sexta-feira, 25 de setembro de 2009

"Em defesa da democracia e do MST"


Bastou realizarmos mais uma jornada de lutas - cobrando o cumprimento de uma pauta de reivindicações apresentada ao governo Lula ainda em 2005 – e exigirmos a atualização dos índices de produtividade agrícola, como estabelece a Constituição Federal, para que viesse a reação.

Os setores mais conservadores do Congresso e da sociedade, liderados pela senadora Kátia Abreu (DEM/TO), começaram a orquestrar uma nova ofensiva contra o MST. Na semana passada, os parlamentares ruralistas protocolaram mais uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) contra o MST - a terceira em menos de 5 anos. É exatamente uma represália à nossa ousadia de solicitar a atualização dos índices de produtividade agrícola, que poderá beneficiar os proprietários rurais que realmente produzem em nosso país.

Os que não produzem, certamente, aprovados os novos índices, terão dificuldades de acessar os recursos dos cofres públicos. Assim, os “modernos” defensores do agronegócio não apenas defendem uma agricultura atrasada, em defesa própria, como também expressam, mais uma vez, seu caráter anti-social e parasitário dos recursos públicos.

Os ruralistas, agora parlamentares, alegam que há uma malversação dos recursos públicos destinados à Reforma Agrária para justificar essa CPI. É um direito deles fazer esse questionamento e elogiamos a disposição de prezar pelos recursos públicos.

Mesmo sabendo que a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que a senadora Kátia Abreu preside, financiou a campanha eleitoral da senadora e até hoje não foi investigada. Mas se há problemas com esses recursos públicos, para que serve o Tribunal de Contas da União (TCU), subordinado ao Congresso Nacional, ou a Receita Federal?

Há a necessidade de criar uma nova CPI ou os objetivos são apenas imobilizar um movimento social e ocupar espaços na mídia para inibir a bandeira da Reforma Agrária? Parlamentares identificados ou coniventes com esses objetivos é que não faltam.

Mas se não nos faltam inimigos da Reforma Agrária, fortalecidos política e economicamente há cinco séculos pela existência do latifúndio, também não nos faltam solidariedade e apoio de incansáveis e valorosas lutadoras e lutadores da Reforma Agrária.

Abaixo, segue o texto do Manifesto. Assine-o e promova sua divulgação. Para assinar, entre em: http://www.petitiononline.com/manifmst/petition.html.

Secretaria Nacional do MST

Manifesto em defesa da Democracia e do MST

“...Legitimam-se não pela propriedade, mas pelo trabalho,

nesse mundo em que o trabalho está em extinção.

Legitimam-se porque fazem História,

num mundo que já proclamou o fim da História.

Esses homens e mulheres são um contra-senso

porque restituem à vida um sentido que se perdeu...”

(“Notícias dos sobreviventes”, Eldorado dos Carajás, 1996)


A reconstrução da democracia no Brasil tem exigido, há trinta anos, enormes sacrifícios dos trabalhadores. Desde a reconstrução de suas organizações, destruídas por duas décadas de repressão da ditadura militar, até a invenção de novas formas de movimentos e de lutas capazes de responder ao desafio de enfrentar uma das sociedades mais desiguais do mundo. Isto tem implicado, também, apresentar aos herdeiros da cultura escravocrata de cinco séculos, os trabalhadores da cidade e do campo como cidadãos e como participantes legítimos não apenas da produção da riqueza do País (como ocorreu desde sempre), mas igualmente como beneficiários da partilha da riqueza produzida.

O ódio das oligarquias rurais e urbanas não perde de vista um único dia, um desses novos instrumentos de organização e luta criados pelos trabalhadores brasileiros a partir de 1984: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. E esse Movimento paga diariamente com suor e sangue – como ocorreu há pouco no Rio Grande do Sul, por sua ousadia de questionar um dos pilares da desigualdade social no Brasil: o monopólio da terra. O gesto de levantar sua bandeira numa ocupação traduz-se numa frase simples de entender e, por isso, intolerável aos ouvidos dos senhores da terra e do agronegócio. Um País, onde 1% da população tem a propriedade de 46% do território, defendida por cercas, agentes do Estado e matadores de aluguel, não podemos considerar uma República. Menos ainda, uma democracia.

A Constituição de 1988 determina que os latifúndios improdutivos e terras usadas para a plantação de matérias primas para a produção de drogas, devem ser destinados à Reforma Agrária. Mas, desde a assinatura da nova Carta, os sucessivos Governos têm negligenciado o seu cumprimento. À ousadia dos trabalhadores rurais de garantir esses direitos conquistados na Constituição, pressionando as autoridades através de ocupações pacíficas, soma-se outra ousadia, igualmente intolerável para os senhores do grande capital do campo e das cidades: a disputa legítima e legal do Orçamento Público.

Em quarenta anos, desde a criação do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), cerca de um milhão de famílias rurais foram assentadas - mais da metade de 2003 pra cá. Para viabilizar a atividade econômica dessas famílias, para integrá-las ao processo produtivo de alimentos e divisas no novo ciclo de desenvolvimento, é necessário travar a disputa diária pelos investimentos públicos. Daí resulta o ódio dos ruralistas e outros setores do grande capital, habituados desde sempre ao acesso exclusivo aos créditos, subsídios e ao perdão periódico de suas dívidas.

O compromisso do Governo de rever os critérios de produtividade para a agricultura brasileira, responde a uma bandeira de quatro décadas de lutas dos movimentos dos trabalhadores do campo. Ao exigir a atualização desses índices, os trabalhadores do campo estão apenas exigindo o cumprimento da Constituição Federal, e que os avanços científicos e tecnológicos ocorridos nas últimas quatro décadas, sejam incorporados aos métodos de medir a produtividade agrícola do nosso País.

É contra essa bandeira que a bancada ruralista do Congresso Nacional reage, e ataca o MST. Como represália, buscam, mais uma vez, articular a formação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) contra o MST. Seria a terceira em cinco anos. Se a agricultura brasileira é tão moderna e produtiva – como alardeia o agronegócio, por que temem tanto a atualização desses índices?

