domingo, 8 de fevereiro de 2009

A Geladeira do Poder

Fabrício Maciel


Vi outro dia Chico Anysio reclamando que a Globo o pôs na gelaeira outra vez, e por um bom tempo. A matéria o escarnecia, dizendo que não era a primeira vez que ele reclamava. O gesto que deveria ser elogiado foi sacaneado. Trata-se de um de nossos maiores artistas. Ele não precisava ficar com esta choraminga. Mas sua atitude é louvável, é um posicionamento político que explicita a verdadeira relação entre o mercado e a arte. Não deve ser lucrativo pra Globo manter um humorista velho tantos anos na tv, a onda é renovar. Mesmo que o que venha depois seja um monte de merda.
Há algum tempo atrás, ele reclamou por que saiu um livro com os cem maiores contos brasileiros e não havia nenhum dele. Estava certo. Foi na grande mídia e explicitou. É uma atitude que a maioria de nossos blazés, de nossos Paulos Coelhos jamais faria. Prefeririam não descer do salto. Chico está explicitando a lógica do poder. Não importa o tamanho da arte ou do artista, importa seu valor momentâneo para a rotatividade da "sociedade da informação", onde enjoa-se rápido de tudo, mas no fundo o que se tem é sempre mais do mesmo com uma cor ou um chapéu diferente. Daqui a pouco o Chico volta, pois seu capital simbólico precisa ser lembrado de vez em quando, na cota implícita que a mídia precisa apresentar para parecer democrática e universal.
Outros artistas já o fizeram, como Lobão e Herbert Vianna. Quando estava na geladeira da gravadora Universal, Lobão abriu o bico. Hoje, sua imagem de vovô punk é interessante à MTV. Deixa quieto então. Na academia não é diferente. O poder, compreendido como o faziam Bourdieu e Foucault, atua implicita e impessoalmente no mundo moderno, não é posse de ninguém, existe acima de todos. Tem critérios objetivos próprios. No mercado vale o vendável. Como Bourdieu mostrou, na academia vai ser lido e vendido aquilo que for mais palatável, e o palatável é sempre o senso comum. Não por acaso os estudos que mais vendem, nas maiores editoras do Atlãntico norte, são relativistas, sob o rótulo de "estudos culturais". Não incomodam, e ainda são pseudo-críticas. Assim como o Chico. Seu humor crítico tem limites. Os intelectuais que conhecem seu trabalho e entendem continuarão apreciando. Mas pra quê ficar insistinto com isso na TV. A ralé não precisa saber. Deixa quieto. Nos anos 80, quando o imaginário geral era de crítica por novos tempos, ainda era vendável um humor crítico como o dele. Agora não. Já vivemos em tempos melhores, pós-ditadura. Agora tá bom. Não precisamos mais de crítica.

26 comentários:

Anônimo disse...

belíssimo texto.

Fabrício Maciel disse...

Obrigado, anônimo, faça suas críticas quando quiser.

Fabrício Maciel disse...

Não, Rosangela, aqui no outros campos só fica na geladeira que age de má fé. seja bem vinda.

Fabrício Maciel disse...

E de fato acho que o Chico nao tem muito o gabarito academico, mas tem outros, assim como Lula, e ambos falam menos merda do que muito intelectual academico aí.

bill disse...

Fabrício, Alguns trabalhos de uns alunos aqui da UFRGS enfocaram a idéia da geledeira de gerações. A idéia de que a TV deve ser renovada porque o público é renovado. A indústria cultural, ao transformar a obra de arte em mercadoria, exige a avaliação mercadológica não artística, por isso há uma simetria entre a geração que consumirá aquilo e aquilo mesmo. Por outro lado, com a evolução dos meios de comunicação, segmentamos determinadas artes em redutos de menos exposição, mas igualmente disponíveis, como a internet e as revistas de segmentos específicos. Isto quer dizer que ao lado da massificação existe a segmentação. A luta agora não é mais pela exposição deste ou daquele artista, mas pelo acesso aos canais onde ele é exposto. Lobão vendeu 300 mil cópias fora do esquemão...
Abraço.

bill disse...

O disco era "a vida é doce"... deve ter sido mesmo...

Anônimo disse...

E mais recentemente Malu Magalhães depois colocar 4 músicas na internet,lançou um Cd independente que ta vendendo razoavelmente .

Fabrício Maciel disse...

Sim pessoal, este espaço paralelo é interessante. Mas vejam bem, onde está o poder? Qual é o meio de comunicação que faz a cabeça do brasileiro mediano? O espaço paralelo, ou universo paralelo, como gosta o Lobão, é para nós de classe média. A grande mídia é despolitizante, e por isso um Chico Anysio tá na geladeira. Não podemos esquecer a força da mídia oficial por que a internet abre pequenos espaços pra classe média cult como nós.

