quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Desilusões de Nosso Tempo III

Fabrício Maciel
Os excelentes posicionamentos de Bill, Pescador e Roberto na parte 2 desta série deixam bem claro o valor do debate científico sobre a ciência. Isso por si só já prova que todos os envolvidos acreditam no valor científico do debate, pois apresentam sem neutralidade a crença em idéias de autores contextualizados em campos acadêmicos de poder específicos. Não vejo problema em garantir meu lugar ao lado de ícones como Marx ou Cristo. De fato, como Bill coloca, estou sustentando um discurso, coisa que todos estão fazendo aqui, que não é novo. A novidade deste discurso, o que o caracteriza como tentativa de fazer ciência social sobre um tema assumidamente considerado mais importante que os outros, desde Jessé, e isso por posição ideológica assumida, é reunir elementos analíticos para além de um marxismo ou de um materialismo vulgar, inclusive de forte influência weberiana, autor que considero em vários aspectos também conservador. Aqui estou assumindo como sociólogo que não acredita em neutralidade científica, mas sim em sistematização de idéias a partir de posicionamentos políticos, como fez e disse Bourdieu o tempo todo, a liberdade de chamar de conservador todo autor ou teoria que não tematize, dentro dos devidos contextos históricos, os conflitos sociais e as hierarquias de forma direta, sem abstrações demasiadas que criam uma sociedade ideal sem história e atores sociais.
Tal postura que assumo tentar realizar é o que me parece terem feito Marx e Bourdieu, principalmente. Nas críticas às suas respectivas tradições nacionais, ambos explicitaram, dando nome aos bois, as condições sociais de origem e possibilidade das idéias dominantes, derivadas de posições de classe dominantes. HOje em dia, resume-se tal postura sutilmente, nunca de forma corajosa e aberta, a ideologia, e não ciência. Tais leituras de correntes teóricas se tornam comuns e inquestionáveis. Assim com Parsons e Luhmann gozam do prestígio de grandes teorias que sintetizam o todo social.
Minha leitura direta de Parsons também é pequena, mas tenho acompanhado debates sobre ele e conheço muito de sua obra através de seu discípulo ainda vivo, considerado o maior vivo, Richard Münch, que por coincidência foi citado neste debate, e me aceitou para estudar com ele na Alemanha no ano passado. Isso prova que não desprezo a possibilidade de aprender com os conservadores, pois o considero um deles também. Nâo estou me doutorando com ele hoje apenas por que não ganhei a bolsa. Considero muito pertinente a avaliação de Alexander sobre a obra de Parsons como um todo. Contextualizando seu poder de influência e divulgação no contexto de poder norte americano do meio do século, Alexander considera que sua obra, em torno da noção abstrata de estrutura, inventa uma nova leitura do todo social, que não é neutra, ao invés de ser uma síntese neutra dos clássicos, que passa a ser predominante em toda a ciência social do resto do século, diretamente ou não, e principalmente na América, o que inclui o Brasil. Quanto a Luhmann que li junto com Roberto recentemente, vou partir de uma frase que Bill já me disse pessoalmente: "seu mérito é elevar a teoria a um nível de abstração ao máximo possível", algo mais ou menos assim, se me lembro bem. Bem, no livro básico que li dele, e em comentadores também, vejo que toda sua pretensão elogiável de reinventar a sociologia, imaginando conceitos para todas as dimensões da realidade e apresentando a possibilidade de concatená-los, me parece carecer do mais importante, a referência a fatos empíricos e observáveis da história social. Como sugere Honneth, uma teoria normativa, como queria Marx, precisa encontrar na própria realidade acuradamente observada, e isso não é senso comum, é a ciência tentando interpretá-lo, as expressões de cada classe ou grupo social sobre sua experiência, seja de sofrimento ou de privilégios.
Tal posicionamento significa a tentativa de formular uma teoria social que se adapte às mudanças históricas das sociedades observando-as constantemente, ou seja, é uma construção teórico-empírica, como tentamos fazer no grupo de pesquisa dirigido por Jessé. E não o contrário, como condenava Bourdieu, ou seja, tentar enquadrar qualquer realidade em modelos aprioristicos que não mudam com o avanço das mudanças sociais. Por isso considero muito pouco útil a obra de um Luhmann para compreender as contradições sociais contemporâneas. Enquanto se abstrai em conceitos puros, sem referências históricas, se esquece das relações de dominação entre grupos, classes e também entre nações, do norte e do sul, por exemplo, algo que a um alemão como ele ou a um americano como Parsons pouco interessa. Por isso assumo minhas escolhas. Que tenham alguma coisa de valor, concordo com Roberto. Mas como um todo considero muito pouco, e por questões de escolhas objetivas prefiro estudar autores que se preocupam diretamente com as relações de dominação, e buscam conceitualizações diretamente a partir desta o tempo inteiro. Explicitar as escolhas teóricas, sempre políticas, significa explicitar os lugares sociais sempre implícitos na academica, o que contribui para um debate franco e aberto, sem concessões por amizade e tentativas de sínteses que buscam um meio termo, que a mim parece não existir. Não acredito em diálogo entre Bourdieu e Luhmman, por exemplo. No fim das contas, ambos tinham posicionamentos opostos e isso sempre vem à tona em todo debate. Como estão vindo nossos posicionamentos agora.
Não sou seguidor ortodoxo de nenhum autor, mas cabe aqui uma palavra quanto ao marxismo ou a tentativas de seu uso de diversas formas. Falar em dominação, luta de classe, conflitos sociais, é considerado hoje sutilmente pelos paradigmas dominantes como ultrapassado, algo que está na verdade inventando seu desvalor ao invés de ser simplesmente uma constatação científica inocente, status este de que gozam sutilmente todas as teorias que não tematizam conflito. Se estigmatiza sutilmente as teorias do conflitos como esbravejantes, gritos ideológicos, ou algo do tipo. Quando Bill relaciona meu discurso, como se ele não tivesse um, com um posicionamento apenas ideológico ou religioso, ele também me preocupa, pois com seu bom humor quase sem querer e parecer associa minha tentativa teórica a este tipo de esbravejamento não científico, e é este tipo de posicionamento que me parece estar fugindo do debate, não o meu, que estou explicitando suas bases e motivações. Quero enfatizar que isso nada tem a ver com minha amizade pessoal com o xará mais inteligente que já tive. Conhecemos as posturas um do outro há tempo e agora apenas publicizamos algumas de nossas divergências, fundamentais para a compreensão do que é ciência social hoje em dia. Se faltou algum ponto tentamos juntos retomar ao longo do debate.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Invisíveis também na morte: amém

por Roberto Torres

Agora há pouco, movido pela curiosidade de saber como anda se expressando o conservadorismo direitista travestido de aura de imparcialidade, visitei o Blog do advogado Marcelo Bessa Cabral e encontrei a seguinte postagem:

É de se lamentar

Os jornais campistas estampam hoje a notícia de uma chacina que, ao que tudo indica, foi causada - como sempre - pelo uso recorrente de drogas (como diz o ditado, "droga só leva a dois lugares: cadeia ou cemitério").
Sinceramente não sei o que é mais lamentável: se é a morte de três pessoas tão jovens, se o fato de que dois deles morreram por "queima de arquivo" (ao que tudo indica) ou as fotos escancaradas dos corpos estampadas nas versões impressas e online de alguns jornais (numa boa: não vou nem colocar link, porque é tétrico).



