etc... De toda maneira, como disse, é uma entrevista interessante pois, a despeito de concordamos com Nobre, este nos ajuda a pensar.


domingo, 17 de maio de 2009

Estado & Mercado em defesa da Sociedade Campista

Recentemente, o ministro de assuntos estrategicos Mangabeira Unger, tem reforcado suas propostas, ja esbocadas em textos como seu livro O que a esquerda deve propor, no sentido de uma atuacao do Estado rearticulando na medida do possivel a estrutura do mercado. Dentre outras coisas, isto significa melhorar a infra-estrutura para a atuacao de empresas, bem como facilitar o potencial criativo de determinados mercados locais, com o fomento diversificado a pequenas e medias empresas. No Nordeste, exemplo sempre trazido pelo ministro, ha pequenos mercados produtivos de inventividade local, nos quais o Estado pode atuar, esta e uma das propostas, no sentido de nao impor de cima para baixo a forma de trabalho e seus mecanismos, mas sim de fomentar iniciativas ja presentes no mercado.
Como podemos pensar o Estado tambem em nivel local, uma de suas estrategias deve ser facilitar o fluxo do mercado pela administracao do espaco. Digo isso pensando em certas coisas curiosas que ocorrem em Campos. Por exemplo, a tal fabrica de sucos, totalmente isolada, tem dificil acesso para os trabalhadores e se fosse mais proxima a area urbana poderia mobilizar mercados perifericos em seu entorno. Ha sempre alguem que monta um restaurante proximo por exemplo, o que gera algum emprego. Este tipo de planejamento deve ser assumido pela prefeitura. Certamente o espaco dentro do perimetro urbano e raro e tais decisoes sempre envolvem interesses que muitas vezes contrariam a logica administrativa e sao particularistas. No entanto, faz parte da responsabilidade da administracao publica este tipo de planejamento que oferece potencial de rearticulacao do mercado e de suas possibilidades de desenvolvimento. E algo que esta ao alcance quando se tem administracao seria com planejamento de medio prazo, mas que inicia logo em curto prazo.
Fabricio Maciel

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Em defesa da crítica: sobre a função dos blogs (em Campos e no mundo)


Em virtude do espantoso impacto dos blogs, (vide a reação de importantes instituições como câmara de vereadores, imprensa formal e outros) tem-se nas últimas semanas discutido muito sobre qual é o papel e a função dos blogs na vida social e política. Não vou me arrogar aqui dizer o que os blogs devem ser, até porque acho que eles podem e devem ser coisas muito diversas em relação a propostas e conteúdos, apenas quero pontuar sobre a legitimidade da vertente crítica entre os blogs.

Como primeiro ponto, é importante esclarecer o valor da crítica como elemento genuinamente transformador da realidade, seja esta “realidade” coletiva ou individual, externa ou interna. É através dela (a crítica) que podemos desvelar o universo de idéias que sustentam nossas certezas sobre o mundo e sobre nós, e assim, estão abertas as portas para a transformação e desenvolvimento da personalidade e do mundo como um todo. Como nos diz sua etimologia, a função da crítica é a instauração da crise, e a crise gera sempre o conflito, e o conflito, quando “vencido”, transforma-se em superação e em desenvolvimento. O pólo oposto da crise é a estagnação, o marasmo.

Isso nos mostra que a tríade crítica-crise-conflito faz parte da dinâmica da vida, são como deuses que se impõem frente a nós, pobres mortais. E a história nos ensina que, a atitude mais prudente que os homens devem ter em relação aos deuses é venerá-los no culto, porque caso isso não ocorra, a vingança deles contra nós será implacável. Seguindo esta metáfora, podemos pensar que, se tornar avesso a crítica, negando a existência e o valor do conflito (recalcando-o) é o caminho menos adequado a seguir.

