quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Instituições para quem? Um debate com George

Fabrício Maciel

O instigante texto de George no post anterior nos remete a um debate sobre instituições e pessoas no mundo moderno, que já travei várias vezes com este amigo e agora tenho uma boa oportunidade de estender um pouco mais aqui. A problematica do texto é bastante frutífera. Concordo com o teor de culturalismo e relativismo da linguagem multiculturalista. Mas outra coisa bem maior do que isso é o substancialismo, que não deve ser confundido com essencialismo cultural.
Nenhuma teoria sobre a justiça social ou sobre o aperfeiçoamento das instituições democráticas pode prescindir de compreender articuladamente as dimensões materiais e morais das sociedades. As instituições não são neutras, e seu aperfeiçoamento depende de se compreender para quem elas servirão. Ao descartar qualquer argumento substancialista, George fica em um formalismo, marca de toda uma tradição sociológica, que me parece ingênuo, ao compreender o mundo apenas pelas dimensões físicas mais visíveis das instituições, sem jamais tematizar as relações de força e poder em jogo, definidas por grupos e classes com identidades e interesses antagônicos.
Se apenas melhorar ou criar instituições formais resolvesse os problemas da desigualdade mundial, ou simplesmente de alguma nação ou continente, a Europa hoje seria uma maravilha. É exatamente agora com suas instituições transnacionais mais avançadas do que nunca, que a Europa conhece uma ralé sem precedentes. Onde a ralé entra nas instituições democráticas? em lugar nenhum. Aqui começa o problema social que a problemática e de toda esta discussão jamais enfrenta.
Como já discutimos pessoalmente, o caminho idealizado por Habermas é perfeito demais para as heterogeneidades de classe do mundo contemporâneo. Ele contempla apenas aqueles que são capazes de falar a lingua da ação comunicativa. E qual instituição irá cercear a estes para que não sejam particularistas, quando estão atuando dentro das instituições formais? Aqui a instituição da ciência deve assumir o papel de explicitar as deficiências das instituições democráticas, e o problema não é que sejam nacionais ou pós-nacionais. O certo é que existe hoje uma ralé transnacional não contemplada satisfatoriamente em nenhum aspecto imaginável por nenhuma instituição democrática formal.

12 comentários:

George Gomes Coutinho disse...

Caríssimo Fabrício,

Gostaria mesmo de agradecer o convite respeitoso para este debate frutífero.

A grande questão é que estou indo para a praia amanhã.. e depois envolvido com mais uma série de outras coisas.. O que fará com que eu só possa participar verdadeiramente, e com o respeito que você merece, após o carnaval.

Mas, só adiantando um ponto, pensar as instituições, como eu estou pensando, antes de ser uma postura ingênua significa compreender as potencialidades contidas na realidade social.

O oposto disso é uma saída de ruptura estrutural (creio que concordamos com a inviabilidade desta saída agora). Ou a barbárie da anomia....

Minha grande preocupação na postura pós-estruturalista é a enfase pesadíssima na desconstrução.. E a ausência na reconstrução.

Grande abraço "do outro lado da teoria crítica",

George

PS: Para variar estamos do mesmo lado. Na prática e na elaboração teórica vinculada com princípios normativos progressistas. A questão é o lugar das estratégias.

PS2: Se alguém estiver disposto, ora, nao se acanhe. No meu retorno prometo tentar elaborar algo no estilo "direito de resposta".

Fabrício Maciel disse...

Maravilha veio! eu tb estarei um pouco de repouso, mas voce já adianta uma parte considerável da resposta. REgistrei logo pois achei seu texto bastante corajoso. um abraço

Splanchnizomai abraçando o amanhã. disse...

Canção Óbvia

Escolhi a sombra desta árvore para
repousar do muito que farei
enquanto esperarei por ti.

Quem espera na pura espera
vive um tempo de espera vã.

Por isto, enquanto te espero
trabalharei os campos e
conversarei com os homens
Suarei meu corpo, que o sol queimará;
minhas mãos calejadas;
meus pés aprenderão o mistério dos caminhos;
meus ouvidos ouvirão mais.
meus olhos verão o que antes não viam,
enquanto esperarei por ti.

Não te esperarei na pura espera
porque o meu tempo de espera é um tempo de "quefazer".

Desconfiarei daqueles que virão dizer-me, em voz baixa e precavidos:
É perigoso agir
É perigoso falar
É perigoso andar
É perigoso, esperar, na forma em que esperas, porque esses recusam a Alegria de tua chegada.

Desconfiarei também daqueles que virão dizer-me, com palavras fáceis, que já chegaste,
porque esses, ao anunciar-te ingenuamente, antes te denunciam.

Estarei preparando a tua chegada
Como o jardineiro prepara o jardim
Para a rosa (qualquer outra flor) que se abrirá na primavera.

Paulo Freire
Gèneve, Março, 1971

In: Freire, P. Pedagogia da Indignação . São Paulo: UNESP, 2000

:) jumentinha, num momento de espera...

bill disse...