Nao pude resistir.... a pérola mexeu comigo. Salvo algum elogio que sepossa fazer à honestidade, salta aos olhos o fato do funcionário da Justica Eleitoral sugerir - com o tom de imparcialidade permitida pelo "nao sei" - que a divulgacao das fotos pela imprensa local seja mais lamentável do que a própria morte dos jovens. Certamente sem ter nenhuma consciencia do que está fazendo, o blogueiro explicita o acordo silencioso através do qual a lei, a polícia e a imprensa cumprem a agenda de uma luta de classes contra os abandonados à sua própria sorte, e empurrados para a delinquencia: que sejam punidos e assassinados com o grau de invisibilidade necessário para que a exposicao de seus corpos nao desperte nenhum tipo de empatia, talvez em razao da brutalidade que sobre eles se abate e a qual podem mostrar de algum modo. É por conta da existencia deste acordo, que penetra o sitema jurídico por meio de relacoes de classe que também ali se manifestam, que nao podemos entender o lamento sincero do "blogueiro imparcial" apenas como algo subjetivo. Ao expressar sua opiniao, ele cumpre sua parte em exigir o esquecimento do acordo para que ele possa funcionar melhor em silencio.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Desilusões de Nosso Tempo II



Ao chegar aos 50 posts o texto do Fabrício mereceu uma homenagem, um “re-load”, porém ao fazê-lo vi que estava falando de outra coisa que não tem nada a ver com seu texto. Perdoe-me Fabrício, mas é urgente sistematizar aquele debate que você desencadeou. Fica então assim: a homenagem é pelo desencadeamento da discussão. A forma que darei será a mesma dos diálogos platônicos, só que ao contrário do mestre de Aristóteles, eu usarei o “ctrl C” e “ctrl V”, já que este é o formato de raciocínio preferido dos filósofos atualmente. Minha referência é o “Crátilo”, diálogo em que tenta fundamentar o pensamento filosófico. Espero que cada participante do debate vista a carapuça por si mesmo, se identifique com os personagens do diálogo, Crátilo, Sócrates e Hermógenes. Como o nosso, “o diálogo chega ao final sem que Sócrates defina uma posição clara em favor das teses defendidas por Hermógenes, que vê os nomes como o resultado de uma convenção, nem das de Crátilo que defende que os nomes são estabelecidos em conformidade com a natureza das coisas” (Dietzsch, 2007).
Inícios
Torres - Foi um artifício retórico para marcar posição. Nossos adversários não são imbecis.
Pescador - Considero pertinente, sim, situar como pseudo-científico o discurso de Demétrio Magnoli, pois o mesmo carece de uma "dupla ruptura epistemológica", necessária para a produção do conhecimento verdadeiramente científico (Pausa).
- Ora, esses senhores não colocam em questão nem mesmo as categorias do senso comum - princípio durkheiminiano básico (Irritado).
- Os outros citados deixaram de fazer ciência a muito tempo, agora o negócio deles é acumular capital simbólico entre a elite paulista conservadora e os demais leitores da revista Veja (bate na mesa de mármore).
Torres - Isso mesmo pescador. Quem faz pelo menos a primeira ruptura, situando-se no campo escolástico da filosofia, ainda consegue manter um mínimo de altivez epistemológica. E talvez estes, com um choque constante de realismo sociológico, sejam nossos adversários respeitáveis. Os outros, que nem prezam pela "pureza" do "pensamento", estes merecem ser escachados. Nós temos direito a nossa dose justa de intolerância.
Bill – (em tom solícito) O que estou dizendo é que há uma confusão dos espaços dos discursos. Não os vejo na veja fazendo discurso para o campo científico, pelo contrário, ali eles fazem política, com as informações que tem. Como nós. Alguém aqui acha que faz ciência ou que vai acumular este capital aqui?
Torres - Jamais a Veja vai dar espaço para a busca do entendimento, a não ser para reproduzir intocadas as pré-compreensões do senso comum (levanta o dedo).
Bill - Este negócio de dizer que fulano esconde o que quer e cabe a sociologia denunciar é criar uma KGB sociológica. Nós desvelamos, eles velam (Ri, no final).
Torres – (Tom Professoral) Mais o desvelar sociológico é outra coisa. Ela tem a ver com a razão científica, com a objetivação das posições que interpretam a realidade de modo a mostrar a relação inconsciente entre interesses e idéias. Concordo que isso não pode cair no sectarismo. Mas abrir mão disso, ou seja, fingir que não existem afinidades veladas (para todos os envolvidos) entre visões de mundo e reprodução de regimes de satisfação de interesses em conflitos, afinidades que podem ser percebidas pela método sociológico da dupla objetivação, não faz mesmo sentido para mim.
Pescador – (Balança a cabeça concordando) todo e qualquer intelectual (principalmente, homens de ciência) se apresenta como portador de um discurso com pretensões de “objetividade” (pelo menos no sentido de manter razoavelmente sob controle suas crenças subjetivas). Aliás, é justamente essa crença no discurso desinteressado do intelectual, a fonte de sua autoridade. Crença essa compartilhada pelos intelectuais.

PAUSA DRAMÁTICA

Pescador - Conforme critica Alan Sokal, Pierre Bourdieu e Bernard Lahire, o que se vê com essa história de que os agentes são mais competentes para falarem sobre si mesmos (pois seriam reflexivos) e do discurso de “respeito aos atores comuns” e suas culturas, é a difusão em massa nas ciências sociais do total desrespeito com o espírito verdadeiramente cientifico, que exige uma atitude realista e racionalista, não essas formas de obscurantismo como, por exemplo, o discurso pós-moderno (o que não é o caso de Boltanski).
Bill – (Retornando do banheiro) eu concordo com a teoria das formas de vida do Wittgenstein. Assim, Nós experimentamos o mundo por meio da linguagem e nós nos diferenciamos por meio de seu uso. É por isso que considero a ciência diferente do senso comum e da política, porque cada forma de vida vai especificar seus próprios termos, valores e motivações. Deste modo, não acho que cabe à sociologia estabelecer "a relação inconsciente entre interesses e idéias", porque na verdade isso seria pressupor que a sociologia tem consciência, cairíamos em um círculo vicioso, pouco científico, né?
Torres - Talvez o termo afinidade eletiva do Weber seja melhor do que afinidade inconsciente. Só para enfatizar que são afinidades entre posições em campos diferentes e não entre escolhas pessoais. O que estudamos, tem um efeito de modo a constituir uma nova informação na comunicação, no social tematizado, e acho importante tomar isso como objeto. Ai se funde um interesse político com o cognitivo, significa um novo horizonte de nossa atividade que se abre, da atividade cientifica mesmo (olha para o lado - entediado).

A DISCUSSÃO FICA CHATA (PLATÉIA VAI EMBORA)

Peixoto (o único que sobrou da platéia - bocejando) - O problema ocorre quando a academia lança mão de armas típicas da arena estritamente política, não o contrário. E nesse sentido, retorno ao ponto de onde gostaria que vocês partissem: até onde o ativismo político da academia pode ir sem que altere suas próprias características que a distingue de outros campos de embates ideológicos?

TODOS CONCORDAM (!!)

Bill – Bem, pelo menos concordamos com a pergunta.
Torres – Já é alguma coisa...
Pescador – é...

VÃO EMBORA EM TOM SOLENE (PEIXOTO CONVIDA-OS PARA O CARNAVAL E UMAS CERVEJAS )

FIM

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

LULA, BEM VINDO AO JORNALISMO!