E, por que não é criada uma única CPI para analisar os recursos públicos destinados às organizações da classe patronal rural? Uma CPI que desse conta, por exemplo, de responder a algumas perguntas, tão simples como: O que ocorreu ao longo desses quarenta anos no campo brasileiro em termos de ganho de produtividade? Quanto a sociedade brasileira investiu para que uma verdadeira revolução – do ponto de vista de incorporação de novas tecnologias – tornasse a agricultura brasileira capaz de alimentar nosso povo e se afirmar como uma das maiores exportadoras de alimentos? Quantos perdões da dívida agrícola foram oferecidos pelos cofres públicos aos grandes proprietários de terra, nesse período?

O ataque ao MST extrapola a luta pela Reforma Agrária. É um ataque contra os avanços democráticos conquistados na Constituição de 1988 – como o que estabelece a função social da propriedade agrícola – e contra os direitos imprescindíveis para a reconstrução democrática do nosso País. É, portanto, contra essa reconstrução democrática que se levantam as lideranças do agronegócio e seus aliados no campo e nas cidades. E isso é grave. E isso é uma ameaça não apenas contra os movimentos dos trabalhadores rurais e urbanos, como para toda a sociedade. É a própria reconstrução democrática do Brasil, que custou os esforços e mesmo a vida de muitos brasileiros, que está sendo posta em xeque. É a própria reconstrução democrática do Brasil, que está sendo violentada.

É por essa razão que se arma, hoje, uma nova ofensiva dos setores mais conservadores da sociedade contra o Movimento dos Sem Terra – seja no Congresso Nacional, seja nos monopólios de comunicação, seja nos lobbies de pressão em todas as esferas de Poder. Trata-se, assim, ainda uma vez, de criminalizar um movimento que se mantém como uma bandeira acesa, inquietando a consciência democrática do país: a nossa democracia só será digna desse nome, quando incorporar todos os brasileiros e lhes conferir, como cidadãos e cidadãs, o direito a participar da partilha da riqueza que produzem ao longo de suas vidas, com suas mãos, o seu talento, o seu amor pela pátria de todos nós.

Contra a criminalização do MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA!

Pelo cumprimento das normas constitucionais que definem as terras destinadas à Reforma Agrária!

Pela adoção imediata dos novos critérios de produtividade para fins de Reforma Agrária!

São Paulo, 21 de setembro de 2009

Alípio Freire – escritor (São Paulo)

Hamilton Pereira, o Pedro Tierra – poeta e membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo

Heloísa Fernandes – socióloga, USP e ENFF

Osvaldo Russo – estatístico, ex-presidente do INCRA (1993-1994), diretor da ABRA e coordenador do núcleo agrário nacional do PT

Plínio de Arruda Sampaio – presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), ex-Deputado Federal Constituinte pelo PT-SP (1985-1991) e ex-consultor da FAO

Confira as demais assinaturas feitas pelo Petition Online.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A ciência social como vocação

Fabrício Maciel
Em meio a contingência e correria da rotina, acabo de reler a "ciência como vocação" de Weber. Não tive como não pensar nos últimos episódios envonvendo os estudantes de ciencias sociais na Uenf e o Enade. Este é um daqueles textos que marcam a gente pra sempre. Cada vez que releio sinto mais vontade de continuar na dura senda de acreditar em algo em nossa profissão. Em meio a conhecida tese da tragédia weberiana, ele consegue apresentar, ironicamente, um fecho de luz para quem deseja ser cientista. Seu ambiente em grande parte era semelhante ao nosso, recheado de medíocres e profetas acadêmicos que ganhavam muito mais destaque do que quem queria fazer ciência de verdade.
Num mundo desencantado, Weber tinha consciência, e por isso aconselha seus alunos nesta palestra, de que a ciência, e especialmente a social, não poderia fornecer o afago que a religião e o pensamento mágico pudera. No entanto, o conselho é positivo. Ele acreditava no que fazia. Acreditava que, dentro da realidade já presente na Alemanha, a da especialização dos pesquisadores, aqueles que tivessem consciência dos limites da ciência poderiam exercer seu intelectualismo e racionalidade, e desta forma fornecer ao mundo um conhecimento especial que pudesse, de forma simples, não afagar todas as suas dores, mas sim contribuir em pequena parte para sua mudança. Quem fizer o contrário disso não é cientista, mas um falso profeta, prometendo aos ouvintes o que não pode dar.
A fórmula de Weber era simples: intuição, idéias, e muito trabalho árduo, concentrado, coinciente de que qualquer obra científica existe como atual apenas em seu tempo, deve ser superada, mas sempre terá valor se lida contextualizada e se for frutírera para trabalhos posteriores. E apenas assim. Até hoje não vi ninguém provar o contrário. Por fim, nosso mestre tinha consciência da tensão entre os fatores subjetivos e aqueles que ele chamava de externos, ou seja, tinha noção de que o mundo não é como a gente quer, de que as forças objetivas, econômicas e de poder, no que certamente concordava com o velho Marx, sempre cercearão nossa vontade, mas nunca poderá assassiná-la, se não formos infantis e quisermos acreditar em algo, porém conscientes dos limites do campo objetivo no qual estamos. Esta foi a lição de Weber para seus alunos. HOje, cem anos depois, me sinto privilegiado de poder apenas ler a lição. Acho que as gerações atuais de alunos de ciências sociais precisam mais do que nunca reler o velho Weber. Sem deixar de crer em um mundo melhor, mas tendo mais conhecimento sobre o mundo que pretendem mudar.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Estados Unidos fascistas: Já chegamos lá?



Por Sara Robinson


Através da escuridão dos anos do governo Bush, os progressistas assistiram horrorizados ao sumiço das proteções constitucionais, à retórica nativista, ao uso do discurso de ódio transformado em intimidação e violência e a um presidente dos Estados Unidos que assumiu poderes só exigidos pelos piores ditadores da história. Com cada novo ultraje, o punhado de nós que tinha se tornado expert na cultura e na política da extrema-direita ouvia de novos leitores preocupados: Che gamos lá? Já nos tornamos um estado fascista? Quando vamos chegar lá?

