terça-feira, 24 de março de 2009

Algumas impressões sobre “O que a esquerda deve propor” ou “O que é que o Mangabeira tem?”

Prezad@s,

Como é praxe neste espaço aprendemos a valorizar as polêmicas. E com elas aprendemos pois aguçamos “as armas da crítica”, algo absolutamente pertinente ao fazer do cientista social que não se atém exclusivamente na busca (sempre precária e ilusória) por mimetizar o real. Valorizando a polêmica sobre o texto de Roberto Mangabeira Unger, sem dúvida um autor importantíssimo para o presente momento histórico, eu irei adiantar alguns pontos de uma resenha que preparo sobre seu último livro lançado em língua portuguesa, “O que a esquerda deve propor” (Editora Civilização Brasileira – 2008). Tudo leva a crer que a versão final do texto ganhará muitíssimo em qualidade com as questões que porventura provenham dos futuros comentários. Desde já agradeço pela oportunidade.

Antes, acho que é importante me posicionar sobre um ponto pertinente na atuação das ciências sociais: as ciências sociais tem um compromisso “normativo” a priori, posto ciência positiva, de compreender e explicar o real. Neste simples enunciado acho que é sintetizado o primado que nos distancia de parte da filosofia “pura”, onde é passível e mesmo cabível perscrutar questões eminentemente especulativas – como afirmar que não existe o real, há jogos de linguagem e etc... O que não é nada menor, diga-se de passagem, pois produz conseqüências inúmeras nos processos de elaboração de conhecimento aplicado ou não. Mas, prosseguindo, justamente por ser ciência social, seus “produtos” (pesquisa, artigos, etc.) obviamente podem e muitas vezes tem conseqüências “normativas” ou, simplesmente, as vezes políticas e morais. Por vezes até mesmo temos conseqüências pragmáticas na execução de políticas públicas, onde obrigatoriamente expressam-se noções de “bem viver” dentre as disponíveis no mercado de legitimações morais, que podem estar conectadas com estudos filosóficos ou sociológicos de toda ordem.

Ainda há a determinação de algo tão basilar, como o recorte do objeto, que é permeado por nossas opções valorativas (Weber). Não disse nenhuma novidade, mas, é importante sabermos de onde estamos falando. O que queria ressaltar que o binarismo “normativos” ou “não normativos” é tão grosseiro quando ingênuo. Sem pretensões de ineditismo (retomarei este ponto adiante).

Portanto não sou positivista ou tampouco algum tipo de “ativista”. E não gostaria que as minhas críticas e observações não fossem neste texto interpretadas sob qualquer tipo de alcunha deste tipo dado que não condizem com a minha proposta. Acredito enquanto valor, sim, que as ciências sociais podem produzir revoluções trazendo a tona o confrontamento com o senso comum e com os sensos informados ideologicamente de todo o tipo. Em suma, desencantando o mundo, mostrando onde este possui suas vértebras, e como estão dispostas. Tudo isto permeado por uma das melhores contribuições das ciências sociais para qualquer projeto civilizatório: o seu próprio pluralismo epistemológico.

Desta feita considero absolutamente inadequado que os atos argumentativos científicos ou pesquisas sejam guiados por um critério de validação que seja estranho ao fazer científico. Me recuso, peremptoriamente, a dividir o universo de cientistas sociais entre aqueles “corajosos” e os “covardes” dado que elementos de virilidade talvez sejam passíveis em eventos de luta livre. Mas não para o fazer científico. Ainda considero que para se fazer ciência se precise muito mais de cérebro do que de culhões. São opções as quais precisam ser compartilhadas. São minhas opções. Como estes pontos foram levantados nos comentários passados, de maneira esparsa, julguei que era importante traze-los a tona nesta análise.

Ainda, no campo da advertências ao leitor, minhas críticas não são para o conjunto da obra do valoroso Mangabeira Unger. E nem ao ministro. Eu não teria competência neste momento para avaliar nem um ou o outro. Na verdade nutro simpatia política por seu papel no Governo Lula e considero progressista sua participação na vida pública brasileira, embora que não sem ambigüidades. Minha leitura se dará unicamente sobre o texto “O que a esquerda deve propor”. Nada mais. E a crítica, antes de significar a prática do desprestígio, implica na possibilidade de avaliar argumentos.