Beto Almeida

Diretor da Telesur


Depois de Fidel Castro com suas indispensáveis "Reflexiones del Comandante", e do presidente da Venezuela, com suas densas argumentaçõs em "Las líneas de Chávez", teremos agora a coluna que Lula vai publicar regularmente em jornais espalhados por todo este país, cujo título, conforme está na Mensagem do Executivo enviada ao Congresso, será "O presidente responde". Talvez poucos jornalistas tenham lido o documento, o que não é raro em se tratando de jornalistas, há muitos que não lêem estes documentos. Será interessante ter na mesma página que ataca o Lula, suas respostas, suas interpretações, e suas análises para fenômenos políticos e sociais..

Trata-se de decisão política relevante, com muitos significados e, sobretudo, abrindo novas janelas para os que lutam para transformar os meios de comunicação, o jornalismo em particular, em instrumentos de civilização e democratização. Primeiramente porque o jornalismo ganha em conteúdo informativo, pois, ninguém duvida, trata-se de um "colega" altamente informado. E ganha também porque raramente alguém com a rica experiência de vida e de história que ele possui, com o olhar crítico popular sobre um jornalismo feito pelas elites e para as elites, tem acesso a escrever.

Não carece repetir a volumosa tendência antilulista predominante no jornalismo atual, o que tem levado o presidente a criticar com alguma freqüência a mídia, a baixaria televisiva e também um certo jornalismo por lhe causar azia. Pois, a decisão de se transformar um colunista político de jornal indica, primeiramente, que Lula dá um novo passo concreto para transformar o panorama comunicativo brasileiro, muito embora até mesmo muitos de seus aliados tenham dificuldades em reconhecer mudanças em curso na área, certamente porque a ditadura midiática rigorosamente hegemônica e onipresente, ofusca, confunde e cega.

Recapitulemos. Em 2002, um Seminário Nacional de Cultura e Comunicação, realizado em 5 regiões do Brasil, produziu um documento chamado " A imaginação a serviço do Brasil", incorporado como programa na campanha Lula-Presidente daquele ano. Este documento programático foi duramente criticado pela mídia conservadora, Veja à frente, como de inclinação "bolchevique-caipira".. O documento trazia a proposta da TV Pública a partir da fusão entre Radiobrás e TVE, mais tarde realizada pelo presidente Lula, após convocar o primeiro Fórum Nacional de TVs Públicas ocorrido no Brasil. Trazia ainda a idéia de uma nova relação com as tvs e rádios comunitárias, que só agora, vencendo as dificuldades, começa a se delinear, sobretudo a partir da proposta de descriminalização(rádios-com) e também das várias políticas de audiovisual que podem também alcançar as tvs comunitárias.

Há muitíssimo o que caminhar, mas o sinalizado não está incorreto. Os muitos Pontos de Cultura criados expandem a produção audiovisual comunitária e regional, colocando, é verdade, um bom problema: o de se encontrar espaços de divulgação. Não sem razão a TV Brasil está fazendo a licitação para instalar repetidoras em 200 cidades de grande e médio porte, o que significa sim disputa de audiência. Tímida? Pode ser, mas a direção é corretíssima, confere o que está na Constituição que pede comunicação plural, regionalizada, educativa e civilizatória. Sim, mas tem que chegar aos grotões. Sei o quanto é difícil pedir paciência em comunicação diante do pavoroso audiovisual embrutecedor, mas o fundamental agora é ajudar a construir esta TV Brasil e até muitos dos críticos já se calaram......

Pois, Lula agora vai um pouco mais além: ele próprio transforma-se em colunista de jornal o que de certo modo já responde a uma descabido pito acadêmico que erroneamente considerou sua crítica a um jornalismo que faz mal ao fígado, como se fosse elogio à não-leitura. Se desprezasse a leitura, não se transformaria ele próprio em jornalista, disposto com o gesto a enfrentar o debate pouco equilibrado em curso no jornalismo brasileiro, com os conglomerados midiáticos unidos numa linha editorial predominantemente oposicionista ao seu governo.

Se o próprio presidente da república sente a necessidade de responder ele próprio às desinformações e manipulações ou às sonegações praticadas pela grande mídia contra si e seus atos - inclusive aquela que recebe enorme quantidade recursos financeiros do governo que ataca, até mesmo para produzir, por exemplo, programas como o Telecurso , de boa qualidade educativa, mas inexplicavelmente exibido de madrugada - imagine-se a vulnerabilidade do cidadão comum indefeso diante do poderio demolidor imagético dos meios.!!!!

Vargas, Lula e a comunicação

Lições da história, os presidentes mudam a comunicação. Casos positivos: Perón criou a TV que já nasceu pública na Argentina; Guevara tomou o exemplo da Agência Latina de Perón e criou a Agência Prensa Latina em Cuba: o general Alvarado no Peru foi além nacionalizando os meios de comunicação e entregando-os aos sindicatos que, sem saber operá-los, os devolveu ao Estado. Chávez criou a Telesur. A grande transformação comunicativa de sentido público havida no Brasil ocorreu na Era Vargas. Juntamente com a industrialização, a nacionalização do sub-solo, a criação das empresas estatais estratégicas, do Instituto do Açúcar e do Álcool para abrir a era da energia da biomassa, e da legislação trabalhista que começava a tirar os trabalhadores da senzala oligárquica do direito trabalhista-zero, Vargas sentiu também a necessidade de mudanças no plano comunicativo e cultural. Tendo criado o Instituto Nacional do Livro, o Instituto Nacional do Cinema, do Teatro, o ensino público obrigatório, o presidente gaúcho, que também havia sido redator de jornal no movimento estudantil, assume a criação da Rádio Nacional, da Rádio Mauá - a Emissora do Trabalhador - do jornal A Manhã, a União, na Paraíba, tendo inclusive nacionalizado outros periódicos como "A Noite" e, até mesmo "O Estado de São Paulo", durante o período em que o Tenente João Alberto, ex-integrante da Coluna Prestes esteve à frente do Governo Paulista.

Vargas criou ainda outras publicações, mas duas delas merecem registro: "O Pensamento da América", destinado à integração latino-americana e a Revista Cultura, cuja excelência, em ambas, devia-se à qualidade de seu quadro de redatores, entre os quais Carlos Drummond de Andrade, Gustavo Capanema, Nestor de Hollanda, Clarice Lispector, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, etc Estas publicações desapareceram soterradas pela mesma ação demolidora do patrimônio nacional que buscou acabar com a Era Vargas.

É verdade que o sindicalista Lula fez muitas críticas a Vargas, quiçá pela proximidade que tinha com uma certa sociologia paulista, inspirada em valores coloniais-oligárquicos, que mais tarde veio a privatizar a Vale do Rio Doce, a CSN, a Telebrás, a Portobrás, e, em boa medida a Petrobrás. Tentaram rebatizá-la de PetrobráX, lembram-se? Faz muito tempo, Lula chegou mesmo a declarar que "se Vargas era o pai dos pobres, era a mãe dos ricos". Talvez, com a experiência de quem tem que tocar o barco, não as repita hoje. Basta dizer, é o próprio presidente que hoje fala que nunca antes os banqueiros ganharam tanto dinheiro como em seu próprio governo.

Mais importante é, debaixo do tiroteio das declarações, numa caminhada de décadas, que fazem a alegria de uma mídia que quer condenar para todo o sempre a Era Vargas, descobrir linhas de coincidências históricas entre Vargas e Lula. Lembrando que Lula chegou a se emocionar quando visitou o túmulo de Vargas em São Borja, acompanhado de Leonel Brizola. E , mais recentemente, baixou decreto criando a Semana Vargas para que, segundo explicou, todos conheçam profundamente a obra daquele que foi o maior dos presidentes. Declaração dele.