E esse caminho é o que vem sendo tomado pelos conservadores, medrosos, cínicos e covardes de toda ordem que se afeiçoam ao marasmo e a estagnação, seja por covardia ou porque se locupletam de alguma forma desta situação. Através de uma canalhice travestida de “bom mocismo”, querem “higienizar” a esfera pública e a “blogsfera” eliminando a crítica e o conflito, para assim, eliminar a possibilidade de transformação social, o que implicaria no fim de seus privilégios. Deslegitimam a atividade crítica como se essa fosse obra de desocupados, que carecem de polidez necessária a esfera pública, por isso lhes caberia o rótulo de destemperados. Procuram associar a crítica a “faniquitos”, a esperneio infantil. Quanto a estes, o que inclui também os “blogueiros de coleira”, só me resta parafrasear meu amigo Roberto Torres: “Nenhuma tolerância! Nenhuma flexibilidade!”.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

O QUE É ESTADO?

Fabrício Maciel


Inpirado no texto de Roberto sobre o mercado, proponho uma sequência. Enorme literatura poderia ser mobilizada para tanto, mas estarei detido apenas em alguns autores que me parecem apresentar definições críticas. No geral, sabemos que o Estado é uma instituição racional e impessoal tipicamente moderna, central no funcionamento das sociedades democráticas contemporâneas.
Em Pierre Bourdieu, ele é uma instituição ambígua, traço este característico das instituições modernas, assim como a ciência nacional moderna. É ambíguo por que tem o potencial universalista de ser aperfeiçoado e funcionar no sentido de defender e instituir práticas e direitos que contemplem diversas necessidades de classes e grupos sociais distintos sob sua atuação formal. Por outro lado, oferece a possibilidade de ser apropriado por fins particularistas, o que não é incomum na história contemporânea, e quando acontece tende a favorecer classes e frações de classes dominantes, ligadas direta ou indiretamente à sua atuação.
É importante compreender que o desdobramento empírico da história de um Estado não deve necessariamente pender totalmente para um lado ou para o outro, como sugere o tipo de oposição imediata usada por um Roberto DaMatta, onde em nossa cultura teríamos pendido para o jeitinho e improviso, e como faz a tese do patrimonialismo, sua fiel aliada, onde teríamos pendido para o particularismo da apropriação por parte de alguns, de recursos que deveriam ser administrados pelo Estado para todos. Um Estado nacional moderno pode ser empiricamente marcado pela tensão dinâmica entre estas duas possibilidades de desdobramento histórico, o que se define na prática pelo gradiente de forças em oposição que uma sociedade apresenta, em suas lutas de classe ou identitárias, pelo reconhecimento do valor intrínseco de formas de vida distintas que acaba tendo no direito um possível avanço na defesa de seus interesses.
Michel Foucault concordaria em parte, pois para ele o Estado moderno é fruto de conquista histórica da burguesia, que num só movimento o constitui e é por ele constituída como corpo fechado, classe auto-protegida e por isso dominante, através de vitória histórica de seu saber-poder diante de outros estamentos historicos dominantes, como a aristocracia. Em seus termos, podemos dizer que o Estado possui uma função manifesta universalista, mas uma função latente particularista, podendo agir favorecendo e sendo influenciado por saberes-poderes de classes ou grupos específicos.
Estamos falando do Estado nacional moderno, e podemos pensar em seu formato institucional federativo em nosso caso, que se desdobra, dentre outras formas, em governos estaduais e prefeituras municipais, relativamente autônomas em algumas funções e totalmente autonomas em outras, para falar de nossa Campos. A tensão entre potenciais universalistas institucionais e possibilidades de apropriação particularistas também é presente no formato político local, e eu não preciso aqui de nenhum exemplo para dizer que a apropriação particularista em Campos é forte.
Ao invés de ficarmos na simplificação patrimonialista, na tese de que simplesmente em nossa história pendemos para um lado, devemos tematizar a tensão e a possibilidade de desdobramentos empíricos melhores, universalistas. Como disse, eles dependem de lutas concretas entre interesses e idéias opostas, derivados de classes e identidades antagônicos. Compreender isso nos dá força para crermos em qualquer engajamento público possível, seja de grevistas ou de associação de moradores, ainda que falhos e problematicos, e não ficarmos no discurso de que são cooptados. Também cabe aqui apostar no aperfeiçoamento da esfera pública, onde a luta se dá em nível discursivo de onde podem sair propostas de ação efetivas, e a blogsfera de Campos, que já incomodou honoráveis senhores locais, tem apresentado boa atuação neste sentido. Portanto, temos aqui um espaço de ação, pois potenciais de melhora são históricos e dependem de engajamento prático e discursivo.