Feitas as justificativas e os backgrounds teóricos-epistemológicos mínimos, vamos então ao texto.

Mangabeira Unger, um homem que logrou logo no início de sua carreira ser resenhado por ninguém menos que Talcott Parsons, nos brinda em seu “O que a esquerda deve propor”, com um complexo corpo de idéias que, em minha leitura, pertencem ao intrincado universo da filosofia política. Ao menos parcialmente pois discute: a) o que pode ser uma ordem coletiva moralmente justa; b) quais caminhos podem ser trilhados, programaticamente, em prol desta nova ordem. Outros elementos que me parecem importantes no debate da filosofia política parecem esmaecidos pois não se discute quem é o ser humano, o agente que faz a política (uma ontologia minimamente presente – natureza humana) e, em uma lógica processualista “neutra”, não se discute Estado, mercado, sociedade. Tem a trilogia hegeliana, a assume enquanto existente, mas não a problematiza adequadamente. Na verdade o autor propõe a inversão de pólos (profundo reajuste estrutural) destas três esferas possibilitando uma “revolução” de tons reformistas – há uma dialética de fato interessante entre reforma e revolução no texto. Todavia tudo se concentra em um “Fiat” (faça-se) pouco crível na medida em que não se dá ao trabalho de realizar um mínimo de análise conjuntural que permita essa “revolução reformista”. O próprio Mangabeira compreende as dificuldades de sua “profecia” – eis o substantivo utilizado pelo autor nos últimos capítulos - pois reconhece que o eleitorado capaz de operar mudanças tão substantivas sequer nasceu (e não há até o momento qualquer evidência que nascerá algum dia).

Prosseguindo, Mangabeira elabora uma crítica, bastante acertada, na aposta da esquerda “tradicional” de concentrar suas esperanças em um tipo de agente social, o famoso agente que resume em si a síntese do espírito histórico. Ora, não é necessário ser um grande leitor das obras socialistas elaboradas a partir do século XIX para compreendermos que na teodicéia secular de esquerda há um agente “ungido” da capacidade de representar o próprio espírito histórico: a classe trabalhadora. Todavia a resposta elaborada para este dilema, a ausência de um agente, se dá.... Retomando a classe trabalhadora!!!!! Simples assim. Renovada em seus anseios pequeno-burgueses, tendo este como um novo telos (mudança qualitativa em padrões de vida) que deve ser o fio interpretativo deste novo-velho agente reformado (?!?!), a classe trabalhadora, sobretudo situada entre os estratos médios, algo deve auxiliar a corporificar as profecias (seria o próprio Mangabeira um profeta?) elaborada em seu “conjunto de proposições”.

Tendo as aspirações pequeno burguesas para a classe trabalhadora é desnecessário dizer algo sobre o papel secundário reservado para a sub-classe e as políticas redistributivas. Ambos (sub-classe e políticas sociais) encontram-se em um grau hierárquico de prioridades menor. De alguma forma na leitura de ação de esquerda do autor há certa mitificação (fetichização pura e simples) dos processos educacionais caríssimos que possibilitariam, talvez, resgatar estes grupos de sua condição de miserabilidade. Sem detalhar em qualquer segundo como de fato seria viável tão ousada política educacional integrada e “para a vida toda” o que relegaria a “ralé” e um tipo de limbo desconfortável da modernidade.

Há coerência discursiva, se pensarmos no “preço” destas políticas educacionais, ao levarmos adiante o debate importante levantado pelo autor acerca da contradição gerada pelo direito de herança pois perpetua as diferenciações entre classes e aniquila em muito qualquer pretensão meritocrática existente na sociedade (outro ponto provocativo importante do texto). Mas, mesmo assim, supondo que políticas do lastro proposto por Mangabeira não se efetivem tão rapidamente (reconhecendo inclusive o elemento reformista de sua proposta), há de se pensar na ralé, que estaria desemparada em sua ascese para se tornar ao menos “gente” por processos educacionais de alta sofisticação. Preterida mais uma vez aqui, tanto como o fez em instigante entrevista para o jornal “O Globo”, onde há a preferência pelos “batalhadores”.