E cada vez que essa pergunta era feita, gente como Chip Berlet e Dave

Neiwert e Fred Clarkson e eu mesma olhava para o mapa como o pai que faz uma longa viagem e respondia com um sorriso confortador. "Bem... estamos numa estrada ruim, se não mudarmos de caminho poderíamos acabar lá em breve. Mas há muito tempo e oportunidades para voltar. Fique de olho, mas não se preocupe. Pode parecer ruim, mas não, ainda não chegamos lá".

Ao investigar a quilometragem nesse caminho para a perdição, muitos de nós nos baseávamos no trabalho do historiador Robert Paxton, que é provavelmente o estudioso mais importante na questão de como os países adotam o fascismo. Em um trabalho publicado em 1998 no Jornal da História Moderna, Paxton argumentou que a melhor forma de reconhecer a emergência de movimentos fascistas não é pela retórica, pela política ou pela estética. Em vez disso, ele afirmou, as democracias se tornam fascistas por um processo reconhecível, um grupo de cinco estágios que identificam toda a família de "fascismos" do século 20. De acordo com nossa leitura de Paxton, ainda não estávamos lá. Havia certos sinais -- um, em particular -- em que estávamos de olho, e ainda não o reconhecíamos.

E agora o reconhecemos. Na verdade, se você sabe o que procura, repentinamente vê isso em todo lugar. É estranho que eu não tenha ouvido a pergunta por um bom tempo; mas se você me fizer a pergunta hoje, eu diria que ainda não chegamos, mas que já entramos no estacionamento e estamos procurando uma vaga. De qualquer forma, o futuro fascista dos Estados Unidos aparece bem grande diante do vidro do automóvel -- e os que dão valor à democracia dos Estados Unidos precisam entender como chegamos aqui, o que está mudando e o que está em jogo no futuro próximo se permitirmos a essa gente vencer -- ou mesmo manter o território.

O que é fascismo?

A palavra tem sido usada por tanta gente, tão erroneamente, por tanto tempo que, como disse Paxton, "todo mundo é o fascista de alguém". Dado isso, sempre gosto de começar a conversa revisitando a definição essencial de Paxton:

"Fascismo é um sistema de autoridade política e ordem social que tem o objetivo de reforçar a unidade, a energia e a pureza de comunidades nas quais a democracia liberal é acusada de produzir divisão e declínio".

Em outro lugar, ele refina o termo como "uma forma de comportamento político marcado pela preocupação obsessiva com o declínio da comunidade, com a humilhação e a vitimização e pelo culto compensatório da unidade, energia e pureza, na qual um partido de massas de militantes nacionalistas, trabalhando em colaboração desconfortável mas efetiva com as elites tradicionais, abandona as liberdades democráticas e busca através de violência redentora e sem controles éticos ou legais objetivos de limpeza interna e expansão externa".

Não considerando Jonah Goldberg, é uma definição básica com a qual a maioria dos estudiosos concorda e é a que usarei como referência

Do proto-fascismo ao momento-chave

De acordo com Paxton, o fascismo surge em cinco estágios. Os dois primeiros estão solidamente atrás de nós -- e o terceiro deveria ser de particular interesse para os progressistas nesse momento.

No primeiro estágio, um movimento rural emerge em busca de algum tipo de renovação nacionalista (o que Roger Griffin chama de palingenesis, o renascimento das cinzas, como a de fênix). Eles se reúnem para restaurar uma ordem social rompida, como sempre usando temas como unidade, ordem e pureza. A razão é rejeitada em favor da emoção passional. A maneira como a história é contada muda de país para país; mas ela sempre tem raiz na restauração do orgulho nacional perdido pela ressureição dos mitos e valores tradicionais da cultura e na purificação da sociedade das influências tóxicas de estrangeiros e de intelectuais, aos quais cabe o papel de culpados pela miséria atual.

O fascismo somente cresce no solo revolto de uma democracia madura em crise. Paxton sugere que a Ku Klux Klan, que se formou em reação à Restauração pós-Guerra Civil, pode ser o primeiro movimento autenticamente fascista dos tempos modernos. Quase todo país da Europa teve um movimento proto-fascista nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial (quando o Klan experimentou um ressurgimento nos Estados Unidos), mas a maior parte deles empacou no primeiro estágio -- ou no próximo.

Como Rick Perlstein documentou em seus dois livros sobre Barry Goldwater e Richard Nixon, o conservadorismo moderno dos Estados Unidos foi construído sobre esses mesmos temas. Do "Despertar nos Estados Unidos" [tema de campanha de Ronald Reagan] aos grupos religiosos prontos para a Ruptura [os milenaristas], ao nacionalismo branco promovido pelo Partido Republicano através de grupos racistas de vários graus, é fácil identificar como o proto-fascismo americano ofereceu a redenção dos turbulentos anos 60 ao promover a restauração da inocência dos Estados Unidos tradicionais, brancos, cristãos e patriarcais.

Essa visão foi abraçada tão completamente que todo o Partido Republicano agora se define nessa linha. Nesse estágio, é abertamente racista, sexista, repressor, excludente e permanentemente viciado na política do medo e do ódio. Pior: não se envergonha disso. Não se desculpa para ninguém. Essas linhas se teceram em todo movimento fascista da História.

Em um segundo estágio, os movimentos fascistas ganham raízes, se tornam partidos políticos reais e ganham um lugar na mesa do poder.

Interessantemente, em todo caso citado por Paxton a base política veio do mundo rural, das partes menos educadas do país; e quase todos chegaram ao poder se oferecendo especificamente como esquadrões informais organizados para intimidar pequenos proprietários em nome dos latifundiários.

A KKK lutava contra os pequenos agricultores negros [do sul dos Estados Unidos] e se organizou como o braço armado de Jim Crow. Os "squadristi" italianos e os camisas-marrom da Alemanha reprimiam greves rurais. E nos dias de hoje os grupos anti-imigração apoiados pelo Partido Republicano tornam a vida dos trabalhadores rurais hispânicos nos Estados Unidos um inferno. Enquanto a violência contra hispânicos aumenta (cidadãos americanos ou não), os esquadrões da direita estão obtendo treinamento básico que, se o padrão se confirmar, poderão eventualmente usar para nos intimidar.