Os Estados nacionais neste sentido têm sido alterados, pois o fenômeno empírico da globalização e da tecnologia possibilita maior circulação de pessoas no mundo, gerando questões sociais internacionais, como a nova ralé imigrante na Europa, e nos desafiando para um novo conceito de cidadania pós-nacional. Assim, os Estados, em nível internacional e local, precisam enfrentar institucionalmente, assim como as sociedades precisam enfrentar moralmente, as demandas por reconhecimento e inclusão social, que mudando de endereço ou não, precisam e podem contar com novas possibilidades institucionais e sociais de re-articulação. Como disse, a luta e o aprendizado político para tanto podem ser práticos ou ideais e discursivos, dimensões estas que não se separam. Este é o caminho para que Estado e sociedade não se restrinjam à falsa oposição teórica de representantes e representados, ou à falsa rivalidade Estado x mercado, onde a luta contra a desigualdade será sempre o aperfeiçoamento de medidas paliativas.

terça-feira, 12 de maio de 2009

3O DIAS DE HUMOR

O SESC Campos traz no mês de maio o projeto "30 dias de humor". Serão apresentadas diversas possibilidades de manifestação humorística, com espetáculos e esquetes teatrais, apresentações circenses, oficinas e comédias cinematográficas tanto para adultos quanto para crianças.

Veja a Programação QUE COMEÇA AMANHÃ:

Festival de Esquetes
O Festival de Esquetes é uma realização do SESC Rio, em parceria com o CBTIJ - Centro Brasileiro de Teatro para Infância e Juventude.
Grátis. 14 anos.

* 13/5, 19h - Noite de Humor - Quatro esquetes:

1- Marília Tagarela Entrevista Renata Sorrateira, com Márcio Machado e Luis Lobianco;
2- A Tragédia de Elizabeth Maria, com Marcio Moura e Álvaro Assad, da Companhia Teatral Etc e Tal;
3- Mau Humor, com Carmen Frenzel;
4- Mamãe É que Tinha Razão, com Anneli Olljum, Márcio Machado e Antonio Carlos Bernardes, da Companhia ACB Teatral.
Coordenação Geral de Antonio Carlos Bernardes.

* 14 a 16/5, 19h - Festival de Esquetes - Apresentação dos espetáculos selecionados pelo Festival.

* 16/5, 20h - Pout-pourrir - Personagens debochados e sarcásticos em atuações solo e em duetos. Criação, texto e direção de Afra Gomes e Leandro Goulart, com Mariana Santos e Cristiana Pompeo.
Confira a programação completa e outros eventos: http://www.sescrio.com.br/data/Pages/LUMISB16C8101PTBRIEGUEST.htm

Vestibular UFF

Já que falamos em UFF...

Segue divulgação oficial da instituição que recebi por e-mail dos professores que a constituem.

Notarão que a área de ciências sociais atenderá um outro público pela modalidade noturna e pela opção na formação de professores. Tudo me leva a crer que teremos um perfil de trabalhadores no curso. Algo diverso no curso de economia, onde se formará o bacharel em modalidade diurna.

Todavia a necessidade objetiva de vender a sua força de trabalho não provoca, necessariamente, um déficit intelectual. Nosso maior sociólogo, Florestan Fernandes, era oriundo deste agrupamento social...

Isto significa apenas que o perfil da UENF, que opta pelo bacharelado em um curso integral/diurno, seguirá atraindo um outro perfil de estudantes, com tempo disponível para ter uma vida de "estudante" por quatro anos em média. Pode ser um perfil diverso de profissionais e de estudantes.