Morena de Angola disse...

Olá Fabrício,
estou fazendo uma pesquisa em blogs sobre estudos culturais e linkei este porque apareceu a chamada para este post. Muito bom o post. Infelizmente hoje temos que contar com o humor vazio e preconceituoso cujas vítimas e consumidores somos nós mesmos - as pessoas reais - em seu contidiano. O que faz muitos de nós rir é a nossa própria desgraça, a pobreza, a privação, a pouca escolarização, a falta de dentes na boca... tudo isso filmado a nossas custas... que pena! Raramente assisto TV. E quando assisto é o programa de David Latterman, Oprha... (engraçado, não?). Sobre os estudos culturais, sinto dizer que não é um balaio de gato. Os estudos culturais norte-americanos certamente possuem esse viés mais relativista; concordo! Mas não vamos reduzi-los ao Atlântico Norte, não é mesmo? O que se liga ao surgimento dos estudos culturais (britânicos) é a tradição marxista, onde Stuart Hall, Raymond Williams por exemplo, beberam nessas fontes. Stuart Hall no livro "A diáspora" fala inclusive do papel do intelectual hoje, inspirando-se em Gramsci. Penso que "o rótulo" não cabe adequadamente. Pierre Bourdeau e Michel Foucault por exemplo são autores bastante utilizados nas pesquisas em estudos culturais. Stuart Hall, no livro acima citado, falou que os estudos culturais são discursivos no sentido foucaultiano. Grande abraço.

bill disse...

O que a Alásia fala é o que eu já havia resaltado ao Fabrício no post do outro texto: temos que ter cuidado no enquadramento do relativismo... Isto não pode ser lido sempre no sentido pejorativo.

Abraço.

Fabrício Maciel disse...

Cara Alásia, obrigado pela boas ponderaçõe que fez. A você e Bill, de fato, qualquer rotulação deve ser cuidadosa. Estou tentando ao longo de vários textos deixar claro o que é o relativismo cultural no qual estou descendo a lenha. Trata-se de qualquer estudo que ontoligize a cultura descontextualizando sua construção social da história dos conflitos e grupos sociais da sociedade em questão. Isto significa atribuir um peso mínimo a instituições modernas da economia e da política. no fundo o que é sugerido explicitamente ou não é que estas existem mas quase não afetam a cultura, esta é um ente sagrado e intocável, uma unidade social final, a célula menor, indivisível, inquebravel e inalterável. nem sempre este tipo de coisa é dito claramente. E de fato, qualquer autor pode ser utilizado nestas construções, e a obra de Foucault, por exemplo, sem dúvida abre muita margem para isso. Mas aí depende da apropriação que se faz de uma obra ou autor, como dizia Bourdieu, depende da questão política do campo de recepção, que pode usar as teorias mais revolucionárias para fins conservadores, ou vice versa. A questão é sempre se perguntar: qual a questão política? qual a pergunta política, anterior a qualquer questionamento intelectual? E por fim, um dos maiores estudos culturais relativistas neste sentido que coloco, identificados por Bourdieu, foi britânico, e neste resultado final não difere em nada dos americanos ou dos periféricos, como faz um Sérgio Costa por exemplo, que só complementa o discurso da diversidade por si mesma daqui do outro lado do jogo.

Unknown disse...

Oi Fabrícil!

Como em outros momentos de nossas conversas sobre Foucault e Bourdieu, tendo a discordar da maneira como você coloca lado a lado a idéia de poder nos dois pensadores. Conforme Bourdieu deixa bastante claro - em textos como “Sobre o poder Simbólico”, “Os usos sociais da ciência” e “meditações pascalianas” - que, embora concorde acerca da dimensão relacional do poder e sua “universalidade existencial” em todas os espaços do social (aqui podemos perceber um acordo entre Bourdieu e Foucault), não deixa de fazer lembrar que o poder pode e deve ser classificado e situado no espaço e no tempo a fim de não correr o risco de dissolve-lo ou converte-lo numa espécie de “circulo cujo centro está em toda parte e em parte alguma” ( acho interessante essa fala reproduzida por Bourdieu que nada mais é do que uma crítica (in)direta a Michel Foucault). Ainda, segundo Bourdieu, o aspecto frágil do argumento sistêmico do poder se evidencia, visto que ao descrever os agentes sociais apenas como pontos de trânsito do poder, a perspectiva foucaultiana (muito próxima do estruturalismo) impossibilita pensar e identificar “quem perde e quem ganha” nas relações sociais mediadas por diferentes formas de reconhecimento e prestígio, mesmo diante do reconhecimento da idéia de que as relações sociais representam também relações de poder, tal como faz a perspectiva foucaultiana. Aliás, não por acaso, Bourdieu adota a gramática da economia (ao contrário de Foucault que faz uso abusivo da gramática da lingüística) por entender que a mesma permite ao pesquisador social captar a “distribuição desigual de recursos, mas também de poder” entre os diferentes agentes (individuos ou/e instituições) sociais. Também é importante lembrar o desacordo de Bourdieu em relação as teorias da dominação marxistas que consideram ou tendem a considerar apenas uma forma de poder (poder econômico) – ou pelo menos como o mais importante. Nesse sentido, Bourdieu está muito mais próximo de Weber, pois assim como este ultimo, também acredita em formas e fontes diversas de poder. Daí a preocupação em sempre ressaltar a dimensão simbólica (não- econômica ou anti-econômica) do poder. Abraços!

