Mais sobre os “descontentes de Odete”...
por Roberto Torres
Acho que o debate sobre a origem social dos votos de Odete gira em torno de duas questões fundamentais: 1) de qual grupo (s) social (ais) vem o descontentamento com o modelo político dominante em Campos?e 2) como este descontentamento pode ter se difundido ou ainda pode se difundir? No decorrer do debate, falamos sobre uma tal “classe média” como sendo a possível fonte desse descontentamento, e estamos buscando imaginar como isso pode se dar. Gostaria de acrescentar alguns elementos nesta análise, por enquanto enfocando mais a questão 1.
Uma das teses do Ministro de Assuntos Estratégicos, meu xará Roberto Mangabeira Unger, é que “a mudança mais importante por que vem passando a sociedade brasileira é o surgimento de nova pequena burguesia: uma classe média sedenta de oportunidades, dedicada à auto-ajuda econômica, educativa e espiritual e impaciente com as imposturas dos políticos, a frivolidade dos ricos e a irrelevância dos intelectuais.”...Esta tese constitui parte importante de sua reflexão sobre como e para quem a esquerda precisa formular idéias e programas. Para Mangabeira, esta classe seria decisiva na política da esquerda na medida em que ela constitui “o ímã a que são atraídas as massas populares: seguir o exemplo dos emergentes talvez seja hoje o projeto de vida mais difundido no país”.
A preocupação maior de Mangabeira é identificar os “suportes sociais” de uma esquerda criativa e radical, levando-se em conta a tese obvia de que a “classe operária” não pode mais ser apontada como candidata natural a esta tarefa. O raciocínio do Ministro (ex inimigo fervoroso de Lula) parte de uma premissa sociológica que é a seguinte: não há nenhuma classe social que, por definição, seja portadora de interesses capazes de transformar a sociedade para melhor. O que há é o surgimento de “novos interesses”, como os destes emergentes, capazes de serem interpretados intelectual e politicamente de um modo que eles possam ganhar uma direção transformadora e universalizante. Mas não há uma pre-determinação sobre estes interesses que os defina como algo decididamente “bom” ou “ruim” para um projeto de transformação social. Os interesses surgem de uma classe, mas se abrem a interpretações que podem faze-los mais ou menos abertos à uma fusão com outros interesses, de outras classes. Acrescendo a isso, como Mangabeira parece saber muito bem, que a inexistência de uma pre-determinação política não significa indeterminação. Há uma afinidade probabilística entre diferentes interesses que fazem, por exemplo, que o interesse “pequeno-burgues” em investir na produção se case com o interesse das camadas pobres em busca de emprego, caso estes pobres sejam empregáveis.
Mangabeira acredita que uma esquerda inventiva no campo das idéias e em sua aplicação institucional pode direcionar para o “bem” os interesses particulares desta classe média emergente. Embora eu ache que ele é um pouco otimista em seu diagnóstico, acreditando por exemplo que a vida religiosa (evangélica) desta classe possui um enorme potencial de solidariedade com outras classes, o que me parece não ser exatamente assim, o vínculo mais amplo entre o diagnóstico e ação parece ser muito interessante. Segundo ele, estaria nesta classe, e nos seus interesses “em aberto”, o potencial para o Estado criar uma política social não bifurcada, compartilhada pelos pobres e pela “nova classe média”, visto que “escola pública, hospital público e previdência pública só para pobres não servem para ninguém”..
Acho que nosso debate sobre o clientelismo e seus descontentes em Campos toca nas mesmas questões que o Ministro deseja debater a nível nacional... e assim como meu xará, eu também tenho um fio de esperança que, em sabendo ouvir os outros, os supostos interessados em reformular a esquerda aqui na Planície ajudem a entender essa chama de mudança com o sonho de tingir uma orientação transformadora para ela..