Com Bourdieu entendi que devemos evitar o profetismo. Mas, quem viver verá.


De toda forma divulguem amplamente a informação. As universidades públicas são reconhecidas como lócus de produção de conhecimento e de massa crítica. A ampliação da UFF certamente pode gerar ganhos substantivos no médio prazo para Campos e região. Isto veremos na produção de pesquisas e de conhecimento.


______________________________________________________________________

Estão abertas as inscrições para o Vestibular Extraordinário 2009 da UFF/Polo de Campos dos Goytacazes.

Vertibular 2009

As inscrições estão abertas para três novos cursos, públicos e gratuitos, que serão iniciados em agosto/2009, no ESR - Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional, na R. José do Patrocínio, 59-71. São oferecidas 150 vagas, sendo 50 para o curso de geografia (bacharelado e licenciatura, noturno), 50 para ciências sociais (bacharelado e licenciatura, noturno) e 50 para ciências econômicas (bacharelado, diurno).

A criação dos cursos faz parte do REUNI - Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, do MEC. As provas serão aplicadas no dia 14 de junho, em uma única etapa, com 40 questões sobre português, matemática, geografia e história, além de redação.

As inscrições vão até 14 de maio, e devem ser feitas pela internet através do site

http://www.coseac.uff.br/campos/2009/index.htm

Maiores informações:

(21) 2629-2805 ou 2629-2806, COSEAC, Niterói

(22) 2722-0622; 2722-0334; 2733-0319; 2722-0310 (ESR/Campos)

sexta-feira, 8 de maio de 2009

A UENF sobreviverá ao governo Lula?*


Assim como uma série de áreas do governo Lula, a política para as instituições técnicas e superiores de educação de seu governo é mais uma goleada humilhante no governo do seu antecessor, o emérito sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Durante os 8 anos de FHC, as universidades públicas federais estiveram a míngua: sem verbas, salários defasados, baixo investimento em pesquisa e etc, num claro apoio a privatização paulatina do ensino superior. O governo Lula fez o oposto, a expansão das universidades e do incentivo a pesquisa no seu governo são impressionantes. Isso fica claro na criação das universidades técnicas, como também da valorização dos professores (aumento de salários e de vagas), aumento do número e também do valor das bolsas de incentivo a pesquisa (coisa que jamais aconteceu no 8 anos de FHC). O resultado disso são números não menos impressionantes:

O país apresentou, entre 2007 e 2008, o maior crescimento entre as demais nações: passou de pouco mais de 19 mil para cerca de 30 mil artigos publicados em periódicos científicos indexados. Ultrapassou a Rússia e a Holanda e chegou a 13º melhor produtor de conhecimento do mundo, contribuindo com 2,12% dos artigos de 183 países. “É o maior crescimento da história do país, um feito notável da academia brasileira, que abre um novo horizonte”, disse o ministro.”

Esses números que enchem de orgulho os brasileiros transformam-se numa grande dor de cabeça para as universidades públicas estaduais: como competir com as instituições federais?


No nosso caso local, a UENF, a situação é alarmante. O projeto inicial da UENF previa a formação de uma universidade de ponta, capaz de competir com as grandes universidades do país. Para isso, na sua fase inicial foi tomada uma série de medidas para atrair intelectuais e cientistas de ponta para a remota planície goitacá. No entanto, todas elas já se encontram defasadas hoje. A UENF foi a primeira universidade que só aceitava doutores, agora isso é comum a quase todas universidades do Brasil; a UENF oferecia salários maiores, justamente para atrair cientistas de alto nível dos grandes centros, hoje o seu salário está bem abaixo das instituições federais; e oferecia muitas verbas pra pesquisa, o governo Lula ampliou isso para todos. Se nada for feito pelo governo estadual, a UENF corre o risco de se tornar uma universidade local sem a menor expressão regional, porque almejar uma expressão nacional está ficando cada vez mais longe.