Paxton escreveu que o sucesso no segundo estágio "depende de certas condições relativamente precisas: a fraqueza do estado liberal, cujas inadequações condenam a nação à desordem, declínio ou humilhação; e a falta de consenso político, quando a direita, herdeira do poder mas incapaz de usá-lo sozinha, se nega a aceitar a esquerda como parceira legítima".

Paxton notou que Hitler e Mussolini assumiram o poder sob essas mesmas circunstâncias: "Paralisia do governo constitucional (produzida em parte pela polarização promovida pelos fascistas); líderes conservadores que se sentiram ameaçados pela perda de capacidade para manter a população sob controle num momento de mobilização popular maciça; o avanço da esquerda; e líderes conservadores que se negaram a trabalhar com a esquerda e que se sentiram incapazes de continuar no governo contra a esquerda sem um reforço de seus poderes".

E, mais perigosamente: "A variável mais importante é aceitação, pela elite conservadora, de trabalhar com os fascistas (com uma flexibilidade recríproca dos líderes fascistas) e a profundidade da crise que os induz a cooperar".

Essa descrição parece muito com a situação difícil em que os congressistas republicanos estão nesse momento. Apesar do partido ter sido humilhado, rejeitado e reduzido a um status terminal por uma série de catástrofes nacionais, a maior parte produzida pelo próprio partido, sua liderança não pode nem imaginar governar cooperativamente com os democratas em ascensão. Sem rotas legítimas para voltar ao poder, sua última esperança é investir no que restou de sua "base dura", dando a ela uma legitimidade que não tem, recrutá-la como tropa de choque e derrubar a democracia americana pela força. Se eles não podem vencer eleições, estão dispostos a levar a disputa política para as ruas e assumir o poder intimidando os americanos a se manterem silenciosos e cúmplices.

Quanto esta aliança "não santa" é feita, o terceiro estágio -- a transição para um governo abertamente fascista -- começa.

O terceiro estágio: chegando lá

Durante os anos do governo Bush, os analistas progressistas da direita se negaram a chamar o que viam de "fascismo" porque, apesar de estarmos de olho, nunca vimos sinais claros e deliberados de uma parceria institucional comprometida entre as elites conservadoras dos Estados Unidos e a horda nacional de camisas-marrom. Vimos sinais de flertes breves -- algumas alianças políticas, apoio financeiro, palavras-de-ordem doidas da direita na boca de líderes conservadores tradicionais. Mas era tudo circunstancial e transitório. Os dois lados mantiveram uma distância discreta um do outro, pelo menos em público. O que acontecia por trás das portas, só dá para imaginar. Eles com certeza não agiam como um casal.

Agora, o jogo de advinhação acabou. Nós sabemos sem qualquer dúvida que o movimento do Teabag foi criado por grupos como o FreedomWorks do Dick Armey e o Americans for Prosperity do Tim Phillips, com ajuda maciça de mídia da Fox News [a TV de Rupert Murdoch, o magnata da mídia, é porta-voz da extrema-direita dos Estados Unidos].

Site da FreedomWorks

Site do Americans For Prosperity

[Nota do Viomundo: O movimento do Teabag foi um protesto em escala nacional, organizado pelos republicanos, com ampla cobertura da Fox, em que eleitores protestaram contra a cobrança de impostos e o tamanho do governo federal. Uma tentativa de trazer de volta a rebelião contra a cobrança de impostos que esteve na origem do movimento de independência dos Estados Unidos. Ver Boston Tea Party]

Vimos a questão dos birther [aqueles que acreditam que Barack Obama não nasceu nos Estados Unidos, mas no Quênia] -- o tipo de lenda urbana que nunca deveria ter saído da capa do [jornal sensacionalista] National Enquirer -- sendo ratificada por congressistas republicanos.

Vimos os manuais produzidos profissionalmente por Armey que instruem grupos de eleitores republicanos na arte de causar distúrbios no processo de governo democrático -- e as imagens de autoridades públicas aterrorizadas e ameaçadas a ponto de requererem guarda-costas armados para sair de prédios [os protestos aconteceram durante audiências públicas para debater o novo sistema de saúde].

Um dos protestos aparece aqui

Vimos o líder da minoria republicana John Boehner aplaudindo e promovendo um vídeo de manifestantes e esperando por "um longo e quente agosto para os democratas no Congresso".

Este é o sinal pelo qual estávamos esperando -- o que nos diria que sim, crianças, chegamos. As elites conservadoras dos Estados Unidos jogaram abertamente seu futuro com o das legiões de descontentes da extrema-direita. Elas deram apoio explícito e poder às legiões para que ajam como um braço político nas ruas americanas, apoiando ameaças físicas e a intimidação de trabalhadores, liberais e autoridades que se neguem a defender seus [das elites] interesses políticos e econômicos.

Este é o momento catalisador em que o fascismo honesto, de Hitler, começa. É nossa última chance de brecá-lo.

O ponto decisivo

De acordo com Paxton, esse momento da aliança do terceiro estágio é decisivo -- e o pior é que quando se chega a esse ponto, é provavelmente tarde para pará-lo. Daqui, há uma escalada, quando pequenos protestos se tornam espancamentos, mortes e a aplicação de rótulos em certos grupos para eliminação, tudo dirigido por pessoas no topo da estrutura de poder. Depois do Dia do Trabalho [Labor Day], quando senadores e deputados democratas voltarem a Washington, grupos organizados para intimidá-los vão permanecer na cidade e usar a mesma tática -- aumentada e aperfeiçoada a cada uso -- contra qualquer pessoa cuja cor, religião ou inclinação política eles não aceitem. Em alguns lugares, eles já estão tomando nota e preparando listas de nomes.

Qual é a linha do perigo? Paxton oferece três rápidas perguntas que nos ajudam a identificar:

1. Estão os neo ou proto-fascistas se tornando arraigados em partidos que representam grandes interesses e sentimentos e conseguem ampla influência na cena política?

2. O sistema econômico ou constitucional está congestionado, de forma aparentemente insuperável, pelas autoridades atuais?