Pois se Vargas criou a Rádio Nacional, a Rádio Mauá, a Voz do Brasil - instrumento de democratização da informação via rádio acessível a uma esmagadora maioria de brasileiros que ainda hoje, como há décadas, continua proibida da leitura de jornal . Lula, com o mesmo sentido histórico, criou a TV Brasil, a tv pública brasileira, cujo projeto estava sendo trabalhado por Vargas como desdobramento da Rádio Nacional, tendo sido sepultado junto com o gaúcho, para a alegria do capital estrangeiro, das oligarquias nacionais, dos inimigos eternos dos direitos trabalhistas e também da comunicação pública. Hoje continuam tramando contra a Voz do Brasil, atacam o jornalismo chapa-branca, mas perdoam o jornalismo chapa-oligopólio.

Há outras identidades, mantidas as diferenças de épocas históricas: Vargas deu início ao pró-alcool, montou o trem do álcool, Lula o retoma , o valoriza, o expande contra a pressão das potências estrangeiras, ambos os presidentes buscando a independência nacional energética. Vargas concretizou a campanha "O petróleo é nosso", Lula afirma agora que "o Petróleo Pré-Sal é do povo brasileiro não das transnacionais" , as mesmas que levaram Vargas ao suicídio-golpe. E ainda convocou a UNE a sair ás ruas para uma nova campanha "O petróleo é nosso". Vargas criou o BNDES, o maior banco de fomento do mundo, que FHC usou contra o Brasil na privataria, mas não conseguiu demolir. Lula recupera parcialmente a função social do BNDES, o fortalece enormemente, fortalece o sistema financeiro público. Outras coincidências: a política externa da Era Vargas, como a da Era Lula, afirmativas da integração latino-americana, da soberania nacional, da independência, não são de tirar os sapatos e rebaixar-se ante ordens de qualquer guardinha de alfândega dos EUA......

Jornal Público

Como o tema é comunicação, a partir da decisão de Lula tornar-se colunista, somos levados a pensar num sentido histórico para acreditar que estão sendo criadas as condições para que o mesmo desejo do presidente de democratizar informações, de intensificar o debate democrático de idéias possa ser feito não apenas com sua coluna, mas com a criação de novos instrumentos de comunicação dirigidos à grande massa que continua proibida de ler jornal. Ou seja, uma idéia leva à outra.

Se somadas todas as tiragens dos pouco mais de 300 jornais diários existentes no Brasil hoje não alcançamos o número de 7 milhões de exemplares. Ou seja, temos no Brasil indigência de leitura de jornais. Temos aí uma charada que o mercado, por si só, mostrou-se incapaz de resolver: como levar os brasileiros a ter pleno acesso à leitura, tornar acessível a eles uma tecnologia do século 16, a imprensa de Gutemberg.?

Seja bem-vindo o presidente Lula ao mundo do jornalismo, até porque com certeza se ocupará mais diretamente dos desafios da comunicação que ainda fazem com que o Brasil seja um país com informação controlada por uma ditadura vídeo-financeira. Apesar de que exista uma capacidade ociosa crônica de 50 por cento de nossa indústria gráfica, parada enquanto o povo não tem o que ler! Isto ilustra quando Lula diz que ainda não resolvemos problemas de outro século....

Lula e Evo: identidades no social



Quem sabe o colunista Lula não esteja já pensando - diante da expectativa positiva que criou ao anunciar que suas próprias palavras serão reproduzidas em centenas de jornais - em como superar os limites impostos pelo sistema de proibição da leitura. Diante de dilema similar de uma mídia de corte oligárquico, que ignora até mesmo que a Bolívia é hoje considerado "Território Livre do Analfabetismo" pela Unesco ou que já retomou corajosamente o controle nacional sobre suas riquezas minerais, Evo Morales viu-se impelido a lançar um jornal do poder público, já que o "livre jogo do mercado" conduz apenas à concentração, a um jornal para as minorias e a uma linha editorial rigorosamente antipatriótica. Mercado não democratiza, mercado concentra, carteliza, exclui, discrimina, sonega, embrutece.... Como hoje até mesmo os inimigos do estado estão agora "convertidos" a reconhecer o estado como solução para a grande crise do capitalismo, no campo da comunicação podemos trabalhar com ainda mais desenvoltura as teses que reivindicam mais protagonismo do estado: só o fortalecimento da comunicação pública, sua qualificação, sua capacidade de disputar audiência, leitores, poderá finalmente possibilitar que a invenção de Gutemberg seja acessível a todos os brasileiros, como aos bolivianos. Evo alfabetiza e democratiza a leitura. Lula cria a universidade da integração latino-americana UNILA e torna o ensino do espanhol obrigatório. Muitas identidades. A coluna de jornal de Lula é apenas o primeiro passo, no sentido correto.

Que não se diga que os poderes públicos não podem editar jornal!!!. Será um decreto escrito nas estrelas? Ué, por que os críticos não ficam esbaforidos, nem indignados com o fato de que é o estado que banca grande parte do jornalismo privado?. Mas, jornalismo público, não??? Aí seria um crime????? Na França existe um jornal editado pela Previdência Social que chega a todos os segurados e não apenas com notícias previdenciárias. É um jornal, traz notícias, do país, do mundo, do futebol, das cidades, do clima, da economia, da cultura. Por que será impossível pensar que o Programa Bolsa Família, que leva farinha, café, macarrão a 13 milhões de famílias não pode também levar um jornal, talvez o único que os brasileiros pobres possam segurar em suas mãos não para forrar banheiro ou para servir de cama como na música de Noel Rosa. Mas, um jornal que respeite os mais pobres como cidadãos, que lhes traga informação sobre a vida, sobre o funcionamento da economia que eles, os mais pobres, movimentam.Um novo jornalismo precisa ser criado para falar não apenas de bolsa de valores que ninguém sabe o que é, mas para falar do preço da latinho e do papelão que movem milhões de seres na economia dos recicláveis . Que não fale apenas de crimes, mas fale dos programas públicos, das oportunidades, da música popular, dos heróis nacionais. Que explique sobre medidas simples para a prevenção de doenças contagiosas, como o câncer de pênis, que pode ser prevenido em boa medida com informação em saúde, mas que os jornais sustentados por anúncios da indústria de medicamentos não querem divulgar. Que lhes dê a oportunidade de criar finalmente um hábito de leitura, convenhamos que isto é impossível se não existe um jornal de distribuição gratuita, com linguagem simples e clara - não nos faltará talento para isto, afinal já demos um Monteiro Lobato, um Paulo Freire, um Ariano Suassuna, somos um país de preciosos cordelistas e payadores, mas que não têm onde escrever.



PAC da informação e da cultura

Este é o grande desafio: está muito bem que Lula seja colunista de jornal, sobretudo por ser cidadão de excepcional inteligência política - muito mais bem informado do que os mais bem informados jornalistas - e com sua capacidade de discernimento e leitura do mundo e de escrever uma outra história política para o povo brasileiro ao ter criado instrumentos, a Cut e o PT, que estimularam a participação direta dos mais pobres e excluídos na vida política e nos destinos do País. Mas, esta coluna precisa também de um jornal para que seja lida por milhões, distribuído pelo mesmo mecanismo do Bolsa Família, pelas Redes do SUS, pelos sindicatos, fábricas, estádios de futebol, metrôs, ônibus e trens. Já que Lula se animou a entrar no jornalismo, tomara que seja o preâmbulo de um esforço para criar, além da TV Brasil, um jornal para os milhões de brasileiros proibidos da leitura. Aliás, a EBC é empresa de comunicação, não apenas de rádio e de televisão.