Eu tenho dificuldades, às vezes, com as questões do Xara´... como ele diz aqui:
"Nenhuma teoria sobre a justiça social ou sobre o aperfeiçoamento das instituições democráticas pode prescindir de compreender articuladamente as dimensões materiais e morais das sociedades." Ora, o que o George faz no texto inteiro é ver, ainda que timidadmente, as potencialidades materiais contidas no Parlasul. Pelo que li, no artigo ele não quer fazer teoria nenhuma sobre tal instituição pós-nacional. ele discute um pouco suas efetividade com algumas teorias que tentam tratar este mundo hoje tão diferente... Existe sociedade para além das classes. existem instituições, poder, culturas... achar que se pode tratar sempre de cada uma destas dimensões ao falar dos fenômenos sociais, isto sim, para mim, é ingenuidade, ingenuidade epistemológica.
Abraço.

Roberto Torres disse...

Acho que se ficarmos presos aos termos isolados nao vamos avancar no debate. Nao podemos separar a definicao do uso, como Wittigenstein nos ensina. Fabrício, quando George usa o termo substancialismo para designar o culturalismo, me parece que ele nao está negando a importancia de um acordo moral sobre uma nocao de boa vida, junto das regras formais-democráticas que se busca transnacionalizar com o Parlasul. Ele está criticando o conceito de cultura (que, Bill, para mim nao existe enquanto conceito sociologicamente útil) nacional ou continental. Isso nao significa negar definicoes de boa vida como algo nao só vigente em instituicoes, mas também necessário na luta política. A proposta de uma legislacao trabalhista para o blogo seria um claro exemplo de uma nocao de boa vida explicitada em instituicoes formais que nada tem a ver com cultura nacional ou latino-americana.

O problema com a definicao de boa vida é que se ele for pensando em termos substancialista também vira culturalismo, por isso acho que é a mesma coisa culturalismo e substancialismo. A Franca tem uma tradicao de defesa dos direitos trabalhistas, o Rio Grande do Sul tem uma tradicao de civismo, Campos tem uma tradicao de corrupcao. Se fizermos uma sociologia substancialista dos valores chegamos a isso. É preciso fazer uma análise relacional dos valores, confronta-los com suas condicoes sociais de possibilidade, ver como eles se tornarem possíveis em vez de outros, e como eles podem se expandir. Por isso, eu acho que valores em si nao é objeto da sociologia. Já fizemos essa crítica ao Taylor juntos e vemos como ele cai no substancialismo culturalista.

bill disse...

Ok Robertão, concordo com o que vc escreve, e acho que o Xará quis tocar nestes pontos. Acho que o conceito de cultura faz parte daquele contingente de conceitos que são amorfos, não lhes foi dado forma nas discussões sociológicas, da mesma forma que tradição, que é o conceito que parece, em vcs, substituir o de cultura. Tem-se que ter cuidado para não criticar o substantivo e fazer uso do adjetivo.

Roberto Torres disse...

Nao Bill. Eu usei tradicao como sinonimo de cultura, como exemplos do substancialismo. Acho que minha discordancia com o Fabrício foi um pouco diferente da sua.

bill disse...

Ah sim, tinha entendido mal...

Anônimo disse...

Aí vai uma opinião...
As teorias procedimentalista e substancialista apresentam-se como correntesde tradições filosóficas, assim, embora seja possível identificar traços marcantes em ambas as correntes, não se pode falar em ideologias. Vcs, todos me parecem neste momento pensando ideologicamente. As teorias pretendem superar o paradigma
da filosofia da consciência. O substancialista cobra a realização histórica o que faz lembrar,
timidamente, uma filosofia de cunho hegeliano, e, de certa forma, o materialismo
histórico . Nesta perspectiva, os valores a ser realizados devem ser apreendidos
historicamente a partir da sociedade. Os valores que são construídos comunicativamente
em situações ideais de fala, nas quais todos os indivíduos, autônomos, podem deliberar.
O desdobramento da discussão entre procedimentalismo e substancialismo é
enorme. Disso resulta, ainda,
uma discussão muito peculiar no tocante a políticas públicas. Um pequeno passo, porém, vai além da
análise dos fundamentos para pontuar questões pertinentes.
Um abraço a todos!
Gente chata, povo esquisito.

Roberto Torres disse...

Anonimo, que cosnosco mantém uma relcao de amor e ódio rsrs, seja bem vindo ao debate. Gostei mesmo de sua intervencao, e talvez sua zoacao conosco seja algo bem salutar.
Bem, vamos a ela. Eu discordo de voce que o substancialismo caminhe para romper com a filosofia da consciencia, porque na ausencia de um teoria do aprendizado histórico de valores (ou seja, sociologia do conhecimento em sentido amplo),o que se consegue é sair da consciencia individual para uma mera projecao do modelo subejtivista-individualista em instancias que, no fundo, sao percenidos como dotadas do mesmo tipo de auto-consciencia. Como o Estado em Hegel, ou a cultura nacional em Charles Taylor. No fundo, a briga é para, fugindo do individualismo-subjetivista, localizar a razao na história de um modo tal que ela nao seja apropriada por nenhum ente. Isto, para sociólogos como Bourdieu ou filósofos como Foucault, significa dar um "salto epstemológico" para fora da razao insituída, e buscar pelas condicoes de possibildiades de sua existencia. Usar a razao contra ela mesma, ou seja, em seu favor no sentido mais alto.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Sei não, mas acho que eu conheço esse discurso do anônimo, muito familiar (rsrsrs)