3. A mobilização política rápida está ameaçando sair do controle das elites tradicionais, ao ponto que elas poderiam buscar ajuda para manter o controle?

Pela minha avaliação, a resposta é sim. Estamos muito perto. Muito perto.

O caminho adiante

A História nos diz que uma vez essa aliança [entre a elite e a tropa de choque] é formada, catalisada e tem sucesso em busca do poder, não há mais como pará-la. Como Dave Neiwert escreveu em seu livro recente, The Eliminationists, "se apenas podemos identificar o fascismo em sua forma madura -- os camisas-marrom com passos de ganso, o uso de táticas de intimidação e violência, os comícios de massa -- então será muito tarde para enfrentá-lo".

Paxton (que anteviu que "um autêntico fascismo popular nos Estados Unidos será crente e anti-negros") concorda que se uma aliança entre as corporações e os camisas-marrom tiver uma conquista -- como a nossa aliança tenta agora [barrando a reforma do sistema de saúde proposta por Barack Obama] -- pode rapidamente ascender ao poder e destruir os últimos vestígios de um governo democrático. Assim que ela conseguir algumas vitórias, o país estará condenado a fazer a feia viagem através dos dois últimos estágios, sem saída ou paradas entre agora e o fim.

O que nos espera? No estágio quatro, quando o dueto assumir o controle completo do país, lutas políticas vão emergir entre os crentes do partido dos camisas-marrom e as instituições da elite conservadora -- igreja, militares, profissionais e empresários. O caráter do regime será determinado por quem vencer a disputa. Se os membros do partido (que chegaram ao poder através da força bruta) vencerem, um estado policial autoritário seguirá. Se os conservadores conseguirem controlá-los, um teocracia tradicional, uma corporocracia ou um regime militar podem emergir com o tempo. Mas em nenhum caso o resultado lembrará a democracia que a aliança derrubou.

Paxton caracteriza o estágio cinco como "radicalização ou entropia". Radicalização é provável se o novo regime conseguir um grande vitória militar [Nota do Azenha: sobre a Venezuela, por exemplo], o que consolida seu poder e dá apetite para expansão e uma reengenharia social em grande escala (Veja a Alemanha). Na ausência do evento radicalizador, podemos ter a entropia, com a perda pelo estado de seus objetivos, o que degenera em incoerência política (Ver a Itália).

É fácil neste momento olhar para a confusão na direita e dizer que é puro teatro político do tipo mais absurdamente ridículo. Que é um show patético de marionetes. Que esse povo não pode ser levado a sério. Com certeza, eles estão com raiva -- mas eles são minoria, fora do poder e reduzida a ataques de nervos. Os crescidos devem se preocupar com eles tanto quanto se preocupam com uma menina de cinco anos, furiosa, que ameaça segurar a respiração até ficar azul.

Infelizmente, todo o barulho e as ameaças obscurecem o perigo. Essa gente é tão séria quanto uma multidão linchadora e eles já deram os primeiros passos para se tornar uma. Eles vão se sentir mais altos e mais orgulhosos agora que suas tentativas de desobediência civil estão contando com apoio integral das pessoas mais poderosas do país, que cinicamente os usam numa última tentativa de garantir suas posições de lucro e prestígio.

Chegamos. Estamos estacionados exatamente no lugar onde nossos melhores especialistas dizem que o fascismo nasce. Todos os dias que os conservadores no Congresso, os comentaristas de extrema-direita e seus barulhentos seguidores conseguem segurar nossa capacidade de governar o país, é mais um dia em que caminhamos em direção à linha final, da qual nenhum país, mostra a História, conseguiu retornar.


terça-feira, 15 de setembro de 2009

Alguns apontamentos sobre a eleição legislativa na Alemanha

Roberto Torres

No próximo dia 27 os alemães decidem a nova composição do parlamento nacional (Bundestag). A atual chanceler Angela Merkel, da democracia crista (CDU) é favorita nas pesquisas contra Frank Walter-Steinmeiner (SPD) para compor uma coalização e governar o país por mais quatro anos. Desta vez tudo indica que a coalização será com os Liberais (FDP), e não mais uma grande coalização com a social-democracia (SPD), como foi nos últimos quatro anos. As intenções de formar coalização, junto com o percentual de cadeiras dos partidos afins, decide quem governa o país. A social-democracia namora com os Verdes, descartando tanto a continuidade da grande coalização com a democracia crista, como uma coalização de três partidos que inclua “ a esquerda” ( die Linke), partido que congrega dissidentes do SPD e antigos membros do SED, o partido comunista da antiga Alemanha oriental. No entanto, uma reedição da grande coalizão entre CDU e SPD não é descartada por muitos analistas.
A posição do SPD em recusar uma aliança com o “die Linke” no plano nacional (no plano estadual alianças estão sendo costuradas) pode lhe custar uma derrota histórica, sobretudo porque o “dissidente” rejeitado é o partido que mais cresceu nas eleições estaduais e tende a confirmar este crescimento no plano nacional no próximo dia 27. O crescimento do “die Linke”, puxado pelo carisma de seu maior líder, Oskar Lafontaine, coincide com a radicalização de um discurso baseado em dois pilares: 1) um forte programa distributivista, baseado no aumento de impostos para o capital financeiro e para a grandes fortunas de pessoas físicas e no aumento do salário mínimo e 2) a exigência de que as forcas armadas alemãs deixem imediatamente o Afeganistão.
O partido de esquerda cresceu não apenas no “lado oriental” do país, freando o crescimento dos nazistas (NPD) nas regiões mais estigmatizadas pelo ocidente, onde o desemprego é maior e o regime de aposentadoria, por exemplo, não foi integrado à previdência do lado ocidental, expressando muito claramente que a antiga Alemanha comunista é vista como um “fardo” . Mas como o crescimento do “die Linke” também se deu no segundo estado mais rico (Saarland), não convence mais dizer que foi o resultado dos “pobres desorientados” que não sabem o que estão escolhendo, por não terem aprendido ainda a democracia, como acontece por exemplo no Brasil com o preconceito de São Paulo contra o voto do Nordeste.
O partido de esquerda parece ter abocanhado uma fatia significa do eleitorado de classe média (que talvez votaria no SPD ou nos Verdes) com seu discurso de retirada imediata dos soldados alemães do Afeganistão. O curioso é que, premido pelas possibilidades institucionais do sistema político alemão, o “die Linke” promete aos eleitores simplesmente a continuidade da luta ideológica e política do parlamento, de modo pressionar ou convencer outros partidos sobre os pontos essenciais do seu programa ao longo da legislatura. O partido está aberto a uma coalização com o SPD e com os Verdes, como existe na prefeitura de Berlin, rejeitada pelos social-democratas, que acusam o “die Linke” de prometerem o inviável e de não oferecerem base estável de sustentação para um governo.
Mas o que mais me chama atenção nestas eleições aqui não é nem o leque de opções partidárias, que é muito parecido com o Brasil. (a única diferença significativa é aqui não existe um PMDB), mas sim o efeito que o sistema de governo tem sobre o debate: parece ter forca no que os partidos falam e no que se espera deles uma relação direta, institucionalizada, entre crescimento do número de eleitores e preparação para assumir responsabilidades de governo. As possíveis coalizões são discutidas na campanha como tema que pode decidir o sucesso ou o fracasso dos partidos. Não faz nenhum sentido para um partido como o “die Linke” adotar um discurso de purismo ideológico e/ou rituais de seita imaculada como faz o PSol no Brasil. A necessidade de concessões ou mesmo de fusão de programas para governar é um fato que não é minimizado ou deixado fora do discurso. Se o partido se vê crescendo ele sabe que será procurado para governar uma hora ou outra, e essa atribuição não pode ser deslocada somente para os ombros de um sujeito.
Se não fosse o preconceito contra os supostos herdeiros da Alemanha Oriental, alguns no “die Linke”, a social-democracia poderia aqui formar um governo de esquerda, com um partido disposto a assumir responsabilidades de governo. Mas há um estigma, inclusive na mídia, que rotula uma aproximação com o “die Linke” como evidencia de desapego aos valores democráticos, por supostamente se tratar de um partido que traz de volta o passado. A social-democracia, que se firmou como a esquerda da “Alemanha Ocidental”, parece não escapar deste rótulo, pelo menos a nível nacional.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