No entanto, a população de Campos não precisa se sentir órfão neste assunto, isso só é mais dolorido pra quem tem alguma relação afetiva com a UENF. Se a universidade de Campos foi deixada de lado pelos governos estaduais, inclusive governos de campistas (Garotinho/Rosinha), a marcante política para o ensino superior do governo Lula atinge a planície goitacá, basta ver a expansão da UFF-Campos, do IFF, a construção da UNED em Guarus. E assim a “universidade do terceiro milênio” vai afundando no pântano goitacá.



*A foto foi copiada do blog "Fotoblog PPF"

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Fidel Light - que tempos são estes?

Fabrício Maciel
Dois fatos recentes me chamam a atenção e parecem concatenados. Fidel nos aparece com um broche contendo a bandeira norte-americana e Obama diz que Lula é o cara, enquanto liderança e político. Há algum tempo atrás o primeiro fato seria estranho até para os mais conservadores. Me parece que ambos traduzem bem a era pós guerra-fria, a "nova ordem mundial", descrita como possivelmente mais democrática, pelo menos na relação entre as nações. Nesta nova era, que até um Caetano celebrou, as relações de poder internacionais são mais difusas e heterogêneas, uma vez que não há mais o mundo polarizado como antes, havendo agora vários polos em busca de hegemonia.
Parece que mais do que nunca estamos na era dos acordos. A política de blocos economicos e políticos, só omite a desigualdade histórica entre as nações. Para um Obama, pega super bem dizer que Lula é o cara. Tal fala, contextualizada se olharmos como Obama olha, de cima, deixa claro que ele diz isso sobre o contexto do eixo Sul. Por aqui de fato Lula é o cara. Seu eficaz governo não deixa de se encaixar no tom do discurso de senso comum mundial atual: Brasil, um país para todos, é a versão brasileira da nova ordem multiculturalista. Este termo sugere uma era que respeita mais as diferenças, mais tolerante, menos agressiva, de mais entendimento, e neste contexto pega bem Fidel aparecer como alguém menos fechado à política mundial, menos radical, menos arrogante (como o lulinha paz e amor) mais aberto ao novo mundo, à nova ordem mundial.
A nova ordem dita multicultural omite, no entanto, que relativamente a lógica da economia mundial mantém um Atlântico Norte rico e legitimado, em detrimento de países inteiros, como na África, afundados em miséria histórica e esperando que a lógica do desenvolvimento chegue. Enquanto isso fatos emblemáticos como os dois citados só reforçam o ideal de ordem mais democrática em todos os aspectos.

domingo, 3 de maio de 2009

Segundas Debates - UFF Campos

Divulgando a pedido da Profª Ana Maria da Costa:

MEC- UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE E DESENVOLVIMENTO REGIONAL

COORDENAÇÃO DE EXTENSÃO

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

Projeto de Extensão: “Segundas Debates: Estudos Acadêmicos Complementares à Graduação em Serviço Social.”

CONVITE

O Projeto de Extensão Segundas Debates convida você a participar no dia 04 de Maio - segunda-feira, no horário de 16:00 às 18:00 h no ESR/UFF – sala 01, da Mesa-redonda: "Os Desafios da Inclusão Produtiva e a contribuição das Instituições de Ensino Superior (IES) Públicas para pensar as necessidades e potencialidades da região". Convidados: Prof. José Luis Vianna da Cruz – Diretor do Pólo Universitário – UFF/Campos ; Prof. Almy Junior Cordeiro de Carvalho - Reitor da UENF e Prof. Roberto Moraes – Pró-reitor de Extensão do IFF .

Profª Ana Maria Almeida da Costa

Coordenadora

Informações: Rua José do Patrocínio, 71 – Centro – Tel. 27220622 e 27330319, Ramal 4104 e 4112 no horário de 14:30 as 17:30h.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Nós, os “blogueiros desocupados”....

