quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

"CARNAVAL DE ANTIGAMENTE"



Fabrício Maciel

Algumas cidades de Minas adotaram, por suas prefeituras, a medida de permitir apenas samba e marchinhas nas festas do Carnaval. Esta é uma excelente opçao pra quem quer fugir do funk, axé e derivados. As cidades sáo Mariana, Ouro Preto e Sao Joao del Rey. Depois da propaganda, vem o sociólogo chato de novo. Tal medida já existe em cidades do Nordeste, como Recife e Olinda, se nao me engano. Bem, a justificativa geral é resgatar o carnaval de antigamente, preservar a cultura, etc. Sabemos bem que tais cidades sao o nicho preferido de turistas. Os brasileiros de classe media que precisam se distinguir do pequeno-burgues sem gosto sao o publico alvo. A cultura popular preservada nunca é para o povo.

Mais uma vez vale ressaltar como o mercado nunca se mostra enquanto tal. O que presenciamos é a construçao de um tipo de turismo específico no qual a beleza historica de tais cidades é palco perfeito para a criaçao de espaços cult de classe media culta, altamente diferenciados, e enriquecidos enquanto produto cultural com esta medida de manter apenas a pureza do carnaval. Nao há mercadoria mais atraente para o classe media cult que quer provar seu bom gosto. E a justificativa é sempre a riqueza da cultura local e sua força em sobreviver sem ser destruída pelo mercado. A verdade é só o contrário. O mercado esquematiza os elementos culturais de acordo com seus imperativos.

Em Caruaru, por exemplo, as melhores imagens da cultura local, no centro da cidade, sao encontradas no prédio do Banco do Brasil. Em varios lugares do Nordeste os bancos compram o espaço que outrora teve valor cultural, mantem o que convem, e ainda gozam do status de compromisso cultural e social. Algum relativista diria que tiveram que pedir licença à cultura. Eu digo o contrário: todo imperialismo, internacional ou inter regional, significa sempre a imposiçao de estruturas estranhas que se apropriam de valores e signos locais na medida em que estes sejam aliados na naturalizaçao e ocultamento da dominaçao social. Mas nada disso impede que nos esbarremos em umas destas cidades por ai.

32 comentários:

Roberto Torres disse...

Esse negócio de preservar a cultura é o ponto alto do argumento conservador do relativismo. Quando se diz, por exemplo, que as "comunidades de quilombos" devem preservar a sua cultura se defende no fundo que elas fiquem onde estao... no seu lugar socio-espacial respeitando a hierarquia social em sua "manifestacao cultural". O argumento do partido nacinalista alemao (NPD) é o mesmo. Eles dizem defender a preservacao de todas as culturas nacionais, cada uma no seu território e sem diluir a "pureza essencial" uma das outras

VP disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
VP disse...

Fabrício, seja lá qual for a música, abra uma cerveja bem gelada, aponte seus indicadores para o céu e acompanhe as primeiras nádegas femininas que passarem.

Abraços,

Vitor Peixoto

ps: Desconfio que vcs reclamariam caso o carnaval fosse realizado somente por funk. E, sinceramente, acho o samba e as marchinhas de uma qualidade infinitamente superior, algo que apoiaria qualquer política pública de fomento (nem que seja pela reserva de mercado).

Roberto Torres disse...

concordo com vc vitor... mas nao podemos esquecer quem é o público alvo.

Fabrício Maciel disse...

Vitor, quando o sociòlogo nao sabe separar a critica social de seus gostos pessoais, todos condicionados socialmente, ele esta arruinado e perde toda a sua legitimidade. sei que seu tom de brincadeira e positivamente provocativo, mas perceba a seriedade de critica. a maioria dos cult que consomem estes produtos culturais socialmente selecionados e valorizados tende a nao reconhecer que os hierarquizam diante dos demais, como voce esta sinceramente fazendo. e isso e fundamental para a naturalizacao de toda igualdade, afinal de contas no senso comum gosto nao se discute. deveria ser diferente na sociologia.