Esta proposta já havia sido levada pelo Sindicato dos Jornalistas do DF ao Congresso Nacional da categoria: um Programa Público de Popularização da Leitura e Edição de Jornal, aproveitando a capacidade ociosa da indústria gráfica. É o PAC da informação e da cultura. Gera emprego, mas sobretudo, gera um cidadão novo, informado, cidadão completo. "A gente não quer só comida", diz a música. Ou como diz o meu chará "Saciar a fome de pão e a fome de poesia também". Aquela masturbação acadêmica que procura a porta de saída do Bolsa-Família certamente não poderia rejeitar: além de nutridos, seres humanos com acesso à leitura, para enxergar mais longe na vida e na história.. Os acadêmicos conservadores criticam o povo que não lê, então não podem rechaçar, devem apoiar, que se trabalhe para demolir o sistema de proibição da leitura né?

Que não se venha a inverter o verdadeiro debate falando de diploma: o desafio é criar um jornal para milhões. Se o Bolsa Família é dos maiores programas sociais do mundo, que ele seja enriquecido com a oferta de um jornal respeitoso ao pobre, civilizador, educativo, lúdico e informativo.

Quanto a diploma, é indispensável sim uma regulamentação, mas uma que permita à classes populares o exercício do jornalismo. Fica o tema para debate, mas definitivamente, o colunista Lula está dentro da lei, além do que seu único diploma, como declarou de modo comovedor, é o diploma de Presidente da República que lhe foi dado por 63 milhões de eleitores-professores.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Instituições para quem? Um debate com George

Fabrício Maciel

O instigante texto de George no post anterior nos remete a um debate sobre instituições e pessoas no mundo moderno, que já travei várias vezes com este amigo e agora tenho uma boa oportunidade de estender um pouco mais aqui. A problematica do texto é bastante frutífera. Concordo com o teor de culturalismo e relativismo da linguagem multiculturalista. Mas outra coisa bem maior do que isso é o substancialismo, que não deve ser confundido com essencialismo cultural.
Nenhuma teoria sobre a justiça social ou sobre o aperfeiçoamento das instituições democráticas pode prescindir de compreender articuladamente as dimensões materiais e morais das sociedades. As instituições não são neutras, e seu aperfeiçoamento depende de se compreender para quem elas servirão. Ao descartar qualquer argumento substancialista, George fica em um formalismo, marca de toda uma tradição sociológica, que me parece ingênuo, ao compreender o mundo apenas pelas dimensões físicas mais visíveis das instituições, sem jamais tematizar as relações de força e poder em jogo, definidas por grupos e classes com identidades e interesses antagônicos.
Se apenas melhorar ou criar instituições formais resolvesse os problemas da desigualdade mundial, ou simplesmente de alguma nação ou continente, a Europa hoje seria uma maravilha. É exatamente agora com suas instituições transnacionais mais avançadas do que nunca, que a Europa conhece uma ralé sem precedentes. Onde a ralé entra nas instituições democráticas? em lugar nenhum. Aqui começa o problema social que a problemática e de toda esta discussão jamais enfrenta.
Como já discutimos pessoalmente, o caminho idealizado por Habermas é perfeito demais para as heterogeneidades de classe do mundo contemporâneo. Ele contempla apenas aqueles que são capazes de falar a lingua da ação comunicativa. E qual instituição irá cercear a estes para que não sejam particularistas, quando estão atuando dentro das instituições formais? Aqui a instituição da ciência deve assumir o papel de explicitar as deficiências das instituições democráticas, e o problema não é que sejam nacionais ou pós-nacionais. O certo é que existe hoje uma ralé transnacional não contemplada satisfatoriamente em nenhum aspecto imaginável por nenhuma instituição democrática formal.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Revista Polêmica - "Debatendo o Parlamento do Mercosul"

Prezad@s,

Venho divulgar meu artigo sobre o Parlamento do Mercosul, intitulado "Debatendo o Parlamento do Mercosul - Sobre a irrelevância de argumentos substancialistas". Está disponível on-line na revista "Polêmica" da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

É um ensaio, polêmico, e conto com a leitura generosa e crítica de vocês. Justamente por se tratar de um "work in progress".

Eis o link:

http://www.polemica.uerj.br/7(4)/index_contemp.htm

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Desilusões de Nosso Tempo

Fabrício Maciel
Outro dia abri por acaso uma edição recente da Veja e vi algo um pouco surpreendente, mas nem tanto. Como não tenho acompanhado de perto as migrações intelectuais no período Lula, fiquei surpreso com um artigo de Demétrio Magnoli, nome que até onde me lembro era de um crítico, descendo o pau no governo Lula com direito a uma aparente sofisticação teórica que apenas escondia os argumentos liberais mais oportunistas e conservadores.
Me lembro de ter usado vários livros deste autor quando fui aluno e professor de pré-vestibular, em meus tempos de Uenf, dos quais meus queridos ex-professores Brand e Vitor devem se lembrar bem, assim como meus contemporâneos de graduação George e Roberto, que também viveram essa fase de professor de pre-vestibular, onde um doce marxismo, ainda que limitado e cheio de auto-enganos, ainda era melhor do que todo o resto que predomina no cinismo e na preguiça intelectual acadêmica: o relativismo, o reducionismo empírico e a pseudo-crítica liberal, como a de Demétrio, que na verdade andam de mãos dadas escondendo todos os conflitos sociais.
Bem, o Demétrio da crítica ao sistema mundial excludente da globalização agora tenta convencer sutilmente o público da Veja, representativo do pensamento conservador que prevalece no senso comum brasileiro, sobre o arcaísmo que a pessoa de Lula e seu governo significam para o Brasil.
Um ponto ridiculamente disfarçado em linguagem pseudo-acadêmica é bem velho e já foi bem discutido aqui no blog. Trata-se do cachorro morto do assistencialismo, onde Demétrio tenta atacar as medidas mais socialistas que este país presenciou nos últimos tempos como representativa do arcaísmo, como contrárias a um espírito de desenvolvimento e de progresso. O autor jamais assume a apologia à ideologia do mérito. No geral, o artigo tenta montar como a incompetência é a principal marca do governo, mesmo diante de dados sociais e de desenvolvimento concretos que o governo Lula apresenta.
Uma postura dessas só pode fazer parte do movimento de migração dos desiludidos de nosso tempo. Ou seja, se Lula não abusou da força física e simbólica do Estado e não implantou à força o socialismo, que se dane as pequenas mas significativas políticas práticas que se pode fazer, mesmo em tempos de Neoliberalismo e bla, bla, bla. O que importa e ficar putinho e mudar de lado. Ou então pior, mudar de lado e de discurso por conta dos privilégios que a mídia e o poder oferecem aos intelectuais em tempos de nebulosidade interpretativa nos quais torna-se cada vez mais difícil se apegar ou se manter apegado a ideais de outrora. Afinal, ser autor da Veja deve dar um gás na carreira.
Seguem comentados por mim alguns pontos da suposta crítica:
"No fim de seu segundo mandato, seremos ‘brancos’ ou ‘negros’ antes de sermos brasileiros. Eis aí a verdadeira mudança promovida pela era Lula: uma bomba social de efeito retardado que sua passagem pela Presidência deixa aos filhos e netos da atual geração". Ou seja, uma acusação de segregação racial.
"Antes de tudo, provou-se que diplomas acadêmicos não são adereços indispensáveis para governar. Os acertos e os erros de Lula decorrem de suas opções políticas, não das supostas virtudes ou das óbvias carências associadas a um nível baixo de instrução formal. O presidente não precisou de uma universidade para preencher a diretoria do Banco Central com um time de economistas que ostenta medalhas acadêmicas incontáveis – e concepções opostas às doutrinas econômicas petistas. Bastou-lhe o faro político privilegiado do conservador que, no fundo, nunca deixou de ser". Sutilmente se associa baixa instrução e conservadorismo.
"O salvacionismo abomina a história, apresentando-se como o início de tudo: a virtude que exclui o vício e escreve uma nova história num mármore intocado. A democracia enxerga a si mesma como um processo de mudanças incrementais. O líder salvacionista não enxerga nada de positivo antes de seu próprio advento". Tentando agredir a popularidade do presidente como se isso não fosse uma atitude de todo político.
"Lula não inventou o paralelo entre a nação e a família, que faz parte da longa linhagem do pensamento conservador de raiz autoritária. Mas, com a expansão do Bolsa Família, ele encontrou uma fórmula de modernização do assistencialismo tradicional". Acusação de patriarcalismo é maior marca do rótulo do atraso.
"Os estereótipos raciais clássicos, afundados na lagoa do senso comum, são um componente óbvio da rasa visão de mundo de Lula. Entretanto, o programa de racialização da sociedade brasileira conduzido por seu governo decorre de um frio cálculo político. O presidente quer conservar na sua ampla coalizão as ONGs racialistas, financiadas pela poderosa Fundação Ford". Medidas de diminuição de desigualdades de classe são covardemente acusadas de racismo, reproduzindo a incompetência, ignorância e má fé de intelectuais brasileiros que confundem raça e classe. A confusão é utilizada para sustentar o argumento liberal implícito, supostamente progressista e anti-atraso.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Entrevista Política Local - Prof. Hamilton Garcia de Lima