Um elemento muitíssimo interessante é a crítica de uma “leitura de mundo da calamidade” que percorre a esquerda, dado que faticamente alguns dos maiores avanços civilizatórios em um sentido progressista ocorreram em crises profundas. Foi assim após 1929, pós Segunda Grande Guera... E nestes termos há a preocupação do autor em buscar caminhos que fujam desta “pedagogia da crise”. O livro foi publicado originalmente nos EUA em 2005, antes da bolha imobiliária americana estourar levando à catástrofe do sistema financeiro que estamos hoje presenciando. Não teria exatamente, evidentemente, como prever o que estamos vivendo neste início de 2009. A grande ironia histórica é que, pelo caráter cíclico deste tipo de ocorrência estrutural, justamente neste momento temos mais uma crise que nos possibilitará os “experimentalismos institucionais” vaticinados pelo autor! Voltemos para a fática narrativa positiva da calamidade. Em outros termos, não desconsiderando a sua queixa, justa, vemos faticamente mais uma vez a oportunidade histórica de pensarmos determinados elementos do modo de produção sob uma outra ótica. Mesmo que não tenhamos mudanças estruturais. Mas, isto é uma outra questão.

Caminhando para o desfecho: sobre as pretensões de ineditismo.

Não duvido que eu tenha sido demasiado apressado nas minhas colocações, o que poderia permitir que eu não seja suficientemente compreendido em minha inegável crítica quando utilizei o termo “pretensões de ineditismo”. O outro caminho, o do elogio das “pretensões ao ineditismo” nos empurra para o pior dos mundos. Na verdade o elogio das “pretensões de ineditismo” é o elogio da ignorância ou da arrogância da recusa ao diálogo com autores que produziram peças mais convincentes sobre determinado tema. E muitíssimo antes do Mangabeira em questão.

O que devemos lutar, isto sim é fundamental para a ciência, é por estudos originais. Mas, “pretensões de ineditismo” são problemáticas na medida em que se recusam a participar do processo de acumulação do conhecimento. Reitero, a produção teórica deve primar pelo rigor na medida que a produção do conhecimento deve se reconhecer como parte integrante de um esforço coletivo.

Uma das formas possíveis, e me parece absolutamente produtivo que assim o seja, de ler o texto “O que a esquerda deve propor” envolve reconhecermos limites na democracia representativa liberal.

Ora, este formato de organização da ação coletiva, a democracia como via legítima e política, conquista hoje realidades até então impensáveis. Numericamente “nunca fomos tão democráticos”. O imbróglio está na seguinte questão: ouve a ampliação numérica mas sem gerar sociedades “movimentadas” politicamente. Esta é ao menos a impressão, ou o diagnóstico, de parte dos teóricos da sociedade a partir da década de 1990. Creio que Mangabeira faz o mesmo caminho. Portanto, vão me desculpar, aí que as suas “pretensões de ineditismo” (a questão de trazer a tona questões que já foram trabalhadas sem qualquer intenção de acrescentar diretamente com vias de aumentar o acúmulo do debate) vão pras cucuias. Habermas, Giddens, Wallerstein, Boaventura de Sousa Santos, Claus Offe.... Todos estes pensaram os dilemas da esquerda, e da ação coletiva, de maneira ou de outra. Todos reconhecem que a chamada “esquerda tradicional” peca muitíssimo em vários campos de atuação. Todos reconhecem que o Estado, sociedade civil e mercado precisam ser repensandos. Mas, NENHUM deles o faz sem apresentar minimamente as articulações exigidas para um projeto como esse. Há diálogos aí que são claramente construídos nos autores entre pontos de vista diferenciados. Há, evidentemente, problemas quando ocorrem momentos de “pseudo-originalidade”, vide Giddens como autor quase proto-típico. O que os diferencia é que estes autores promovem um diálogo que propicia um sentido acumulativo do debate que é notoriamente enriquecedor. Algo que não é feito por Mangabeira nem por um segundo. Não há qualquer diálogo. Há assinatura de um “manifesto esperançoso” que parece isolado do restante do universo acadêmico de onde o próprio autor provém.