É preciso des-privatizar a Universidade Pública

Roberto Torres

Os ganhos de um debate não são apenas as conclusões, mas também as questões em aberto que surgem no decorrer. A acalorada discussão sobre o boicote ao Enade deixou em aberto a questão da possível privatização das Universidades Públicas que viria legitimada pelo Enade. Para além de se o Governo Lula pretende ou não colaborar com esta suposta marcha para a privatização – tese, a meu ver, completamente absurda – cabe discutir em que medida as Universidades Públicas são públicas.
Antes de mais nada, quero ressaltar que devo minha vida à “Universidade Pública realmente existente” , de modo que pude desfrutar, como ainda desfruto, da medida real de acesso republicano à Universidade que existe em nosso país. No entanto, todos sabemos que o acesso à Universidade Pública no Brasil é um privilégio da classe média estatutária, estabelecida . Sempre foi assim entre nós, e não só com a Universidade Pública: com o ensino de qualidade em geral, com a saúde. Ser de classe média no Brasil (tomo essa definição de Brand) é desfrutar de uma privatização bem sucedida das principais esferas da vida (educação, saúde, justiça, política, lazer etc. ). Se o problema do Estado brasileiro é o que muitos chamam de “confusão entre o público e o privado”, este problema existe porque beneficia a classe média.
Muitos amigos meus poderiam dizer: “mas, poxa, apesar de eu ser de classe média, defendo a Universidade pública para todos, quero que ela se expanda, e que outros desfrutem o que eu desfruto”. Mas mão se trata de boas ou más intenções individuais. A “Universidade Pública para todos” defendida pela classe média ainda é muito programada para atender as demandas e os estilos de vida dos filhos da própria classe média estabelecida. As afinidades que tornam a Universidade Pública um bem privado da classe média são muitas. Tomo como exemplo apenas a seguinte: a Universidade Pública é o ambiente ideal para quem pode prorrogar a entrada no mercado de trabalho, para quem pode por um tempo “esquecer” a luta individual pela sobrevivência no mercado de trabalho. Os cursos de bacharelado da Uenf, com suas grades de tempo integral, mostram exatamente isto. Claro que existe espaço para o “outro lado”, nos cursos à noite, mas isto é exceção e não regra.
As Universidades Públicas são tanto menos públicas na medida em que, não só o acesso, mas sobretudo o estilo de vida implicitamente exigido dos estudantes favorece a classe média estabelecida. A “Universidade Pública para todos” é o tipo de formulação que serve apenas para “salvar a alma” dos incluídos, mas nunca para incluir os excluídos, a menos que a expansão do modelo atual de Universidade Pública altere a exigência implícita de um estilo de vida pautado no “afastamento da urgência econômica”, que é privilégio de poucos. Sempre me pareceu muito suspeito o “radicalismo” (que de radicalismo não tem nada) em defesa da Universidade Pública por parte dos incluídos de boa consciência. Hoje posso dizer que esta suspeição tem a ver com o fato de que esta defesa universalista nunca esteve pautada numa disposição de reconhecer que o interesse dos excluídos pela Universidade tende a ser pautado muito mais pela urgência econômica do que o “interesse altruísta” dos incluídos, que podem adiar a luta pelo salário. Para a classe média estatuária a Universidade Pública é o melhor lugar para garantir os interesses econômicos de longo prazo escamoteando uma relação de segurança econômica que sem tem a curdo prazo.
O preconceito com o Pró-Uni e com a Universidade Privada parece também mais um esforço de “monopolizar simbolicamente” o que é ser um “autentico universitário”, privatizando recursos para estilizar a vida a partir da rede de privilégios institucionais que empurram os filhos da classe média para a Universidade Pública. É daí que vem a denuncia de que o Pró Uni vai privatizar a Universidade. Só nao percebe a transformacao radical que o Pró Uni realiza na vida de milhoes de brasileiros que vem de baixo aqueles que sempre esteveram incluídos de modo privilegiado na rede privada que dá acesso à Universidade Pública. Desprezam o efeito de mobilidade que hoje desfrutam milhos de brasileiros simplesmente porque este nao agrada a "estética revolucionária" que serve para mascarar a rede fechada das chances de mobilidade social que define a classe média estabelecida. Mais publicidade na Universidade é torna-la compatível com o estilo de vida de quem vem de baixo.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Quem tem medo do Enade?