Na seção de hoje da “Entrevista do Outros Campos” trazemos a contribuição para a reflexão do professor associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense (LESCE/CCH), Dr. Hamilton Garcia de Lima. O prof. Hamilton, doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense, detém farta experiência na observação/análise da política brasileira tanto com trabalhos publicados na área quanto intervenções em jornais de circulação nacional como “O Globo” e “Gazeta Mercantil”. Nesta entrevista, realizada em dezembro último, o prof. Hamilton foi convidado a compartilhar algumas impressões sobre a política local, resvalando também na conjuntura nacional.


1 – Como o senhor avalia o fórum sobre eleições ocorrido na Universidade Estadual do Norte Fluminense onde o senhor mesmo foi um dos idealizadores?


O fórum foi um sucesso de crítica e um relativo fracasso de público. Relativo pois atraiu menos de uma centena de pessoas, mas reuniu setores importantes da sociedade local.
A escassez de público tem várias causas, mas talvez a principal seja o esvaziamento da esfera pública local, fruto de mais de uma década de hegemonia do clientelismo selvagem.
O importante, nesse caso, é que se conseguiu, apesar de todas as pressões em contrário, reunir uma massa crítica mínima para pensar os destinos da cidade. Acho que devemos dar continuidade a essa iniciativa, sobretudo no seio das universidades.


2 – O filósofo Roberto Mangabeira Unger disse certa vez que o político brasileiro tem “medo das idéias”. Isto explicaria o afastamento entre parte substantiva da “classe política” de Campos dos Goytacazes e os intelectuais?


A classe política brasileira, fazendo pequenas concessões, encontrou seu momento de glória com Lula no poder e seu escudo mágico chamado ibope. Popularidade é algo que se desmancha no ar, em meio a uma crise grave, como já vimos em dois episódios dramáticos do populismo brasileiro (1954 e 1964), todavia é irresistível no curto-prazo, sobretudo diante de partidos tão esvaziados como os que temos.
Enquanto durar essa lua de mel, que depende, no mais das vezes, da proximidade com um tipo específico de intelectual – voltado para servir ao poder –, a classe política não tem porque se arriscar na relação com os intelectuais que dão vida ao mundo da disputa pública dos interesses.
Aqui em Campos, as coisas podem degringolar mais rapidamente pois o pacto populista se alicerça, basicamente, no poder de cooptação da municipalidade, e sem ele o poder pode sentir a necessidade de reabrir seu diálogo com os intelectuais – não obstante a confusão reinante, no seio dos novos dirigentes, entre intelectuais e intelectualismo.


3 – O senhor poderia fazer um balanço do que foi o “muda Campos”?


Até onde sei, foi um movimento de jovens de classe média que conseguiram, graças à divisão nas oligarquias locais e ao carisma popular de um candidato (Garotinho), ganhar as eleições e renovar a classe dirigente local, mesmo tendo fracassado no intento de revolucionar o modus operandi da gestão pública.
O fracasso, em parte, se explica pela idiossincrasia da nova liderança eleitoral: preso a uma visão tradicional do poder, como glória pessoal, promoveu figuras anódinas de seu entorno na tentativa de minimizar disputas internas pelo poder. A tática saiu pela culatra pois, diante da poderosa máquina financeira em que se transformou a municipalidade, estes personagens demonstraram-se os mais aptos para o jogo da cooptação rude, sem carisma.
O hábito da renovação das pessoas no poder sem mudança profunda nos procedimentos é uma característica forte da cultura brasileira, que concebe qualquer mudança provocada pela razão humana como artificial, sendo preferida a via tradicional da longa seleção natural.


4 – Suas pesquisas tem enfocado enormemente a cidade de Campos dos Goytacazes e sua classe política. Há algo que lhe causa maior espanto? Se sim, o que?


Na verdade, não tem muito tempo que passei a me interessar pela política local, mas nesse curto período me chamou atenção o modo selvagem como a cooptação estatal operou por aqui nos últimos anos: as secretarias viraram governos paralelos, aparentemente inviabilizando uma direção centralizada, de forma a satisfazer o apetite dos grupos aliados no poder, mas também de justificar a sangria descontrolada dos recursos públicos com o esfarrapadíssimo "eu não sabia" – que, ao cabo, funcionou tanto no plano local como nacional.
Essa situação, sustentada por eleições livres, fez uma liderança comunitária da cidade produzir a seguinte pérola: “O voto corrompe, tanto o político como também o eleitor”.


5 – Como o senhor avalia a esquerda local? E particularmente, como o senhor interpreta os rachas dentro do Partido dos Trabalhadores local? Os “móveis” da ação estão no campo da disputa pura e simplesmente do poder ou por conta da ausência de uma identidade discursivamente elabora, clara e discernível?


Uma parte importante da esquerda local, inspirada no sucesso de Lula, foi cooptada pelo sistema – só que antes de chegar à chefia do governo – o que acabou por inviabilizar sua competitividade eleitoral. O grosso dessa disputa crucial se deu no PT e a parte mais esclarecida do partido, sabiamente, insistiu na política de resistência e, com isso, pode permitir ao partido, no futuro, tentar recuperar sua credibilidade política.
Mas, é preciso entender que a identidade discursiva da ala "lulista" era clara e discernível e seu móvel estava no sucesso – mal compreendido – da própria trajetória do líder: Lula foi o apologista da mudança radical num país que ama o gradualismo e sua abdicação oportunística, desapercebida pela massa, se deu em prol de uma política de resultados que coincidiu com a bolha consumista global. No caso de Campos, ao contrário, o adesismo precoce coincidiu com o início da crise da farra creditícia e com o desgaste agudo das forças no poder – momento propício para a transmutação da resistência em alternativa, como fez o PT em 2002, e não o contrário, como se fez com a entrada no Governo Mocaiber.