Por fim, me causa absoluto desconforto a reedição da idéia de uma “religião da humanidade” secularizada. Tive um déjà vu comteano. Pensei que viria após esta idéia algum tipo de toque de trombetas apocalípticas e em anexo algum homem cabeludo e de vestido dizendo: “I´m the way”. Sem messianismos, por favor, a filosofia e a ciência social não precisam de profetismos ou de guias espirituais. O texto tem insights absolutamente interessantes, passíveis de maior aprofundamento e verificação dentro do corpo metodológico vasto e eclético das ciências sociais, que são amplamente prejudicados por este tipo de messianismo atabalhoado. Ninguém elegeu Mangabeira ou quem quer que seja como líder espiritual.

PS: Claro que a resenha “acadêmica” será mais cuidadosa.

15 comentários:

Paulo Sérgio Ribeiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Paulo Sérgio Ribeiro disse...

Ainda não li o livro de Mangabeira Unger (vou comprá-lo em breve). Portanto, não ousaria propor ou contrapor nada a respeito, embora a versão preliminar da resenha que George está fazendo seja uma introdução bastante "robusta" do livro. A preocupação metodológica com a qual responde ao dilema entre ser e não-ser “inédito”, talvez possa ser traduzida da seguinte forma: o poder simbólico investido em palavras de ordem (mesmo que professadas por um ministro sem dúvidas bem-intencionado) é conseqüente ao desconhecimento da história instituída nas “coisas” a que tais palavras são referidas (programas, teorias, polêmicas, etc.) e, por conseguinte, das relações de força transfiguradas nos instrumentos de produção ou de legitimação da dominação com os quais se coloca a seu favor o consenso instituído em torno de uma palavra de ordem na luta política. Um tema ou problema (uma nova via programática para a “esquerda”, por exemplo) constitui um objeto das ciências sociais se, e somente se, for tomado como indissociável do estado das lutas pela delimitação de hierarquias no campo político, que tem na tradição sociológica um campo também em disputa, se reconhecermos que esta oferece os “problemas legítimos” com os quais se orienta o trabalho de construção do objeto, quase sempre sem se conhecer o caráter pré-construído da problemática sobre o objeto, isto é, a história social dos objetos, problemas e teorias sem a qual aumentam as chances de que tais “problemas” sejam elaborados segundo as categorias do pensamento sociológico decantadas no senso comum (mesmo que erudito). Nesse ponto, concordo com George quando este afirma que:

“O que devemos lutar, isto sim é fundamental para a ciência, é por estudos originais. Mas, “pretensões de ineditismo” são problemáticas na medida em que se recusam a participar do processo de acumulação do conhecimento. Reitero, a produção teórica deve primar pelo rigor na medida que a produção do conhecimento deve se reconhecer como parte integrante de um esforço coletivo”.

Roberto Torres disse...

George,

me desculpe, mas eu nao li "o que a esquerda deve propor". Mas sua resenha parece ser bem generosa com os argumentos e, com base no que voce apresentou, eu concordo com o défiti sociológico de Mangabeira, al+ém de também discordar da opcao normativa em detrimento da ralé que o autor fz em relacao aos batalhadores. Também concoro com voce que ciencia é um empreenimento coletivo, é assim que deve ser e que o trabalho de qualquer um deve ser medido pelo quando ele contribui neste empreendimento. Vejo a ciencia assim mesmo, de um jeito bem durkheimiano, com aquela sonhada divisao do trabalho e do reconhecimento mútuo da interdependencia. Mas, meu caro, eu discordo muito de voce sobre como esse empreendimento coletivo pode se beneficiar da pretensao de ineditismo. Sei que esssa disussao nao interessa muito à proposta do blog, mas nao quero perder aqui o calor da polemica.
1) Acho que um autor nao precisa reunir e citar todos os outros sobre o tema. Os ouvintes do campo podem fazer esse enquadramento, se quiserem. Lembro do Peter Berger, pedindo licenca para nao citar um mar de nomes, de modo que só assim ele poderia ser claro e formular algo original. Foucault é outro que nao cita quase... Eu pessoalmente cito bastante, mas nao acho que esse habito deve ser insituído como tabu-critério na ciencia. Acho que esse é um dos grandes tabus pro hortodoxia que precisa ser desafiado em nome do empreendimento coletivo da razao centífica.