Roberto Torres

Dando uma passeada agora pela rede campista de Blogs, acabo de tomar conhecimento da manifestação do presidente da Camara Municipal diante das críticas que os “vereadores-vendidos” (lembrando o “banqueiro-bandido” do Protógenes) vem sofrendo em alguns Blogs. Segundo Nelson Nahim, tratam-se de “blogueiros desocupados” os que ficam escrevendo contra a “moral de nossos vereadores.” Não quero aqui discutir em que medida os Blogs atacam ou não a moral dos vereadores. O comportamento que a “Casa das Leis”, onde “nós, o povo”, nos faríamos representar, diante de todos os absurdos administrativos e políticos de qualquer governo que compra as suas vozes (seja o do “Macabro”, seja esse ai da família Garotinho...) já basta para provar que eles não agem de acordo com nenhuma moral próxima daquela a que eles juram adesão quando tomam posse. O que eu quero discutir aqui é o conteúdo implícito da fala do presidente da casa.
Qual o sentido de “desocupados” no contexto da gramática política de Nahim e seus “honrados amigos vereadores”, gramática essa que podemos, creio eu, aludir ao que chamamos vagamente de “cultura política local” (que, na verdade, é muito mais que “cultural” e do que “local...”)? Não somos desocupados simplesmente porque temos tempo livre e porque manchamos a moral do trabalho “tao cara” à Nahim e a seus amigos, eleitores e todos os que dão legitimidade a seu discurso e comportamento. Ter tempo livre não é um incomodo para a boa consciência para essa gente que se incomoda com a desocupação dos blogueiros. Eles tem bastante, haja vista a quantidade de faltas nas seções da Casa, e os “debates” sobre o novo Bar da Pelinca quanto estão presentes. O tempo livre em si não é o que contraria essa forma de ver a agir na política que, em Campos, é praticamente feita a céu aberto. Ficar em casa escrevendo na internet não é condenável desde que não se mexa com a vida alheia e com os negócios alheios. É assim que Nahim e seus colegas percebem a vereança: como um negócio particular. A arrogância que sai de sua manifestação expressa mesmo toda a ignorância prática, nada ingenua, sobre o que seja a vida pública: diante de críticas à conduta dos vereadores como homens que desempenham funções públicas, Nahim reage como alguém que se sente violado em sua vida privada.
Não acho que os maiores problemas de uma sociedade, assim como de uma cidade, devam ser compreendidos a partir das mazelas e esquizofrenias do poder público, embora não se possa ignorar isso. Acho que devemos sempre combinar a “crítica da política” com a crítica analítica das condições sociais que dão o sentido à ação de um indivíduo na política. Devemos saber que Nahim fala a gramática predominante da política em Campos e não apenas a sua ou a do “Clã Garotinho”. Mas devemos também saber “o que fazer” com nossa análise quando ela se refere a algo tao absurdamente presente e repugnante para os que querem enfrentar essa gramática que leva a política para dentro de casa e do convívio doméstico. Como só temos as míseras palavras... ai vai minha opinião sobe o que devemos fazer com elas: Nahim foi ridículo e com isso nos mostra que devemos avançar na crítica detalhada que irrite o quando mais esse poder nefasto. Nenhuma tolerância! Nenhuma flexibilidade. Esse é o nosso papel.

domingo, 26 de abril de 2009

O que é Mercado?