6 - Como avalia o percentual significativo de eleitores que votou em Makhoul e em Odete nas duas últimas eleições, respectivamente? O senhor acha que existe alguma coerência ideológica neste eleitorado na recusa às candidaturas bancadas por Arnaldo e Garotinho?


Com Makhoul era o momento da resistência, com Odete a resistência teve que ser reiterada em função do desastroso adesismo da maioria petista.


7 – Neste momento, na esfera pública campista, há um movimento pendular oscilando entre o mais puro fatalismo, de um lado, e algum tipo de esperança messiânica por outro. Quais são as perspectivas do senhor, enquanto analista social, sobre o futuro próximo de Campos?


O quadro é de um otimismo moderado pois, ao contrário do que ocorre com o carisma no plano nacional, aqui o carisma está dissociado da esquerda e até assume um certo ar neoconservador no seu arranjo partidário, o que permite aos críticos retomarem seu protagonismo oposicionista de praxe – restando apenas saber qual o nível de controle efetivo que os desmoralizados "lulistas" locais ainda terão sobre o partido. Se o PT local voltar ao seu leito "autêntico" a polarização política pode melhorar de qualidade, deslocando o clientelismo selvagem da oposição principal aos carismáticos no poder, o que fará bem à cidade.
Independente disso, todavia, os carismáticos têm um compromisso firmado com a racionalização das políticas públicas locais – o que serão obrigados a fazer até por conta da diminuição das transferências petrolíferas. Sendo assim, a sociedade civil pode recuperar o terreno perdido na interlocução com o Estado se souber se organizar para tal, sem partis pris.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

A Geladeira do Poder

Fabrício Maciel


Vi outro dia Chico Anysio reclamando que a Globo o pôs na gelaeira outra vez, e por um bom tempo. A matéria o escarnecia, dizendo que não era a primeira vez que ele reclamava. O gesto que deveria ser elogiado foi sacaneado. Trata-se de um de nossos maiores artistas. Ele não precisava ficar com esta choraminga. Mas sua atitude é louvável, é um posicionamento político que explicita a verdadeira relação entre o mercado e a arte. Não deve ser lucrativo pra Globo manter um humorista velho tantos anos na tv, a onda é renovar. Mesmo que o que venha depois seja um monte de merda.
Há algum tempo atrás, ele reclamou por que saiu um livro com os cem maiores contos brasileiros e não havia nenhum dele. Estava certo. Foi na grande mídia e explicitou. É uma atitude que a maioria de nossos blazés, de nossos Paulos Coelhos jamais faria. Prefeririam não descer do salto. Chico está explicitando a lógica do poder. Não importa o tamanho da arte ou do artista, importa seu valor momentâneo para a rotatividade da "sociedade da informação", onde enjoa-se rápido de tudo, mas no fundo o que se tem é sempre mais do mesmo com uma cor ou um chapéu diferente. Daqui a pouco o Chico volta, pois seu capital simbólico precisa ser lembrado de vez em quando, na cota implícita que a mídia precisa apresentar para parecer democrática e universal.
Outros artistas já o fizeram, como Lobão e Herbert Vianna. Quando estava na geladeira da gravadora Universal, Lobão abriu o bico. Hoje, sua imagem de vovô punk é interessante à MTV. Deixa quieto então. Na academia não é diferente. O poder, compreendido como o faziam Bourdieu e Foucault, atua implicita e impessoalmente no mundo moderno, não é posse de ninguém, existe acima de todos. Tem critérios objetivos próprios. No mercado vale o vendável. Como Bourdieu mostrou, na academia vai ser lido e vendido aquilo que for mais palatável, e o palatável é sempre o senso comum. Não por acaso os estudos que mais vendem, nas maiores editoras do Atlãntico norte, são relativistas, sob o rótulo de "estudos culturais". Não incomodam, e ainda são pseudo-críticas. Assim como o Chico. Seu humor crítico tem limites. Os intelectuais que conhecem seu trabalho e entendem continuarão apreciando. Mas pra quê ficar insistinto com isso na TV. A ralé não precisa saber. Deixa quieto. Nos anos 80, quando o imaginário geral era de crítica por novos tempos, ainda era vendável um humor crítico como o dele. Agora não. Já vivemos em tempos melhores, pós-ditadura. Agora tá bom. Não precisamos mais de crítica.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

"A guerra esquecida" no Sri Lanka

Caros amigos,

250.000 civis desesperados estão presos no fogo cruzado da guerra civil no Sri Lanka. A Secretária do Estado dos EUA Hillary Clinton receberá as mensagens enviadas pelos membros da Avaaz pedindo a proteção dos civis – clique abaixo enviar uma mensagem:

Apesar de não vermos nos noticiários, no Sri Lanka acontece a guerra civil mais longa e esquecida da Ásia. Nos seus momentos finais este conflito está colocando em risco aproximadamente 250.000 civis que estão presos no fogo cruzado entre o governo e os rebeldes.

O governo dos EUA é o maior parceiro comercial do Sri Lanka e um dos maiores financiadores do exército e do desenvolvimento para o país. Os EUA pediram “zonas de segurança” para proteger os civis, porém é preciso uma pressão diplomática mais forte para ambos os lados concordarem, deixando claro que o financiamento e o comércio poderão ser comprometidos, assim como medidas diplomáticas legais poderão ser tomadas. Neste caso, pela segurança da população civil, a intervenção dos EUA é não somente apropriada com extremamente necessária.

Diplomatas de alto escalão concordaram em apresentar as nossas mensagens pessoalmente para a Secretária de Estado Hillary Clinton dentro dos próximos dias. Esta é uma verdadeira oportunidade de persuadir a administração Obama a assumir um papel construtivo nesta crise séria humanitária. Clique aqui para participar desta campanha:

http://www.avaaz.org/po/sri_lanka_civilians

A longa guerra no Sri Lanka já gerou muitas atrocidades e tragédias – a maioria delas não chegou aos noticiários e permaneceram escondidas do mundo devido à campanha brutal do governo contra jornalistas independentes. O fim da guerra não resolverá as injustiças que a causaram; depois que as armas forem colocadas de lado, as questões dos Tamil e outros grupos minoritários terão que ser resolvidos pelo governo através do diálogo político e a reconstrução que virá a seguir.

Porém agora, nos últimos dias ou semanas de guerra, os 250.000 civis Tamil não precisam ser as casualidades finais desta guerra.

Vamos acrescentar as nossas vozes às dos ativistas de direitos humanos que ao longo dos anos lutaram contra a marginalização dos grupos minoritários e contra a degradação dos direitos básicos no Sri Lanka.

Clique abaixo para pedir para a Secretária do Estado dos EUA Clinton, a principal diplomata do Obama, apoiar os civis ameaçados no Sri Lanka:

http://www.avaaz.org/po/sri_lanka_civilians

Com esperança,

Luis, Ben, Graziela, Ricken, Paula, Alice, Iain, Pascal, Paul, Milena e o resto da equipe Avaaz

Saiba mais a guerra do Sri Lanka:

Cruz Vermelha alerta para crise humanitária em meio à guerra no Sri Lanka:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u495342.shtml

Sri Lanka: Ban Ki-moon preocupado com a segurança dos civis afectados pelos combates:
http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Interior.aspx?content_id=1121655

ONU atende feridos no Sri Lanka; indiano se mata em protesto contra ofensiva:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u495957.shtml

Exército do Sri Lanka prestes a acabar com resistência dos Tigres Tamil:
http://www.euronews.net/pt/article/04/02/2009/tamil-tigers-urged-to-surrender/

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

"CARNAVAL DE ANTIGAMENTE"



Fabrício Maciel

Algumas cidades de Minas adotaram, por suas prefeituras, a medida de permitir apenas samba e marchinhas nas festas do Carnaval. Esta é uma excelente opçao pra quem quer fugir do funk, axé e derivados. As cidades sáo Mariana, Ouro Preto e Sao Joao del Rey. Depois da propaganda, vem o sociólogo chato de novo. Tal medida já existe em cidades do Nordeste, como Recife e Olinda, se nao me engano. Bem, a justificativa geral é resgatar o carnaval de antigamente, preservar a cultura, etc. Sabemos bem que tais cidades sao o nicho preferido de turistas. Os brasileiros de classe media que precisam se distinguir do pequeno-burgues sem gosto sao o publico alvo. A cultura popular preservada nunca é para o povo.