2) Por que a pretensao de ser inédito contribui? Por que a razao científca, caso exista e opere, está nas regras e constrangimentos do campo e nao na "boa conduta" dos cientistas. Eu acho por isso que pretensoes de ineditismo podem codensar grandes movimentos heterodoxos em nome da razao, que questionem tabus (como o de citar a tradicao um milhao de vezes antes de ousar formular algo proprio). Basicamente, eu acho que defender o papel dos que pretendem ser inovadores (original se voce preferir)é adimitir que na ciencia existem conflitos e disputas políticas, e que essas disputas precisam ser consideradas abertamente em nome do progresso da ciencia. Nao apostar nesta pretensao é negar o papel do conflito na ciencia, achar que ele nao contribui num empreendimento coletivo.

3) Sobre o culhao. Bem, se existe poder na ciencia, se existe uma tradicao, composta pro professores, ritos, posturas corporais etc, nao pensar na coragem (voce usou os termos "culhao" e "virilidade" so para denegrir a idéia de coragem, atribuindo um sentido machista e primitivo a ele)como algo importante na ciencia é imginar que podemos dizer o que quisermos sem ter que contrariar ninguem, ou seja, sem ter que ter o tal do "culhao" para levantar a voz diante de acordos onde o controle da voz dos mais jovens via bom mocismo é o principal mecanismo de eternizacao da ordem política que reina na ciencia (penso aqui na ciencia social). Nao reconhecer a coragem é imaginar que falar em público é algo sem contrangimentos, como se estivéssemos na "situacao ideal de fala" do Habermas. Cara, a coragem também agrega e agrega melhor no campo da ciencia.

George Gomes Coutinho disse...

Roberto,

Em verdade eu acho praticamente impossível citar todos os antecessores (risos). Mas, acho, desculpe-me, fundamental dialogar com as tradições persistentes. Mesmo que minimamente.

Acho que ciência se relaciona com o esforço de acúmulo. É uma posição diante do fazer científico.

E isto, claro, não implicará a anulação da originalidade de determinado estudo.

Também compreendo a necessidade levantada pelo Berger.. Talvez essa necessidade deva ser contextualizada para entendermos que ela não é passível de se generalizar para toda pesquisa, ensaio, proposição teórica, discussão filosófica. Berger certamente não propõe uma atitude para todas as estações.

Mas, no texto do Mangabeira, senti que muitos problemas poderiam ser evitados se houvesse o mínimo diálogo. O único autor convidado para o debate é Marx, o que ocorre difusamente e criticamente. Convenhamos que do século XIX para cá muito se discutiu sobre os dilemas da ação coletiva que o Mangabeira se proporia.

Sobre a coragem. Acho que está tácita em determinados tipos de opções de personalidade... Reconheço o caráter político da academia (você sabe que pagamos o preço disso em diferentes ocasiões). Só não acho que seja critério de validação no debate científico a ser arrogado!

A impressão que se dá ao levantar a "coragem" é que eu sou o macho pronto para empunhar a minha bandeira. E o que todo o resto ou é covarde. Não é? Ou estou errado?

Há um constrangimento simbólico na utilização do atributo "coragem". Coragem em nome de quem?

Abçs e obrigado pelas considerações relevantes

George

George Gomes Coutinho disse...

Paulo,

Eu simplesmente concordo com suas ponderações...

Há dilemas no fazer científico que devem ser postos em debate. E foi isso que levantei ao pensar o livro do Mangabeira.

Abçs

George

bill disse...

A questão do ineditismo do Mangabeira (concordo com o George em relação ao ineditismo científico), pelo o que o texto do George diz, parece estar deslocado. Mangabeira se propõe inédito, pelo o que o texto do George diz, não nas querelas das ciências sociais, mas no âmbito estritamente propositivo de um programa para a esquerda. Se de fato for isso, estamos colocando as palavras e as coisas em lugares errados.

Abraço.

Roberto Torres disse...

