Há algum tempo atrás, fiz um curso sobre política latino americana que uma das professoras era uma Argentina da Universidad Torcuato Di Tella. Ela chegara ao Brasil pouco tempo antes do curso começar, exatamente num período eleitoral, e ficara positivamente impressionada com o nosso modelo de HGPE.
Lembro-me de que, nós alunos, imediatamente comentamos sobre a rejeição que havia sobre esse tipo de propaganda. Tínhamos em mente as charges com candidatos pitorescos, as músicas gostos duvidosos, etc.
Ao que fomos indagados sobre a importância do HGPE nas formulações de preferências dos eleitores, respondemos da forma tradicional brasileira: na teoria era interessante, mas prática...
De forma pré-reflexiva, estávamos contaminados por uma concepção de que no Brasil a formalidade institucional é bastante razoável, mas que na realidade tudo possuía um modus operandi distinto daquele desenhado por experts. Como se as instituições formais não fizessem parte da realidade, que fosse algo exógeno. No melhor dos mundos, havia boas intenções quando foram formuladas, mas não decantaram na realidade, ou seja, não conformavam comportamentos. No mundo das normas, seu correlato é popularmente conhecido como “leis que não pegam”.
Comentei com um colega que estava na terrível fase de escrever a tese de doutoramento (no mestrado eu ainda acreditava que esse negócio de fase pré-tese – FPT – era frescura!) sobre a discussão. Fui interpelado com a seguinte frase: “vocês são muito engraçados, querem saber o que o eleitor pensa sem perguntar para ele?”. Uma provocação deste tipo não passa impune numa roda de acadêmicos.
Fomos, então, procurar surveys que já haviam realizado algo que pudesse nos elucidar. Encontramos no ESEB (Estudos Eleitorais Brasileiros*), que possuía uma amostra nacional sobre as eleições de 2002.
Primeiro: 65,7% disseram que assitiam o HGPE ao menos 2 vezes por semana. Menos de 19% dos entrevistados passaram incólumes à propaganda eleitoral. Mas o que eles achavam do HGPE?
Perguntados sobre a existência do HGPE, 67,7% dos eleitores afirmaram que deveria continuar. Isso causou uma inquietação, pois, se havia a idéia de que não cumpria a função para a qual fora criada, porque motivo deveria continuar? Seriam os eleitores masoquistas ou tinham no HGPE uma diversão com os candidatos pitorescos?
Perguntou-se ainda se o HGPE havia auxiliado na decisão do voto. Surpresa!
Apenas 9,1% dos entrevistados disseram que o HGPE “não ajudou” em nada no conhecimento dos programas dos candidatos; 25,1% disseram que “ajudou pouco”, e nada menos do que 65% dos entrevistados afirmaram que “ajudou” ou “ajudou muito”.
Quando perguntados sobre a influência das inserções da propaganda eleitoral os percentuais dos que disseram que ajudaram foi ainda maior.
Destes dados concluímos que nossa concepção sobre o eleitorado era absolutamente preconceituosa. Pensávamos como os brazilianistas, que sempre nos ensinaram sobre o eleitorado brasileiro: sempre desinformado, desinteressado, sem fidelidade ideológica, etc.
Nas duas últimas décadas, as proposições dos brazilianistas politólogos vêm caindo uma a uma. A primeira foi sobre a suposta imprevisibilidade no Congresso; Argelina e Limongi desconstruíram o castelo de preconceitos existentes sobre o sistema parlamentar brasileiro em 1994 – surpreendentemente, ao contrário do que se imaginava, os deputados votam partidariamente, ou seja, a disciplina é alta na Câmara. Aos poucos estamos presenciando as mudanças das concepções sobre opinião política do eleitorado brasileiro.
Já podemos dizer que quase invertemos o fluxo de transmissão de conhecimento sobre o Brasil. Antes citávamos os brazilianistas, agora somos nós brasileiros que somos citados quando o assunto é Brasil. Para perceber esta mudança basta acompanhar as matérias da THE ECONOMIST sobre assuntos brasileiros.
Ainda temos um longo caminho pela frente para que essa inversão seja completa. Temos muitas pré-concepções a mudar. Às vezes somos ajudados pelos argentinos, que também sofrem do mesmo mal!
* ALMEIDA, A. C.; CHEIBUB, Z.; LOURENÇO, F.; MENEGUELLO, R. (orgs.). ESEB: Estudo Eleitoral Brasileiro, 1998-2002 (Banco de dados). Rio de Janeiro/ Campinas: UFF/UNICAMP. In: Consórcio de Informações Sociais, 2004. Disponível em: