domingo, 2 de novembro de 2008

Como transformar o capitalismo?


por Roberto Torres


A existência de uma crise econômica como a atual sem dúvida alimenta a esperança de uma transformação histórica do capitalismo. Os mais infantis se dão por satisfeitos em alardear que o sistema está em convulsão, e sugerem que a crise econômica por si mesma irá produzir algo como a derrocada do capitalismo. Penso que o desafio da esquerda, em escala mundial, é o de produzir uma visão de mundo além dessa posição infantil que seja capaz de se transformar em política de Estado. E acho que uma análise política deste desafio pode começar por distinguir, weberianamente, estes dois níveis de ação social: 1) o nível da racionalização cultural, onde se produzem e se transforam as visões de mundo e 2) o nível da racionalização societal, onde as visões de mundo assumem formas institucionais e onde o Estado sem dúvida pode desempenhar um papel decisivo.

No primeiro nível a questão é saber como se pode transformar a visão de mundo hegemônica que sustentou o capitalismo neoliberal nos últimos trinta anos. Trata-se de como questionar a noção vigente de racionalidade econômica, sintetizada no chamado Consenso de Washington. Isto significa um processo de “convencimento” cujo alvo deve ser o de demonstrar a irracionalidade da racionalidade econômica vigente. Sem dúvida este processo de “convencimento” envolve muito mais que argumentos racionais, já que no plano das “profecias políticas” também o componente afetivo desempenha um papel decisivo. A irracionalidade a ser evidenciada precisa assumir concretude nos interesses dos grupos e estratos sociais que sustentam a racionalidade vigente. Neste sentido, a “luta de classes” também desempenha papel decisivo.

No segundo nível, a questão é saber em que medida a nova visão de mundo e a nova noção de racionalidade econômica poderiam se tornar uma politica de Estado, ou seja, como esta visão de mundo poderia se institucionalizar. Tal foi o que ocorreu quando o keynesianismo se tornou uma política de Estado após a depressão de 1929, em contextos bem diversos, marcados tanto pelo socialismo como pelo totalitarismo de extrema-direita. O que confere a diversidade dos modelos sem dúvida é a relação de legitimidade de classes sociais específicas com a política de Estado. Outra coisa, muitíssimo importante, é saber quais são os Estados nacionais, ou qual “constelação pós-nacional”, levaria a cabo a institucionalização de uma nova noção de racionalidade econômica, sustentando-a nas lutas de classes pelo monopólio de definir o que economicamente racional.

Bem, obviamente isso não é uma receita de como transformar o capitalismo. Tentei apenas articular alguns caminhos analíticos da sociologia política de Max Weber para pensar a dinâmica de mudança ideológica e institucional que pressupomos em um processo efetivo de mudança social. Acho que Max Weber pode ajudar muito a refletir sobre a crise, sobretudo para enfrentar algumas questões que o pensamento de Karl Marx não enfrenta muito bem.



2 comentários:

Igor disse...

Não há que se refletir sobre a crise além do papel do governo, prezado Roberto.

A sociedade civil não pode mais tolerar tanto poder na mão do governo, que, a seu bel prazer, define taxas de juros, aprova e desaprova subsídios, extorque sua população em centenas de bilhões de reais.

A nova crise no mercado financeiro demonstra que nem um país tido como extremamente capitalista, como é o caso dos EUA, possui governo de menos. É preciso reduzir ainda mais os tentáculos do Estado e permitir que, quando houver uma nova crise, não sejam os contribuintes responsabilizados pelos erros de engravatados em Wall Street e da elite política de Washington.

A paz!

Roberto Torres disse...

Prezado Igor,

Na verdade, o livre mercado, em todas as suas versoes históricas, sempre foi "planejado". Sempre o Estado teve que intervir para promover a liberaziacao economica, como foi o que ocorreu no neoliberalismo. Entao eu acho que nao se trata simplesmente de mais ou menos governo, mais ou menos política. No reino do livre mercado também há governo e também há política. A questao é qual política , e, o que eu acho ser o ponto nodal toda vez que se fala em crise do capitalismo, a definicao prática, a imposicao política portanto, da nocao de racionalidade economica. Os engravatados de Wall Strett tem seus representantes direitos na Casa Branca e definem a política de Governo. E os contribuintos nao formam uma única classe social diante do estado. A crise e a vida social nao pode ser reduzida à mera oposicao entre estado e sociedade.