Fabrício Maciel disse...

consertando, quis dizer naturalizacao de toda desigualdade no post anterior. e tem mais, qualquer estilo pode passar pelo processo de resignificacao cult, nao e caso de que o samba em si e o funk em si sejam bons ou ruins, nao existe em si aqui mas apenas sgnificacoes sociais relacionais e hierarquizantes. em alguns espacos do rio no carnaval o funk sera curtido por pessoas cult, mas o cult aqui depende do espaco elitizado e do tipo de funk que sera tocado. a logica da distincao pode resignificar qualquer simbolo a partir do criterio da raridade e do bom gosto de quem aprecia. bom gosto este que sempre è contruido como superior a outros e nunca um dom natural de gente fina diferente dos grosseiros. mas o relativismo dira que nao existe o grosseiro que todos sao igualmente validos, e isso e mentira, nao e o que toda a sociedade pensa do que se toca e faz na favela por exemplo.

bill disse...

Chará, sua crítica parece a do cara que é de classe média "cult", que hierarquiza o funk e as marchinhas e que gostaria sim de ver a cultura local preservada com a reserva de mercado, que hoje, ao lado das políticas públicas, tem sido o único mecanismo de preservação cultural.

Abraço.

Marcos Valério Cabeludo disse...

Nadando com os tubarões, mas insistindo: Não acho que os gostos pessoais ou do pessoal seja exatamente o que o mercado está impondo, mas acho uma sacanagem morar no interior e não haver opções para minha geração que curte um carnaval no estilo antigo.

Roberto Torres disse...

O debate está muito interessante. Como sempre que tocamos no nosso gosto pessoal na busca de enquadra-lo analiticamente através da ciencia social tocamos em coisas bastante caras a todos nós. Por mais que todos aqui possamos, em maior ou menor grau, compartilhar com a Bourdieu a idéia de que as categorias do gosto recebem um pré-enquadrameto da realidade social, que as constitui enquanto algo existente no campo de nossa percepcao julgamento, ainda mantemos uma disposicao de rejeitar esse enquadramento. A idéia que todos possuem um potencial de autenticidade que independeria da vida social está incrustrada em nós como uma disposicao mais ou menos sistemática e mais ou menos atualizada. Por isso reagimos e denunciamos o "reducionismo da sociologia" em querer explicar "tudo" através do funcionamento da sociedade, reservando pouco espaco para coisas mais "finas" que o indivíduo autentico pode trazer de novo..... Desse aparente beco sem saída entre indivíduo e sociedade, se escapa quando sabemos que o sentido do que se pode perceber de modo compartilhado, no consenso e na luta, nos é dado pelo "esquema de mundo" que as codificacoes sociais nos permitem desenvolver. Assim, nao importa se "antes da sociedade", tanto no sentido temporal como espacial, haja um indivíduo capaz de sentir ou perceber algo que nao foi "inventado" pela sociedade; Esse "antes" é algo que so pode ser relegado à religiao ou a especulacao estética quando elas buscam esquecer sua vinculacao social. O sentido que podemos apreender é só aquele que o mundo social nos permite acessar ao nos determinar numa certa ordem de possibilidades espaciais e temporais de conhecer e agir sobre o mundo. Se há algo além disso, talvez possamos comprovar depois da morte...

bill disse...

A minha questão é que, ao negar o "relativismo conservador", uma hierarquia estética se impõe na arte também, ora. Neste sentido, não teríamos que renunciar as manifestações da "baixa cultura" em função da superioridade, inclusive moral, da alta? Isto levado à política pública significa nada para o funk e tudo para a música clássica (ou o que seja), não? no mercado, esta hierarquia que se confunde com a condição da classes, significa concentrar esforços naquilo que as altas classes consomem, não? que exatamente são aquelas que visitam Ouro preto. Determinadas distinções vão sempre imperar em função do desnível de poder simbólico, o que o Fabrício faz é exercer o seu se colocando acima das distinções estéticas. em última instância: "tudo vale", que é o mote do "relativismo conservador".
abraço.

Roberto Torres disse...

Agora entendi sua crítica Bill. Sem dúvida toda a crítica do relativismo conservador precisa assumir que na hierarquia instituída dos gostos há algo melhor, também do ponto de vista moral, em relacao à toda "cultura" criada em meio de privacao. E isso implica assumir que a classe média com alto capital cultural concentra as maiores possibilidades de uma atitude crítica em relacao a vida social. Bourdieu quando assumia essa posicao, sempre ressaltava que a capacidade de fazer a autocrítica, examinando as condicoes sociais de sua existencia, que as classes escolásticas (moral, estética e politicamente) poderiam ser revolucionárias - por em xeque a aceitacao do regime de capital simbólico existente. Mas a autocrítica nao busca "desconstruir" (no sentido de pretender abdicar), e sim "evoluir" os valores dominantes e por isso melhores.