Mais uma vez vale ressaltar como o mercado nunca se mostra enquanto tal. O que presenciamos é a construçao de um tipo de turismo específico no qual a beleza historica de tais cidades é palco perfeito para a criaçao de espaços cult de classe media culta, altamente diferenciados, e enriquecidos enquanto produto cultural com esta medida de manter apenas a pureza do carnaval. Nao há mercadoria mais atraente para o classe media cult que quer provar seu bom gosto. E a justificativa é sempre a riqueza da cultura local e sua força em sobreviver sem ser destruída pelo mercado. A verdade é só o contrário. O mercado esquematiza os elementos culturais de acordo com seus imperativos.

Em Caruaru, por exemplo, as melhores imagens da cultura local, no centro da cidade, sao encontradas no prédio do Banco do Brasil. Em varios lugares do Nordeste os bancos compram o espaço que outrora teve valor cultural, mantem o que convem, e ainda gozam do status de compromisso cultural e social. Algum relativista diria que tiveram que pedir licença à cultura. Eu digo o contrário: todo imperialismo, internacional ou inter regional, significa sempre a imposiçao de estruturas estranhas que se apropriam de valores e signos locais na medida em que estes sejam aliados na naturalizaçao e ocultamento da dominaçao social. Mas nada disso impede que nos esbarremos em umas destas cidades por ai.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A convenção das Bruxas


Na sugestiva data da próxima sexta-feira treze, haverá uma reunião do diretório do PT de Campos. A receita do dia a ser preparada no caldeirão, ou melhor, a pauta da reunião, como foi anunciada pelo Blogueiro Félix Manhaes, será a discussão da participação de petistas nas pastas da EMHAB e Fundação Zumbi dos Palmares. No entanto, pelas farpas lançadas nos blogs e em jornais locais parece que a guerra vai ser muito maior, na qual se pergunta quem será cozido no caldeirão da noite de sexta-feira treze, ou mesmo se a festa das bruxas se tornará um julgamento da(s) bruxa(s). Certamente estes são os interesses em jogo para aqueles que disputam o poder no partido, mas por outro lado, a sugestiva data pode ganhar outro significado para o grupo de militantes distantes, simpatizantes ou quase-simpatizantes do PT ou tão somente aqueles que vislumbrem alguma alternativa de mudança, mesmo que isto se mostre muito distante. A exposição que o partido vem tendo nas últimas semanas na imprensa local, reavivando o interesse nele, e o convite do Félix Manhaes para que não membros do partido participem da reunião, podem transformar a reunião num momento de virada em que as bases para uma refundação simbólica do partido aconteçam.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

JustificarPorque odiamos tanto a crítica? A experiencia de Mangabeira Unger no Governo Lula

Por Roberto Torres


A entrevista concedia em 22 de Janeiro no O Globo condensa muito bem tudo que a experiencia de Mangabeira Unger à frente do Ministério de Assuntos Estratégicos representa. Da longa entrevista, onde Mangabeira faz uma análise de como a vazio intelectual e político dos problemas sociais do Nordeste é uma amostra da falta de imaginação ideológica (necessariamente conservadora) do País como um todo, teve destaque de manchete “Mangabeira crítica bolsa família”. A estratégia de Jornal em desqualificar o governo, que já conhecemos bem, alcança com sucesso seu objetivo quando se exibe o “fogo amigo” em direção ao desempenho dos programas sociais. Além de saborear a assim interpretada desqualificação do Bolsa Família, o partido O Globo contava ainda com um sintoma da falta de unidade do governo. Mas esses dois critérios de desqualificação só fazem sentido porque nossa “esfera pública” é treinada para rejeitar a crítica. O afastamento da crítica no fundo é percebido como mérito, desde que seja um resultado “espontâneo”, sem a coação visível da forca.
Muitos militantes do PT, nutridos pela inveja de também expressarem a falta de imaginação diariamente criticada por Mangabeira, reagiram prontamente ao chamado do O Globo e logo bradaram: “esse sujeito pensa que sabe mais que os outros, que pode ficar criticando o desempenho do Governo em público”, “ele pensa que é o primeiro ministro dos ministros, ocupando esse ministério sei lá do que?”. O coro conservador e autoritário forma-se com o consentimento de todos que buscam conforto na boa imagem conveniente do momento. Nem O Globo nem essa parte considerável da esquerda (cada dia mais atolada em sua burrice e má-fé) podem compreender o que significa um Ministério de Assuntos Estratégicos porque ambos não sabem e nem querem saber o que são assuntos estratégicos.
Alimentada por esta cumplicidade supra-partidária, nosso treinamento coletivo para odiar a crítica vai sempre denunciar como autoritarismo toda e qualquer posição que busque se destacar e fugir da burrice oportunista que predomina em nossos debates públicos. Assim, se recusam convictamente em conviver com a idéia de que um Governo possa ter um Ministério cuja tarefa seja justamente incentivar a crítica e o debate na elaboração de projetos de longo prazo para enfrentar os maiores problemas do País, mesmo que as políticas do próprio Governo sejam também alvo das críticas. Se recusam a aceitar que alguém tenha coragem para expressar seu descontentamento com os termos em que se pensa o desenvolvimento social não só por causa de má vontade política, como também por preguiça intelectual dos homens de boa vontade.
Mangabeira é filho de família endinheirada e influente do Nordeste. Com certeza isso tem alguma influencia sobre sua visão de mundo. O que não quer dizer que ele entenda menos de Brasil e de pobreza do que nossos antigos militantes que, além de também não serem filhos da pobreza (como Lula), tem na presunção mediócre de não serem da “elite” um poderoso estímulo para passarem a vida inteira acomodados nos clichês e na idealização da pobreza.
Lula demonstrou a grandeza de um Estadista cujo desejo é mais o de contribuir para transformar o País depois de sua saída do Planalto do que louvar o sectarismo de um Governo. Mas nos seus arredores tem muita gente que não engole o fato de um homem descomprometido com o sectarismo ser convocado para coordenar o debate de estratégias de desenvolvimento de um modo que o tom partidário das vozes seja contrabalanceado pela própria disposição de se abrir a crítica, de mostrar em público as divergências que a esquerda autoritária, atendendo ao chamado da mídia de direita, está sempre disposta a rejeitar com sua recusa populista da imaginação intelectual como ferramenta fundamental para transformar a sociedade. As mulheres e homens de esquerda que aprenderam o valor da democracia não podem deixar de reconhecer o sentido grandioso de termos um Ministério de Governo cuja tarefa é fomentar o debate, cujo ministro ganha para ouvir, falar, e nutrir a rotina burocrática e cerimonial do governo com idéias e polemicas novas, que incomodam na medida em que desvelam a nossa cegueira.