George, acho que voce tem razo quanto ao mangabeira. Parece mesmo que ele poderia contribuir mais se dialogasse com a tradicao. Mas o conflito de que falo pressupoe o diálogo com a tradicao: argumento e ambate, pois recorretemente precisamos tratar dos assuntos da forca "pré-argumentativa" para que o interlocutor tenha a "boa vontade" de reconhecer a forca dos argumentos. Como imaginar que o ato de escrever algo contra um autor consagrado possa estar descolado de assumir ou nao certos riscos dentro do campo? Existe sempre uma estratégia dentro da ciencia onde critérios nao científicos decidem a empreitada da ciencia bem antes de tratarmos ds critérios de validacao do conhecimento produzidos. Pensemos por exemplo nos critérios de patrocínio que permitem a producao ou nao de certo tipos de saber, algo decisivo sobre o conhecimento que nao se decide por critérios de validacao espistemológica.

Enfin, defendo o valor da coragem na ciencia neste fronte em que todos nós estamos envolvidos, para que a validacao racional possa ter lugar num jogo de disputas por melhores proposicoes onde existam menos tabus. Nao se trata de dividor o campo da ciencia entre corajosos e covardes, pois essa divisao já esta posta. E eu acho que temos a predominancia dos covardes.

George Gomes Coutinho disse...

Roberto,

Concordo contigo no que diz respeito aos riscos nos enfrentamentos discursivos que se façam necessários.

Recomendaria, para tornar ainda mais claro, que você faça algum tipo de post na medida em que a compreensão agonística de sociedade constitui para você um pressuposto para a análise da postura científica.

Abçs

George

Roberto Torres disse...

O que voce chama de compreensao agonística da sociedade?

Bill concordo sobre a imprecisao do foco. Acho que no campo da proposicao política o tema do ineditismo se liga ao que o texto anterior do Brando chamou para discutir sobre campos: a ditadura do presente. Ora, a profecia no campo da política, como a história mostra, sempre foi necessária para enfrentar a ditadura do presente, pois é justamente ela que articula uma volta ao passado que, no entando, faz uma projecao ao futuro, "consagrando" um certo ator na história. Parece que Mangabeira deseja fomentar algo como uma profecia em que se pretende viabilizar um projeto de futuro fomentando os interesses surgidos na nova pequena burguesia.

George Gomes Coutinho disse...

Roberto,

Concepção agonística é aquela que tem por fator explicativo estrutural uma concepção de luta e de agentes antagônicos. É o que está no primeiro plano das análises.

Ex: Marx, Bourdieu, Honneth...

Pode haver a leitura de que os agentes tenha consciência ou não dos processos de luta e de dominação... Mas ambas estão lá.

Desta forma os outros fenômenos sociais são ou causados ou diretamente influenciados por este pano de fundo: a arte, futebol, política (evidentemente), economia...

E quando você diz que o Mangabeira tem o objetivo de fomentar um discurso contrafático tendo por assimilação o parâmetro da busca por uma vida pequeno burguesa pela classe trabalhadora... Você está correto. Ao menos eu interpretei assim o autor. Note que o autor mesmo utiliza o termo "ditadura da falta de alternativas" no presente.

Não creio que seja assim. Na medida em que, mais uma vez, desde a economia solidária, passando pelos movimentos sociais de toda ordem, e mesmo na teoria social... Há muitos que apontam para alternativas! Algo que o Mangabeira simplesmente ignora... Interessante que não mencione sequer o Fórum Social Mundial.

E como se tudo que eu listei acima sequer existisse.

bill disse...

Roberto
A política funciona fundamentalmente alencando no presente a energia utópica do presente. Mas isso só pode ser feito com posições sobre o futuro. A ciência, ao contrário, com sua estrutura conceitual, seu método, teoria, tende a alencar as regularidades do passado e presente, já que o futuro é passível de consequências não premeditadas. Eu vi isto no texto do george. Mangabeira tenta se colocar neste espaço, ainda vago, por isso inédito, das energias utópicas. Sua narrativa é um jogo com o futuro.

Abraço.

Fabrício Maciel disse...

"a) o que pode ser uma ordem coletiva moralmente justa; b) quais caminhos podem ser trilhados, programaticamente, em prol desta nova ordem."

Restringir tais propósitos ao campo da filosofia politica é ignorar a obra do fundador da sociologia Durkheim que com sua tese da moral e da objetividade da sociedade desenvolveu o primeiro propósito citado.
Quanto a Marx, me parece que com sua teoria utópica da tomada de consciencia enfrentava os dois objetivos.

