Fabrício Maciel
Escrevo em resposta ao debate suscitado sobre um trecho do livro de Mangabeira Unger, "O que a esquerda deve propor", em post anterior aqui. Primeiro, acho ruim a idéia da competição entre blogs sobre trechos de livros. Debates não se fazem sobre trechos, mas sobre sínteses que fazemos sobre livros ou textos. Como acabei de ler este livro, vou falar dele. Diferente da análise no post anterior de que o livro seria confuso e obtuso, acho exatamente o contrário. Mangabeira tem uma proposta muito clara. Trata-se de ousada e original crítica a um objetivismo das ciencias sociais que perdeu de vista o indivíduo. Sendo hoje um homem do poder, Ministro de assuntos estratégicos, ele apresenta corajosa crítica de alguém que ainda acredita em algo, coisa que nenhum intelectual em sua posição hoje faz.
Nos limites institucionais da ação política, a crença em um ideal democrático que considere as pontencialidades individuais é fundamental. Nâo se faz boa política sem compreender as capacidades e limites das pessoas que compõem o público alvo. Nas classes sociais que ocupam o trabalho precário, encontramos pessoas com potencial para o trabalho que podem ser ajudadas em tal potencial. Este é um exemplo da preocupação de Mangabeira, que acredita em uma política democrática somente se esta se preocupar em resgatar pessoas, em acreditar em sua ação autonoma, sem romantizar tal realidade, mas buscando nos limites do Estado as possibilidades de estudar tais pessoas e montar políticas melhores do que as assistencialistas para potencializar suas capacidades no mercado.
A idéia central é desenvolver uma política democrática energizante. Ela considera o potencial de ação relativo a cada fração de classe, com ênfase nas que mais precisam de apoio do Estado. Este apoio pode ser não paternalista, mas justo, usando-se o Estado para administrar recursos em favor de todos os seus contribuintes. Isso é um pensamento revolucionário. Antes da ação, é preciso mudar nossos ideais, é preciso ver o mundo de forma diferente, diferente do abstracionismo das ciencias sociais, onde tudo são representações, fatos sociais, identidades, e nunca pessoas de carne e osso.
Mangabeira vê no sofrimento dos trabalhadores do mundo inteiro um potencial de mudança, uma crise pessoal e humana contida, não tematizada nas ciencias sociais, preocupadas com as falsas crises do mercado financeiro, sempre estruturais do capitalismo, que como agora, com toda esta propaganda, só o escondem em sua verdadeira lógica, na qual a crise traz lucro para o "capitalismo top", o financeiro. Mangabeira crê que uma proposta de esquerda deve mobilizar teórica e politicamente tal crise humana e transformá-la em potencial de mudança. Está no limite da ação política consciente possível, pelo menos para quem tem a força do Estado ou da ciência para fazê-lo. Ele quer acreditar nisso e tenta fazer a parte dele no Estado. Eu também quero, e tento fazer a minha na ciência.
18 comentários:
Fabrício,
Pretendo elaborar uma reflexão mais pausada sobre o livro em questão a qual espero poder compartilhar em breve.
Mas, em um sentido imperativo como o título do livro indica, o que há de proposição para a esquerda a não ser um excessivo normativo, um confuso dever ser, sobre a realidade social?
Um debate propositivo, como o autor almeja, resvala em dois traços da mais pura megalomania:
a) ao descobrir a "pólvora" da democracia representativa injetada com doses de democracia direta. Há enorme bibliografia acerca da questão, ignorada solemente pelo autor com suas pretensões de ineditismo;
b) a pretensão desmedida de ser o cara que vê elementos onde supostamente ninguém mais veria. A "piada" de Mangabeira, tal como no ponto "a", já foi repetida ad eternum por textos mais competentes.
Por fim não vejo utilidade sociológica em um texto calcado exclusivamente sobr o "dever ser". Mangabeira, reitero, não possui uma teoria articulada sobre o que venha ser a modernidade fática... Seu texto envolve traços espasmódicos em um profundo ecletismo temático despropositado.
Abçs
George
Ah, por fim, acho um texto de consequencias interessantes para determinada filosofia política. Mas, sociologicamente, não...
no fundo caro amigo, nem vou entrar em detalhes, nossa diferença reside em acreditar ou nao em alguma coisa. pra mim sociologia sem dever ser nao existe, o que voce faz como sociologo sem isso? sociologia sem dever ser é conservadora pra mim. aliás, tirar do rótulo de sociologia tudo que acredita em algo, como se fosse mera viajem ideologica, é uma das maneiras mais classicas de comodismo intelectual disfarçado no rotulo de sociologia. fico por aqui pois sei que concordamos em várias coisas mas aqui nao concordaremos, to cansado desse status de pseudo sociologia com teorias fáticas sérias e organizadas. a sociedade é desorganizada e a realidade social confusa, qualque teoria normativa que nao identifique potenciais dentro dela nao está fazendo nada para mudar.