VP disse...

Fabrício,

A minha intenção era exatamente "trazer" vc de volta ao mundo ordinário, aquele de contemplação conscientemente inconsciente, da ignorância racional e reflexivamente anti-reflexiva. Enfim, da burrice intencional!

E vamos beber uma cerveja que é carnaval, meus garotos. Precisamos esquecer um pouco esse gosto amargo de sangue gerado no cotidiano da crítica. Esse ressentimento arendtiano que nos consome diariamente DEVE ceder espaço, ao menos no carnaval, a uma contemplação um tanto ingenua. Afinal, a festa da carne é o momento anterior ao período de sacrifícios.

Novamente, levante seus indicadores e os aponte para os céus, abra uma cerveja gelada, e cuide para que esteja em boa companhia.



Grande abraço, e viva a folia!


Vitor Peixoto

Brand Arenari disse...

O debate requer uma explicação para se tornar mais claro, a saber, como funciona este esquema no indivíduo. Uma leitura pouco atenta do texto pode nos levar a entender que, estas “escolhas de gosto” da qual falamos, ocorrem racionalmente. Isso implicaria em acreditar que todo consumo de algum bem cultural seria um ato inautêntico (acho q foi isso que incomodou a maioria aqui). Logo, consumir cultura seria apenas uma forma de oprimir simbolicamente outro extrato social. Me parece que o mundo não funciona assim, e eu acho eu o Fabrício concorda com isso.
Assim como boa parte de vcs eu não acredito na existência de uma esfera estética separada do mundo, onde se poderia fazer escolhas puramente estéticas dos bens culturais. A identificação do indivíduo com o bem cultural é afetivo-estética, ou seja, o indivíduo encontra no consumo do bem cultural uma satisfação psico-emocional que preenche carências pessoais. Essas carências que tomam forma como disposições para certos gostos são forjadas pré-reflexivamente nas experiências que este indivíduo tem na socialização, por isso ganham a dimensão de disposições de classe, pq certos grupos são expostos a experiências muito similares. Desse modo, não precisamos ficar tristes, achando que somos inautênticos, que o capitalismo que criou o retorno das marchinhas, que não existe algo de único e individual em nós. As nossas experiências são sempre únicas, isso nos faz indivíduos, mas são elas muito parecidas com a do grupo que vive ao nosso lado, e isso nos coloca numa classe social, que é também um ente coletivo com “gostos” similares. Foi essa socialização parecida e não o capitalismo (se esse for entendido economicamente), que criou pré-reflexivamente (não racionalmente) as disposições para “gostar” de marchinhas e etc, o capitalismo se apropriou desta disposição e a transformou em mercadoria abrindo as portas para uma possível apreciação inautêntica do produto. Vale lembrar que uma sofisticada estrutura simbólica que opera como dominação classe existe antes do capitalismo.
Por isso caros leitores, não fiquem tristes, botem a cerveja para gelar e curtam sem culpa as vossas marchinhas! Muito provável que nos encontremos! Mas depois que passar o carnaval, lembrem do texto do Fabrício, ele desvenda muito da crueldade e opressão oculta existente em nosso mundo!
Abraço e bom carnaval a todos!


Vele lembrar que, diagnosticar que bens simbólicos, sobretudo gosto, pode ser usado e é usado como meio de dominação simbólica, não é pensar que ele só seja isso. Este modelo de pensamento também é uma disposição de classe. Acreditar que todo consumo de cultura e do gosto é só uma forma de dominacão simbólica, ou seja, que é inautêntico; é uma apreensão de mundo típica do racionalismo pequeno-burguês. O indivíduo alocado numa classe de transição (como é o caso do pequeno-burguês, que não é proletariado e almeja ser burguês) nao é capaz facilmente de apreciar os bens culturais da burguesia, pq não foi socializado neles, não pode incorporar pre´-reflexivamente esse universo psico-social, desse modo só enxerga esses bens como uma forma de impedir o acesso dele àquela classe, sempre os julgando como inautênticos.