bill disse...

Ô Rosângela, não há mais desequilíbrio de poder do que entre os que cultuam um só deus e aqueles que não cultuam deus nenhum... o mundo é das religiões monoteístas.

Fabrício Maciel disse...

Fala kadu, òtimas observacoes. concordo plenamente, associei os dois apenas na medida em que acho que concordam, como Bourdieu deixa claro no meditacoes, ou seja, na dimensao implicita e subrepticia do poder, em sua logica impessoal e objetiva. mas sem duvida Bourdieu vai alem e tematiza as hierarquias que faltam muito a Foucault. Cara, eu to em Caruaru ate inicios de marco, vamos marcar aquela parada em Natal que combinamos.abracao

Fabrício Maciel disse...

Cara Rosangela, um dos maiores deuses do mundo moderno, se nao o maior, e a propria cultura, e por isso deve ser rechacada por qualquer ciencia que se pretenda critica, assim como deus mercado do liberalismo tb deve, e mais precisamente, cada sociedade tem sua cultura legitima cultuada, ou seja, uma parte privilegiada de seu imaginario e praticas que geralmente e associada ao universo simbolico e pratico de suas classes dominantes. um abraco e cuidado, os outros membros do blog podem ser tao malvados e assustadores quanto Roberto hehe.

Unknown disse...
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Roberto Torres disse...

Rosangela, se eu te assusto e nao sou tao belo quanto voce gostaria, acho que é porque eu te mostro um lado do que voce faz que voce nao quer ver.Estou aberto a esse tipo de autocritica e por isso a faco. Voce argumenta bem a necessidade de se ouvir no espaco da comunicacao legitimada pelo poder a voz dos que portam valores religosos assumidamente. Agora consegui ver com clareza o que voce quer dizer. Mas inda assim fica a minha crítica. Por mais que voce tenha razao quanto a má vontade injustirficada com os valores religiosos, sendo que muitos possuem valores religiosos nao assumidos como tais, voce tende a defender que o valor religioso tenha carta branca para se impor como ele pretende, por cima da democracia e da racionalidade argumentativa. Assim voce adere ao raso discuro de garotinho que busca associar a si mesmo o carisma do profeta religioso, que por isso pode ignorar os outros, nao ouvir ninguém e apostar na ignorancia como mecanismo constante de poder. Sua crítica é interessante desde quanto ela adimita que a religiao nao pode ameacar as conquistas da esfera pública secularizada, ainda que presa a "religiao do mercado". Mas é melhor uma do que duas...

xacal disse...

Roberto,

a distinção básica entre os portadores do discurso religioso e os portadores do discurso dos valores científicos é:

Os último até admitem que há fenômenos ainda fora do alcance da ciência, enquanto os primeiros tentam explicar tudo pela fé...

Nessa diferença reside o germe da intolerância...

Cientistas, para confirmar sua crença no valor da probalidade(mesmo a que detém índices infinitesimais)entendem que deus pode existir, embora não acreditem...

Já os religiosos extremistas sequer se pergunta sobre a possibilidade da inexistência de deus...

Daí que é improvável qualquer chance de diálogo...

Resta apenas o embate...e nesse jogo, os crentes tendem a reduzir a realidade a seus critérios subjetivos da fé...portanto...

Fabrício,

Não há, no meu raso entendimento, um determinismo histórico, com viés materialista marxista, que imponha uma "realidade cultural", ou um mercado cultural que reflita de forma mecânica a conjuntura que vivemos...

Longe de reforçar traços do relativismo cultural tão bem dissecado e desmontado por você, não podemos desprezar o aspecto dialético que delega ao indivíduo e certos grupos os controle, ou pelo menos a inciativa de criar seus próprios meios de expressão cultural...

A medida que cada bem que esses grupos geram serão apropriados e massificados pelo mercado cultural depende de fatores inerentes a cada experiência, sem que isso possa ser enxergado como um forma de relativismo...