Por Paulo Sérgio Ribeiro

Os resultados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) evidenciam uma melhoria do ensino e da aprendizagem na Uenf. Hoje, a Uenf se situa entre as 15 melhores instituições de ensino superior do país, segundo o Índice Geral de Cursos (IGC). Neste índice é tomada para efeito de cálculo a média dos conceitos preliminares dos cursos (CPC) de cada instituição. O CPC, por sua vez, é elaborado mediante os resultados do Enade publicados anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP / MEC). Ainda segundo o IGC, dos cursos de graduação oferecidos pela Uenf, dez estão entre os melhores do país *. Brand Arenari ressaltou com justeza que tais resultados figuram a Uenf como a melhor universidade estadual do país. Um fato não apenas notório, mas meritório.

Não obstante os resultados positivos, o desempenho dos graduandos em ciências sociais destoa dos demais cursos e, não menos, do relativo à primeira avaliação a que fomos submetidos em 2005. Neste ano, fui um dos estudantes selecionados para o Enade como concluinte do curso de ciências sociais. Numa escala de 1 a 5, obtivemos o conceito máximo, confirmando nossa graduação como a melhor entre as IES fluminenses até então. Depois de 2005, houve apenas uma avaliação do curso de ciências sociais, referente ao Enade de 2008, cujo resultado atesta um retrocesso para a Uenf, pois descemos para o conceito 2.

Mesmo que não se queira dimensionar o maior ou menor peso do "boicote" ao Enade para a ocorrência desse resultado vexatório, seus efeitos far-se-ão presentes na trajetória dos ingressantes no curso de ciências sociais em uma universidade desafiada a se institucionalizar com e contra uma realidade extramuros muitas vezes refratária ao campo científico. Antes de uma avaliação política da não adesão ao Enade, convém descrever o procedimento de seleção e avaliação dos estudantes para esse exame. Tais como as provas finais das disciplinas obrigatórias, optativas e eletivas e os trabalhos de conclusão de curso, o Enade é um atributo do currículo, sendo obrigatório para os estudantes selecionados para fazê-lo conforme o processo de amostragem do INEP e facultativo para os não-selecionados, importanto assim em uma exigência para a emissão do histórico escolar. O Enade compreende não apenas prova escrita, mas questionário sócio-econômico, questionário do coordenador de curso ou habilitação e o "questionário de impressões dos estudantes sobre a prova", instrumento que sugere relativizar o argumento que postula o Enade como uma medida unilateral. Lembro-me ainda que naquela ocasião pude responder a algumas perguntas de uma equipe do INEP que realizava uma observação in loco de nosso curso. Expus sem maiores constrangimentos opiniões sobre o que julgava passível de alteração no conteúdo ministrado nas aulas, na composição do corpo docente, da representação política dos estudantes na universidade etc.

Confesso que o resultado daquele primeiro Enade superou expectativas. Por um lado, porque era difícil estimar o grau de comprometimento dos estudantes com o exame, devido às polêmicas em torno do antigo "Provão"; por outro, pela subestimação do capital cultural institucionalizado no Centro de Ciências do Homem (CCH), que, aos meus olhos, já adentrava um caminho sem retorno para uma mediana mediocridade. Afirmo isso sem deixar de ser solidário aos professores e estudantes que, a despeito de tudo o que os separa no CCH, empreendem esforços ingentes para reverter ou, ao menos, atenuar a perda de qualidade de nossa formação, um quadro de deterioriação da graduação enfrentado na maioria das universidades públicas no país.

Creio que esse tema ainda exigirá bastante tempo em nossas discussões, mas alguns consensos entre colaboradores e comentaristas já podem ser delineados aqui no blog, principalmente quanto à crítica à política de avaliação do MEC como dependente exclusivamente da não adesão ao Enade. Ora, não seria equívoco pensar que a realização da prova constituiria uma observação privilegiada de prováveis limitações dos critérios de avaliação ali empregados. Invalidar um instrumento sem testá-lo depõe contra a metodologia que aprendemos, pois, conforme já dito, no Enade o estudante não apenas pode como deve avaliar a prova por meio de questionário específico.

Para além da discussão sobre a melhor metodologia a ser utilizada no Enade, negar-se a fazê-lo sem consultar a comunidade acadêmica, a população que contribui para os fundos públicos destinados às atividades-fim da universidade e, quiçá, os próprios colegas de graduação que se dispuseram a fazer a prova com zelo nos remete ao questionamento da orientação valorativa desse "boicote". Ora, as razões pelas quais um grupo de estudantes optou por não fazer a prova foram publicizadas a todos os interessados? Este "protesto" contra a política de avaliação do MEC foi objeto de discussão e deliberação entre os estudantes para, em seguida, ser levado a cabo em todos os colegiados e conselhos da universidade nos quais os representantes discentes tomam assento? Essa decisão fora divulgada nos jornais de grande circulação ou na blogsfera cuja audiência cresce dia a dia? Acaso essas perguntas não tenham se traduzido no fundamento praxiológico de proposições divergentes que pudessem ser acessíveis na esfera pública, o que justificaria não participar de um exame do desempenho escolar - um instrumento de avaliação da eficência e da eficácia da política de ensino superior -, senão um ato arbitrário de estudantes contrários a uma política de Estado supostamente arbitrária?