Brand Arenari disse...

Aproveitando o ensejo, Essa galera Cult dos blogs de Campos (eu me coloco como voluntário) poderia fazer um, não digo um Baile, mas uma confraternização pré-carnavelesca, com marchinha, fantasia e td para ressuscitar o carnaval de Campos. Vão bóra meu Povo!

Roberto Torres disse...

Bom carnaval para voces ai. Eu infelizmente nao poderei apreciar os bens culturais autenticos e nem os inautenticos... Entao vou continuar um pouco com a minha inveja e criticar um pouquinho mais.

Tem um ponto que o Fabríco ressaltou na resposta ao vitor que nao discutimos ainda: o caráter relacional do gosto. O gosto nobre, fino, desinteressado, se constitui na oposicao ao gosto vulgar porque se cria uma oposicao simbólica ao regime de escasses e tensao da forma de apreciar o mundo das classes pobres. O gosto nobre se faz na oposicao distanciamento do papel x prisao ao papel. Assim, talvez o funk possa assumir um aura nobre simplesmente ao ser magicamente tocado por pessoas que nao sao reduzidas ao corpo sexualizado, de modo que possam se entregar à catarse do corpo em determinados momentos da semana sem que estejam aprisionadas à condicao de mulher-bunda (nao deixem de aprecia-las no carnaval, por favor, por causa da consciencia pesada despertada pela minha análise rsrsrs). Com esse distanciamento do papel, pelo qual é possível escolher onde e quando se tornar "pura volicao", nao o "funk em si", mas o seu uso pode assumir uma aura de nobreza. Será que estou sendo reducionista se aplicar esta análise ao samba? Como wittigensteiniano radical, Bourdieu defende que o sentido se define no uso, na aplicacao..ne relacao social envolvida neste uso.

Fabrício Maciel disse...

Caros amigos, estou muito contente com o debate, é interessante como o texto provocou nossas emoções devido ao momento do carnaval onde todos os nossos gostos, autenticos para nós, para não para todos, sao afetados pela critica. Concordo com as respostas de Brand e Roberto. Só cabe reafirmar que para que nao seja uma analise relativista tem que ficar claro que socialmente todos os gostos sao autenticos, no sentido de que sao naturalmente adquiridos na vivencia individual que Brand pegou bem, mas contextualizada na de classe, genero e outras formas de pertença social. No entanto, algus sao mais autenticos e legitimos do que outros, pois compoem o canon do que socialmente se constitui como cultura legitima, o que geralmente é aquele das classes cultural e economicamente dominantes, que exatamente por isso tem mais recursos materiais e simbólicos para generalizar seus gostos como legitimos e dignos de ser imitados, o que é fundamental para toda a dominação material. Acho que com isso respondo a questão de Bill, nao estou reproduzindo o relativismo. Cara cult comum simplesmente nos dirá, "todas sao validas e iguais" "eu as respeito" e isso nao é verdade, só sao "respeitdas" quando resignifcadas pelos padroes das classes dominantes ou médias. Isso significa por exemplo a mina da classe média dançar o fank com a calça da gang que custa dez vezes mais do que aquela calça usada pela funkeira, neste sentido mais autentica do que a da classe média, da ralé. Nada disso impede que tenhamos nossos gostos, pois nao somos ets. e por isso, aproveitem claro, o carnaval. Brand está no Brasil ne? to no nordeste e nao sei quando volto, mas se voltar logo te procuro. Valeu Vitor por lembrar sempre o lado bom da apreciação cultural, procuro tb nao me esquecer dele!

Fabrício Maciel disse...

Caro Marcos, legal sua questão. O mercado nem sempre impõe gostos e demandas, ele tb se apropria de demandas efetivas, que no caso sao de classe, como o seu gosto, que é legitimo pra voce mas sociologicamente tem uma origem que precisa ser tematizada nao é mesmo? que voce nao tenha opçoes e reclame e justo. mas veja bem, os casos que pego no texto sao emblematicos. toda a cidade é resignificada, e o gosto da ralé de la totalmente suprimido no espaço publico, por que sao cidades com patrimonio cultural facilmente mobilizdo pela ideologia cult. entao o mercado prioriza a vontade de quem é gente fina, nestes casos, arbitrariamente, pelo unico critério do que rende mais, afinal quem vem de fora nao é ralé ne, e atropela todo o gosto de classes baixas, como em qualquer imperialismo. é um pouco isso

Fabrício Maciel disse...