Não sei se consegui me fazer entender, pois as impressões publicadas se baseiam em intuição apenas, e um pouco de minha curta experiência como gestor nessa área...

bill disse...

Oi Rosângela,

Não consegui entender o que você quer na verdade. Você pode expressar o que quiser, ninguém aqui vai te colocar na geladeira. Ninguém aqui ao discutir busca poder político, mesmo que os discursos aqui sejam manifestações de alguma forma de poder, sociologicamente falando. Inclusive os seus. Mas poder é diferente de poder político. Acho que vc se confunde neste aspecto. Blogs tem regras, e o nosso busca respeitá-las, por exemplo, no momento em que se discute o tema do texto proposto. Sair do tema é injustiça com o autor, no caso acima, o Fabrício. Portanto, como participante destes campos aqui, gostaria que você respeitasse o autor, embora queira que você se expresse aqui, sempre. Posto isso, dou-le as boas-vindas, espero que possa contribuir para uma sociedade mais democrática e pluralista, com saci, pedra, Bomba, cartomante, capeta, preservando o direito sagrado do outro se expressar.

abraço.

Fabrício Maciel disse...

Caro Xacal, como sempre tuas observacoes sao boas. De fato, tenho escrito tais coisas muito com Bourdieu e Lahire em mente, principalmente o primeiro, e ambos jamais desconsideraram a dialética, se te entendo, o que voce poe é que a sociedade é produto de um conjunto de forças em conflito. A cultura legitima nao se impoe facilmente, e Lahire tem analisado isso mais que Bourdieu até, mas o fato é que sempre existe uma predominante, ainda que mude e tenha concorrentes em todas as classes. Mas nunca podemos esquecer que algum conjunto de valor e do que é considerado bom e justo, e isso é cultura legítima, sempre ganha de outros em uma sociedade, nao temos vários conjuntos que valem a mesma coisa. Ex. todo mundo acredita no mérito, assumindo ou não, ou seja, na prática, e não que devemos distribuir as riquezas da sociedade de acordo com as necessidades de cada individuo ou familia, pois do contrário simplesmente viveríamos em outro mundo que funcionaria de outra forma.
Mudando um pouco, só queria lembrar que na ciencia tambem há fanáticos, assumidos ou não, que na prática não enxergam outras possibilidades de verdade, imersos no mito de que o método é mais neutro do que qualquer particularismo humano. Potencialmente o método é mais neutro sim, mas as possibilidades de seus desdobramentos são ambíguas, como Bourdieu tanto ressaltava.
Rosangela, não precisa se desculpar, um abraço.
Rosangela, não precisa se desculpar

Anônimo disse...

Jumenta!
Por que não te calas?
Gente chata,feia, povo esquisito...

Roberto Torres disse...

Ok Rosangela, entao a partir de agora paramos de discutir isso vamos discutir o que os autores dos posts nos propem a discutir quando escolhem o tema, como Bill já havia dito.

VP disse...

Caros,

Eu acompanhei distante esse debate. Menos por falta de tempo do que por escassez de conhecimento sobre estudos culturais. Até que o debate descambou para outros rumos, os quais me deixaram muito preocupado.

Sem pretender a metadiscussão, gostaria que revissem algumas pautas. E atenção: cuidado para não permitir que o objeto de análise se transforme num interlocutor. A sociologia nunca estabeleceu critérios claros para essa tarefa. Diga-se de passagem, nessa seara os psicanalistas (quiça os psiquiatras) estão em posição muito mais vantajosa - desnecessário dizer que tiveram intenso treinamento para tal.


Abraços,


PS_1: Ao menos agora compreendi os motivos para a sobra de vagas nos programas de pós-graduação da UENF.


PS_2: Ou o Estado (que também não deveria ser considerado um Deus por muitos intelectuais, só para alfinetar, RS,RS,RS...) implementa amplas políticas públicas de saúde mental ou o quadro tenderá a piorar.


PS_3: Xacal, APOIADO.

George Gomes Coutinho disse...

Se nem com a sua infinita paciência o Xacal aguentou... pq diabos eu deveria fazê-lo? (risos)

Na minha leitura, como um dos administradores do blog, declaro a senhora Discípula Rosângela Jumentinha (não me interessa a ordem)persona non grata também neste espaço de modo que suas futuras manifestações serão devidamente colocadas no limbo.

Não houve qualquer respeito às advertências realizadas e tampouco ao texto do autor (o argumento do texto do Fabrício - que é o que interessa - se perdeu no universo de comentários poluídos e despropositados).

É isso. Recomendo aos outros colegas que passem também a fazê-lo. Pelo bem do blog e dos nossos parcos leitores.

Anônimo disse...
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