A contar com os poucos comentários de graduandos de ciências sociais da Uenf que fizeram ou apoiam aqueles que fizeram o "boicote", penso que esse movimento espontâneo coaduna-se com uma falta de ética. Ética não no que o senso comum atribui à honestidade, mas no sentido grego de fidelidade às normas de sua casa ou de sua circunstância. Noutros termos, o que se manifestou no "boicote" foi o desconhecimento da posição da Uenf nessa política de avaliação, acaso esta seja entendida como um campo de lutas pela aquisição ou ampliação de capital simbólico a que estamos sujeitos em quaisquer modalidades de avaliação que, gostemos ou não, balizam o sucesso escolar na graduação e na pós-graduação. Como bem disse Roberto Torres, aderir ao Enade pode também significar um interesse bem compreendido, na medida em que a concorrência inter-institucional pressupõe apostar no próprio desempenho ao pô-lo à prova em avaliações institucionais rotineiras cujos resultados podem se traduzir em ganhos individuais e coletivos no mercado científico, sem prescindir, claro, de acordos intramuros que viabilizem um padrão de competição favorável a uma solidariedade intergeracional na produção do conhecimento.

Quem ganha e quem perde com o rebaixamento do curso de ciências sociais na Uenf? Tenho dúvida quanto à leitura desse "boicote" apoiada na noção de desobediência civil. Talvez aquele seja a exteriorização de um ethos escolar marcado pelo privilégio de um pequeno grupo de letrados que, num país de analfabetos funcionais, se percebe alheio a qualquer avaliação externa, pervetido pela idéia de que sua competência formal não está em questão, o que torna-se um terreno fértil para a perpetuação da velha sinecura acadêmica. Em suma, um ethos anti-republicano que suprime o debate sobre o controle social do financiamento público do ensino superior.

* Site da Uenf.

sábado, 5 de setembro de 2009

Vida longa à UENF!


Nosso amigo Roberto Torres propôs disponibilizar o espaço do blog OUTOS CAMPOS para os alunos de Ciências Sociais idealizadores do movimento que supostamente boicotou a prova do ENADE. De antemão, julgo que seria de grande importância que aqueles que se lançaram no empreendimento expusessem suas lógicas procedimentais (instrumentais) e morais (normativas). Desta forma, poderíamos discutir as questões que envolvem avaliações e financiamentos de pesquisas e ensino de forma mais acurada.


Confesso publicamente que fiquei um tanto confuso e me senti ainda mais incapaz de compreender de imediato a lógica empregada por aqueles que resolveram boicotar o ENADE.


Adianto que, seja qual for a lógica de justificação da ação, espero que os executores estejam conscientes das conseqüências que provocaram no curso de Ciências Sociais. Provavelmente, deve haver alguma explicação que contraponha os prejuízos causados. Nestes últimos, estão incluídas as dificuldades, imputadas pelo desempenho pífio, à obtenção de recursos para financiar pesquisas, ensino e extensão universitária.

Há muitos pontos importantes para se debater no assunto, sem dúvidas. Espero sinceramente que existam motivos justificadores que possam nos ajudar a apreender tal ação.

De qualquer modo, o comportamento dos alunos de um único curso não deve e não pode sobrepor à conquista de mais um feito da UENF - Instituição periférica na busca incessante pela qualidade e construção de um sonho. Não deve sobrepor à conquista dos alunos que se dispuseram a realizar a prova do ENADE com afinco e dedicação, numa atitude de coragem e competência. Não deve sobrepor aos esforços monumentais de alunos, funcionários e professores para construir uma Universidade no "meio do canavial". Não deve sobrepor ao suor daqueles que trabalham diariamente para substanciar a ousadia e alucinação dos que "inventaram" de construir a UENF. Não deve sobrepor um clamor público local que ensejou e legitimou por meio do movimento popular a favor da instalação da UENF em Campos. Não deve sobrepor à luta por mais investimentos nas Universidades públicas. Não deve sobrepor aos intentos daqueles funcionários, alunos e professores que lutaram arduamente pela autonomia universitária. Não deve sobrepor, enfim, aos resultados cada vez mais visíveis de uma instituição que, contra todos os obstáculos difíceis de serem concebidos até mesmo por um ultra-realista, conseguiu mostrar ao Brasil que é possível sonhar. Que é possível realizar sonhos. Que é possível, sim, com muita com luta e esforço transformar alucinações em realidade!

Vida longa à UENF!

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Para a cidade se orgulhar

Uenf confirmada entre as melhores do Brasil*

Pela segunda vez consecutiva, a Uenf é apontada pelo MEC como uma das 15 melhores universidades do Brasil. A nova versão do Índice Geral de Cursos da Instituição (IGC) - o mais completo indicador de qualidade das instituições de ensino superior - aponta a Uenf como a segunda melhor universidade pública do Estado. No Rio de Janeiro, a exemplo do que ocorreu no índice divulgado em 2008, só a UFRJ e a PUC-Rio somaram mais pontos.
Os dados sobre a nova edição do IGC foram divulgados na tarde desta segunda, 31/08/09, pelo ministro da Educação, Fernando Haddad. Na planilha do MEC, a Uenf é a universidade estadual brasileira com melhor pontuação. Numa escala de zero a 500, a Universidade obteve 369 pontos no IGC, posicionando-se em 14.º lugar. Depois da Uenf, a estadual com melhor pontuação é a Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho), em 17.º lugar, com 363 pontos.
Consulte o IGC de cada instituição
Para o reitor da Uenf, Almy Junior, a reiteração do bom desempenho da instituição na avaliação global do MEC confirma o acerto do modelo proposto por Darcy Ribeiro na década de 1990, baseado na forte ênfase na pesquisa e no efetivo entrelaçamento entre pesquisa, ensino e extensão.
- A universidade brasileira em geral ainda precisa melhorar bastante para se aproximar do padrão do mundo desenvolvido, e quem sabe os recursos do pré-sal podem alavancar o que ainda nos falta. Mas é extremamente gratificante constatar que o modelo implantado por Darcy no interior venha resultando numa instituição sistematicamente reconhecida como uma das melhores do Brasil.
O topo da lista continua com a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), com 439 pontos. Na sequência, as 15 melhores universidades segundo o IGC são as seguintes: Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Lavras (Ufla), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Universidade Federal de Viçosa (UFV), Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade de Brasília (UnB), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), Universidade Federal de Alfenas (Unifal, MG), Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf) e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
* site da Uenf.