Bill, nao estou me colocado cima das distinções esteticas. Ora, a unica forma de fazer isso e a grande diferença do relativista é essa, é explicitar as condições sociais diferenciais que condicionam gostos diferenciais, mas sem perder que as condições de dominação social que favorem algumas classes impoem o gosto destas como mais legítimo, o que o relativismo jamais admite. ele simplesmente dira, nao, é tudo igual. estou dizendo que no é igual. é simples. esconder hierarquias é a melhor forma e manter qualquer tipo de desigualdade. explicita-las é o grande pavor do relativismo, e nao por acaso seus maiores adeptos sao pessoas que temem ver seus privile´gios sociais ameaçados, mas nem sempre isso é muito claro para a consciencia individual dos relativistas.

Roberto Torres disse...

Uma provocao ao Fabrício. Bill quer saber se vc ve superioridade moral no gosto da classe média, distanciada da perspectiva imediata com a vida e com o mundo.

Fabrício Maciel disse...

Roberto e Bill, sinceramente, no momento da vida em que estou, tenho pensado muito nisso. Não vejo não. Temos que ver como analistas as superioridades e hierarquias impostas intersubjetivamente. isso é uma coisa. outra coisa é a auto crítica. é óbvio que admito meu gosto e acho que sei de onde vem. hoje escuto rock britanico e americano dos 60 e 70 mais do que qualquer outra coisa. mas isso foi construído e adquirido, o que nao impede meu prazer ao ouvir isso. a verdade nao incomoda quando se admite sua construçao social. agora enxergar superioridade moral no gosto da classe média ou dominante me parece reproduzir a concepção elitista e hierarquica de arte que devemos criticar. Por que seria superior? não é superior em si mesmo. este gosto ajuda a construir um mundo melhor, mais igualitario? nao. ele tem a função de manter o mundo como está, pois confere as suas classes possuidoras a autoperceção de que são melhores e ajuda a construir as capacidades cognitivas para continuarem sendo auto contidas e assim manterem seus privilégios. entao nao posso achar que é moralmente melhor. mesmo por que se eu achasse isso deveria apenas ouvir musica clássica, mais distanciada de expressoes corporais mais explosivas, o que nao é o caso do rock inroll, que é alma nas letras, mas é muito corpo no som. e aqui vai outra provocação: qual a diferença em si entre Nirvana e Ivete Sangalo? a não ser os significados específicos que adquirem por suas ligações a classes específicas. Qual a diferença entre um boy de classe média trancado no quarto batendo cabeça com o sepultura e a menina da ralé lavando louça ouvindo Ivete ou Claudia Leite? Nõ há relativismo aqui nesta provocação, tendo em mente que o que caracteriza a menina como tendo gosto inferior são os acordos intersubjetivos de sociedades ainda regidas pela hierarquia moral mente-corpo que associam o gosto dela ao corpo por que ela pertence a classe que trabalha com o corpo e o boy de classe média nao. é um pouco isso. o gosto da ralé pode construir um mundo melhor? tb não. elogiar tal gosto? tb não. só acredtio no potencial da ciencia em explicitar, como Bourdieu, as condições sociais diferenciais da aqucição e construçao de gostos considerados nobres e outros vulgares.

Fabrício Maciel disse...

e outra coisa, se nao acreditarmos no potencial de distanciamento que a ciencia permite, só cabe se entregar ao relativismo. é o que estou tentando fazer. Bill diz que to expondo minha propria visao particular. é mesmo. mas a estou fazendo expondo-a a crítica, admitindo que sem as condições sociais específicas de minha trajetória pessoal eu simplesmente nao gostaria do que gosto, poderia gostar de outra coisa.

bill disse...

Meu caro Chará, a questão é essa, se vc não vê tal gosto superior, vc relativiza o gosto! Todos valem! outro elemento relativizador é vc falar em explicitação das condições sociais do gosto. Ora, quanto mais se explicita, mais se vê no gosto estético seus contornos sociais, e não o seu valor transcendental, como estava explícito na estética transcendental do Kant. Este faz exatamente a pergunta que vcs (críticos do relativismo - não sei qual) tem medo de fazer: qual o critério universal de julgamento que possa imperar além das especificidade, e que faça qualquer pessoa em qualquer época e lugar, julgar uma obra de arte como bela?
abraço

Roberto Torres disse...