Dizer que Mangabeira não tem uma idéia de sociedade é exigir que ele tenha uma teoria externa, como diria HOnneth, que imagina uma sociedade abstrata sem antes ter uma opinião sobre as sociedades empíricas. O livro tem um capítulo sobre nações e outro sobre a social democracia, dois modelos empíricos de sociedade que quase sempre se confundem no ocidente moderno, tem uma postura assumida sobre ambos. por isso nao da pra dizer que ele nao tem uma idéia de sociedade.

Não há a ignorância de outras classes sociais, como a ralé, só por que neste livro específico se pensa em políticas para o segmento dos trabalhadores mais integrados. pelo contrário, a idéia de uma política democrática energizante é um projeto social emancipatório para a sociedade como um todo, pois inclui o aperfeiçoamento de uma democracia direta e participativa que pode ser integrada e beneficiada por todos os indivíduos. Ainda que haja teor utópico evidente, o que para mim não é um problema, a questão é que não há a negligência tola e inocente sobre as outras classes que nao os batalhadores e muito menos a aposta nesta classe como uma nova portadora da consciencia de si. A análise parte de observações acuradas sobre as sociedades contemporãneas tanto periféricas quanto centrais, empiricamente bem diferentes da Inglaterra de Marx.

George Gomes Coutinho disse...

Olá Fabrício,

Vamos por partes:

a) O trecho selecionado, dentre o meu repertório de intenções, aponta muito mais o que seria adequado ao que compreendo enquanto filosofia política. Não é clausula pétrea! Os estudos no campo da filosofia política usualmente compartilham destas diretrizes... E isto é um fato. O que, obviamente, não é verdadeiro para os estudos sociológicos. Ou todo estudo sociológico, enquanto forma de validação, necessita de elucidar qual ordem é justa? Me parece que não... POde fazê-lo mas seria absurdo exigir que todos o fizessem.

b) Excelente lembrança as de Durkheim e Marx. De fato no texto eu fiz uma leitura muito mais inspirada em Weber do que nos outros dois clássicos. Este último me parece mais adequado aos princípios e exigências do campo científico contemporâneo no que tange o seu modus operandi. Acho que Weber se aproxima muitíssimo do esforço de institucionalização da ciência hoje do que os outros dois clássicos citados.

c) Conheço ainda em superfície a obra de Durkheim por mera falta de oportunidade. Mas, entendi que a questão moral para o autor envolve o debate sobre como as sociedades (tradicionais ou industriais) são. E não tanto como deveriam ser! Ou seja, ainda não esbarrei com nenhum texto programático do autor, propondo uma sociedade à imagem e semelhança de sua forma de pensar (como o Mangabeira propos). Neste ponto peço que me indique algum momento em que Durkheim faça algo parecido.

d) Marx é um outro papo.. Na medida em que de fato as coisas estão misturadas (explicitação do real + proposição de elementos programáticos em prol de uma transformação estrutural do real). Creio que Marx é produto de sua época, um momento em que as ciências sociais ainda estavam em processo de estabelecimento de seus princípio de funcionamento e legitimação. Isto não retira sua genialidade mas, hoje, é crivel dividir o debate tanto entre jovem como velho Marx... Ou também textos com maior teor sociológico (O Capital, 18 Brumário, Miséria da Filosofia...) e textos com elementos da filosofia política mais nítida (Crítica a filosofia do direito de Hegel, Manuscritos Econômico Filosóficos, Ideologia Alemã..). Nenhum problema... Parte dos marxistas não gostam desta divisão.. Mas, temos que ter estratégias para estudar os clássicos né? Para que de fato possamos elaborar estudos produtivos... Sem dogmatismos como se Marx fosse a santíssima trindade secular.

e) Muitas das críticas aos dois autores devem ser contextualizadas pois construíram suas análises em um dado momento histórico de parca institucionalização das ciências sociais. Durkheim foi o inaugurador de uma cadeira de sociologia na universidade... Mas, o campo ainda estava para ser construído e suas regras ainda estavam sendo colocadas. Tempo histórico profundamente diferente do Mangabeira Unger... O oposto desse raciocínio nos permite dizer que a ciência seja ahistórica. E creio que não seja!