Fabrício, se cansar de teorias fáticas sérias e organizadas, em nome do compromisso com o deve ser pode significar abrir mao da ciencia em nome da moralidade, e isso também tem enormes consequencias conservadoras. Desde quando se abre mao de analisar faticamente como as concepecoes de dever pode ou nao surgir e ter eficácia, ou seja, de fazer sociologia política, o mero compromisso de incluir um dever ser na análise é só um recurso moralista de retórica.
Fabrício,
Tendo a concordar com o Roberto.
Não há problema algum em discutir elementos normativos e o "dever ser", dado que estes de alguma forma encontram-se embutidos em toda teoria social. Epistemologicamente a teoria social acaba derivando de algum tipo específico de concepção de natureza humana. Dentre outros elementos, claro!
O problema sociologicamente é que não há espaço para macrocefalias normativas na teoria social desde Weber sob o risco de não se explicar nada.... Ou ainda, o vicio de linguagem de algum tipo de naturalismo sociológico pode resvalar no vicio de se subsumir todos os fenômenos a uma causa única (luta de classes, razão comunicativa, escolhas racionais) . Enquanto sabemos que o real, de fato, é derivado de algum tipo de pluralismo causal...
O compromisso sociológico é compreender esse pluralismo causal.
A normatividade está antes da definição do objeto, o que determina o nosso olhar, e pode estar depois com o que iremos fazer com nossa pesquisa... Acho que isso é neutralidade axiológica.
Vejo espaço para debates normativos e isto tem consequencias sociológicas sobretudo quando somos propositores. Mas, a normatividade per se não quer dizer nada para a sociologia... Mas, há espaço para esta no campo da filosofia política. Certamente!
Abçs
George
PS: Acho que a sociologia enquanto ciência, produzindo um discurso rigoroso e sistemático, pode sim trazer elementos para a mudança. As consequencias de fato conservadoras estão quando a sociologia empresta um verniz de legitimidade para ideólogos ou demagogos.
De fato Roberto, mas não é o que estou tentando fazer, me refiro a todo rótulo de sociologia séria e fática que ñão passa de reprodução vazia dos velhos paradigmas sobre a modernidade ocidental. Uma tentativa de teoria normativa e contrafática já deve necessariamente incluir a dimensão de constatação da facticidade da sociedade, achei que não precisasse dizer isso mas é sempre bom por uma questão de precisão ne. O que não dá é só ficar na dimensão fática, sem tentar articular na realidade empírica observável das classes contemporâneas o potencial de manutenção e de mudança, fundamental para o primeiro inclusive, para que se construa uma teoria interna ao sofrimento das pessoas, ou seja explicitando e compreendendo com ciencia a linguagem do sofrimento, como sugere HOnneth, e não meramente externa, sem tocar nas necessidades de mudança social efetivas.
George, suas acusações a Mangabeira sao totalmente imprudentes.
"Macrocefalia normativa" (o que é isso?)
Mangabeira tem uma proposta concisa e concreta:
tematizar a condição individual de certos trabalhadores. "Macrocefalia"?
"Naturalismo sociológico"?
Caro, com todo o respeito, quem ta usando verborragia e rótulos aqui é você. como assim naturalismo? O Cara tá criticando em detalhes todas as tendências possivelmente naturalistas das ciências sociais modernas.
Voce vem com este monte de palavras esquisitas e não se refere seriamente em nenhum momento a nenhum conceito sequer do autor. Critique algum conceito dele pelo menos.
E você ainda fala em "vicio de linguagem" quando é voce que não se remete a nenhum conceito, é só rotulo o tempo todo cara, por favor.
Rapaz, não vejo novidade nenhuma nisso... A Tacher falava na potencialidade individual para gerar e sair de condições precárias. O Mangabeira pode fazer a crítica que quiser, é legítima, mas acenar para alguma novidade com isto o que o Xará disse no texto é, como disse o George, desconhecimento sociológico. Eu diria desconhecer até mesmo o senso comum. A grande questão é articular sua idéia (totalmente legítima) com o cânone sociológico, sem querer inventar a roda, talvez com objetivos políticos claros. Estar em relação ao cânone sociológico envolve também criticá-lo, obviamente. Xará, sinceramente, acho que vc deveria depositar sua energia também nas esferas mais diretamente relacionadas à implementação das políticas, lá talvez vc possa ver concretizada sua verve revolucionária.
(soube que o Mangabeira sondou o Jessé, seria um ótimo começo!)
Abraço.
Bem, que Mangabeira está reinventando a roda também fica por conta de George, Mangabeira não diz isso no livro. Me impressiona tua comparação Bill, pois uma pessoa pode fazer menção a mil coisas ou apenas desenvolver uma em mil páginas, o que me parece ser o caso de Mangabeira e muitos outros que respeito. Na verdade quem disse que estava reinventando a roda da sociologia foi Luhmann, já que estamos falando nisso ne. (não podia te poupar disso Bill hehe)
Vai aí minha despropositada contribuição ao desafio proposto pelo George.
WEBER, Max. Ciência como vocação.
