terça-feira, 27 de abril de 2010

A escravidão e a culpa nossa de cada dia





Em geral, nós podemos dizer que boa parte de nossa elite nacional ainda guarda fortes traços escravocratas, porém, quando transplantamos isso para a nossa realidade municipal, esses traços tomam proporções muito maiores. O espectro da escravidão nos espreita em cada esquina, em cada casa, em cada cumprimento, em cada olhar desta cidade.

A escravidão em nossos canaviais é, neste sentido, a ponta do iceberg de uma sociedade que é escravocrata não somente no distante mundo rural, mas é escravocrata por inteiro. É escravocrata em boa parte de suas relações cotidianas, em especial, obviamente, nas relações entre patrões e empregados. Isso se mostra em várias formas de exploração do trabalho, como baixíssimos salários e completo desrespeito no trato pessoal. Enfim, poderia ficar o dia inteiro citando exemplos, mas isso não é o mais importante aqui.

O mais importante é entender que, o caso do trabalho escravo nos canaviais é a mostra que este fantasma é tão forte e poderoso em nós, que este pode mostrar seu rosto terrível, desfilando a luz do dia. Ele não precisa esperar anoitecer e se rastejar como cobra entre becos e ruas escuras, tal como acontece com as manifestações de nossas emoções mais sombrias. Em nossa cidade, ou poderíamos dizer, em nossa psique coletiva, a sombra da escravidão não tem o menor respeito ante ao nosso lado mais luminoso, há um desequilíbrio em nossa psique coletiva. Os sentimentos e emoções peculiares a uma sociedade escravocrata, tais como sadismo, perversidade, crueldade, cinismo por um lado, e, medo, raiva, revolta por outro, desfrutam de uma força desproporcional em nossa cidade. E nós temos o dever moral de nos sentirmos culpados por isso.

A nossa sociedade deve se engajar por inteiro na punição dos culpados da escravidão nos canaviais, mas não para transformá-los em bodes expiatórios dessa nossa patologia social, mas sim, enxergando neles o exagero, a caricatura do que há dissimuladamente em nós. Precisamos aprender que somos culpados, porque não há trabalho escravo em uma sociedade que não seja escravocrata, neste caso, os usineiros são a nossa mão sombria que porta o chicote que nós queremos esconder de nós mesmos.

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