Roberto Torres


Talvez a forma mais eficiente que o neoliberalismo encontrou na tentativa de perpetuar sua hegemonia no mundo tenha sido a proclamação do fim das ideologias. A vida social completamente regulada pelas “forcas de mercado” foi trazida à condição de fatalidade contra a qual a política deveria ser perpetuamente limitada. Por mais que a realidade fosse de concentração acentuada do capital, a idéia de um mercado como palco da competição justa se firmou como pedra angular de uma visão de mundo que pretendia ser a única possível. A esquerda foi encurralada. A democracia reduzida, implementada e expandida como formalismo. Respeitar os formatos institucionais que dariam suporte ao mundo justo e competitivo do mercado vitorioso foi colocado como tabu e sua violação passava a render os xingamentos de “atrasado”, “viúvas do muro de Berlin”, entre outros que visavam desautorizar um questionamento político da ordem vigente.
Este mundo do Deus-mercado pretendia que a economia fosse imunizada ao máximo contra a política, como se ela fosse um “dado da evolução humana” em busca do seu bem estar, o qual deveria ser protegido contra quem pudesse usar a política para “reinventar” o mundo, interferir naquilo que funcionaria tao melhor quanto menos intervenção tivesse. Criaram-se critérios quase oficiais para condenar os aventureiros que, se eleitos, podiam ameaçar a marcha soberana da “livre iniciativa”, das “forcas do progresso”. Foi exatamente neste contexto de hegemonia ideológica que as “mentes brilhantes” do liberalismo brasileiro buscaram o conceito de patrimonialismo para legitimar o discurso de demonização do Estado. Segundo a tese de nossos liberais, tudo de ruim que havia no Brasil tinha a ver com a existência de um “estamento burocrático” (termo de Raymundo Faoro) que engolia todas as iniciativas virtuosas dos homens de mercado. Esse estamento, na cabeca de nossos liberais e seus seguidores, tem o poder explicativo que um “encosto” possui na Igreja Universal: ela está em toda parte onde o mal se manifesta.
A falsa dicotomia entre mercado e Estado busca esconder que o mercado é sempre fruto da política, que não funciona sem que seja criado por uma vontade parcial que se impõe sobre as outras, vontade essa que, se vista em seu lastro histórico, sempre vai derivar de um acordo dos vencedores para instaurar a competição. Mercados são áreas de competição, cooperação e consensos valorativos que nunca puderam prescindir de uma ordem social e política. A legalidade quase natural que o neoliberalismo pretende atribuir ao mercado historicamente existente esconde que a competição permitida e percebida como justa é feita por competidores herdeiros do poder, que foram favorecidos por políticas estatais sem as quais a ordem vigente da competição não existira em lugar algum. O liberalismo econômico é uma intervenção política que usa o Estado para fomentar a competição consentida entre si pelos vencedores e esconde todo o esforço político que precisa para ser o que é. Esconder sua ideologia, torná-la espontânea, é o que faz a política do mercado para que este seja percebido como envolvido por nenhuma política.
A crise do “fim das ideologias” traz à esquerda vários desafios, tanto práticos como teóricos. Do ponto de vista teórico, parece fundamental que a esquerda se lance numa discussão sobre o mercado, seu status na História e suas possibilidades evolutivas. O que não pode é a esquerda usar as mesmas armas em sentido contrário, como se bastasse denunciar os esquemas neoliberais de controle do Estado como “patrimonialismo de direita”. Patrimonialismo é um termo do senso comum erudito que serve para mascarar os conflitos sociais entre classes e todo tipo de privilégio que atravessam mercado e Estado. Se os fatos parecem mostrar que o mercado não é o contrário de Estado e muito menos o contrário de política e todas as incertezas e mazelas que associamos à esta em meio à hegemonia de sua demonização, como definir então o mercado? Demonstrando a mentira liberal, sobra algo de positivo no mercado que a esquerda poderia ou deveria incluir em suas proposições? Em que medida o mercado se associa à democracia?. Me parece que uma vertente muito promissora para essa questão é a chamada “nova sociologia econômica”. O que também nao é nenhum um pouco positivo é o revanchismo preguiçoso de alguns que acreditam num mero retorno à Marx como caminho suficiente para uma crítica radical ao capitalismo. No momento em que ninguém pode mais esconder a necessidade de política para restabelecer a ordem dos mercados, nada me parece mais oportuno do que alargar os termos do debate para que a pobreza intelectual que interessa à direita (imagine que hoje Reinaldo de Azevedo e FHC tem igual importância para DEM e PSDB!) não seja mantida com a pretensão de parte da esquerda que acha poder enfrentar o dogmatismo neoliberal sem atualizar Marx