"E se, de novo, Tolstoi se apresentar diante de vós e perguntar: “Quem responde, já que a ciência o não faz, à questão sobre o que devemos fazer e como devemos orientar a nossa vida?” – ou, na linguagem aqui empregue neste serão, quem nos dirá “a qual dos deuses antagónicos havemos de servir? Ou talvez a outro de todo diferente, e quem será ele?” – então, há que dizer: só um profeta ou um salvador. Se tal profeta não existe, ou se já se não acredita na sua mensagem, então não o forçareis de novo a baixar à terra, tentando que milhares de professores, como pequenos profetas pagos ou privilegiados pelo Estado, assumam o seu papel nas salas de aula."
Grande abraço,
Eu também quero e tento fazer a minha com Jesus. Afinal, o ser humano é essencialmente espiritual e o Mangabeira concorda...hein?
Parabéns Fabrício, você foi 10.
Olha a palavra: varear..
Para varear, olha eu aqui...
Não precisa ser profeta e nem deve pois a maioria vive dando "profetada"... Que tal professores poetas?
Tudo a ver também... com Mangabeira...
Xará, Luhmann também não disse que estava re-inventando a roda (como vc sabe, ele faz um mix de várias teorias) E sei também que mangabeira não disse que estava a reinventando, isso quem disse foi vc. E acho que pelo o que vc escreveu, não é bem o caso.
Vitor, a mensagem não poderia ser mais clara, mas lembre-se que existem sessões espíritas por aí...
Abraço a todos.
Vera Vandau em seu livro "A didática em questão" diz que o futuro "pede" Educar Para a Paz...
Leiam também " Nove Olhares sobre a Supervisão" organizado por Celestino Alves da Silva Junior e Mary Rangel
"...que[...]não se detenham na superfície, mas alcancem camadas mais profundas, onde se encontram raízes de questões que envolvam o trabalho educativo, seus serviços e compromissos."
Ah.. esse energizante aí é "essencialmente" espiritual.
E quem não seguir esta linha vai ficar no meio do caminho. Com certeza!
Bem, quero acrescentar duas coisas neste debate.
1) Já que lembramos Weber, vamos la. Faco a seguinte leitura da doutrina cientifica de Weber. Devemos nos distancar dos valores na hora de buscar e demonstrar o resultados da pesquisa, ou seja, nossa visao de como o mundo deve ser nao pode nos impedir de sermos honestos e termos autonomia cognitiva para analisar o mundo como ele é.
2) Sobre a a escolha dos temas, como Weber deixa muito bem claro quando diz que a sociologia deve se ocupar dos fenomenos economicos, economicamente relevantes ou economicamente condicionados, nao há e nem é possível haver distanciamente algum. Temas relevantes sao aqueles crivados pela ordem de valores de nossa época. A ressalva de Weber em ciencia como vocacao, que Vitor trouxe aqui, é contra as pretensoes de um lugar profético com o crivo de imparcialidade da ciencia que se arvore em dizer como as pessoas devem agir. Mas isso pode ser feito pelo cientista na política, com o uso da ciencia, como Weber fez. No campo da ciencia, interessa nao a formulacao da doutrina política, mas a consciencia das questoes políticas envolvidas na definicao do objeto. Por isso, apesar da crítica que fiz, concordo plenamente com a posicao defendida pelo fabrício de que é legitimo, sem que isso deponha contra a qualidade da ciencia, assumir e defender a hierarquia de valores que informa a escolha do objeto. O sofrimento humano pode e na minha visao deve ser incluído como dimensao fundamental na hora de definirmos o objeto da sociologia. Isso nao significa que o sofrimeto seja o objeto, mas sim que ele precvisa ser considerado como tema fundamental que, na perspectiva dos participantes, sempre se poe como tema do que consitui os sistemas sociais em seu fluxo: a comunicacao.
Gente, o problema não está em reinventar a roda, está em deixar, pelo menos, a roda "rodar"...
Enquanto a esquerda fica em suas elocubrações vazias, o governo faz e desfaz... preparando o pano de fundo que vai pegar muita gente desprevenida, com certeza...
E não vamos ser tolos de pensar que esta "política democrática energizante" aí, vai trazer a liberdade...
Que pena que nosso estudante não está diante "todas" as leituras para, ao comparar, chegar as suas próprias conclusões.
Já em 1996, Carlos Rodrigues Brandão previu o final da esquerdada petista. No livro que ele autografou escreveu: "que você não perca a esperança..."
Hoje eu diria: Minha esperança são apenas três palavras: Verdade, Integridade e Humildade.
Se o que estou expressando nada tem a ver com a proposta de vocês aqui, podem deletar tudo e só virei para ler... ( graças a Deus que disso não somos impedidos).
E digo mais, é o blog onde mais aprendo e mais me detenho...
Um abraço para todos.
Rosângela Maria Pessanha de Souza.
Olha a palavra: "tendepe".
Sim pés no chão... e pé de caminhar caminhos imprevisíveis focando sempre naqueles trê pontos de minha esperança.
eu avisei, george, eu avisei...
Companheiros,
Desculpem-me pela demora. Amanhã postarei algo que pretende ser uma resposta provisória a alguns elementos aqui, justificadamente, levantados.
Abçs
George
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