f) O texto do Honneth me interessa. Onde ele faz essa observação sobre teorias externas?

g) Acho que os capítulos que você se refere elaboram tipos ideais com pouca sedimentação empírica. Não são o "concreto pensado" marxiano.

h) Não disse que ele não tenha uma "idéia de sociedade". Disse que ele não apresenta, no livro, uma teoria da modernidade que permita articular sua proposição sobre a esquerda e sobre uma outra sociedade pós-capitalista. E assumir posturas é muito menos preciso do que especificar sobre o que se está falando. Me parece insuficiente para se propor o que o autor esboça, isto de "assumir posturas". Faltou rigor oras!

i) Analisei "este livro específico". Na minha resenha deixei isso claro e não me propus a fazer uma exegese da vida e obra do Mangabeira. E no texto sim a ralé está subsumida em uma hierarquia moral que pode ser deduzida pela importância que atribui para a classe trabalhadora que quer ser pequeno burguesa.

j) O que você adjetiva como "acurado" eu classifico como impreciso. Não vi apuro empírico que mereceria o termo "acurado".

l) A classe trabalhadora de Mangabeira reedita a classe síntese de Marx que por sua vez reedita a idéia de espírito cristalizado em uma instituição ou agente (no caso do Estado) para Hegel. Só assim é possível viabilizar as transformações que irão afetar a "todas as outras classes". Não há negligência. Há a noção de que esta classe pode subsumir as outras ao realizar sua tarefa histórica. Sem isso a democracia energizante fica sem um ator... É este ator que irá expandir o mercado, alargar a participação no Estado, enquanto agente de pressão. É este ator que irá proceder a reinvenção da solidariedade, dado que os outros atores não teriam a viabilidade estrutural de proceder assim.

Nada contra autores utópicos. Eles dizem muitíssimo sobre quem somos e trazem um elemento subversivo muitíssimo importante na busca por atualizar as agendas normativas. Também nos permitem olhar para o futuro pois o que é classificado como utópico hoje pode realmente ser fato amanhã....

Minhas críticas não foram contra a imaginação subversiva. Foram quanto a forma em que foram apresentadas e o seu conteúdo, absolutamente temerário no que diz respeito ao que se deve exigir de intelectuais hoje. O que eu reivindico na minha crítica é o rigor e não um tipo de "faça-se" que me parece muito pouco responsável.

Abçs

Fabrício Maciel disse...

Cara, o texto de Honneth é "trabalho e reconhecimento" em número recente da Civitas. Mantenho minhas posiçoes no post anterior. Nao acho suficiente dizer que tinha mais Weber que outros na cabeça pra ler Mangabeira, não é assim que se acumula conhecimento na ciencia, pessoalmente minha epistemologia e forma de ver a ci~encia ainda é mais marxista, me parece menos passivel de reproduzir os chavoes de ciencia neutra como se usa Weber hoje e que acredito nao ser o seu caso. Mas com Marx nao tem meio termo, é explicitar as condições historicas de formaçao de visoes de mundo e pronto. Fico com ele ainda. No geral aprecio seu esforço nesta leitura do Mangabeira. E vale a pena ver o velho Durkheim melhor.

George Gomes Coutinho disse...

Eis o ponto meu amigo...

Neste momento temos discordâncias sobre o que é fazer ciência e como fazê-la.

E considero fundamental que tenhamos a possibilidade de discutí-la. Hoje eu defendo uma idéia de pluralismo científico que permita inclusive que as discordâncias epistemológicas sejam a garantia contra qualquer tipo de pensamento único nas ciências sociais.

Crescemos sob a égide do pensamento tipificado como neoliberal, que simplesmente tinha por objeto de píada todo tipo de construção de realidade outra que negasse a sua. Deu no que deu.

Grande abraço e que continuemos em prol deste tipo de pluralismo qualificado (como o próprio Mangabeira defenderia)

George

PS: Seguirei sua recomendação e preciso mesmo ler com mais calma o Durkheim. Tarefa esta sempre adiada por conta das exigências do dia... Mas o farei.