Concordo com Bill. Acho que o critério moral é mesmo kantiano. Só que sociologizado. A fruicao estética, assim como o julgamento moral, sao tanto melhores quando mais eles se autonomizam da falta de escolha imposta pelas necessidades economicas (por economia devemos entender todo e qualquer regime de ecasses, onde também está envolvido a disputa por capital simbólico escasso). O leque de possibilidades humanas se amplia e só assim se permite "rejeitar" o mundo (sua falta de escolhas) tanto estética como moralmente. O gosto aprisionado nao desfruta disso porque suas possibilidades sao restritas, seus termos nao formam uma linguagem própria. Agora claro que existem experiencias de distanciamento (quase heróicas) de classes pobres que sao ignoradas porque a classe média monopoliza a definicao do que é uma fruicao distanciada. Eu acho que nas classes pobres, ou mesmo pequeno-burguesas (o preconceito contra o pequeno-burgues também nos faz ignorar muita capacidade de distanciamento entre eles), existe uma forma de fruicao muito forte ligada ao ato de oferecer comida. Alias, todo o efeito do capital simbólico, sobretudo moral, tem a ver com o oferecer, com a capacidade da dádiva. Ao ato puramente economico de satisfazer uma necessidade urgente a todos, sobretudo porque nesse contexto todos se lembram de algum modo do que significa lutar contra a fome, se vincula um ato de generosidade e ao regime de fartura, muitas vezes irresponsável. Dentro do principal horizonte de preocupacoes comum a todos, se criam relacoes onde é possível ficar à vontade, pegar comida na geladeira do amigo, onde se faz questao que se coma bem para certificar que o outro nao está se boicotando em virtude das preocupacoes compartilhadas e muito bem sabidas. Enfim, acho que a polidez burguesa na comida é completamente falsa enquanto expresao de valor mais evoluido na medida em que ela ignora que a fartura e comilanca podem expressar um ato de generosidade e distanciamento muito mais ousado e autentico.

Fabrício Maciel disse...

Bem, a questáo è a seguinte. o relativismo cultural que critico è aquele praticado por quase toda a antropologia e sociologia que simplesmente afirma discursivamente a igualdade de todos os gostos mas nao explicita a construcao social diferencial de seus valores. fazer isso Bill è explicitar hierarquias, coisa que o relativismo nao faz. Aqui o principio è bourdiesiano, e ele mesmo acreditava no desenvolvimento de uma critica no sentido universalista kantiano que voces colocam. Mas o que precisa sempre ser lembrado, como fez Bourdieu, è que a ciencia tem um potencial ambiguo, podendo variar entre particularismo e universalismo. a unica possibilidade de desdobrar o potencial universalista para Bourdieu, a partir de Kant, era explicitar as condicoes sociais diferenciais que permitem a alguns um distanciamento maior das necessidades e uma relacao mais escolastica e contemplatoria com a arte do que a outros. isso nao e relativismo cara. relativismo è achar que qualquer pessoa que nasceu em qualquer condicao objetiva pode do nada ter a relacao desprendida e leve com a arte. nunca se explica por que alguns estarao sempre presos a um gosto necessariamente corporal e outros a gostos mais ligados ao desenvolvimento do espirito.

bill disse...

Xará, sua crítica não é ao relativismo, mas a qualquer forma de ingenuidade científica. A história do relativismo passa por Montaigne e da experiência que tiveram os Europeus com o novo mundo, que os fez refletir sobre o lugar da Europa na criação. Portanto, explicitando condições sociais. Foucault admitia um relativismo de saberes, porém explicitando as condições desiguais de poder na construção das classificações legítimas. Luhmann fala de contingência, tudo poderia ser diferente, mas a sociedade tem um percurso que seleciona determinado caminho... cara, a questão é que em termos ideais tudo pode, a questão que vc coloca, e eu concordo, é que as condições sociais determina aquilo que tão somente é relativo. Aí, obviamente, nosso gosto é selecionado (ainda que irrefletidamente) em nossas trajetórias. Digo isso porque parece que vc quer afirmar uma existência ontológica do gosto, já que não é relativo. não existe, a meu ver, tal critério kantiano, mas este critério pode ser construído e somente o é na sociedade.

Fabrício Maciel disse...

Cara, entao estamos de acordo, náo estou afirmando nada de ontològico, pelo contràrio, a contingencia da història è náo ontologica, como entendo. acho que è isso.

xacal disse...

Enriquecedor o debate, e como o Marcos Valério, vou arriscar nadar com os tubarões do "aquário acadêmico"...

Creio que todos estamos de acordo quanto ao nefasto "relativismo cultural", que procura justificar uma suposta igualdade de valores dos bens e agentes culturais, para, justamente, mascarar suas características de classe...

Por outro lado, é preciso sempre muito cuidado ao "viajar" ao outro lado na hierarquização dos gostos culturais...

Esse é foco, e o perigo: não se trata de hierarquizar gostos...esses são necessariamente valores subjetivos, por mais que estejam pré-esquematizados socialmente...

Essa distinção individual dialética que lhe dá sentido, inclusive a essa sistematização...

Portanto, o que podemos hierarquizar são os fenômenos, e não nossa percepção deles...

É claro que Mozart é muito mais elaborado e complexo harmonica e literariamente que o funk da eguinha pocotó...

O problema é a restrição de consumo do primeiro pelos filtros de classe, e a massificação dos segundo como única possibilidade viável para a patuléia...

É pouco provável que consigamos estabelecer um ranking de melhor ou pior quando as referências que balisam estas escolhas são tão díspares...

A pergunta é: é melhor para quê, e para quem, quando e aonde...?


Um abraço...

Roberto Torres disse...

Bill, o que eu quis dizer com o critério kantiano é possibilidade socialmente construída de que a fruicao estética, ou mesmo a discussao moral, sejam pautadas por critérios que nao se reduzem ao reino da falta de escolha, das impossibildiades temporais e espaciais de apreciar a aprender apreciar que sao desigualmente distribuídas.

Xacal, concordo que tem nao tem nenhum sentido reiterar um ranking dos gostos. Esse ranking na verdade já existe de modo pré-reflexivo na forma como as pessoas constroem suas afinidades com os objetos e entre si mesmas. Isso inclusive varia muito de contexto para contexto, dando as vezes a impressao de que nao existe uma hierarquia socialmente validada e imposta. A classe média gosta disso no Rio, e daquilo no Recife, coisas muito diferentes.. A classe média do Recife compartilha mais o gosto local com o povo do Recife, do que o gosto de classe média do Rio. Se ficarmos na "essencia" do que é apreciado, iremos sempre cair nessa visao fragmentada e logo relativista. Do ponto de vista de seu valor para os indivíduos, o quanto de valor o gosto adere aos indivíduos, o que importa é se esse gosto foi mais ou menos construído sem o alarme da urgencia: a necessidade de defender material e simbolicamente do mundo. A menina que se entrega no funk porque o corpo sexualizado é a única fonte de autoestima para ela. Acho que a diferenciacao das possibilidades, e a liberazacao de algumas de terem que ser adotadas, é o que dá sentido a nocao de gosto. O hierarquia que eu acho importante a gente saber é essa: a de que, por mais que nossos gostos tenham uma narrativa subjetiva e sejam assim percebidos, o uso dele, com os objetos e pessoas de nossa preferencia, sempre recebe a esquematizacao do valor do objeto e do modo livre de aprecia-lo. Individualmente tudo pode ser muito variado, claro. Mas eu acho que as variacoes tendem a se dar a partir das possibilidades e impossibilidades do campo de percepacao e aprendizado socialmente no qual nao escolhemos nascer.

bill disse...

Estou completamente de acordo Robertão.

Fabrício Maciel disse...

parece que chegamos a um lugar comum então. e bom carnaval a todos.

xacal disse...

então vai a marchinha de carnaval para o blogobloco...

esse ano eu vou sair de diabo,
já tenho o chifre, meu bem,
só falta o rabo...

me dá o rabo, meu bem,
me dá o rabo.
prá completar minha fantasia de diabo...!

Roberto Torres disse...

xacal, cuidado para nao negligencair certas diferencas anatomicas na hora de cantar essa marchinha heim.